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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Politicas Sociais: a eternizacao da assistencia e da dependencia - Ivan Dauchas

Bolsa Família, pão e circo
Ivan Dauchas
Instituto Liberal, 6 Fevereiro 2015

Segundo o economista inglês Thomas Malthus (1766-1834), a pobreza e o sofrimento humano eram o destino inevitável da maioria das pessoas e qualquer tentativa de reduzir esses males tornaria a situação ainda pior. Por isso, Malthus reprovava qualquer política redistributiva que tivesse por objetivo melhorar as condições de vida dos mais pobres.
No começo do século XIX, vários economistas (inclusive Malthus) tinham uma visão sombria concernente ao futuro do capitalismo. Para nossa sorte, esses economistas estavam errados. Com o passar do tempo, essa nuvem negra foi se dissipando e o capitalismo mostrou-se um sistema altamente eficiente no sentido de gerar riqueza para todos, inclusive para os mais pobres.
Bolsa família: seria essa a solução?
Bolsa família: seria essa a solução?
Acho que todos concordamos que a pobreza excessiva é um problema social. Vejam bem, eu não estou me referindo aqui a justiça distributiva, que é um assunto bem mais complexo. A pobreza excessiva está altamente correlacionada a uma série de mazelas sociais, tais como: violência, uso de drogas, criminalidade, gravidez na adolescência, crianças abandonadas etc. Se tudo isso não bastasse, pessoas pobres, com baixa instrução, são mais facilmente manipuláveis e tendem a escolher mal seus representantes políticos.
Por conta disso, a parcela esclarecida da população normalmente apóia políticas que tenham por objetivo reduzir a pobreza. A questão fundamental aqui é: qual o instrumento mais eficiente para atingir esse objetivo? Muitos vão responder que é o acesso universal à educação de boa qualidade. Concordo plenamente. Porém há um detalhe importante. A educação consiste em uma estratégia de longo prazo. E no curto prazo, o que pode ser feito? O que fazer com os que passam fome? Livros saciam apenas nosso apetite intelectual.
Dentro desse contexto, surgiram as chamadas políticas de complementação de renda. Convém ressaltar que a matriz teórica dessas políticas está assentada nas idéias de Milton Friedman (1912-2006), um dos maiores defensores do liberalismo no século XX. Em seu famoso livro Capitalismo e Liberdade, ele sugere a criação de um imposto de renda negativo. A idéia é muito simples. Quanto mais rico for um indivíduo, maior a alíquota do imposto de renda. Já os pobres, em vez de pagarem, recebem uma ajuda em dinheiro. Quanto mais pobre, maior a ajuda.
Como liberal, Friedman nunca foi um ardoroso defensor de políticas de redistribuição de renda. Seu argumento, porém, é de fácil compreensão. Caso o governo resolva implementar uma política de combate à pobreza, que essa política seja na forma de uma ajuda em espécie e não em qualquer outro tipo de bem. Por uma razão muito simples, o indivíduo beneficiado sabe melhor que o governo quais são as suas principais necessidades. Somente a ajuda em dinheiro respeita o direito de escolha do consumidor. Por exemplo, para uma pessoa faminta e sem dentes, uma dentadura, em determinadas situações, pode ser mais necessária até mesmo que o próprio alimento.
Na década de 1990, quando as primeiras políticas de complementação de renda começaram a ser implementadas no Brasil, vários segmentos da sociedade, inclusive muitos economistas liberais, aprovaram a iniciativa com exaltação. Além de respeitar a soberania do consumidor (ajuda em espécie), essa política era considerada mais eficiente que as tradicionais porque estava focada nos mais pobres. Um programa universal – como subsídio à produção de alimentos, por exemplo – favorece tanto os ricos como os pobres. Como não é focado, há um desperdício de recursos públicos e uma perda de eficiência.
Programas sociais de caráter universal podem se transformar em mecanismos brutais de concentração de renda. O melhor exemplo desse caso no Brasil são as universidades públicas. Todos sabemos que os alunos dos cursos mais concorridos dessas universidades são oriundos de famílias de classe alta ou média-alta. Ou seja, estudantes de famílias de alto poder aquisitivo têm seus estudos integralmente bancados pelos contribuintes. Por outro lado, estudantes universitários de famílias pobres têm de ralar duro para pagar seus estudos com o dinheiro do próprio bolso. Muito justo isso, concordam?
Durante o governo Lula, os vários programas federais existentes destinados a complementar renda (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás etc.) foram unificados em um só programa, batizado de Bolsa Família. Com o passar do tempo, o Bolsa Família foi mostrando certas fragilidades, que mais para frente se transformaram em verdadeiras aberrações. Nem em seus piores pesadelos, Friedman poderia imaginar no que se transformaria sua criatura. Os beneficiários, em vez de ver o programa como um mecanismo de curto prazo que resgataria pessoas da miséria, passaram a entender que aquele dinheirinho mensal se tratava de um acréscimo definitivo em suas respectivas rendas. Em outras palavras, o programa tinha uma porta de entrada, mas não tinha (e continua não tendo) uma porta de saída.
Pior que isso foi uso eleitoral do programa. Durante a campanha para Presidência da República, a candidata Dilma Rousseff deitou e rolou ao falar sobre as grandes conquistas sociais de seu governo e de seu reverenciado grão-mestre. Disse que mais de 50 milhões de brasileiros são beneficiados com o Bolsa Família. Ou seja, aproximadamente um quarto de toda a população brasileira. Disse também que pretende ampliar o programa ainda mais e deixou a entender que os outros candidatos acabariam com o programa. Os beneficiários, logicamente, entraram em polvorosa e votaram massivamente na candidata do governo. Nesse circo de horrores, é evidente que o Bolsa Família foi um fator determinante para a vitória de Dilma.
Não é preciso ser doutor em economia para perceber que há algo de errado em um programa social que atende um quarto da população do país e continua sendo ampliado. Dilma e o PT não têm porque se orgulhar desses números. O ideal seria se o nosso país estivesse crescendo, gerando empregos e cada vez menos pessoas dependessem de políticas assistencialistas. Mas, em vez de crescimento, o PT, com sua “nova matriz econômica”, nos presenteou com estagnação da economia, crescimento da dívida pública e inflação. Além disso, o PT conseguiu criar um imbróglio demagógico de difícil solução. Ou melhor, dificílima solução. Aos pessimistas, porém, uma mensagem. Relaxem, não se desesperem, já temos pão, já temos circo. O melhor é curtir a festa.

Sobre o autor
Ivan Dauchas é economista formado pela Universidade de São Paulo e professor de Economia Política e História Econômica.

sábado, 12 de julho de 2014

Politica economica companheira: deu tudo errado - Eduardo Gianetti da Fonseca

Eduardo Giannetti da Fonseca
Folha de S. Paulo, 11/07/204

O passado não pode ser mudado --é lenha calcinada. O futuro será o que fizermos dele --é promessa de combustão. Daí que todas as nossas escolhas na vida prática, como ensina George Shackle, "se dão sempre entre pensamentos, pois será sempre tarde demais para escolher sobre os fatos".

O início formal da campanha convida a refletir sobre o caminho trilhado e as opções em jogo. Ao término do mandato, há duas formas básicas de se avaliar um governo.

A primeira é interna: o governo realizou o que se propôs a fazer? Trata-se de medir a gestão por sua própria régua: o hiato entre propósitos declarados e resultados obtidos. Já a avaliação externa questiona o teor da visão estratégica --ou a falta dela-- que norteou a ação do governo. O exame recai sobre o projeto perseguido: a pertinência dos valores e prioridades revelados pelas políticas implementadas.

Como o espaço é exíguo, atenho-me neste artigo a uma avaliação interna do governo Dilma na área de atuação em que o hiato entre o almejado e o obtido foi mais gritante --a economia.

Três grandes paradoxos marcam a atual gestão.

Dilma elegeu-se e governou sob o signo da aceleração do crescimento. Ultrapassado o impacto da crise global, a intenção era dar sequência à vigorosa recuperação de 2010 e superar os 4% de média anual dos governos Lula. Apesar de todo o empenho sincero --e em boa parte por causa dele, na medida em que a adoção de uma pletora de medidas "ad hoc" gerou grave incerteza sobre as regras da economia-- o resultado foi justamente o contrário do pretendido.

O governo Dilma encerra o mandato com a menor taxa de crescimento de toda a era republicana, excetuados os governos Floriano Peixoto e Collor. No acumulado de 2011 a 2014, nosso crescimento deverá ficar em 61% do verificado na América Latina.

O segundo paradoxo decorre do voluntarismo na política monetária. Movido pela intenção louvável de reduzir o custo dos investimentos, o governo Dilma fez da queda da taxa Selic sua grande bandeira. Só que em vez de criar condições reais para isso, forçou uma redução prematura e viu a inflação extrapolar o teto da meta.

Deu no que deu: o Brasil volta a ostentar a maior taxa de juros real planetária e a Selic deverá terminar o atual mandato acima do patamar inicial --fato inédito desde a adoção do regime de metas em 1999.

E, por fim, a joia da coroa. Um governo de claro perfil estatizante mas que, graças a barbeiragens e gambiarras em série, logrou a proeza de prejudicar seriamente nossas duas maiores estatais, Petrobras e Eletrobras, deprimindo seu valor patrimonial e tolhendo sua capacidade de investimento. Os resultados, outra vez, tripudiam das intenções. Obra de rara alquimia.

quinta-feira, 13 de março de 2014

13 de Marco de 2014: 50 anos do famoso comicio da Central: o mito das reformas de base...

Comemorando, à minha maneira, o meio século decorrido desde o famoso comício da Central do Brasil, quando o presidente João Goulart desfilou a lista das suas famosas reformas de base que pretendia fazer no Brasil, com o Congresso ou sem o Congresso, "na lei ou na marra", como teria dito Brizola, permito-me transcrever aqui a pequena análise que fiz de cada uma delas, tal como consta de trabalho que vou publicar proximamente sobre o mito dessas reformas de base, que não eram de base, e não iriam reformar absolutamente nada, apenas tornar o Brasil um pouco pior do que já era.
Aliás, olhando a sucessão de greves e manifestações selvagens ocorrendo hoje no Brasil, o desrespeito total à lei e à ordem, com a conivência, talvez até com o estímulo de alguns companheiros no governo, eu tenho a impressão que estamos vivendo uma reprodução daqueles tempos conturbados.
Assim é se lhes parece...
Paulo Roberto de Almeida

 O GOVERNO GOULART E O MITO DAS REFORMAS DE BASE

Paulo Roberto de Almeida
 (...)

1) Reforma Urbana, com vistas a definir uma Lei do Inquilinato que melhorasse as condições de vida da classe média não-proprietária e dos trabalhadores.

As promessas de Goulart, no comício do dia 13 de março, eram diretas: “Dentro de poucas horas, [um] decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares.” Se tratava da fixação, segundo critérios políticos, de tetos máximos de reajuste para os aluguéis, com determinação igualmente política de um teto máximo para a aferição dos valores de mercado do metro quadrado, para construção ou aluguel; as medidas seriam supostamente completadas por programas de construção de casas populares subsidiadas. O resultado prático do anúncio foi a paralisação da construção imobiliária, uma retração do mercado de aluguéis, o desenvolvimento de um mercado negro de contratos fraudados nesse setor e uma carência habitacional ainda maior do que a existente no período anterior. A fixação de tetos máximos para os aluguéis, se implementada, significaria uma intromissão do governo no patrimônio de particulares (para todos os efeitos equiparados a “rentistas”, quando muitos eram, na verdade, cidadãos de classe média tentando complementar salários, pensões ou aposentadorias oficiais notoriamente insuficientes).

2) Reforma Agrária, facilitando aos trabalhadores rurais acesso à terra, atacando os latifúndios improdutivos ao instituir o uso lícito da terra.

Como escreveu um historiador brasileiro de tradição marxista, Caio Prado Jr. – que, aliás, recomendava uma reforma agrária de cunho essencialmente capitalista, e nem sempre pela simples repartição de terras –, o Brasil careceu, desde os tempos coloniais, de uma verdadeira categoria assimilável, em linha de princípio, aos camponeses no sentido clássico da palavra, uma vez que os camponeses livres ou os trabalhadores rurais não pertencentes a um latifundiário, ou não assalariados, sempre foram, em sua opinião, marginais, estrutural e historicamente falando. Não lhe parecia, assim, que uma reforma agrária ao estilo mexicano ou russo poderia ser aplicada no Brasil de modo economicamente racional e socialmente sustentável. Caio Prado dizia (1966) que uma solução capitalista – via melhoria das condições de trabalho sob um regime salarial – poderia cumprir as funções econômicas essenciais para a constituição desse mercado interno capitalista que não tinha sido possível constituir no tempo histórico de formação da sociedade brasileira.
Em outros termos, se a reforma agrária tinha sido uma necessidade em outros tempos, talvez a sua oportunidade já tivesse passado e caberia examinar as outras possibilidades de modernização econômica e social no campo, compatíveis com uma moderna economia capitalista, em vista da inexistência já referida da classe camponesa tradicional. Assim, se havia algum sentido de ‘justiça social’ na distribuição de terras, esse tipo de medida poderia não revelar-se funcionalmente eficiente nas condições concretas da economia brasileira da segunda metade do século XX. O que existia, sim, era uma demanda por trabalho e renda no campo, sem que os demandantes tivessem, contudo, condições técnicas e competência profissional para se estabelecerem como “camponeses capitalistas” de modo pleno, sem requerer assistência contínua e apoio financeiro do Estado, o que não necessariamente os transformaria em camponeses bem sucedidos, mas provavelmente em eternos dependentes do apoio estatal.
Em paralelo, havia, claro, uma enorme demanda política pela reforma agrária, mas isso correspondia mais aos movimentos políticos organizados em busca de uma agenda qualquer de ‘transformação social’ do que propriamente a uma necessidade estrutural daqueles mesmos que seriam objeto da “reforma agrária”. Ou seja, era uma boa agenda eleitoral, e de agitação ideológica, oportunamente explorada pelos movimentos em questão de esquerda.
João Goulart, em seu famoso discurso da Central do Brasil falou da ‘reforma agrária’ como um espécie de “abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria”, o que era absolutamente verdade, mas sem que isso pudesse implicar em que essas dezenas de milhões de brasileiros se convertessem, da noite para o dia, em camponeses prósperos ou minimamente independentes da ajuda estatal. O que ele pretendia, através de um decreto da Superintendência da Reforma Agrária, era expropriar terras às margens das rodovias e ferrovias para entregá-las a ‘camponeses’ pobres, num gesto cheio de demagogia e inconsequências: “O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.”
O vezo demagógico de sua proposta transparecia na imediata sequência de seu discurso: “Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, que se apoderaram das margens das estradas e dos açudes.” Ele prometia, então, que em 60 dias, com a ajuda das Forças Armadas, começaria o trabalho de demarcação e atribuição das terras assim designadas para a sua reforma agrária relâmpago. Reiterando suas promessas, afirmou: “A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.”
Não é possível saber que destino e que trajetória teriam tido a expropriação e a distribuição de terras “valorizadas”, segundo o programa de reforma agrária de Goulart, já que ela sequer chegou a ser implementada. Ademais dos imensos problemas logísticos que tal medida em favor do ‘povo’ acarretaria, em vista da completa incapacidade da Supra em administrar um processo dessa magnitude, havia o obstáculo do impedimento constitucional da expropriação de terras sem prévia indenização em dinheiro, tal como estabelecido pelos constituintes de 1946. Provavelmente ela teria conduzido a difíceis batalhas legais no Supremo, além de alguma exacerbação da violência no próprio campo, a supor que o Exército teria efetivamente servido de guarda pretoriana da Supra na sua tentativa de acelerar a redenção do “povo rural”.
Em todo caso, o governo militar do general-presidente Humberto de Alencar Castello Branco adotou, como uma de suas primeiras medidas de reforma estrutural, o Estatuto da Terra, que pretendia eliminar o latifúndio pela via da imposição fiscal e da sua inviabilização patrimonial mediante condicionalidades produtivas, ou seja, uma típica reforma capitalista. Quaisquer que tenham sido os resultados desse instrumento de reestruturação agrária, o tema não deixou de ter sua forte conotação política e ideológica durante todo esse tempo, até os dias que correm, quando um movimento neobolchevique ainda diz pretender realizar a ‘reforma agrária’ com os mesmos métodos e objetivos já inoperantes e economicamente irrelevantes de meio século atrás.

3) Reforma Político-Eleitoral, instituindo o voto aos analfabetos.

Medida justa, em sua franquia universal, ainda que ela viesse acoplada de uma exigência que ainda hoje desperta um sentimento de caução: “que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado”. De fato, Goulart pretendia que “Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.” O princípio é meritório, mas contar com prefeitos ou vereadores analfabetos pode não ser o melhor caminho para o aperfeiçoamento da máquina administrativa e o seu funcionamento adequado, naquela época ou ainda hoje.

4) Reforma Educacional, para ampliar a rede pública, assegurando a todos o direito à Educação com qualidade, dentro dos princípios do Estado laico.

Os princípios e as intenções sempre foram vagos, e o governo Goulart nunca explicitou como ele pretendia assegurar a todos o direito à educação de qualidade. Supostamente, isso se faria pela ampliação das universidades públicas e pela democratização do acesso, o que permaneceu indefinido até que o governo militar decidiu instituir o vestibular como método universal, e meritório em seu recrutamento impessoal, de seleção na entrada, cabendo depois resolver o problema das vagas e da qualidade do ensino. O que seria possível prever, mesmo na continuidade do regime democrático no Brasil, seria a grande expansão do ensino universitário, demanda universal da classe média e dos estratos urbanos da classe média baixa.
O que os militares fizeram foram enormes investimentos na pós-graduação, ao lado de um relativo descaso com os ciclos inicial e secundário da educação, com consequências danosas nas décadas que se seguiram. Independentemente dos regimes militares e civis, e de sua orientação mais estatizante ou liberal, a educação nos dois primeiros níveis continuou a se deteriorar continuamente no Brasil, ao passo que a democratização do acesso ao ensino superior, assegurado pela expansão sobretudo privada da oferta de vagas, foi acompanhada da perda de qualidade dos quadros docente e discente, o que é de certa forma natural e esperado, num movimento desse tipo. A melhoria da qualidade da produção científica não encontrou correspondência na transposição desse conhecimento para o aparelho produtivo, e o Brasil segue dependente de tecnologia e know-how estrangeiros.
Em qualquer hipótese, teria sido altamente improvável que um governo Goulart levado a seu termo tivesse alterado significativamente a qualidade do ensino no Brasil, em qualquer nível. O mais provável é que ele teria contribuído com sua deterioração mais rápida, em vista do exacerbado corporativismo sindical já presente e de suas conhecidas orientações populistas, incompatíveis com um ensino adaptado aos requerimentos de uma sociedade de mercado competitiva como deveria ser o Brasil.
Mencione-se a propósito, que com todo o autoritarismo do regime militar, este esteve mais próximo de cumprir certas exigências de uma moderna economia competitiva – sobretudo ao estimular a pós-graduação – do que todo o primitivismo ingênuo (ou maoísta) de um Paulo Freire, disseminado pelos pedagogos típicos desses ambientes fortemente ideologizados e sindicalizados. O desastre educacional teria sido bem maior e teria vindo provavelmente mais rápido. O problema básico da educação no Brasil é a afirmação do mérito, algo a que se opõem virulentamente sindicalistas e partidários da isonomia absoluta.

5) Reforma Administrativa, para modernizar o corpo funcional, racionalizando a máquina do Estado e combatendo a corrupção.

Nada mais meritório e nada mais necessário, aliás ainda hoje. Como para o problema educacional acima mencionado, o mais provável teria sido uma deterioração do serviço público, em função do corporativismo exacerbado que já vigorava nos tempos de Kubitschek e caminhou para seu ponto máximo no governo Goulart. A orientação tecnocrática do regime militar, aliás condizente com a própria natureza das Forças Armadas, levou a uma modernização sensível do aparelho de Estado, ainda que pela via autoritária, e com imensas restrições ideológicas, típicas da mentalidade estreitamente anticomunista então vigente. Os militares, na verdade, mesmo tendo modernizado o Estado, ampliaram exageradamente seu escopo e abrangência, entrando nas mais diversas áreas de natureza diretamente produtiva. O resultado foi uma elevação da carga fiscal de menos de 13% para mais de 24% do PIB, servindo em parte para investimentos produtivos, mas em grande medida também para a manutenção do próprio Estado. A sociedade brasileira, já premida por uma carga tributária próxima da dos países ricos – com uma renda per capita seis vezes menor –, paga o preço dessa expansão desmesurada do Estado, que, contrariamente ao que se pretendia, correspondeu também a um crescimento da corrupção (natural, já que o Estado manipula um volume maior de recursos, com mais funcionários e canais de intermediação, que podem também servir a objetivos de fraude ou de roubo deliberado).

6) Reforma Bancária, para ampliar o crédito e financiamento às forças produtivas, abaixando e controlando os juros.

O Brasil nunca tinha tido, de fato, um mercado de créditos efetivo e um sistema bancário digno desse nome; desde o Império, a carência de capitais foi uma constante em nossa história. Era, portanto, mais que justificado que o governo Goulart pretendesse fazer uma reforma bancária para ampliar o crédito e financiar a produção, mas o sentido adotado para isso era deliberadamente enviesado para abaixar os juros, mantendo-os controlados por mera volição administrativa. O Brasil, na verdade, precisava mais do que uma reforma do sistema bancário: ele tinha de passar por uma reforma econômica radical, que deveria começar por uma reforma monetária, fiscal e orçamentária, estabelecendo as bases de um sistema financeiro competitivo e aberto, com baixo grau de extração tributária e de requerimentos de financiamento por parte do Estado, o que contribuiria, justamente, para manter em níveis moderados os juros bancários. O que eleva os juros é a dívida pública e a falta de concorrência no sistema bancário, não a ganância dos banqueiros, como parecia acreditar o governo Goulart. Controle de juros, assim como o controle de câmbio geram distorções no campo econômico, e são inócuos, já que um mercado paralelo – de financiamento ou cambial – se colocaria como alternativa informal à determinação governamental.

7) Reforma Tributária, para corrigir as distorções da tributação entre proprietários e assalariados.

Certamente necessária, aliás indispensável, já que a estrutura existente em 1964, preservando impostos anacrônicos que vinham do Império ou do início da República, era altamente disfuncional do ponto de vista da produção, do consumo e da renda. Mas, essa distinção feita na proposta entre proprietários e trabalhadores é reveladora da visão distorcida que mantinham seus defensores, indicando um desejo pouco disfarçado de taxar os detentores de patrimônio – ou seja, o estoque de riqueza existente na economia – em lugar de estimular a produção, para então taxar os fluxos de riqueza criados.
Não se sabe qual seria, exatamente, a proposta de reforma tributária do governo Goulart, além desses instintos predatórios ou retaliatórios contra os proprietários e os “rentistas”, que seriam os banqueiros, assimilados a possíveis exploradores do povo. Ele sequer apresentou um projeto ao Congresso e era altamente duvidoso que o fizesse; mesmo que o tivesse feito, era altamente aleatório ou improvável que tal projeto fosse aprovado no ambiente de profundo dissenso congressual vivido naqueles anos.
O governo militar efetuou profunda reforma tributária, introduzindo princípios de tributação – como o do valor agregado – que seriam depois adotados em outras economias modernas. O sentido foi concentrador e “extrator”, já que o Estado passou a assumir funções econômicas crescentes, mesmo se, mais adiante, a carga fiscal diminuiu relativamente, substituída pelo endividamento interno e externo (então barato por juros negativos nos países credores). A centralização tributária operada pelo regime militar foi depois parcialmente revertida na redemocratização de 1985-88, não em favor dos contribuintes – como seria legítimo esperar – mas em benefício dos estados e municípios, os próximos responsáveis pelo desastre fiscal no Brasil dos anos 1980 e 90, até serem contidos, parcialmente, pela Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000.

8) Reforma Militar, para permitir a participação dos suboficiais na política.

Tema altamente demagógico, e que não constitui propriamente uma reforma militar, mas um simples expediente eleitoreiro, apelando para uma categoria corporativa suscetível de apoiar políticos populistas. Nas condições do Brasil do início dos anos 1960, e do ambiente militar (com greves de sargentos), serviu para agravar ainda mais o ambiente já efervescente nas casernas, desde o retorno dos trabalhistas ao poder.

9) Reforma do Capital Estrangeiro, para mudar as relações e contratos com empresas multinacionais, regulados pela Lei de Remessa de Lucros.

Não se tem ideia de qual reforma se estava falando, mas a intenção seria limitar a remessa de lucros e controlar ainda mais os contratos e as atividades das empresas estrangeiras. Uma lei específica que regulava a atração e o tratamento do capital estrangeiro no Brasil tinha sido aprovada em 1962, mas jamais foi promulgada pelo presidente Goulart, tendo isso sido feito pelo Congresso dois anos depois, para ser depois modificada no início do governo militar. Essa lei de 1964 não mudou em sua essência, a não ser a partir dos anos 1990, para ampliar o acesso dos brasileiros a divisas e a operações cambiais.
(...)

Bom 13 de março a todos.
Paulo Roberto de Almeida