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domingo, 29 de março de 2020

Os Melo Franco: uma família que se confunde com a República - Fabiano Leal (JB)

Excelente síntese, sobre um grande herdeiro de uma família que tem o seu nome identificado com a política, a cultura, a diplomacia do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Affonso Arinos, filho

Jornal do Brasil, 29/03/2020
FABIANO LEAL, redacao@jb.com.br  
Affonso Arinos foi o ultimo representante de um tipo raro de dinastia. Aquela que, devota à vida política, o é também da cultura. No sentido de que a experiência do político jamais se dissociou de um alto patamar cultural, como se o desempenho público não fosse tão somente outra forma de arte, ou seja, sem se revestir de quaisquer traços de elitismo estéril. Herdeiro do que uma tradição tem de melhor, sendo ele filho de outro Affonso – Affonso Arinos de Mello Franco (1905-1990) o político, diplomata, imortal: escritor de obras seminais, como “Índio Brasileiro e a Revolução Francesa” (1937), bem como da imensa catedral proustiana que é a memorialística de “Alma do Tempo”, agora finalmente reeditada pela Topbooks de José Mario Pereira; seja pela longa história parlamentar com a qual nos legou a primeira Lei contra o racismo, assim pela atuação destacada nos sucessivos momentos constituintes da ziguezagueante história política brasileira do século XX. Desse tesouro familiar, fazem parte também os nomes de Afonso Arinos (1868-1916) e Afrânio de Melo Franco (1870-1943). O primeiro, o tio-avô romancista e contista, cuja obra literária (“Pelo Sertão”, 1898) foi pioneira do moderno regionalismo. O segundo, o avô, um diplomata e político, cuja competência expedita fez com que fosse chamado no curso do governo de Delfim Moreira, de o “Primeiro Ministro do Brasil”.
 
Assim Arinos, filho não fugiu ao espelho desta seara. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Brasil (1953). Iniciou na carreira diplomática em 1952 na Comissão de Organismos Internacionais da Divisão de Atos, Congressos e Conferências Internacionais do Ministério das Relações Exteriores. Sendo que, entre 1956 e 1959 atuou como segundo-secretário na embaixada do Brasil em Roma e como segundo secretário em Bruxelas entre 1963 e 1964. Nos anos seguintes, galgou vida política própria, ao se tornar deputado da Assembleia Constituinte e Legislativa do Estado da Guanabara, e depois, deputado federal de 1964 a 1966. Paralelamente, exerceu atividade docente, além de ter sido contribuinte contumaz de diversos órgãos culturais.
 
Mas, essa extensa produção cultural, se consagra em uma dupla mirada. Primeira, pelo zelo em ser fiel aos seus. Na forma com que após o desaparecimento do pai, não deixara que esse vulto maior se apagasse. Uma preocupação bem exemplificada em um livro como “Diplomacia Independente: um legado de Afonso Arinos” (1999), ou na majestosa reunião de ensaios esparsos agora coligidos sob o título de “O Espírito e a Ação” (2005), um manancial dos mais fecundos de análise política, história e filosofia, intimamente mescladas, quando não de plena atualidade.
 
Ao passo que a outra se realiza, também, dentro de uma atmosfera intelectual bem familiar – a memorialística. Uma marca já presente em “Primo Canto” (1976), com que deslumbra o leitor com evocações da mocidade, passando por obras como “Três Faces da Liberdade” (1988), “Mirante” (2006) e “Tramonto” (2013). Essa última, aliás, vem a ser um por do sol último. Uma obra cuja força originária e final se encontra no elo de uma vida, no amor pela companheira Beatriz. É este o signo que o rege nessa obra, pois na vida vale aquilo que nos toca. Assim, Arinos desce à memória no dia em que, como ministro conselheiro, recebera a missão de relatar acerca dos protestos em Washington no início da década de 70; ou seja, no contexto da Guerra do Vietnã, sendo que para o qual não pensou duas vezes em, juntamente com a esposa, se disfarçar de hippie a fim de colher as impressões mais fidedignas possíveis da convulsiva cena americana.
 
Lá estão igualmente os relatos de momentos passados ao lado de grandes figuras brasileiras, como Sergio Porto, Paulo Mendes Campos e Vinicius de Moraes. Sendo que o autor de “Forma e Exegese” (1935) foi o responsável por lhe apresentar ninguém menos que, João Cabral de Mello Neto – o funcionário cujas gavetas estavam sempre repletas de analgésicos, e com quem viria a travar uma amizade duradoura, dentro de uma filosofia de convivência que foi a marca célebre de uma época do Itamaraty. O livro ainda comporta revelações que ensinam muito sobre a necessária discrição diplomática, bem como pela grandeza d’ alma, como o episódio em que abrigou funcionários, a mulher e filha do presidente deposto da Bolívia Siles Zuazo.
Assim, “Tramonto” seduz, diverte e dignifica, já que a pena está nas mãos de um humanista e dos mais sábios.
Por vezes a vida se passa em honra a uma trajetória pública, forjada por antepassados ilustres e na firmeza de uma conduta inexaurível – em suave continuidade modelar – e que se inscreve em um legado verdadeiramente significativo. Porque esses são os Mello Franco, nosso enclave de um mundo latino clássico de princípio e ação – de um império como expressão da mais alta cultura. Ó Senhor proteja-nos da agonia da perda! Para Affonso Arinos, os louros do tempo e do pensamento; que, de memorialista passe agora à memória – daqueles que jamais se furtarão de procurar aquilo que existe de mais Excelsior.
Historiador

domingo, 15 de março de 2020

Morre aos 89 o diplomata Affonso Arinos de Mello Franco, membro da ABL

Morre aos 89 o diplomata Affonso Arinos de Mello Franco, membro da ABL
RIO DE JANEIRO
FOLHA DE S. PAULO, 15/03/2020


Affonso Arinos de Mello Franco Filho, diplomata, escritor e político brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras - ABL

Morreu na manhã deste domingo (15) o escritor, diplomata e político Affonso Arinos de Mello Franco, 89, que ocupava a cadeira número 17 da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Segundo parentes, o acadêmico faleceu por volta das 10h em sua casa, no Rio de Janeiro, em razão de problemas respiratórios.
O enterro ocorrerá na segunda-feira (16) às 13h30 no mausoléu da Academia Brasileira de Letras. Não será realizado velório em razão da recomendação das autoridades de saúde de se evitar reuniões e aglomerações durante a pandemia do coronavírus.
O único representante da Academia que deve comparecer é o presidente Marco Lucchesi, já que os membros são idosos e portanto fazem parte do grupo de pessoas com maior risco de prejuízos à saúde em razão da ação do vírus.
Nascido em Belo Horizonte em 1930, Affonso Arinos foi eleito para a ABL em julho de 1999, sucedendo Antonio Houaiss. Tomou posse em novembro do mesmo ano e foi recebido pelo acadêmico e ex-presidente da República José Sarney.

Ele é filho do também imortal Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990), importante jurista, político, historiador, professor, ensaísta e crítico. É avô dos jornalistas Bernardo Mello Franco, colunista do jornal O Globo, e Luiza Mello Franco.
O ex-presidente Sarney lamentou a morte. “Affonso Arinos prosseguiu a linha dos Arinos nas vertentes da literatura, da diplomacia e da política. Ele honrava a casa [ABL] e teve carreira brilhante no Itamaraty. É uma grande perda para o país”, disse Sarney.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também manifestou pesar.
“Fui colega de Affonso Arinos Filho na ABL e de seu pai, de quem levava o nome, na Assembleia Nacional Constituinte e no PSDB. Seu avô, creio, foi colega de meu avô no seminário religioso de Paracatu, onde estudaram", afirmou.
"Affonsinho, como era chamado, foi escritor e memorialista. Homem culto e educado, teve amigos em vários setores do país, notadamente entre poetas e músicos. Vinicius do Moraes (que também foi diplomata) foi seu amigo próximo. Combativo, como foram os seus, nunca, entretanto, perdeu a elegância. Deixa muitas obras (uma inclusive sobre o Brasil holandês) e mais ainda, saudades”, disse o ex-presidente.
Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (governo Itamar Franco), e ex-embaixador em Genebra, Washington e Roma e atual diretor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), lembrou da atuação de Affonso Arinos no Congresso.
“Affonso Arinos foi um misto de diplomata e de político. Nos anos 1960, exerceu vários mandatos de deputado. Na época do governo Castelo Branco [1964-1967], o governo americano do presidente Johnson estava pressionando muito o Brasil a participar da guerra do Vietnã, chegou até a enviar ao Brasil um emissário de alto nível. O Affonso Arinos, que era deputado na época, alertou Bilac Pinto, que era o presidente da Câmara dos Deputados, e o Bilac Pinto se mobilizou junto ao governo para não aceitar o pedido”.
Segundo Ricupero, naquele período o Brasil tinha uma política externa em relação aos EUA semelhante à do atual governo. “Foi um outro momento em que o governo brasileiro tinha escolhido o alinhamento incondicional com o governo americano, e em nome disso participamos da intervenção americana em São Domingos”.
“O Affonso Arinos, fiel ao espírito do pai e da política externa independente, era um crítico desse alinhamento e teve um papel bastante decisivo em mobilizar a oposição a que o Brasil participasse da Guerra do Vietnã, o que teria sido um desastre”, afirma o ex-ministro.
Segundo o advogado e ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Velloso, Arinos “é de estirpe nobre, no que diz respeito à cultura. Filho do ex-senador Affonso Arinos, que foi dos maiores intelectuais e políticos brasileiros, vai fazer falta”.
Amigos da Academia lamentaram o falecimento, lembraram momentos alegres e disseram que já fazia alguns anos que ele não se reunia com os demais, após a morte de sua esposa e uma piora em seu estado de saúde. "Sentimos muito a falta dele, porque ele era muito atuante, trazia boas ideias e tinha muita história para contar", afirmou Merval Pereira, secretário-geral da ABL.

Merval escreveu o prefácio do último de seus livros, "Tramonto" (Editora Objetiva, 2013), que significa pôr do sol em italiano. "É um dos livros mais bonitos que li nos últimos tempos. É de uma tremenda sensibilidade e inteligência, mistura política com memórias, é fantástico", elogiou.
A socióloga, psicóloga e filósofa Barbara Freitag-Rouanet lembra que ele era um ótimo cantor. "Perdemos um grande amigo e um grande diplomata. Os momentos fora do trabalho e da atividade literária foram sempre muito alegres.​ Nós cantávamos e jantávamos juntos", disse ela, também em nome do marido e membro da ABL Sérgio Paulo Rouanet.

A escritora e imortal Nélida Piñon lamentou o fato de não poder comparecer ao velório por causa do coronavírus: "Vamos homenageá-lo tão logo sejamos liberados dessa quarentena. Vamos abrir as portas da sessão plenária em homenagem a ele". A ABL decidiu fechar as portas na quinta (12).
​Assim como seu pai, Affonso Arinos construiu a vida profissional e acadêmica em múltiplas áreas. Na década de 1950, formou-se em ciências jurídicas e sociais e fez doutorado na faculdade de direito da Universidade do Brasil (hoje UFRJ). Também fez cursos de diplomacia do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores.
Fora do Brasil, estudou política, direito e comércio internacional nas Nações Unidas em Nova York e mais tarde em Roma e Genebra. Continuou em salas de aula até 1980, passando por uma pós-graduação em economia na Fundação Getulio Vargas e por cursos na Escola Superior de Guerra, do Ministério da Defesa.
Atuou como diplomata a partir de 1952, começando como cônsul de terceira classe. Também trabalhou nas áreas jornalística, cultural, legislativa e docente --em 1964 e 1965 ​, foi professor de civilização contemporânea no departamento de jornalismo da Universidade de Brasília.
Foi correspondente do Jornal do Brasil em Roma​ e colaborou com diversos veículos, como a revista Manchete, a revista Fatos e Fotos/Gente, a TV Educativa, a TV Manchete e o Jornal do Commercio.
Nos anos 1960, foi deputado da Assembleia Constituinte e Legislativa do Estado da Guanabara (hoje RJ) e se destacou como membro da Comissão de Constituição e Justiça e como presidente da Comissão de Educação. De 1964 a 1966, foi deputado federal.
Affonso Arinos teve seis filhos, onze netos e um bisneto.​
Colaborou Flávio Ferreira