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segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Stefan Zweig: 80 anos atras, em 1936, chegava ao Brasil pela primeira vez - exposicao no RJ

Em 1936, no auge da sua fama, mas já praticamente um exilado do nazismo montante, Stefan Zweig chegava ao Brasil pela primeira vez, para um tour cultural erudito.
Este livro retoma seus escritos sobre as primeiras impressões de Zweig sobre o Brasil de 1936, depois da Intentona Comunista (e já sob o império da Lei de Segurança Nacional, mas antes do golpe do Estado Novo, de novembro de 1937).

No início da guerra europeia, considerado um "enemy alien" na Inglaterra, ele escolheu o Brasil para se exilar.
Dois anos depois de aqui chegar, deprimido, ele se suicida com sua segunda mulher, Lotte, em Petropolis, no Carnaval de 1942, uma imensa perda para o mundo intelectual, deixando suas memórias póstumas (mas que chega apenas até a Grande Guerra, praticamente).
A melhor biografia de sua vida e obra é a de Alberto Dines, Morte no Paraíso, que recomendo vivamente.

Cartaz da exposição da Casa Stefan Zweig que abre no dia 5 de outubro, homenageando o escritor que chegou ao Brasil pela primeira vez em 1936.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Primeira Guerra Mundial: os 100 anos da guerra que não acabou - Alberto Dines (Observatório da Imprensa)

Um programa de que participei, minimamente é verdade, mas para o qual eu já tinha escrito um texto aqui postado. Este aqui:  "A guerra de 1914-1918 e o Brasil: impactos imediatos, efeitos permanentes"; publicado em Mundorama (28/07/2014; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/a-primeira-guerra-mundial-e-o-brasil.html); postado duas vezes neste Diplomatizzando (links: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/o-brasil-e-primeira-guerra-mundial-no.html e http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/a-primeira-guerra-mundial-e-o-brasil.html).
Vejam o programa, dirigido pelo sempre competente Alberto Dines, aliás autor de uma biografia maravilhosa de Stefan Zweig (Morte no Paraíso), escritor austríaco, que se suicidou em Petrópolis, tendo antes escrito suas magníficas memórias sobre o período anterior à guerra (O Mundo de Ontem) e o panegírico Brasil: o país do futuro (que ficou mais pelo título do que pelo conteúdo).
Emissão do Observatório da Imprensa: “Os 100 anos da guerra que não acabou”, com Alberto Dines (Programa n. 736, 5/08/2014; link: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/videos/view/os_100_anos_da_guerra_que_nao_acabou). 
Paulo Roberto de Almeida 
OI NA TV

PRIMEIRA GRANDE GUERRA

Os 100 anos da guerra que não acabou

Alberto Dines | Programa nº 736 | 05/08/2014 | 0 comentários
 

Ela foi chamada de belle époque, também de dourada era da segurança; os mais céticos preferem classificar o período como o alegre apocalipse. A exposição mundial de Paris, em 1900, exibiu as maravilhas da eletricidade com a iluminação da Torre Eiffel. As novas tecnologias despertaram novas energias e fortíssimas ambições. O avião, os transatlânticos, automóveis, o metrô, o cinema, o rádio e os avanços da medicina simbolizavam um progresso, uma paz que, imaginava-se, jamais seria revertida. Nos subterrâneos deste mundo excitante e refinado um vulcão roncava, emitia avisos que poucos queriam escutar.
Alfred Nobel, o inventor da dinamite, primeira arma de destruição em massa, captou esses sinais, assumiu-se como pacifista e no testamento deixou recursos para a concessão de cinco prêmios anuais, um deles o Nobel da Paz, concedido pela primeira vez em 1901.
Se os esforços pela paz precisavam ser estimulados e premiados, significa que a guerra era uma ameaça concreta, assustadora. Conflitos bélicos não acontecem por acaso. Os contenciosos acendem diversos pavios, até que um deles chega ao barril de pólvora mais próximo.
O que aconteceu no verão europeu de 1914 vinha sendo articulado há décadas. A inauguração do Canal de Suez, em 1869, abalou em definitivo o império otomano. O conflito franco-prussiano, de 1870, tirou da França uma rica fatia de território. O paroxismo ideológico deslanchado pelo caso Dreyfus, em 1894, forneceu a munição.
Mas foi a crença de que novas tecnologias são suficientes para garantir a paz e o progresso o principal equívoco cometido nesse xadrez.
A serviço do rancor, os milagres da ciência convertem-se em pesadelo.
 

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terça-feira, 28 de maio de 2013

Roberto Civita: um retrato empresarial e humano - Alberto Dines

Um relato objetivo sobre o homem enquanto empresário, e sua trajetória pouco conhecida.
Paulo Roberto de Almeida

ROBERTO CIVITA (1936-2013)

Editor, empresário, professor

Por Alberto Dines 
Observatório da Imprensa, em 28/05/2013 na edição 748
A praxe sugere uma advertência que este observador cumpre a contragosto: ao assumir uma amizade de cinquenta anos fica parecendo que este texto estaria condicionado pelas emoções da perda pessoal. A pulsão de contar uma história (ou a compulsão do testemunho) geralmente obedece a motivações subjetivas, o que não as desqualifica nem as subordina a outros interesses. O relato acrítico, pretensamente objetivo, este sim é sempre deficiente. Ruim.
Os releases biográficos publicados na mídia foram pródigos em lembrar as façanhas de Roberto Civita ao criarRealidadeVeja e Exame num mercado de revistas até então dominado por O Cruzeiro e Manchete visivelmente dependentes do glamour da antiga capital federal.
Quando RoC (como assinava os bilhetes) procurou dar uma entonação verdadeiramente nacional à prospera editora de quadrinhos e revistas de serviços (fundada pelo pai, Victor Civita, na Marginal Tietê), deslocou para sempre o eixo jornalístico do país.
Os formidáveis aportes dos “anos de ouro” do jornalismo carioca (1949-1956) foram ultrapassados por um profissionalismo made in São Paulo jamais manifestado ou suplantado.
Em busca do modelo
Aqui entra o “professor” Roberto Civita com a sua obsessão por treinamento e qualificação. Parte do sucesso inicial de Veja deve-se ao curso pelo qual passou o seu quadro de jornalistas antes mesmo de impresso o projeto-piloto. O “estilo Veja de redação” (que tanta celeuma provocou nos primeiros anos) não aconteceu por acaso, foi seu subproduto.
O Curso Abril de Jornalismo, criado na década de 1980, mantém até hoje turmas anuais e, de certa forma, foi a matriz do seu projeto mais ambicioso em matéria de formação profissional: o Pós-Graduação em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial, em parceria com a ESPM, hoje na terceira edição anual.
Durante dois anos, Roberto Civita percorreu as principais escolas de jornalismo dos Estados Unidos, conversou com reitores, analisou grades curriculares, ajudou a selecionar o corpo docente e inclusive assumiu uma disciplina. Isso fazia parte de um postulado que não cansava de repetir: “Alguém precisa fazer o papel de chato, melhor que seja eu”.
Ironia, Veja foi o primeiro veículo de grande porte a atacar a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo (1982), mas a Editora Abril foi também a primeira organização jornalística a ter como publisher um graduado em Jornalismo (pela Universidade da Pensilvânia).
Impossível verificar se em 2009 Roberto Civita concordou com o ministro Gilmar Mendes, relator da questão do diploma no STF, de que jornalismo, não sendo profissão, dispensa uma formação específica. A verdade é que todo o seu currículo como editor, publisher e empresário representa uma aposta consistente na direção contrária.
Esta vocação ancestral para ensinar aliada à insaciável curiosidade intelectual e amparadas por um fabuloso tino comercial foram as responsáveis por um trunfo que os primeiros obituários não tiveram tempo de valorizar: a Abril Educação (herdeira da Fundação Victor Civita, criada nos anos 1980) é empresarialmente tão importante quanto a Editora Abril – um poderoso conglomerado de editoras de livros didáticos, cursos de idiomas, escolas técnicas e universidades particulares.
Enquanto o jornalismo impresso debate-se em busca de um modelo de negócios capaz de neutralizar alguns efeitos da formidável onda digital, a Abril aponta na direção da indústria do conhecimento, um binômio estável, composto por vetores convergentes e associados: Imprensa e Educação.
Empresas divididas
De todas as nossas indústrias a da Comunicação é a que se assume como a mais legítima representante do modo capitalista de produção. Contudo, nem todas as empresas e grupos jornalísticos nacionais seguem seus paradigmas. Como se a ruidosa filiação à iniciativa privada e ao capitalismo fosse suficiente para garantir o sucesso empresarial.
Não é. O fato de serem organizações familiares não chega a ser entrave. Mas a transparência permanece uma questão chave, mesmo quando não são empresas de capital aberto ou quando suas ações não estão cotadas em bolsa.
Os irmãos Roberto e Richard Civita sempre trabalharam juntos, depois se separaram agressivamente, dividiram a empresa (Editora Abril e Abril Cultural). Apesar do forte sacolejo, o processo seguiu os cânones modernos da administração graças à intervenção de consultores e árbitros respeitados pelas partes. Reconciliaram-se como irmãos, a sociedade acabou.
As débâcles do Jornal do BrasilGazeta Mercantil, Grupo Bloch, as precariedades do espólio dos Diários Associados e o susto por que passa o Grupo Estado exibem uma caricatura do sistema capitalista justamente numa indústria que deveria ser o seu abre-alas, carro-chefe.
***
Em aberto
Ao lembrar que a biografia de Roberto Civita começa a movimentar-se quando a família é obrigada a fugir da Itália fascista e antissemita, somos remetidos a um conjunto de situações e ingredientes geralmente desconsiderados ou atenuados em nosso biografismo e historiografia.
Por duas vezes os Civita foram obrigados a abandonar as editoras em que trabalhavam tocados pelo terror político. A segunda vez foi nos anos 1970, quando o ramo argentino, da noite para o dia, deixou a sua empresa e o país assustado pelas ameaças simultâneas das milícias de extrema esquerda e extrema direita.
O tópico lembra uma agenda de conversas infelizmente inconclusa. Roberto Civita, o racional, não a deixaria assim.
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O mesmo número do Observatório da Imprensa traz todas estas matérias, sobre Civita e sobre o outro morto ilustre do jornalismo brasileiro, Ruy Mesquita:


ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Alberto Dines
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Paulo Nogueira
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Carlos Costa
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Veja.com
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Cynthia Malta
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Luís Nassif
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
OESP
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Globo.com
RUY MESQUITA (1925-2013)
Fernando Morais
RUY MESQUITA (1925-2013)
Mino Carta
RUY MESQUITA (1925-2013)
Matías M. Molina
RUY MESQUITA (1925-2013)
Leão Serva
RUY MESQUITA (1925-2013)
Paulo Nogueira
RUY MESQUITA (1925-2013)
Roberto Salone
RUY MESQUITA (1925-2013)
Flávio Tavares
RUY MESQUITA (1925-2013)
Sandro Vaia
RUY MESQUITA (1925-2013)
Felipe Machado
RUY MESQUITA (1925-2013)
Oscar Pilagallo
RUY MESQUITA (1925-2013)
José Serra

quinta-feira, 8 de março de 2012

Lotte e Zweig: uma vida para contar, uma morte para lamentar

Lotte e Stefan Zweig se suicidaram, conjuntamente, no Carnaval de 1942, em Petropolis, 70 anos atrás, portanto.
A história está bem contada no magistral livro de Alberto Dines, Morte no Paraíso, que recomendo, vivamente.
Estou lendo, neste mesmo momento, O Mundo de Ontem (em edição francesa), o último livro de Zweig, e o único autobiográfico, que talvez já tenha sido concebido e escrito como uma espécie de despedida de tudo e de todos, seu depoimento sobre um mundo que literalmente se acabou (mas isso já tinha ocorrido desde a Primeira Guerra Mundial).
Agora surge um novo livro, publicado no Brasil, por autor brasileiro. 
Vale a pena conhecer...
Paulo Roberto de Almeida 
Lotte & Zweig, a vida e a morte
Deonisio Silva
Observatório da Imprensa, 8 de março de 2012
No livro Lotte & Zweig, o escritor Deonísio da Silva faz uma reconstrução poética da vida e morte de Stefan Zweig, um dos escritores mais lidos na Alemanha, e de sua mulher, Charlotte Altmann.
Rico, pacifista radical, Zweig trocou cartas com Gorki e Freud, biografou Dostoievski, Napoleão e Maria Antonieta. Opositor de Hitler, deixou a Alemanha com a mulher em 1934 depois que a casa foi invadida pelo exército do ditador. Fugiram para a Inglaterra. Sete anos depois desembarcaram no Brasil para morrer. O suposto suicídio do casal na noite de 22 de fevereiro de 1942, em Petrópolis (RJ), até hoje é um mistério. No ano em que se completam 70 anos da morte, Deonísio recupera os últimos dias do casal e faz um desenho delicado de Charlotte que, pela primeira vez, ganha voz na tragédia. O autor joga luz sobre uma história que jamais deve ser esquecida.
A apresentação do livro é feita por Alberto Dines, mais um escritor que foi seduzido por aquela noite misteriosa. Com olhar mais investigativo do que poético, Dines escreveu Morte no Paraíso, que terá em breve sua quarta edição. Em 2005, o cineasta catarinense Sylvio Back transformou o livro de Dines no filme Lost Zweig.
A seguir confira a entrevista que o escritor Deonísio da Silva concedeu ao DC.
A visita à Casa Stefan Zweig
Stefan Zweig era escritor bem-sucedido quando virou alvo dos nazistas. O intelectual que biografou figuras como Dostoievski, Dickens, Balzac, Nietzsche... de repente fica sem pátria, sujeito às perseguições nazistas. Como foi reconstruir esta vida, já que a ficção vem de uma história real?
Deonísio da Silva– Primeiro me permita dizer que Lotte & Zweig é meu livro mais bonito e mais bem cuidado. A capa de Arlinda Volpato é um show. E a Michele Roberta da Rosa preparou muito bem o original antes de ele chegar à editora. Mas o berço do livro foi o seguinte: um dia estava assistindo a um documentário e vi que o Nilo, um dos maiores rios do mundo, começa com umas gotinhas escorrendo de umas pedras. Com meu romance Lotte & Zweig deu-se algo assim. Li as biografias de Stefan Zweig que fizeram o jornalista Alberto Dines e Donald Prater. Até então só tinha lido as biografias que Stefan Zweig fizera de célebres personalidades, como essas que você cita, e mais uma novela muito bem escrita, 24 Horas na Vida de uma Mulher. Todas essas leituras foram, porém, pequenas gotinhas no grande rio ou mar que deve ser um romance. Um conto é um riacho, uma lagoa, uma laguna, mas um romance, não! Fiquei com vontade de fazer um romance sobre Stefan e o neonazismo, mas a inspiração me levou a escrever outro livro, Orelhas de Aluguel, que publiquei em 1987 e do qual Stefan Zweig está ausente. A vida me levou a morar no Rio de Janeiro, onde vivo desde 2004. Eu não queria morar no Rio. Mas, como comecei a trabalhar muito cedo, aos 54 anos estava aposentado por tempo de serviço e não queria parar de trabalhar. Gosto de ser professor, gosto de ensinar, embora goste mais de escrever. Quando os jornalistas que me pautam na imprensa escrevem sob meu nome escritor e professor, é isso mesmo que eu sou. À luz dessas leituras, comecei a viajar, cada vez com mais frequência, a Petrópolis, onde viveram Stefan Zweig e Charlotte, sua segunda mulher, quase 30 anos mais jovem do que ele. A visita à casa, hoje Casa Stefan Zweig, mantida com verba da Alemanha, me permitiu ver os lugares que ambos dividiram: a sala, a cozinha, o quarto, o banheiro, a varanda, o jardim etc.
Algo de muito estranho aconteceu
Na recomposição de uma vida esquartejada o que foi possível perceber do ânimo do escritor em relação à vida? Será que Zweig desistiu de viver por desacreditar da possibilidade de voltar a ter uma vida normal ou de não se permitir uma vida normal?
D.S.– A melhor metáfora da perda da liberdade, das asas, de não ser pássaro, ser outra coisa, é ser pássaro preso na gaiola. Stefan era isso. Não apenas ele, os dois estavam presos do lado de fora. Eu acho que pelo menos ela não se suicidou. Não há indício nenhum disso. Lotte não escreveu nenhum bilhete de despedida, não disse nada sobre isso. Stefan Zweig disse, mas se cometeu o gesto extremo não temos certeza. De todo modo, ele não disse que fez um pacto com ela. Não disse e não escreveu! O presidente Getúlio Vargas, que passava os dias de pós-Carnaval em Petrópolis – eles morreram na noite de 22 para 23 de fevereiro de 1942 – proibiu a autópsia e impediu que os judeus levassem os corpos para enterrarem no Rio. Ora, os judeus não dão enterro a suicidas em seus cemitérios. Então, por que razão queriam os corpos? Quanto a ficar preso ao passado, isto, sim: ele e ela. Ela era judia-polonesa. Ambos estavam enredados numa teia terrível. E os nazistas estavam ganhando a Segunda Guerra Mundial, em 1942. E mais: o Brasil só rompeu com a Alemanha um mês antes de os dois morrerem! Há muitos mistérios nessas duas mortes.
No livro, você dá voz – ainda que silenciosa – para Lotte. A mulher que acompanhou o escritor sempre em segundo plano, ganha ares de quase-heroína nas horas que se seguiram à tragédia. Qual elemento fez com que você decidisse dar visibilidade a ela?
D.S.– Eu já estava escrevendo o romance, que comecei em 2007, quando Alberto Dines me disse: “Consegui as cartas de Lotte, foram publicadas em inglês.” Ele me mandou uma cópia e comecei a ler essas cartas. O romance tinha então 400 laudas. Abandonei quase tudo o que tinha escrito e recomecei de outro ponto de vista. Fiz um romance como se eu fosse um engenheiro. Os alicerces são o que foi a vida real de Stefan, mas sem o silêncio que os biógrafos impuseram a Lotte. No meu romance, a mulher dele tem o que dizer e diz muitas coisas, às vezes sem proferir palavra alguma, como é próprio das mulheres que, ao contrário do apregoado, mais fazem do que falam, porque se ficassem falando o tempo todo, como dizem, não seriam o que são, as figuras referenciais na vida de qualquer homem. Os dois viveram asfixiados, tanto no Rio quanto em Petrópolis. E Lotte, além desses sofrimentos, tinha o da asma. Aliás, foi por causa disso que foram em busca dos bons ares da cidade imperial de Petrópolis. O que me fez dar visibilidade para Lotte foi que morto sempre fala. Naquela noite, algo de muito estranho aconteceu. E ninguém sabia até agora. Agora, quem ler o livro, saberá. Eu inventei. A literatura é isso: é a história proibida das pessoas, das personagens. Ao inventar, encontramos verdades incômodas. Se mortos falam, o certo é que até agora só tinha falado o marido! A mulher dele, não!
“Senhor, dai-me a castidade, mas não já!”
Em Lotte: Pedaços de um Diário, longe de ser uma mulher submissa, ela aparece como uma pessoa culta e atenta ao que acontecia à sua volta. A submissão foi uma arma de domínio?
D.S.– Lotte era fluente em cinco línguas. E ajudava muito o seu amado, um homem mais velho, por quem ela se apaixonou no frescor dos seus verdes anos. Mas ele não falou dela nas despedidas que fez. Então, valeu a pena Lotte esperar por mim, sem vaidade eu digo, mas com orgulho! Betty Milan, psicanalista e escritora, sempre me diz: “Deo, você dá muita atenção às mulheres em seus romances e contos! Por quê?” Eu acho que é pela falta que elas me fizeram na adolescência: só tive professoras no primário e na universidade. Todo o ensino médio me foi ministrado por padres, que nem homens completos eram porque o celibato os privava de conhecer a mulher, que acabavam conhecendo por frestas, as confissões, confidências contidas. Padres que foram meus professores nos seminários de São Ludgero e de Tubarão, vieram me contar, em outra idade, quando os reencontrei por volta dos meus 40 anos, quando muitos deles não eram mais padres, que um homem sem mulher, por mais que se esforce, não é um homem pleno. Não me refiro apenas ao sexo, este pode ser obtido de outras formas. Eu me refiro à mulher, cuja ausência é tão sentida por todos nós, homens! Eu ouvi Lotte em confissão, digamos assim. Fui uma espécie de padre ou psicanalista para essa mulher extraordinária que tem tanto o que dizer. Afinal morreu abraçada ao cadáver do marido, tornando-se cadáver ela também!
Não é paradoxal que o homem que escreveu o livro que virou uma espécie de slogan Brasil – O País do Futuro– foi justamente escolher este mesmo país para acabar com o seu futuro?
D.S.– Nós precisamos tomar cuidado para não cair nas armadilhas da História. Nero foi um imperador sanguinário? Foi! Mas, antes de se suicidar (será que se suicidou, mesmo?), depois de um golpe de Estado, fez uma reforma agrária na África, uma reforma que prejudicou os generais e seus amigos latifundiários. Eu descobri isso lendo o que Santo Agostinho escreveu sobre música! Eu gosto muito desse santo que é filósofo e teólogo, e rezava assim: “Senhor, dai-me a castidade, mas não já!” Ele teve um filho, o Adeodato, com uma jovem a quem ninguém dá nome, mas eu descobri que se chamava Melânia. Todos só falam da sogra dela, Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho. E Agostinho fala das mulheres como se não falasse. É dele a frase célebre “Mulier, janua Diaboli”, traduzida para “mulher, janela do Diabo”. Mas janua em latim é porta. Janela é fenestra. Portanto, é porta aberta para o Diabo, não janela apenas, entendendo aqui por Diabo tudo o que se opunha à doutrina cristã, como os deuses pagãos.
Os nazistas queriam matar apenas Zweig
Na sua opinião o que aconteceu realmente naquela noite de 1942?
D.S.– Stefan Zweig era inimigo público dos nazistas. Albert Speer, arquiteto de Hitler, disse a Alberto Dines pouco antes de morrer que a morte de Zweig foi muito comemorada na Alemanha. Aliás, Speer morreu minutos antes de dar uma entrevista à BBC. Muitas mortes tidas como suicídios foram depois comprovadas como assassinatos. Eu acho que os assassinatos de Stefan Zweig e sua mulher Charlotte Altmann Zweig, ocorridos na noite de 22 para 23 de fevereiro de 1942, ainda não foram comprovados. Só isso. Naquela noite teve seu desfecho um plano diabólico, concebido e executado muito tempo antes por doutores em matar os outros, de modo a fazer com que as mortes parecessem suicídios. Não posso provar isso, mas eu não preciso provar nada! Sou um romancista, não um historiador. Os romancistas mentem menos do que os historiadores, pode crer! Nenhum deles comprovou que foi suicídio. Por que não foi feita autópsia? E todo escritor tem um lado feminino, o da intuição. Quando uma mulher diz que não foi com a cara de alguém, eu fico procurando onde esse cara me enganou, já que não percebi o que apenas ela percebeu! Eu acho também que a morte de Lotte foi um acidente. Ela deve ter aparecido ou acordado em momento impróprio. Os nazistas queriam matar apenas Zweig. Na verdade, talvez não tenham ido lá para matá-lo, mas para sequestrá-lo, mas daí seria contar o romance e este prazer eu não vou tirar dos leitores.
***
[Deonísio da Silva é escritor, doutor em Letras pela USP e autor de 34 livros. Os mais recentes são A placenta e o caixão (crônicas), A língua nossa de cada dia (colunas de língua portuguesa) e Lotte & Zweig (romance). É um dos vice-reitores da Universidade Estácio de Sá

Alberto Dines, 80 anos: homenagem a um mestre


ALBERTO DINES, 80

Mestre Dines faz 80 anos e 60 de jornalismo

Por Ricardo Kotscho
Observatório da Imprensa, em 06/03/2012 na edição 684
“O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.” (Do poeta alemão Henry Charles Bukowski Jr., citado no convite enviado aos amigos pela jornalista Norma Couri, mulher do homenageado.)
Quando estava começando a trabalhar na profissão, nos anos 60 do século passado, ele já era chamado de mestre pelo seu belíssimo trabalho como editor-chefe do Jornal do Brasil, que ajudou a transformar na época na mais bem feita e influente publicação da imprensa brasileira.
Por isso, e porque depois ficamos amigos, embora nunca tenhamos trabalhado juntos na mesma redação, registro com muita alegria esta data importante para todos os jornalistas de ofício: hoje [5/3], o carioca Alberto Dines comemora, em São Paulo, 80 anos de idade e 60 de jornalismo.
Não é muito comum, afinal, alguém do nosso ramo tão cheio de obstáculos e incertezas chegar a esta idade e com tanta quilometragem rodada em plena atividade, trabalhando ao mesmo tempo em rádio, televisão e internet, escrevendo artigos para jornais, fazendo pesquisas na Unicamp e comandando o seu Observatório da Imprensa.
Um exemplo
Muito já se escreveu nos últimos dias sobre a sua vida e a sua obra, mas não poderia deixar de prestar aqui esta singela homenagem a um colega de profissão que transformou o jornalismo numa arte em defesa da vida e fala dela sempre com o entusiasmo de um iniciante.
Algum tempo atrás, passei uma tarde inteira com Eduardo Ribeiro e sua equipe do Jornalistas & Cia. ouvindo Dines contar a história do menino que queria fazer cinema e acabou se tornando, ao lado de Cláudio Abramo e Mino Carta, um dos três mais importantes jornalistas brasileiros da segunda metade do século 20 – e continua sendo.
Saí do seu escritório na Vila Madalena cansado de tanto ouvir, mas feliz por encontrar alguém mais velho, que continua batalhando diariamente e bota fé no futuro do jornalismo porque não se deixou levar pela onda de cinismo e arrogância dos tempos atuais.
Não importam a plataforma, os modismos de cada época, o veículo: Alberto Dines será sempre Alberto Dines, um jornalista que acredita no que faz e é um exemplo de competência e dignidade para todos nós.
Valeu, grande Dines!
***
[Ricardo Kotscho é jornalista]