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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

E por falar em desgraca alheia, nao custa relembrar a malfadada Alca...

Por acaso cai num post antigo, mais exatamente de SETE anos atras...

quinta-feira, 29 de junho de 2006

533) Ressuscitando a Alca?


Improvável que isto ocorra agora, sobretudo neste governo, mas o estudo referido abaixo do economista Marcos Jank questiona alguns dos fundamentos da atual política comercial brasileira: 

Estudo indica que Brasil deveria incrementar comércio com a América 
Jornal Valor Econômico, 29/06/2006, pág. A4
Raquel Landim

Os dados da balança evidenciam que a prioridade da política comercial brasileira deveria ser a integração do continente americano. Essa é a conclusão de estudo de Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), e Sidney Nakahodo, pesquisador-sênior da entidade. 

Os especialistas dividiram a pauta de exportação do Brasil em commodities e produtos diferenciados. As commodities foram subdivididas em agrícolas, combustíveis e minerais. Os diferenciados variaram de alta tecnologia (avião ou celular), média-alta tecnologia (automóveis e máquinas e equipamentos), média-baixa tecnologia (aço), e baixa tecnologia (têxteis e calçados). 

Nos últimos 10 anos, a única região onde o Brasil coleciona superávits crescentes em todas essas áreas é o continente americano. "A Alca é mais oportunidade que ameaça. Tínhamos um processo integrativo que fazia todo sentido", diz Jank, lamentando a paralisia da negociação. 

Para o especialista, a América está fragmentada e os Estados Unidos partiram para fechar acordos bilaterais com todos os países do continente, menos com o Mercosul. A maior parte desses acordos é mais vantajoso do que os obtidos pelo Brasil. Por conta da falta de vontade política dos governos de Brasil e EUA, Jank diz que é mais fácil o governo brasileiro também partir para acordos bilaterais. 

A balança comercial entre o Brasil e a Ásia mostra fortes superávits agrícolas e déficits crescentes em produtos de alta e média tecnologia. "É impossível pensar em um acordo comercial com essa região", diz Jank, ressaltando que a resistência da indústria seria muito forte por conta da China. Já a balança entre Brasil e União Européia mostra que quase nada mudou em 10 anos, pois a indústria enfrenta dificuldades para entrar nesse mercado, tradicional cliente dos produtos agrícolas brasileiros.(RL)
- See more at: http://diplomatizzando.blogspot.com/2006/06/533-ressuscitando-alca.html#sthash.7OwcDQIz.dpuf

domingo, 26 de janeiro de 2014

A finada Alca e a ‘nova’ geografia comercial dos companheiros - Artigo Paulo Roberto de Almeida

A finada Alca e a ‘nova’ geografia comercial dos companheiros: 
diálogo (em 2003) com um ex-professor

Paulo Roberto de Almeida


Em meados de 2003, engajei um diálogo sobre a Alca com um ex-professor meu (no curso de ciências sociais da FFLCH da USP, que tinha iniciado em 1969 e deixado um ano depois), a propósito de um artigo que ele havia recém publicado numa revista acadêmica. A eventual constituição da Alca estava, então, em curso, sendo que o Brasil e os Estados Unidos presidiam as negociações no que seria a derradeira fase do processo negociador, preparatório à assinatura de um acordo hemisférico, previsto para 2005. O processo tinha sido iniciada na primeira Cúpula das Américas, realizada em Miami, em dezembro de 1994, com a presença do presidente Itamar Franco, acompanhado de Fernando Henrique Cardoso, presidente eleito pouco antes, sendo que o chanceler que aceitou todo o processo era o mesmo diplomata que passou a exercer novamente o cargo a partir do governo Lula, em 2003.
Infelizmente, esse diálogo nunca prosperou, e meus argumentos em resposta ao seu artigo jamais foram publicados (nem era essa a intenção inicial). Como acabo de ler uma matéria, na Economist, a propósito dos 20 anos do Nafta, e como estou revisando listas antigas de trabalhos, encontrei esse trabalho, até hoje inédito: resolvi retomar esse texto para ver o que dele seria ainda válido, no contexto dos debates atuais sobre acordos de comércio, em vista inclusive dos problemas brasileiros de inserção internacional. Esse professor já faleceu, e não pretendo revelar o seu nome, ou reproduzir o seu artigo, uma vez que o que me interessa são as ideias, os argumentos, não exatamente quem os formula, ele ou eu. O debate ganha em ser objetivo, evitando-se qualquer personalização, como aliás frequentemente ocorre no Brasil atual.
Esse professor perguntava, em seu artigo, a quem interessava a Alca, e, obviamente, como a imensa maioria dos acadêmicos, dos sindicalistas, dos políticos ditos progressistas e dos movimentos ditos sociais (mas dominados por grupos de esquerda), respondia não só pela negativa, como apontava exclusivamente o que lhe pareciam ser os elementos prejudiciais de um eventual acordo hemisférico de liberalização comercial. Li o artigo com atenção e, sem pretender responder publicamente, encaminhei-lhe uma longa resposta em forma de carta, que nunca teve resposta. Fiquei aguardando, e depois, mesmo que o assunto não tenha morrido (ao contrário, ele continuou na agenda durante dois anos mais, até que a Alca fosse implodida pelos companheiros), deixei o material de lado, pois já tinha muitos outros temos no meu pipeline carregado de trabalhos. Ao encontrar esse trabalho, como registrei acima, pretendo fazer dele uma reflexão sobre os tempos atuais, não mais de Alca, mas ainda de Nafta, ou de acordos regionais de comércio em geral, sendo que o Brasil e o Mercosul participam muito pouco dessas conformações do comércio internacional atual.
Mais do que isso. Desde a ascensão ao poder dos companheiros, eles passaram a cantar em prosa e verso as vantagens de uma tal de “nova geografia do comércio mundial”, que seria simplesmente o redirecionamento do comércio exterior brasileiro para os chamados países do Sul. Nunca se perguntaram se haveria reciprocidade (o que, manifestamente, não houve), mas o presidente Lula por diversas vezes justificou sua “escolha” (ele parecia não se lembrar que quem exporta são os empresários, não o seu governo), dizendo que o Brasil não poderia ficar “dependente” do comércio com os “países ricos”, como se houvesse qualquer incompatibilidade, ou exclusão, entre um comércio exterior multidirecional e um discriminando entre parceiros. Considero tal tipo de argumento apenas revelador de uma tremenda ignorância sobre como funciona o comércio internacional, e uma prevalência da ideologia sobre a realidade, mas já escrevi muito sobre isso em outros trabalhos. Volto portanto ao meu artigo de 2003 sobre a Alca e seus possíveis ensinamentos para os tempos atuais. Limito-me a transcrever o artigo, suprimindo (...) o que era puramente circunstancial ou anódino, sem interesse para o contexto atual, e agregando [...] algumas poucas notas esclarecedoras, como requerido para uma melhor compreensão do texto.

A quem interessa a ALCA?: uma tentativa de resposta

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 5 de julho de 2003

Caro Professor (...),
Ler o artigo neste site: Academia.edu (link: https://www.academia.edu/attachments/32847467/download_file). 
(...)
Como todo o apreço e a apreciação acadêmica,
Paulo Roberto de Almeida

Washington, 5 de julho de 2003
Revisto: Hartford, 26 de janeiro de 2014.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Alca al carajo: dixit Chavez; projeto de anexacao economica: dixit Lula; e agora?

Meu amigo Mario Machado foi direto ao ponto.
Endosso e ratifico cada palavra, cada virgula, e, sobretudo, a sua interrogaçao final.
Paulo Roberto de Almeida 

Coisas Internacionais


Posted: 21 Jan 2014 09:44 AM PST
alca al carajoVisitei o Equador no início dos anos 2000 e pelas ruas de Quito um grafite chamou a minha atenção ele dizia: “ALCA, Al carajo, Yanks go home”, a época o recém empossado governo Lula construía o que alardeavam como sua maior vitória política, o torpedeamento da Área de Livre Comércio das Américas, como se dizia a época o bloco que iria da Tierra del Fuego ao Alaska. Anos depois o falecido Chávez usaria a mesma expressão elegante, em Mar del Plata.
O argumento principal era o temor da economia brasileira e da região se tornariam satélites da economia americana, além é claro das dificuldades de sempre, ou seja, agricultura protegida pelo lado americano e serviços blindados pelo lado brasileiro.
Tudo que envolve parceria ou associações com os EUA, acaba sendo decidido com o fígado no Brasil, ou seja, preconceitos ideológicos (e concordâncias cegas, também) dominam o debate, o abstrato interesse nacional é torturado até confessar o que as correntes de opinião desejam.
A tese vencedora foi a do triunfo soberano da política Sul-sul e para isso BRICS seria o caminho, a crise de 2008 parecia ser a grande prova que essa fora a melhor aposta e pouco importava que a pauta comercial brasileira com os demais BRICS (no caso só China mesmo é relevante) fosse concentrada em commodities – o que até pouco tempo antes era sinal claro de atraso diriam os mesmos que agora eram entusiastas dos BRICS – mas, o boom das commodities dava (e ainda dá) muito dinheiro e criava portentosas reservas que nos tornavam credores líquidos do mundo.
Nesse período e com uma forcinha enorme da suspensão do Paraguai o MERCOSUL acrescentou a Venezuela em seu arranjo, pode-se até imaginar que o fácil acesso ao petróleo venezuelano seja algo importante para um bloco em busca de energia, mas politicamente isso mandou uma mensagem altermundista, o MERCOSUL agora seria o bloco em busca de outro mundo possível.
Enquanto isso avançou o movimento de assinatura de acordos de livre comércio entre EUA e vários países da América Central, Caribe e América do Sul, como os vizinhos Peru e Colômbia. E as tentativas de acordo MERCOSUL-UE não passam de declarações de intenções, elogios mútuos, belas notas oficiais e negociações empacadas.
Claro, que ter uma economia relativamente fechada como a brasileira cria distorções que elevam os preços dos produtos fabricados localmente, o que retro-alimenta o fechamento da economia ao justificar a proteção sob pena de perda empregos, automóveis são um caso clássico.
E assim, mais de uma década depois de ver aquele grafite, em Quito, chegamos ao que vemos hoje, a expansão maior dos países do pacífico e como no caso peruano com excelentes resultado na eliminação da pobreza e os países mais fechados patinando, enfrentando inflação.
No inicio desse nosso século fizemos uma opção e mandamos o livre-comércio ‘al carajo’ e o que ganhamos em troca?
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PS: Esse não foi o grafite que vi, mas não achei a foto para ilustrar essa postagem.

sábado, 20 de julho de 2013

Amorim: oposição brasileira à Alca mudou agenda da América do Sul

Mudou, sim, claro que mudou. Imediatamente após a implosão da Alca pelos companheiros -- with a little help from their friends, Chávez and Nestor -- os países interessados fecharam negociações bilaterais ou plurilaterais com os Estados Unidos e grande parte deles assinou acordos de livre comércio.
Com isso mudou completamente a tal de "geografia comercial" da América do Sul: os países interessados em livre comércio, em integração à economia mundial, seguiram em frente, assinaram acordos com os EUA, com a UE, com parceiros asiáticos e aumentam seu acesso a mercados desenvolvidos e seu volume de exportação mundial.
Os países que preferiram ficar protegendo o mercado interno contemplam mercados diminuídos, concorrência "desleal" de parceiros asiáticos (logo eles, que deveriam ser aliados na luta contra os hegemônicos) e possuem hoje uma margem de manobra muito mais reduzida em termos de política comercial e de acesso a mercados, provavelmente caminhando para a marginalização e o velho protecionismo de décadas passadas.
Essa é a mudança da agenda na América do Sul que ocorreu.
Atualmente, a agenda está assim: de um lado o Mercosul, desejando se expandir de qualquer maneira, sem qualquer critério de política comercial coerente com os propósitos do Tratado de Assunção; de outro os bolivarianos, que acham que vão fazer a Alba, o Sucre e outras maravilhas da integração protegida, mercantilista, estatizante; e por fim os países da Aliança do Pacífico, que avançam no comercio livre entre si (mas isto é o menos relevante no esquema) e se preparam para integrar os esquemas comerciais, de investimentos e de cooperação econômica da grande bacia do Pacífico.
Esta é a nova agenda, esta é a nova geografia do comércio internacional.
O Brasil deve agradecer aos companheiros que pelo menos se preocupam em proteger o emprego interno. Por enquanto...
Paulo Roberto de Almeida

Para Amorim, oposição brasileira à Alca mudou agenda da América do Sul
Da Rede Brasil Atual, 20/07/2017

Amorim definiu os novos ares da chancelaria brasileira como o início de uma política externa “altiva e ativa” 

“Em minha experiência de 50 anos em relações exteriores, posso dizer que derrubar um projeto prioritário dos Estados Unidos não é uma coisa fácil”, disse o embaixador Celso Amorim, ao falar dos esforços empenhados pelo Itamaraty junto aos países da região para barrar o avanço da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), enterrada em 2005 durante a Cúpula das Américas, na Argentina. 
Hoje ministro da Defesa, Amorim liderou a chancelaria brasileira por oito anos, durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. “A Alca já estava morta quando os presidentes se posicionaram fortemente contra a iniciativa, em Mar del Plata. Mudamos a agenda da América do Sul.”

A Alca foi um dos principais exemplos elencados por Amorim para demonstrar a mudança de rumos da diplomacia brasileira a partir da eleição de Lula, em 2003, e de sua posse como ministro de Relações Exteriores. 
O grande significado da vitória de Lula era a consciência do povo de que era possível mudar seu próprio destino, a ideia de que, sim, era possível mudar o Brasil”, lembrou, durante discurso na terça-feira (16) na Conferência Nacional “2003-2013: Uma Nova Política Externa”, promovida em São Bernardo do Campo (SP) pela Universidade Federal do ABC e pelo Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais, que reúne entidades sociais, políticas e sindicais interessadas no tema. 
“Para isso, era preciso também mudar de atitude na política externa.”

Em poucas palavras, Amorim definiu os novos ares da chancelaria brasileira como o início de uma política externa “altiva e ativa”. Esta definiu-se basicamente, explica, pela adoção de um protagonismo internacional até então inédito no Itamaraty. E que muitas vezes acabou colocando o país em rota de colisão com os interesses dos Estados Unidos, como no caso da Alca, principal projeto de Washington para a América Latina no final do século 20 e início do 21. “A oposição e os meios de comunicação diziam que o Brasil e o Mercosul ficariam isolados se não fechassem o acordo”, lembra. “Mas como é que isso seria possível se a Alca queria mesmo era obter concessões do Brasil e do Mercosul? Os negociadores norte-americanos sabiam disso e fizeram de tudo para chegar a um entendimento conosco.”

Celso Amorim afirma que os Estados Unidos começaram a falar sobre a Alca quando era ministro de Relações Exteriores do presidente Itamar Franco, entre 1993 e 1995. O chanceler já via o projeto com desconfiança desde então, mas explica que, na época, não havia condições geopolíticas para opor-se logo de cara à iniciativa. 
“Se tivéssemos feito isso, o Mercosul possivelmente teria acabado”, conta. 
“Com Carlos Menem na Presidência e Domingo Cavallo como ministro da Economia, a Argentina era favorável ao tratado de livre comércio com Washington. Então insistimos em retomar a negociação dali a dez anos, alegando que precisávamos de tempo. Tempo é importante em diplomacia: quando você não pode enfrentar determinadas situações, você tenta ganhar tempo para que as coisas possam mudar.”

E o quadro realmente mudou. Amorim reconhece que, em meados dos anos 1990, não havia qualquer indício de que Lula poderia ser eleito em 2003. Mas, com o petista no Planalto, além de presidentes de esquerda em vias de eleição ou já no poder na América do Sul, houve condições para mudar o patamar de negociação. “O que estava colocado para nós era muito negativo para o Brasil. Os assuntos que nos interessavam estavam sempre em segundo plano, como o fim dos subsídios agrícolas e as medidas antidumping. Por outro lado, questões ligadas aos interesses dos Estados Unidos iam assumindo prioridade: serviços, investimentos, propriedade intelectual, que para nós eram muito prejudiciais”, lembra. “A própria negociação da Alca nos desfavorecia.”

O ex-chanceler conta que, para frear as pretensões dos Estados Unidos, o Itamaraty foi buscar apoio dos países da região, principalmente do Mercosul. Com Menem fora do governo argentino, que em 2003 era liderado pelo neoliberalismo mais moderado de Eduardo Duhalde, Amorim afirma que foi paulatinamente costurando acordos de atuação conjunta entre os vizinhos para se contrapor às pressões de Washington. E se apressou para revelar a disposição do Brasil em não assinar o acordo da Alca, como estava colocado até então, já na primeira reunião com empresários argentinos de que participou como ministro. “A Argentina tinha algumas reclamações em relação ao Brasil no Mercosul, algumas legítimas, e por isso a essência da nossa posição era a seguinte: seríamos flexíveis dentro do Mercosul, mas queríamos atuar conjuntamente, unidos, em relação à Alca.”

Amorim afirma que a mesma proposta foi feita a empresários e autoridades uruguaias e paraguaias logo em seguida. O resultado foi que, na reunião seguinte do Mercosul, o Brasil aceitou “na prática” o conceito de assimetria regional – uma velha bandeira dos governos de Paraguai e Uruguai dentro do bloco por terem uma economia menos pujante que as economias brasileira e argentina. “Sacrificamos alguns interesses imediatos nossos, mas em benefício de um interesse muito maior, que era uma posição comum na Alca”, reconheceu. “Progressivamente, os países do Mercosul foram assumindo posição mais próxima à nossa, até que pudemos chegar a Miami, na reunião que finalizaria as negociações da Alca, com um projeto de acordo razoável.”
Isso não significa que o ministro tenha se arrependido por não tê-lo assinado.
 “De qualquer maneira, havia um elemento hegemônico na Alca que iria predominar”, afirma, em referência aos Estados Unidos. “Mas transformamos a Alca num acordo menos torto.” 


Aqui radica a razão pela qual, segundo Amorim, o projeto já estava morto quando foi repelido em uníssono por vários presidentes sul-americanos na Cúpula de Mar del Plata. “Na medida em que conseguimos desentortá-lo, o acordo deixou de ser interessante para uma grande parte dos Estados Unidos. E, num processo que ainda durou mais um ano e meio ou dois, a Alca acabou sendo abandonada.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Alca: um comentário, logo apos a implosao encomendada

Na imediata sequência da reunião de cúpula de Mar del Plata, o presidente Lula deu uma entrevista, na qual confirmava sua postura em relação ao projeto, que ele ajudou a implodir. Li a entrevista e, reservadamente, registrei minha opinião sobre os argumentos do então presidente.
Nunca antes (com mil desculpas pelo bordão) havia revelado estas notas, que contestavam diretamente o presidente, em teoria meu chefe (mas não meu patrão, jamais meu mentor, nunca um guia).
Vão aqui reveladas pela primeira vez. (Devo ter um bocado de inéditos por aí, a menos que CIA já tenha tomado conhecimento.)
Transcrevo primeiro a matéria de referência, e depois meus comentários sobre os "argumentos" da implosão.
Paulo Roberto de Almeida 

Lula afirma que tema Alca é inoportuno no momento
Denise Chrispim Marin
Agencia Estado, 5 Novembro 2005

Mar del Plata - O presidente Lula cravou claramente a posição do seu governo em relação à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) ao afirmar que a discussão desse projeto de integração "não é oportuna" neste momento e poderá "atrapalhar" o andamento de negociações mais relevantes para o Brasil - as da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Lula defendeu que os países sul-americanos devem negociar acordos de livre comércio com nações mais desenvolvidas (leia-se, os Estados Unidos) somente depois de fortalecerem e estabilizarem suas economias.
Conforme argumentou, as economias sul-americanas "estão crescendo", os "empregos estão aparecendo", sem as mesmas as ilusões da década de 70, quando ocorria a "entrada fácil de dinheiro de fora", e dos anos 80, quando houve o "desmonte dos Estados nacionais e as privatizações". Para Lula, atualmente há consciência na região de que o crescimento econômico depende "da capacidade de desenvolvimento, da inteligência dos governantes e do povo, da política industrial, da política exterior".
"Temos a chance de quebrar os subsídios (agrícolas), de fazer com que os países (desenvolvidos) se envolvam de forma muito forte em encontrar uma solução para o comércio, sobretudo para ajudar os países pequenos. Tentar colocar a Alca nesse meio-termo é atrapalhar a OMC, que nós achamos que é um fórum mais adequado", afirmou Lula. "Na hora que a gente estiver forte, economicamente estável, vamos poder sentar com os países mais desenvolvidos e fazer acordos que sejam saudáveis para todo mundo."
Lula chegou a defender que as discussões sobre o comércio sejam baseadas em considerações práticas, e não "ideológicas". Insistiu ainda que, nos acordos que o Mercosul firmou e negocia com outras economias em desenvolvimento, as assimetrias e sensibilidades dos "menos avançados" são sempre levadas em conta. O mesmo princípio, em seu ponto de vista, deveria reger as negociações hemisféricas.
Lula ainda insistiu que os três temas das discussões em Mar del Plata eram "emprego, emprego e emprego" e que a Alca poderia ser apenas discutida como assunto de menor importância. "Nós achamos que essa discussão de livre comércio tem de ser feita na OMC. Qualquer coisa que nós fizermos antes da OMC (da conferência de Hong Kong), nós estaremos atropelando os fatos e criando, quem sabe, um empecilho para a própria reunião da OMC", argumentou.
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A Alca Inoportuna

Paulo Roberto de Almeida
(Reservado; não citar)

     Aproveito matéria despachada pela jornalista Denise Chrispim Marin, ao término da IV Cúpula das Américas (Mar del Plata, 4 e 5 de novembro de 2005), publicada na página eletrônica do jornal O Estado de São Paulo nessa mesma data (ver link: http://www.estadao.com.br/nacional/noticias/2005/nov/05/40.htm), para formular alguns comentários às questões suscitadas nessa matéria (cujo teor vai reproduzido na íntegra, para controle e referência direta).

1) Oportunidade da Alca:
            Matéria: “O presidente Lula cravou claramente a posição do seu governo em relação à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) ao afirmar que a discussão desse projeto de integração "não é oportuna" neste momento e poderá "atrapalhar" o andamento de negociações mais relevantes para o Brasil - as da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).
            PRA: Negociações comerciais para fins de liberalização de acesso a mercados, de redução de entraves indevidos e de regulação competitiva das normas que presidem a esses intercâmbios são sempre oportunas, não dependendo de um timing preciso, uma vez que a possibilidade antecipada de serem barganhadas condições de acesso recíproco a novos mercados sempre contribuirá para o aumento dos fluxos de bens e serviços entre as economias, como ensina a experiência histórica. As empresas sabem disso e procuram estimular essas negociações, quaisquer que sejam os foros negociadores.
Obviamente, existem questões ditas sistêmicas ou “estruturais”, que não podem ser reguladas em âmbito geograficamente restrito, isto é, em escala unicamente regional, dependendo justamente de um foro multilateral como o da OMC, para encontrar um terreno comum de entendimento. É o caso, por exemplo, dos subsídios agrícolas (medidas de apoio interno ou subvenções às exportações), como também proteção à propriedade intelectual ou medidas de defesa comercial (antidumping ou salvaguardas). Mas nada impede que questões como tarifas e acesso a mercados de forma geral sejam discutidas nesses foros restritos, simultaneamente, paralelamente, sucessivamente ou até antecipadamente a essas negociações multilaterais.
Zonas de livre comércio em geral, como é o caso da Alca, não são condicionadas a uma harmonização plena das condições de concorrência, podendo ser implementadas em seus aspectos estritamente comerciais previamente a qualquer norma reguladora das referidas condições. No que se refere a Alca em particular, sua concepção e oferecimento em escala hemisférica precederam inclusive à entrada em vigor dos acordos da Rodada Uruguai, os estudos preliminares foram conduzidos na fase inaugural da OMC (segunda metade dos anos 1990), e o lançamento efetivo das negociações ocorreu (1999) antes mesmo da terceira reunião ministerial da OMC (Seattle, novembro de 1999) e bem antes do lançamento da atual Rodada de Doha (quarta reunião ministerial, novembro de 2001).
Nunca se disse que essas negociações da Alca estivessem atrapalhando quaisquer outras negociações regionais (Mercosul-CAN, Mercosul-UE) ou multilaterais, mesmo se determinadas questões – como as referidas acima – requeressem encaminhamento uniforme num foro mais amplo, como o da Rodada Doha, para seu equacionamento nas melhores condições possíveis. A Alca deveria ser considerada não apenas oportuna, mas complementar às negociações da OMC, uma vez que poderia resultar em acesso mais amplo aos mercados hemisféricos recíprocos, do que o eventualmente resultante de um processo mais amplo e, portanto, mais difícil, como o da Rodada Doha. Ela só poderia “atrapalhar” as negociações da OMC se os acertos hemisféricos fossem feitos em oposição e em detrimento das regras multilaterais, o que não parece ser o caso e nem seria possível ou aceitável para a maior parte dos participantes.


2) Condições prévias para a negociação de acordos comerciais
            Matéria: “Lula defendeu que os países sul-americanos devem negociar acordos de livre comércio com nações mais desenvolvidas (leia-se, os Estados Unidos) somente depois de fortalecerem e estabilizarem suas economias.
            PRA: Fortalecimento e estabilização são dois conceitos relativos, que implicam uma avaliação subjetiva das dinâmicas econômicas nacionais, uma vez que qualquer economia pode estar se fortalecendo ou se estabilizando o tempo todo, ou ao contrário, criando rigidezes e pontos de debilidade que tornariam sempre adiáveis quaisquer compromissos a serem negociados no plano internacional.
            Acordos de livre comércio, em geral, podem envolver economias muito diversificadas, em diferentes estágios de desenvolvimento e dotadas de graus diversos de estabilização macroeconômica. Os países mais “frágeis” da Europa, por exemplo, como são Portugal e Espanha, não estavam em situação brilhante ao ingressarem na então CEE em 1986, como provavelmente a Irlanda, em 1972. Sua eventual condição “frágil” não foi um impedimento absoluto à negociação e implementação da adesão.
            Se as nações hemisféricas devem fortalecer suas economias antes de negociar com os EUA, esse processo vai provavelmente requerer algumas dezenas de anos antes de ser complementado, o que poderia remeter a Alca para algum momento depois de 2050 ou mesmo mais além. Por outro lado, os EUA também precisam fortalecer sua economia, hoje enfrentando enormes déficits comerciais e orçamentários, que alcançam proporções inéditas do PIB desse país.


3) Assimetrias e ideologia
            Matéria: “Lula chegou a defender que as discussões sobre o comércio sejam baseadas em considerações práticas, e não "ideológicas". Insistiu ainda que, nos acordos que o Mercosul firmou e negocia com outras economias em desenvolvimento, as assimetrias e sensibilidades dos "menos avançados" são sempre levadas em conta. O mesmo princípio, em seu ponto de vista, deveria reger as negociações hemisféricas.
            PRA: Exatamente. A ideologia é o principal obstáculo a negociações comerciais serenas e focadas exclusivamente nos interesses comerciais dos países participantes. A noção de assimetrias impeditivas de comércio, por exemplo, é uma das principais ideologias que obstaculizam negociações de liberalização comercial. Todo e qualquer comércio, em qualquer época histórica e lugar, é sempre baseado em algum tipo de “assimetria”, do contrário ele simplesmente não existiria. Essas “assimetrias” confrontam diferentes dotações naturais de fatores produtivos, alocações diferenciadas de capitais, recursos desiguais de marketing, tamanhos e características diferentes e desiguais dos mercados consumidores, costumes e hábitos nacionais que precisam ser adaptados pelos ofertantes em mercados estrangeiros, enfim, um conjunto variado de condições naturais, estruturais e adquiridas que sempre integram aquilo que os economistas chamam de requisitos “ricardianos”, ou vantagens comparativas relativas (não absolutas, portanto).
Pretender eliminar “assimetrias” entre economias diferentes seria retirar algumas das vantagens existentes para o deslocamento de fatores produtivos – investimentos externos diretos procurando locais de produção com abundância de matérias primas ou mão-de-obra barata, por exemplo –, o que impediria, ipso facto, a exploração das vantagens comparativas pelos empresários. Como argumentado acima, a eliminação das “assimetrias” entre os EUA – uma economia de quase 13 trilhões de dólares – e as demais economias hemisféricas exigiria um período histórico superior, provavelmente, a duas gerações, para não dizer mais. Os negociadores da Alca estariam presumivelmente aposentados ou mortos quando da conclusão das negociações.

4) Empregos, livre-comércio e Alca na OMC
            Matéria: “Lula ainda insistiu que os três temas das discussões em Mar del Plata eram "emprego, emprego e emprego" e que a Alca poderia ser apenas discutida como assunto de menor importância. "Nós achamos que essa discussão de livre comércio tem de ser feita na OMC. Qualquer coisa que nós fizermos antes da OMC (da conferência de Hong Kong), nós estaremos atropelando os fatos e criando, quem sabe, um empecilho para a própria reunião da OMC", argumentou.
            PRA: Emprego, junto com educação e outros temas sociais, faz parte da agenda das cúpulas hemisféricas, mas as negociações comerciais são um de seus temas mais importantes. Não se compreende bem, em contrapartida, o que a OMC teria a ver com a Alca, uma vez que acordos regionais podem ser feitos paralelamente às negociações multilaterais, desde que respeitem os princípios básicos do sistema multilateral de comércio. Os esquemas sub-regionais têm contribuído, paradoxalmente, para o avanço das negociações multilaterais, uma vez que antecipam concessões que depois serão ampliadas ao conjunto dos parceiros do sistema multilateral.
            A criação e destruição de empregos podem se dar de diversas maneiras, tanto por razões externas, como por fatores internos. Geralmente, a criação de empregos é facilitada por um ambiente macroeconômico favorável aos investimentos e à inovação, com estabilidade de regras, uma microeconomia competitiva, boa qualidade da mão-de-obra e abertura ao comércio exterior e aos investimentos externos. Empregos também podem ser destruídos pela inversão relativa de qualquer dos fatores acima apontados e também pela competição agressiva de parceiros externos mais modernos e de alto desempenho.
A opção pelo protecionismo é geralmente a pior receita para a preservação dos empregos existentes, razão pela qual a realização de uma Alca (de qualquer tipo) pode representar uma ameaça setorial a determinados empregos, mas também deve criar oportunidades novas de agregação de valor em diversas linhas produtivas (as de maior vantagem relativa, precisamente, entre as quais se situam as indústrias labour-intensive que podem usar desse fator relativamente abundante e, portanto mais barato na América Latina (comparativamente ao fator escasso, que seria o capital). Desse ponto de vista, não teríamos o que temer da Alca (e inversamente é isso que temem os sindicatos dos EUA).
De modo geral, a experiência histórica ensina que a liberalização comercial cria mais e melhores empregos do que os destrói, em todos os casos examinados até aqui, e que os empregos assim criados, justamente por estarem vinculados ao comércio exterior, possuem uma maior agregação de valor do que aqueles ligados ao mercado interno. Uma boa recomendação para uma reunião multilateral como a cúpula das Américas seria, portanto, a de que o livre-comércio contribuiria favoravelmente para a criação de mais empregos na região, mais bem remunerados, em todo caso, do que aqueles existentes tradicionalmente.
Uma última observação caberia, nesse sentido, a todos os protestos deslanchados pela realização da IV Cúpula, em Mar del Plata: a consecução dos objetivos pleiteados pelos manifestantes seria, simplesmente, a não-Alca, ou seja, tudo isso que já está aí. Desse ponto de vista, os manifestantes são essencialmente conservadores, amantes do status quo ou mesmo reacionários, pois se opõem a que novos desafios venham obrigar os países da região a continuar na via das reformas e da melhoria dos padrões de vida.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de novembro de 2005


domingo, 1 de julho de 2012

Alca: uma entrevista, antes da implosao - PRA, 2005

A Alca, para os que ainda se lembram, foi um projeto americano de área de livre comércio hemisférica, que foi bombardeada de todos os lados, inclusive por aqueles que, contraditoriamente, iriam se beneficiar dela (mas não se pode impedir as pessoas de serem estúpidas, não é mesmo).
A entrevista abaixo, concedida a um jornalista de uma grande agência de comunicações, foi dada antes que Argentina, Brasil e Venezuela se concertassem para implodir a Alca, o que ocorreu, pouco depois, em novembro de 2005, na cúpula das Américas de Mar del Plata.
Eu nunca morri de amores pela Alca, mas sempre pensei que a "não-Alca" era o que já tinhamos, ou seja, aquele mundinho latino-americano feito de promessas e ilusões, de muita retórica integracionista e poucos avanços reais na liberalização comercial e na abertura econômica.
Apesar de crítico, não me considerava um inimigo da Alca: seria um grande desafio para o Brasil (e os demais países), mas que traria capitais e investimentos diretos americanos, oportunidades de emprego e renda aqui mesmo, e acesso consolidado no maior mercado consumidor do mundo, os EUA. Claro que os EUA não iriam abrir tudo, e havia uma infeliz coincidência entre seu protecionismo setorial mais renitente -- área agrícola e setores industriais labor-intensive -- e os produtos brasileiros de maior competitividade. Ou seja, não iríamos ganhar tudo, e teríamos muitos desafios pela frente, o que sempre é bom, para se modernizar e mudar essa mentalidade introvertida que sempre tivemos.
Os inimigos da Alca eram muitos, e organizados: sindicalistas de todos os lados -- eles adoram que tudo permaneça como está -- e movimentos sociais, irracionalmente contra o livre comércio, que sempre traz novas oportunidades de ganhos.
Enfim, parece que ninguém chorou uma lágrima pela Alca moribunda, mas muitos soltaram rojões de contentamento e confessaram, alegremente, que tinham, sim, implodido a Alca, atribuindo ao feito ares de missão patriótica e salvadora da pátria. 
Não vou dizer o que penso deles, inclusive porque já escrevi muito a respeito. Quem colocar o conceito "Alca" em meu site, vai encontrar muita coisa, e aí explico direitinho o que penso desse assunto agora morto. Só fico pensando como podem ser tão ingênuos, e tão desinformados tantos jovens que se deixam levar na conversa equivocada dos anti-imperialistas de sempre.
Enfim, o mundo está cheio deles.
O que vai abaixo é apenas uma parte do que tenho, ou tinha, a dizer.
Talvez alguns argumentos ainda sirvam de reflexão.
Paulo Roberto de Almeida 


Questionário sobre a Alca
Roteiro de Perguntas

Respostas de Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Brasília, 27 de outubro de 2005 

1) Quais são os principais desafios da Alca?
            Concluir seu mandato negociador, que já está atrasado (deveria ter sido concluído neste começo de 2005, para ser aprovado até o final de 2005, para entrar em vigor ao início de 2006), e manter o mesmo nível de ambição do que aquele concertado em Miami, em dezembro de 2004, que era o de constituir uma vasta zona de livre-comércio do Alasca à Terra do Fogo, cobrindo o essencial dos intercâmbios comerciais, inclusive serviços, e a definição de regras sobre subsídios em certas áreas produtivas (agricultura, obviamente).


2) Como fica a questão das negociações entre federações tão diversas?
            Nem todos os países são federações, mas é evidente que as dimensões, o poderio econômico e a capacidade financeira diferem muito entre os 34 parceiros engajados no processo negociador. Mas isso nunca foi obstáculo fundamental à existência de uma zona de livre-comércio, pois a União Européia, por exemplo, que desde o início se definiu como mercado comum, mobilizou países com níveis muito dispares de desenvolvimento e dimensões igualmente contrastantes. O que é importante é a decisão de integração, pois mesmo com diferenças tão importantes de peso econômico, as vantagens comparativas de tipo Ricardiano sempre exercerão seu papel na definição de ganhos relativos para os países menores e menos poderosos (que ostentam algum tipo de vantagem em alguma área por vezes não percebida como tal).


3) O senhor escreveu em um dos seus textos os problemas de uma proposta essencialmente econômica que tentam ser implementadas de forma política. Fale um pouco sobre essa perspectiva.
            A Alca é uma proposta econômica, mas que requer a vontade política para ser implementada, pois parece evidente que a aproximação comercial não se faria de maneira puramente espontânea (como podem ocorrer com alguns projetos de integração entre países próximos na América do Sul.). Nesse sentido, a Alca tem muitos obstáculos pela frente, pois as resistências a aberturas setoriais serão ponderáveis em várias áreas, em todos os países, independentemente do tamanho. Não é seguro que exista vontade política suficiente para implementá-la no curto ou mesmo médio prazo, sobretudo no Brasil e nos próprios Estados Unidos.

4) Quais são as principais falhas dos oposicionistas da Alca?
            Manter uma oposição principista, puramente ideológica, ao projeto da Alca -- atacado de maneira impiedosa, já que ele vem sendo proposto por um “país hegemônico” na região, os EUA – sem qualquer análise racional, de tipo técnico (isto é, medindo custos e oportunidades econômicas) que permita sustentar essa recusa. Há uma percepção, mas que é só percepção, de que a Alca pode ser prejudicial aos países latino-americanos, mas não existe nenhuma comprovação de que tal postura tenha embasamento na realidade.
            O mesmo tipo de oposição já se tinha manifestado, dez anos atrás, em relação ao Nafta, com ameaças absolutas agitadas em desfavor do México, quando esses temores se revelavam, como de fato se revelaram, infundados. Na verdade, o Nafta trouxe benefícios ao México, mas também trouxe problemas, o que é absolutamente normal, não sendo certo que os segundos tenham superado os primeiros. O Nafta não era exatamente uma proposta de desenvolvimento (como apregoado por seus defensores), mas tampouco era uma promessa de desastre econômico e social, como alertado por seus opositores. Ele combina aspectos negativos e positivos, que devem ser avaliados de maneira ponderada.

5) O que pode ser destacado como a hegemonia norte-americana neste cenário?
            Uma evidente primazia econômica, tecnológica e financeira, que é real, mas que não necessariamente precisar ser traduzida como sinônimo de dominação absoluta dos demais países da região pela economia dominante, uma vez que as regras da nova relação serão definidas basicamente pelos mercados, que são por definição abertos e mutáveis, e não determinados de maneira estática por apenas um dos parceiros do jogo. As regras podem ser ditadas pelos Estados membros, mas seus principais atores são as empresas: estas costumam atuar de acordo com seus interesses econômicos individuais, não em função de determinações políticas dos governos. Estratégias de dominação política não funcionam nas novas condições da globalização econômica, que tem pouco a ver, em termos de resultados finais, com os velhos imperialismos politicamente determinados do século XIX e início do XX. Os Estados Unidos desejam, basicamente, conquistar mercados para suas empresas, o que é um objetivo legítimo do ponto de vista político, mas que nem por isso se opõe absolutamente aos interesses econômicos, políticos e sociais dos países pretensamente candidatos a serem “vítimas” dessa dominação. Trata-se de uma “dominação de mercados”, não de uma colonização política. Mercados, por definição, são abertos e atomizados, e não costumam obedecer a ordens políticas.
            Em outros termos, a “hegemonia americana” é aquela que visa lucro e prosperidade, em primeiro lugar para seus próprios cidadãos, é evidente, mas nesse jogo não está dito que todas as vantagens ficarão apenas para os supostos ganhadores de novos mercados. Os países mobilizados pelo empreendimento também passam a desfrutar de novas condições de competitividade internacional, ao serem mobilizados no quadro dos novos mercados ampliados.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de outubro de 2005