A Ucrânia em guerra como marco relevante no horizonte do Brasil atual
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre as causas e caminhos da política externa brasileira no contexto da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia.
Poucas pessoas bem-informadas sobre o estado do mundo atual recusarão a constatação de que a guerra de agressão deslanchada por Putin contra a Ucrânia em fevereiro de 2022, e continuada desde então, constitui a ameaça mais relevante para a segurança e a paz na Europa e no mundo desde que Hitler empreendeu a conquista da Polônia em setembro de 1939, dando início ao mais devastador conflito global da contemporaneidade.
Eu escrevi Putin, e não Rússia, e Hitler, em lugar de Alemanha nazista, pois que ambos os ataques criminosos e ilegais, entre muitos outros atos criminosos que precederam tais ataques devastadores, são devidos exclusivamente à vontade pessoal de duas personalidades autoritárias, a rigor animadas por instintos tirânicos, e não aos desejos do povo alemão, em 1939, ou aos do povo russo em 2022.
Poucas pessoas bem-informadas sobre o estado do Brasil atual recusarão o fato de que agora estamos bem melhores, em termos de civilidade, de política “normal”, de comportamentos minimamente previsíveis dos agentes públicos, do que estávamos nos quatro anos anteriores. Por outro lado, não há como deixar de reconhecer que a guerra de agressão da Rússia à Ucrânia afetou não só interesses econômicos e materiais do Brasil como um todo — inflação, comércio exterior, tensões internacionais —, mas também a própria política externa e a diplomacia brasileiras, a partir de 2023.
Pretendo abordar essas duas questões — o estado incerto, na Europa e do mundo, na atual conjuntura, e os desafios daí decorrentes para o Brasil como um todo, em especial para as suas relações exteriores — numa abordagem de natureza conceitual, tanto quanto de ordem prática, dadas as múltiplas facetas do mundo pós-invasão da Ucrânia e do Brasil pós-terremoto bolsonarista. Não há como recusar o fato evidente e notório de que o mundo e o Brasil se ressentem de diversos elementos disruptivos desde a guerra putinesca de agressão à Ucrânia e desde as ameaças bolsonaristas às frageis bases do sistema democrático brasileiro durante os quatro anos do inédito desafio ao jogo mais ou menos tradicional da política doméstica.
Na raiz de ambas as questões — o estado do mundo e o do Brasil — existem tanto processos objetivos — as relações econômicas e políticas entre os respectivos atores — quanto elementos subjetivos, derivados das personalidades de Putin e de Lula, no tratamento dos problemas colocados em suas respectivas agendas pessoais e nacionais.
A complexidade dessas interações requer uma abordagem metódica e linear de cada um dos problemas, pois que o estado atual do mundo e do Brasil também é decorrente de decisões e escolhas feitas no passado, por cada um dos personagens.
(…)
(A continuar)
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4450, 5 agosto 2023, 2 p.