Brasil na presidência do G20: quando menos poderá ser mais
A ostentação da Índia na presidência do grupo das maiores economias vai custar R$ 500 milhões neste ano
Por Assis Moreira
Valor — Genebra, 07/04/2023
A Índia tem atualmente a presidência do G20, o grupo das maiores economias e que pretende ser o fórum para solução de grandes problemas. Sua presidência culminará com a cúpula de chefes de Estado e de governo em Nova Déli em 9 e 10 de setembro. No começo de dezembro, os indianos passarão a presidência para o Brasil, no que marcará um importante retorno do país à cena internacional.
Pelo que se viu até agora na Índia, o mínimo que se pode dizer é que o Brasil precisará evitar o show de ostentação dos indianos.
Quem chega na Índia tem a impressão de que a principal preocupação do país atualmente é a presidência do G20, como notou recentemente a revista The Economist. É difícil escapar dos grandes cartazes de propaganda espalhados pelo país com o logo do G20 e a foto do primeiroministro Narendra Modi, que tem tendências crescentemente autoritárias.
Uma observação corrente entre delegados no G20 é sobre os excessos de todo tipo. Por exemplo, na escolha de 56 cidades para acolher reuniões do grupo. Há cidade que terá uma única reunião técnica, mas precisa fazer gastos para se preparar. Somente neste mês de abril, há encontros do grupo em Siliguri/Darjeeling, Gandhinagar, Guwahati, Kumarakom, Goa, Hyderabad, Varanasi e Bhubaneswar.
A programação para cada reunião de três dias é recheada com eventos que vão de apresentação de elefantes, de música e dança, passeio de barco onde isso é possível, jantares demorados. Sobra pouco tempo para fazer reuniões bilaterais e focar mais nos temas em discussão.
Com tudo isso, vem uma fatura pesada. A India vai gastar R$ 500 milhões, pelo menos, com sua presidência do G20 – e, por tabela, com a propaganda favorável a Modi e a seu partido Bharatiya Janata Party.
Para sua presidência do G20, a Índia escolheu como tema ‘Vasudhaiva Kutumbakam’, uma expressão sânscrita encontrada em textos hindus, que significa "o mundo é uma família’.
Sobretudo, o governo de Modi tenta apresentar seu país como voz do ‘Sul Global’, ou dos países em desenvolvimento, em rivalidade com a China. O acúmulo de papelada colocada na mesa por Nova Deli também é grande
E todo esse barulho resultará em nada, ou pouco. A cooperação internacional está em frangalhos, em meio à intensidade das tensões geopolíticas. As reuniões do G20 continuam sendo marcadas pela ausência mesmo de simples declarações comuns, illustrando a dificuldade de o grupo das maiores economias se engajar em discussões construtivas por causa da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Nas reuniões do G20, as discussões sobre a guerra na Ucrânia tomam quase toda a agenda. A maioria destaca que o conflito deve ser tratado no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas é inevitável insistir com a preocupação com os efeitos econômicos da invasão russa
O racha é claro no grupo: Rússia e China de um lado e os países do G7 (EUA, Alemanha, Japão, França, Itália, Canadá, Reino Unido) de outro. No meio, estão emergentes como a própria Índia, Brasil, México, Indonésia, Argentina, tentando evitar fragmentação maior. Mas a dinâmica é mesmo de desconfiança. Dificilmente haverá ações concretas, a partir do grupo, agora ou no ano que vem, quando o Brasil assumirá a presidência.
Para o Brasil, estar na presidência do G20 em dezembro, por um ano, dará a oportunidade para o país moldar a agenda, com suas prioridades e aspirações na cena internacional. Mas é preciso focar em alguns temas principais, sem querer tratar de tudo. Para ser eficaz, o governo brasileiro precisará evitar dispersão com uma agenda enorme que não teria continuidade depois.
Além disso, o Brasil não pode gastar tanto dinheiro como os indianos. Ter marca de perdulário, no estado atual das finanças nacionais, não é a melhor política. Como nota um negociador de país do G20, em referência ao que a Índia vem fazendo: 'Vocês não vão fazer assim, não é?'.
O Brasil precisará definir também com cuidado onde vai organizar o número enorme de reuniões. Os problemas de logística são conhecidos. Já será um quebra-cabeça fazer uma reunião de ministros de energia em Foz do Iguaçu. Juntar ministros de meio-ambiente em Rio Branco (Acre), então, seria um desafio adicional. Quanto à cúpula de chefes de Estado e de governo, se depender dos parceiros, seria realizada no Rio de Janeiro.
Depois do show de exageros da Índia, a presidência brasileira do G20 poderia mostrar que ‘menos pode ser mais’ em certas ocasiões. Mas é preciso combinar com o presidente Lula.