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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Teoria da jabuticaba, I: prolegomenos

Atenção, este trabalho é de 2005. Desde então, acredito que a situação no Brasil só fez se agravar...

Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29 out. 2005, 6 p. Considerações sobre uma nova teoria em formação.
Publicada na Espaço Acadêmico (ano 5, n. 54, novembro de 2005)

No contexto da produção sociológica, categoria das obras “inúteis e inacabáveis”, estou interessado em formular e propor formalmente à comunidade acadêmica, uma “teoria da jabuticaba”. Explico rapidamente do que se trata e volto depois aos meus prolegômenos, já que esta teoria deveria merecer, no Brasil, elaboração mais sofisticada, tendo em vista sua relevância teórica na vida intelectual do país e sua importância prática para a própria organização da nacionalidade.

Teoria da jabuticaba é tudo aquilo que só existe no Brasil, como essa saborosa fruta selvagem da respeitada família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba). Isso significa, para ser rápido, pertencer a uma família de “explicações sociais” única e exclusiva neste planeta Terra, situação inédita no plano universal, que consiste em propor, defender e sustentar, contra qualquer outra evidência lógica em sentido contrário, soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, até antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam, como se o mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais.

Como já disse um ministro do ancien régime, pensando nas propostas geniais que volta e meia pipocavam com estridência nos meios da oposição (hoje situação), “para cada problema complexo, existe uma solução simples, em geral equivocada”. Pois a teoria da jabuticaba pertence, justamente, a essa família das respostas rápidas a problemas complicados que, aparentemente, se conformam ao chamado senso comum, mas que no fundo derivam de concepções equivocadas sobre a origem desses problemas e apontam para soluções mais errôneas ainda. Nem por isso essas soluções “geniais” deixam de ser apresentadas como a mais perfeita resposta “indígena”, isto é autônoma, a problemas supostamente universais, enchendo de justo orgulho seus formuladores e promotores.

Pois bem, vejamos em primeiro lugar o estatuto do “fenômeno” antes de entrar em seus fundamentos epistemológicos. Infelizmente, se é verdade que ela existe, de fato, trata-se de uma teoria extremamente rara et pour cause. Uma pesquisa rápida na Internet – via Google “normal” – revelou a existência de apenas oito “reações” a essa menção entre aspas, dentre cerca de 33 possibilidades virtuais, mas aparecem respostas repetidas, como uma pesquisa mais acurada se encarregou de comprovar. De fato, uma investigação mais focada nessa expressão – via Google Scholar – deu zero resultado (“Your search – “teoria da jabuticaba” – did not match any articles”), o que não deveria surpreender além da conta. Afinal de contas, essa temática ainda não existe enquanto objeto de preocupações acadêmicas e a teoria ainda precisa ser construída (e testada).

Não seja por isso: estou decidido a “desenterrá-la” enquanto conceito respeitado e respeitável e mesmo a propor sua elevação à categoria de recurso heurístico, para casos evidentemente complicados, como ocorrem ser os problemas sociais do Brasil. Aliás, dos oito retornos na pesquisa Google, dois se referem a um texto anterior meu, sobre o “fim do desenvolvimento” (artigo publicado na revista eletrônica Intellector, disponível no link www.revistaintellector.cenegri.org/pauloralmeida.pdf, ou então em meu próprio site: www.pralmeida.org/05DocsPRA/1353FimDesenv.pdf), no qual argumento que o Brasil já é, para todos os efeitos práticos, um país desenvolvido, bastando agora melhorá-lo socialmente (não, sinto muito, mas isto não é uma demonstração da referida teoria).

Uma pesquisa mais acurada sobre os fundamentos epistemológicos da teoria da jabuticaba certamente revelaria seus traços fundamentais, no contexto da formação social brasileira, contribuindo, quiçá, ao desenho de uma proposta explicativa abrangente – no sentido da Verstehen weberiana –, podendo inclusive contribuir para o oferecimento de algum “tipo-ideal” de explicação “jabuticabal”, em perfeita sintonia com o que se espera de uma verdadeira teoria do conhecimento. Antes que isso se faça, vejamos rapidamente quais seriam os contornos conceituais da teoria da jabuticaba, para oferecer em seguida alguns exemplos práticos de como ela se apresenta no Brasil (e daqui para o mundo).

Essa “teoria” – concedamos-lhe aspas, por enquanto, já que alguns poderiam objetar ao seu estatuto “científico” – se apresenta, antes de mais nada, como uma anomalia lógica. Isto é: ela se refere a algum evento real, a algum processo efetivamente existente, mas ela introduz uma irregularidade ou anormalidade nesse processo, ao formular proposições que são aparentemente factíveis ou até mesmo necessárias, mas que contrariam profundamente a lógica formal, quando não a trajetória normal daquele processo ou evento. Nota de dicionário: segundo o Aurélio, anomalia, em astronomia, se refere a “qualquer desigualdade periódica na trajetória normal de um planeta”, o que me convém inteiramente, sendo o planeta, no caso da “minha” teoria, este nosso Brasil. A “teoria da jabuticaba” também contraria a lógica, mas ela tem toda a aparência de algo normal, de solução absolutamente adequada ao problema que tenciona enfrentar.

A “teoria” em questão constitui, em segundo lugar, uma contradição nos termos, uma vez que ela consagra o próprio problema que pretende resolver. Ou seja: o que ela proclama não é a solução do problema, mas sua eternização ou perenidade, pois a solução desse problema a inviabilizaria enquanto “teoria”, isto é (ainda segundo o dicionário), um conjunto de princípios fundamentais ou de proposições sobre um domínio qualquer de conhecimento. Para que ela seja “teoria” e adquira com isso a devida respeitabilidade é preciso que o aglomerado de banalidades lógicas que ela pretende promover seja aceito enquanto “solução genial” a angustiantes problemas da nacionalidade.

A “teoria”, finalmente, é absolutamente indígena, autóctone, legitimamente nacional, como a própria fruta que lhe dá o nome, constituindo mais uma dessas nossas contribuições originais para o bem-estar da humanidade. Ela pode, talvez, rivalizar com o “jeitinho”, a “caipirinha”, a “broa de milho” (um ministro da cultura chegou a propor sua universalização) e outras tantas invenções, como por exemplo, no campo da ética política e da contabilidade partidária, a normalização do “caixa 2” e dos chamados “recursos não contabilizados”, que devem deixar boquiabertos de admiração nossos vizinhos imediatos e outros observadores estrangeiros.

Interrompo, pelo momento (prometendo voltar em outra ocasião), esta tentativa de sistematização de propostas sobre este campo novo de conhecimento prático – mas que ainda requer, volto a alertar, algum teste para sua validação empírica – para propor um conjunto de exemplos, nos mais diversos campos da inventividade nacional, destinados a ilustrar esta discussão inicial sobre a “teoria da jabuticaba”, esperando receber depois contribuições de gente mais sábia do que eu, ou de simples curiosos na matéria, leitores eventuais desta digressão utópica e interessados, como eu, em desvendar as razões do sucesso da referida teoria neste nosso Brasil. Vejamos alguns poucos casos nos quais se poderia aplicar a nova doutrina que aqui vem proposta em caráter preliminar.

Bolsa escola: Trata-se, obviamente, da genial solução encontrada para “reter” as crianças nas escolas e “obrigá-las” – aqui obviamente no sentido alegórico – a aprender alguma coisa, contra a prestação regular, geralmente de caráter mensal, de algum tipo de contribuição financeira, que se dirige à mãe do aluno visado, como contrapartida para o esforço de enviá-lo à escola, em lugar de ajudar no orçamento familiar mediante algum tipo de trabalho informal ou de simplesmente ficar na rua jogando bolinha de gude (não considero alternativas mais enriquecedoras). Esse programa, quando introduzido em caráter experimental, depois testado em escala mais ampla no Distrito Federal, chegou a ser incorporado, em escala modesta, pelo governo federal, tendo sido inclusive oferecido, pelo seu principal propagandista, à comunidade internacional, como se um “bolsa escola universal” fosse algo de que devêssemos nos orgulhar e vangloriar.

Ele é, no entanto, um perfeito exemplo da teoria da jabuticaba, pois que incide sobre um problema real – a ausência dos bancos escolares de crianças de famílias carentes – e propõe a solução aparentemente lógica: pagar pela freqüência. Que o programa seja apresentado como solução provisória, emergencial e com um horizonte finito de aplicação (isto é, tendencialmente dispensável) pode ser aceito por qualquer mente aberta e propensa a aceitar second best solutions. Que ele seja considerado como a trouvaille genial capaz de nos conceder um prêmio Nobel de economia (ou da paz), sendo, como tal, digno de exportação, constitui, precisamente, o paradigma acabado do que se requer como teste prático da citada teoria.

Parece evidente, com efeito, que em qualquer país normal o objetivo básico a ser alcançado pela política macroeconômica seja uma dinâmica econômica suscetível de fornecer emprego e renda em níveis suficientes à maior parte dos cidadãos, que podem assim prover às suas necessidades básicas, inclusive a manutenção dos filhos nas escolas públicas com o adequado provimento de material escolar. A anomalia é justamente esta: o bolsa escola não é algo de que devemos nos orgulhar, mas a confissão estarrecedora de nossas piores mazelas econômicas e sociais, uma excrescência assistencial que transforma pais e mães em dependentes crônicos da mesada dos filhos.

Tal como concebido – e eventualmente desativado por não se sabe qual razão imperiosa de racionalidade fiscal – o bolsa escola tinha tudo para se perpetuar como programa de transferência de renda por motivos aparentemente nobres e compreensíveis nas condições brasileiras. Mas ele constitui a confissão de um fracasso, não o retrato de um estado desejável de “inclusão social”. O surpreendente, justamente, é que ele seja apresentado, orgulhosamente, como programa exemplar. É tudo o que se requer de um modelo acabado de “teoria da jabuticaba”.

Bolsa família: Trata-se de uma derivação ou substituição do anterior, ou melhor, uma consolidação de diversos programas sociais, tendente a conceder auxílio a famílias vivendo com menos de meio salário mínimo. No Brasil se conseguiu tirar um número da cartola – 11,5 milhões de famílias – e se persegue ardorosamente o objetivo de incluir todas elas no mensalão governamental. É um outro nobre objetivo, o de fazer com que cada brasileiro tenha três refeições por dia, café, almoço e janta, nessa ordem e com essa simplicidade cartesiana. Não se cogitou de investimentos em infra-estrutura e educação, não se cogitou de promover o emprego e a formação técnico-profissional, ainda que esses objetivos figurem entre os elementos declarados do programa. O elemento novo em relação ao programa anterior é, justamente, essa vontade deliberada de incluir o maior número possível de brasileiros “assistíveis”, não o de tornar “desassistíveis” o maior número de pessoas por via de capacitação profissional e inclusão no mercado de trabalho, que não comparece em absoluto, tendo sido substituído pelo símbolo mágico do “cartão magnético”. Ao contrário: o mercado foi declarado incapaz de resolver os problemas sociais do Brasil, uma curiosa excepcionalidade em dez mil anos de história civilizada.

A “teoria da jabuticaba” entra, precisamente, por esse viés assistencialista que o programa inevitavelmente carrega consigo, como se o objetivo maior das três refeições diárias tivesse necessariamente de passar pelas mãos do governo, no caso o brasileiro. Ao proclamar que o combate à fome é um “objetivo estratégico” do país, as autoridades responsáveis não se dão conta de que, ao fazê-lo, eles estão na verdade confirmando o fracasso do Brasil enquanto sociedade e enquanto nação, pois a alimentação diária é algo tão básico e elementar que sequer mereceria figurar entre os “objetivos estratégicos” de qualquer nação, só ocorrendo neste país por uma dessas manifestações recorrentes da “teoria da jabuticaba”. Não estou obviamente considerando aqui aspectos políticos ou diretamente eleitorais do programa em apreço, mas apenas sua “lógica jabuticabal”.

Reserva de mercado para jornalistas: Não é só uma excrescência, é uma perfeita aberração, em tudo e por tudo contrária ao bom senso, à lógica econômica, à boa gestão das empresas de mídia e às necessidades dos leitores e consumidores de informações jornalísticas. Infelizmente, escrevo esta rubrica da “teoria da jabuticaba” – tendo já uma antiga birra contra a obrigatoriedade de diploma de jornalista para trabalho em jornal – no exato momento em que uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Brasília) cassou uma decisão que declarava inconstitucional uma decisão de primeira instância, que se opunha à obrigatoriedade do diploma de jornalista. Não conheço outro país que imponha essa condição para o exercício da profissão, que deveria estar ao alcance de qualquer profissional, com ou sem diploma, medianamente instruído nas artes da língua e disposto a se aperfeiçoar na prática diária, não nos bancos das faculdades de jornalismo, que são uma outra faceta dessa guilda de defensores do mercado fechado que é formada pelos sindicatos de jornalistas. Essa exigência absurda preenche todos os requisitos para se qualificar de pleno direito como membro distinguido da família da “jabuticaba”.

Muitos outros exemplos poderiam ser arrolados em apoio desta minha construção tentativa de uma teoria da jabuticaba – e estou aguardando contribuições voluntárias de leitores atentos – mas esses poucos bastam para chamar a atenção sobre como é rica e variada a nossa galeria de modelos ideais da referida teoria. Seria preciso, a partir de agora, continuar a obra de formalização conceitual da teoria em questão, propor alguma estrutura explicativa convincente sobre as razões de porque ela encontrou um terreno particularmente fértil no Brasil – certamente que outros países terão suas particularidades e bizarrices nacionais, sendo os Estados Unidos um grande candidato a galardão nessa área – e prosseguir a obra de compilação de exemplos patentes e reconhecidos da referida teoria (com vários outros incógnitos e não sabidos). Estou seguro de que a teoria se sustenta totalmente com base na vasta experiência nacional em matéria de bizarrices econômicas e de surrealismos jurídicos. As bases estão lançadas: falta agora completar a cartografia do modelo. Mãos à obra!

A funcao social da propriedade e a Teoria da Jabuticaba

O mesmo comentarista que acha que eu escrevo bobagens ao discorrer sobre as bobagens econômicas da Constituição, em especial a excrescência que representa a tal de "função social da propriedade", neste post:

A função social da terra e as bobagens entranhadas na cabeça das pessoas

que não é bem uma função, não tem nenhum aspecto social -- apenas estatal -- e constitui, de fato, um ataque ao direito de propriedade, resolveu me dar lições de direito, recomendando-me a leitura de um livro que parece resumir toda a nova sabedoria acumulada em matéria de redução dos direitos de propriedade.

Como sempre estou a favor de um bom debate intelectual, reproduzo aqui sua sumária "lição", para que não se perca nas dobras de uma simples nota de rodapé, que quase ninguém lê, que são os comentários a posts neste blog:

Caro Paulo,
Recomendo a leitura da obra:
FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.
Você vai entender melhor o tema.
O autor é um renomado jurista paranaense.Muitos do meio jurídico o querem para Ministro no STF.
O direito à propriedade não é "prerrogativa temporária, ocasional, limitada, dependente do bom humor de algum agente externo que pode vir dizer se eu tenho ou não direito a esse bem", conforme você afirmou.
Você está confundindo conceitos e ideologias.
Sem mais,
José Eduardo - Curitiba PR


Bem, vou ser claro com o José Eduardo, que certamente está esperando por uma resposta.
Meu blog discute ideias, se possível inteligentes e inteligiveis.
Agradeço a recomendação bibliográfica, mas isso não constitui um debate de ideias.
Por isso convido o José Eduardo, ou se ele desejar, pode convidar seu autor preferido, o Luiz Edson Fachin, a exporem, aqui mesmo neste blog, as razões fundamentadas pelas quais eles consideram que a Constituição está correta e que é adequado, correto, condizente com os requerimentos de crescimento econômico e de desenvolvimento e prosperidade da sociedade brasileira a redução do direito de propriedade, sobretudo através dessa vaguidão sofismática que pretende limitá-la através de uma não definida e indefinível "função social da propriedade"

Se eles conseguirem me provar que essa figura estranha, bizarra, de fato, constitui uma boa coisa, que outros países a adotaram e se sairam muito bem -- talvez alguns socialistas ainda desconhecidos nos registros históricos -- eu estou disposto a aderir a essa concepção.
Do contrário, vou considerar, como várias outras coisas que só existem no Brasil -- como as nossas raízes afrobrasileiras, por exemplo, que se estendem até aos alemães de Santa Catarina e do Paraná, por acaso terra do José Eduardo --, que essa tal de "função social" constitui mais um dos elementos surrealistas da famosa "Teoria da Jabuticaba", vocês sabem, aquela coisa que só existe no Brasil e as pessoas acreditam que não só funciona como faz bem ao desenvolvimento nacional.

Já tive a oportunidade para escrever a respeito da Teoria da Jabuticaba. Os interessados a esse respeito podem consultar estes meus trabalhos:

598. “Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos”, Espaço Acadêmico (ano 6, n. 54, novembro 2005). Relação de Trabalhos n. 1489.

673. “Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos”, Instituto Millenium (5 de julho de 2006). Relação de Trabalhos n. 1632.

[Vou postar novamente esses trabalhos neste blog, pois eles podem ter problemas de linkagem.]

O debate está aberto.
Paulo Roberto de Almeida

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A funcao social da terra e as bobagens economicas da Constituicao

Um leitor de minha postagem:

"Nacionalismo fundiario só pode atrasar o país"

pede-me, "por obséquio [para] explicar, ou me dar uma referência para leitura sobre qual o problema com a terra ter uma "função social"? Por que isso é uma "manifestação de estupidez econômica"?"

Bem, essa e outras disposições da Constituição mereceriam um tratado de economia, ou mais precisamente de economia política, e pode-se inclusive ficar impressionado com o "pensamento" econômico que sustentou essa e outras disposições da Constituição.

O Brasil é um país que vem de uma longa tradição de intervencionismo econômico e as pessoas não conseguem perceber, simplesmente, como essa tradição contaminou as mentalidades a ponto de poucos se aperceberem como esse intervencionismo representa, na verdade, um autoritarismo político incompatível com os princípios de uma sociedade verdadeiramente livre.
O fato é que o Brasil não é uma sociedade livre, do contrário não haveria uma disposição como essa, que obriga a "terra" a cumprir uma "função social".

Começo pela contradição primária de que ninguém sabe explicar o que é exatamente essa funcão social. Ela é definida por burocratas, que intervêm, assim, na propriedade de outra pessoa, uma pessoa privada.

Todo brasileiro, todo cidadão, deveria ter o direito, simples, banal, de possuir ativos, quaisquer tipos de ativos, e de dispor deles da maneira que desejar.
Por exemplo, possuir terras, para seu lazer pessoal, para proteger a natureza, para criar minhocas em estado selvagem (ou seja, sem cuidados), ou simplesmente para contemplar. Este direito é subtraído ao proprietário de terras, que precisa, em função de uma disposição autoritária da Constituição, atender a uma mal definida "função social".

Alguém já se perguntou qual é a função social do industrial, do verdureiro, do quitandeiro, do vendedor de pipoca? Alguém tem o direito de exigir que o verdureiro venda, além de verduras, bebidas ou cigarros, por exemplo?

Por que será que só o proprietário de terras tem de produzir necessariamente alimentos ou qualquer outra coisa em suas terras?
Por que ele não teria o direito de deixar suas terras tranquilamente intocadas, apenas esperando a chuva?
O governo, se precisar, poderia estabelecer impostos diferenciados para terrenos produtivos e para terrenos "especulativos", ainda que isso seja uma discriminação e uma violência que não deveriam existir numa sociedade verdadeiramente livre.
Mas, nenhum burocrata deveria ter o direito de decretar a expropriação de terras apenas porque o seu legítimo proprietário não cumpre uma "função social", que não existe em nenhuma outra atividade social, econômica, simplesmente humana.

Trata-se, simplesmente, de uma violência contra o direito, contra as pessoas, contra a racionalidade econômica.
E que ninguém invoque o direito de brasileiros produzirem ou comerem para justificar a violência, pois o mercado se encarrega de produzir tudo que as pessoas desejam.
Numa sociedade livre, as pessoas interessadas em produzir sempre vão encontrar como, onde, quanto produzir. E as pessoas necessitando comprar, sempre vão encontrar o que encontrar, na quantidade requerida, aos preços de mercado.

A Constituição tem muitas outras disposições tão irracionais quanto esta, intrusivas, cerceadoras da liberdade das pessoas, intervencionista na vida econômica ou simplesmente irracional do ponto de vista de uma boa gestão econômica.
Vou tentar esclarecer esses pontos em próximas oportunidades.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 3 setembro 2010)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

República Mafiosa do Brasil: Constituição

Está decretada e destinada a ser cumprida a:

Constituição da República Mafiosa do Brasil

Preâmbulo: Considerando-se que estão dadas as condições para inaugurar uma nova era, como nunca houve antes neste país, entra em vigor esta Constituição, bem mais simples que as oito anteriores, constante dos seguintes artigos:
Artigo 1: Todo poder emana do Partido do Grande Irmão e em seu nome será exercido.
Artigo 2: O Brasil é uma república unitária, centralizada e organizada em torno de um único poder, este presidido pelo Partido do Grande Irmão, que zelará pelo povo com o mesmo carinho com que um pai devota ao seu filho único. Todos os demais partidos são considerados inimigos do povo, ilegítimos, portanto, e em função disso serão afastados do poder.
Disposições transitórias: Será convocada uma Constituinte exclusiva, sob proposta do Partido do Grande Irmão, para adaptar toda a legislação vigente às disposições constitucionais da nova era.
Revogam-se todas as demais disposições em contrário.
Brasília, 189. ano da Independência, 122. da República, 8. da era do nunca antes neste país e 1. da República Mafiosa do Brasil.

Pela transcrição no cartório do Grande Irmão:
Paulo Roberto de Almeida
(2 de setembro de 2010)