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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Que tal recorrer a um palavrão? - Dartagnan da Silva Zanela

 A LUZ DO LUAR SOBRE OS CEMITÉRIOS ESQUECIDOS

 

por Dartagnan da Silva Zanela (*)


Mário Souto Maior é o autor do “Dicionário do Palavrão e termos afins”, onde o mesmo reuniu, nada mais, nada menos, que três mil insultos que fazem parte da língua portuguesa, cujo imperador, segundo Fernando Pessoa, é o grande Padre Antônio Vieira.

 

Se o amigo leitor nunca consultou a referida obra, sugiro que o faça para, quem sabe, poder enriquecer mais o seu vocabulário com aquelas pérolas que não são assim tão preciosas.

 

Sim, eu sei, todo mundo sabe, não é de bom alvitre proferir impropérios, porém, há ocasiões em que essas são as únicas palavras que verdadeiramente podem ser ditas para expressar com clareza o que estamos sentindo.

 

Aliás, como certa feita havia dito Millôr Fernandes, todo mundo tem o sacrossanto direito ao “phoda-se”, pois é preferível dizer cobras e lagartos num momento de indignação do que ficar guardando potes e mais potes de fel e rancor no coração, para alimentar mesquinhas vinganças e outras coisinhas insalubres semelhantes.

 

Todavia, é importante lembrar que há uma diferença abissal, ontológica mesmo, entre um palavrão rasteiro, proferido no calor de uma troca de farpas, e ficar a torto e a direito chamando os desafetos e adversários de fascistas, nazistas, genocidas, racistas, machistas e etc.

 

Quando alguém adota esse tipo de subterfúgio, há um terrível ardil subjacente a essa ação.

 

Quando mandamos alguém para a casa do chapéu estamos apenas expressando nossa bílis num dado momento. Fica claro, a quem tiver olhos e ouvidos para testemunhar, que estamos insatisfeitos com algo ou alguém, que estamos desequilibrados e ponto final.

 

 

Agora, quando chamamos, levianamente, alguém de fascista, nazista ou algo que o valha, o mecanismo é bem outro. O que estamos fazendo é grudar um rótulo infame sobre uma pessoa e, ao fazer isso, estamos, ao mesmo tempo, difamando-a e descaracterizando o termo utilizado de, repito, uma forma leviana. Por isso, é importante não esquecermos que esse tipo de atitude é uma combinação sulfurosa de ignorância e malícia.

 

Creio que dá para perceber a diferença grintante que há entre utilizar um dos três mil termos catalogados por Mário Souto Maior e simplesmente taxar algum indivíduo de nazista e fascista. Creio que dá para perceber o tamanho da perversidade que se faz presente nesse gesto tão cínico quanto oportunista.

 

Não é à toa, nem por acaso, que George Orwell, em seu livro, “O que é o Fascismo? E outros ensaios”, nos chama a atenção para o perigo de ficarmos utilizando de forma indiscriminada esses termos como se eles fossem um punhado de insultos de botequim. Na real, isso seria uma faca de dois gumes.

 

Uma faca de dois gumes porque, primeiro, se está jogando uma pecha infame sobre uma pessoa. Aliás, já pararam pra pensar o que significa rotular alguém, que não é nazista, de nazista? Imagino que não. Falta empatia, apesar de se falar tanto nela, não é mesmo?

 

Não apenas isso, mas também falta borbotões de conhecimento a respeito do que foi realmente o Nacional-Socialismo, o Fascismo, o Holocausto e tutti quanti, tendo em vista que raras são as pessoas que realmente leram, ao menos, um livro sobre essas lúgubres páginas da história.

 

O segundo ponto, de acordo com Orwell, tão problemático quanto o primeiro, é o fato de que, de tanto esses termos serem usados forma maliciosa, de maneira inapropriada, para estigmatizar nossos desafetos, eles acabam perdendo o seu poder descritivo, a sua capacidade de captar e denunciar a realidade, tal qual ela é e aí, meu caro Watson, corremos o risco de não sermos capazes de reconhecer um nazista de verdade quando ele aparecer diante de nossos vistas. E aí, com o perdão da palavra, o buraco será bem mais embaixo.

 

Enfim, não abramos mão do nosso direito ao insulto, como diria o velho Millôr Fernandes, mas não sejamos levianos e maldosamente maquiavélicos ao exercê-lo. As vítimas do nazismo, no silêncio dos seus jazigos, agradecem e, as que sobreviveram e que ainda estão vivas, também.

 

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “O SEPULCRO CAIADO”, entre outros livros.

 

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O espelho de OJESED e o cálice de cicuta - Dartagnan da Silva Zanela

 Li, gostei, resolvi transcrever, sem endossar necessariamente todos os argumentos, mas apreciando muito a maioria das afirmações do escritor, a quem não conheço, mas sei reconhecer as virtudes e qualidades de suas reflexões e escrita.

Paulo Roberto de Almeida

O ESPELHO DE OJESED E O CÁLICE DE CICUTA


por Dartagnan da Silva Zanela (*)


Sermos capazes de olhar para o nosso passado e sentirmos que fracassamos é um claro indicador de que não despirocamos de vez. Aliás, como certa feita havia sido dito pelo filósofo Leszek Kolakowski, quem nunca experimentou a sensação de ser um charlatão, no fundo, não passa de uma alma superficial, indigna de atenção.

 

Se nós nunca tivemos essa sensação, pode ter certeza de que há algo de muito errado conosco. Muito errado mesmo. Agora, se porventura, nós já sentimos nossa garganta ficar apertada por conta desse tipo de impressão, há um detalhe que merece nossa atenção. No caso, é a nossa inenarrável capacidade para justificar os nossos erros e fracassos, o nosso grande potencial para nos autoenganarmos.

 

Quando a nossa consciência pesa e nos acusa, mais do que depressa realizamos o movimento de nos colocarmos na defensiva, argumentando contra os apontamentos feitos por ela, justificando de mil e uma maneiras nossos erros diante dela. E, desta forma, sem nos darmos conta, acabamos por advogar contra nós mesmos.

 

Sim, eu sei, até as pedras sabem, que atualmente todo mundo bate no peito pra dizer o quanto se considera uma pessoa crítica, terrivelmente crítica, porém, se formos sinceros conosco mesmo, no prazo de duas cervejas iremos constatar que toda essa conversa de criticidade, patriotismo e tutti quanti, não passa de “bafo-de-boca”, como diria Paulo Francis.

 

“Bafo-de-boca” sim senhor, porque se nós nos consideramos críticos, mas não somos capazes de realizar uma franca e inclemente autocrítica, se não estamos abertos para ouvir as mais impiedosas e duras críticas, para vermos se aproveitamos algo do que nos foi apontado pelas línguas maldizentes, sinto em dizer, mas nós não somos críticos patavina nenhuma.

 

E não o somos não porque supostamente sejamos esquerdistas, direitistas ou o caramba a quatro, mas sim, porque não somos sinceros, não somos honestos com relação àquilo que fazemos e, muito menos, frente àquilo que dizemos acreditar.

 

Sim, é um Deus que nos acuda e Ele não vai acudir ninguém não. Na real, acho que Ele se diverte pra caramba com essas nossas firulas e dissimulações.

 

Sobre esse ponto, José Ortega y Gasset, de forma muito direta e clara, nos lembra do óbvio gritante, quando nos diz que o que define o sujeito não são suas palavras, mas sim, as suas ações. Na verdade, o Batman (Christian Bale) havia dito algo parecido para Rachel Dawes (Katie Holmes), em uma cena espetacular do filme “Batman Begins” (2005).

 

Enfim, não importa tanto qual seja a fonte desse dito. O que realmente interessa é que definitivamente somos aquilo que fazemos, não aquilo que dizemos ser, ou que imaginamos que somos. Não tem lesco-lesco.

 

Por exemplo: da mesma forma que um estudante que não estuda, não é um estudante, mas sim, outra coisa; pais que não amam e não educam os seus filhos, podem até ser genitores, mas não são pais que zelam pela integridade de sua família. Eles, também, são outra coisa.

 

Parêntese. Bem, verdade seja dita: é possível que uma pessoa de tanto fingir ser detentora de alguma virtude acabe, com o tempo, tornando-se portadora dela, mas, infelizmente, o que mais acontece nesse nosso triste país é vermos pessoas contentando-se apenas e tão somente com o fingimento. Fecha o parêntese.

 

Indo direto aos finalmente, todos nós cultivamos uma imagem a respeito de nós mesmos, imagem essa que gostamos de apresentar aos nossos semelhantes, sejam eles nossos conhecidos ou não. E, fazemos isso, porque, em alguma medida, acreditamos que essa imagem seria o retrato fidedigno de nós mesmos e, tal atitude, acaba por paralisar toda a dinâmica, todo o poder realizador da nossa alma.

 

Podemos dizer que, diante da autoimagem farsesca que fazemos de nós mesmos, ocorre conosco algo similar ao que acontece com as personagens das aventuras de Harry Potter, quando ficavam diante do “Espelho de OJESED” que, segundo a explicação dada por Dumbledore, nos mostra o mais profundo e desesperado desejo que habita em nosso coração.

 

Pois é. E é aí que a porca torce o rabo, e torce feio, porque o tal espelho, segundo as palavras de Dumbledore: “não nos dá nem o conhecimento nem a verdade. Já houveram homens que definharam diante dele, fascinados pelo que viram, ou enlouqueceram sem saber se o que o espelho mostrava era real ou sequer possível”.

 

Bem, se nossa alma estiver perfeitamente ordenada, o “Espelho de OJESED” não irá refletir nada além daquilo que nós somos. Agora, se nossa alma estiver desordenada – e ela sempre está, em alguma medida, desordenada - o bicho pega, porque o espelho irá nos mostrar tudo aquilo que gostaríamos de ser, mas que não o somos, paralisando-nos diante do reflexo apresentado, matando o que há de potencialmente mais elevado em nós.

 

E é mais ou menos desse jeito que acabamos vivendo quando sobrepomos uma autoimagem superficial à nossa consciência, confundindo autoconhecimento com autoproteção. É nisso que nos tornamos quando não experimentamos, de vez enquanto, a sensação de sermos um charlatão, porque é essa sensação que nos ajuda a lembrar que há muito mais entre o céu, a terra e em nosso coração, do que presume nossa vã disposição para nos autoenganar e, consequentemente, acabar vivendo uma vida que poderia ter sido, mas naufragou.


(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Autor de “A Bacia de Pilatos”, entre outros livros.

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