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terça-feira, 10 de setembro de 2024

Maduro segue os passos do ditador Chávez: matérias de 2005 sobre a construção da ditadura bolivariana

 Dos meus arquivos implacáveis: matérias de 2005, ou seja, mais de 11 anos atrás, quando Chávez, com o apoio material, logístico e intelectual da ditadura de Fidel Castro, deu os passos decisivos para consolidar um regime ditatorial, com total apoio do governo de Lula 1 (2003-2006).

Paulo Roberto de Almeida

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Jornal Valor Econômico - 12/04/2005 - Editorial

 

Chávez dá novos passos em direção à ditadura

 

A Venezuela caminha para uma ditadura ou uma nova fase de mais instabilidade política, ou ambas. A trajetória crescente de radicalização interna do presidente Hugo Chávez está perto de destruir os poucos vestígios de democracia de sua "revolução bolivariana" para mergulhar em uma aventura autoritária. O principal artífice da instabilidade é o próprio Chávez. A decisão oficial de criar milícias civis armadas é um passo largo em direção à intimidação política e à conquista de um poder pessoal no pior estilo dos caudilhos que infernizaram o continente no século passado.

 

O decreto que criou as milícias, que poderão agrupar 1,5 milhão de pessoas, diz que sua função será a de "ajudar na defesa e sustentação da segurança da nação" e "integrar progressivamente a sociedade civil ao exercício do dever de co-responsabilidade na manutenção da paz nacional". Os objetivos são claros e não se restringem ao temor sempre presente de Chávez de ser assassinado por inspiração do governo de George Bush ou de ter seu país invadido pelos marines. A manutenção da "paz nacional" poderá se dar a partir de agora com ruidosos chavistas armados atemorizando a oposição ao governo, que vem minguando a olhos vistos, ao passo que o presidente concede a si mesmo cada vez mais poderes.

 

A trajetória do mandonismo de Chávez segue passos lógicos e céleres. O plebiscito convocado pela oposição para destroná-lo fracassou. Na sua esteira, em vez de gestos conciliadores, o presidente fechou progressivamente o caminho institucional para a manifestação dos partidos políticos que não aceitam seus preceitos. Em um país onde o Estado é o maior dono das terras, iniciou-se uma reforma agrária com o confisco de fazendas de propriedade de estrangeiros. A reforma educacional recém-encaminhada pelo presidente pode abrir caminho à lavagem cerebral típica de regimes stalinistas em decomposição. O passo mais grave, porém, foi a legislação aprovada pelo Congresso que torna objeto de retaliação do Estado manifestações típicas da democracia, como críticas ao presidente ou realização de passeatas em defesa de reivindicações políticas ou econômicas.

 

Após fracassar em uma tentativa de golpe de Estado, Chávez foi levado à presidência pelas urnas em 1998 e parece decidido a se perpetuar no poder. Há poucas dúvidas de que conseguirá se reeleger por um período de mais seis anos em 2006. Seu populismo autoritário não faz mal apenas às instituições políticas, mas se estende à economia, onde está minando as forças da fonte quase única de recursos do país - a estatal de petróleo PDVSA. Há sinais de que a empresa começa a sofrer de penúria de capitais para cumprir sua meta de chegar a produzir 5 milhões de barris por dia em cinco anos. Segundo a revista americana "BusinessWeek", alguns importantes poços estão tendo seu nível de produção reduzido em um quarto a cada ano e o número de novas perfurações para novos poços caiu pela metade entre 1997 e 2005.

 

Chávez resolveu também apertar o cerco às companhias estrangeiras de petróleo, que respondem por quase metade da produção. Ele elevou os royaties de 1% para 16,6% das empresas que operam na bacia do Orinoco e estabeleceu que novas parcerias terão termos mais favoráveis ao governo - 30% de royalties e 51% de participação da PDVSA. Com a produção estabilizada ou cadente e medidas que afugentam investidores, o governo venezuelano poderá em breve ficar com recursos menores para programas sociais.

 

Durante décadas, conservadores e liberais esbanjaram as receitas de petróleo venezuelano e deram às costas à miserável população do país. A eleição de Chávez rompeu com esse esquema político decrépito, que sofreu novo revés com o golpe de Estado fracassado de 2003. Chávez está sendo incapaz de livrar-se da dependência do petróleo e de dar novas esperanças e força ao jogo democrático. Ao retirar o monopólio da força do Exército e ameaçar deslocá-lo para as milícias sob comando de acólitos, Chávez está mexendo com fogo e incentivando insatisfação entre os militares, que lhe foram leais até agora. É uma jogada de altíssimo risco.

 

O aventureirismo de Chávez tem contado com o beneplácito do governo Lula, que dá um manto protetor retórico à escalada ditatorial do vizinho. "Não aceitamos difamações contra companheiros", disse recentemente Lula, diante do primeiro-ministro espanhol, José Luiz Zapatero. Resta saber o que ele fará diante da verdade. Há riscos para a democracia na Venezuela e a diplomacia brasileira, por enquanto, dá a Chávez atestados de bom comportamento.

 

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Diego Casagrande, 13.04.2005, 16h06

O FAROL CHAVISTA

por Denis Rosenfield, filósofo

 

A ascensão de Hugo Chávez ao poder e a sua forma de conservação expressam o grande sonho da esquerda latino-americana. Nem nos seus maiores devaneios, ela considerou possível que a conquista do poder por meios democráticos redundaria com tanta perfeição na supressão dessa mesma democracia. Habilidoso no discurso e nas manobras, o ditador tem conseguido passar a imagem de que governa democraticamente, com o povo, quanto tudo faz para enfraquecer as instituições republicanas, abrindo a via para o exercício autocrático do poder. Só os incrédulos e os de má-fé acreditam que tudo está normal na Venezuela. Incrédulos, porque não crêem que um processo democrático possa conduzir dessa maneira à abolição da democracia. A ascensão de Hitler ao poder seria um desses exemplos. E os de má-fé são aqueles que sabem que não se trata de democracia, porém fingem o contrário. A instauração de um regime próprio da esquerda autoritária ou totalitária, como os que povoaram os horrores do século XX, aparece, então, como a consumação da igualdade.

 

O recente episódio de compra de armamentos é apenas o último dos atos que comprovam o processo revolucionário em curso. Que a Venezuela compre aviões de reconhecimento ou barcos que ajudem a defender as suas fronteiras é um ato próprio, normal, de um país soberano que cumpre com certas de suas funções. Comprar, no entanto, 100.000 fuzis AK-7 com o propósito de armar milícias populares revela a execução de um velho preceito marxista-leninista, cubano ou maoísta, o de formar um para-exército que responda às ordens diretas do Líder máximo. A melhor forma de conservação de uma ditadura consiste no aperfeiçoamento de seus métodos repressivos, tanto mais eficientes que eles se apóiem em milícias populares, que fazem o arremedo da “soberania do povo”. Nada disso é novo historicamente, pois Fidel Castro consegue, policialmente, arrebanhar multidões, como o fizeram Mussolini, Stálin, Hitler ou Mao. Trata-se aqui da encenação autoritária ou totalitária da “democracia popular”.

 

Contudo, nada disto foi feito sem preliminares “jurídicas” e “civis”. O Supremo Tribunal teve o número de seus juízes substancialmente aumentado, de tal maneira que os novos juízes chavistas, de extrema obediência ao ditador, fossem maioria. Dessa maneira, qualquer ato arbitrário de Hugo Chávez se torna potencialmente, senão efetivamente, “legal”. A esquerda latino-americana, fã desses engodos, sempre poderá dizer que o “estado de direito” foi respeitado. No mesmo diapasão, foi “aprovada” pelo Legislativo, também totalmente controlado pelo Líder máximo, uma lei que pune severamente todo aquele que proferir uma palavra contrária ao Chefe ou uma declaração que por esse seja considerada danosa para sua figura. A liberdade de imprensa e de expressão em geral foi severamente limitada, apesar de várias manifestações indignadas de órgãos de defesa dos direitos humanos e de liberdade de expressão. Ou seja, um direito civil básico foi “legislativamente” suprimido, obedecendo ao ritual “democrático” de uma ditadura.

 

Nada disto, no entanto, seria de espantar se a nossa diplomacia e um setor considerável do PT não considerassem tais atos como perfeitamente normais. O anormal do ponto de vista democrático ganha o contorno do terrivelmente normal, o da normalidade dos regimes de esquerda autoritária ou totalitária. Quando lemos ou ouvimos declarações de altos responsáveis de nosso governo aceitando ou elogiando a política chavista, não podemos deixar de nos perguntar se essa ausência de condenação não á uma forma indireta de aprovação ao que lá está acontecendo. A atuação de nossa diplomacia em relação à Venezuela, controlada diretamente pelo Palácio do Planalto, expressa o que muitos desse governo pensam. Se acrescentarmos a isso que em torno de um terço dos membros do PT comunga dessas mesmas posições, constataremos que a esquizofrenia política atual também se nutre de outros modelos. Enquanto a esquerda brasileira não fizer o luto de suas posições passadas, o farol de Chávez continuará despontando no horizonte.

 

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Diego Casagrande

http://www.diegocasagrande.com.br

 

terça-feira, 6 de junho de 2023

Farsa e narrativa: os desacertos de Lula analisados por Denis Rosenfield (Estadão)

Farsa e narrativa Denis Lerrer Rosenfield
O Estado de S. Paulo, 05/06/2023) O Lula politicamente intuitivo e astuto do primeiro mandato dá lugar a um presidente incoerente, dominado ideologicamente e politicamente desorientado No mundo de Lula, alhures, fatos não são fatos, o que significa dizer que tortura não é tortura, repressão não é repressão, direitos humanos não são direitos humanos, Estado Democrático de Direito não é Estado Democrático de Direito. Tudo se torna uma mera questão de narrativa, uma sendo substituída por outra, como se a verdade não existisse em lugar nenhum. Aliás, como ele e o seu partido advogaram por uma Comissão da Verdade em relação ao Brasil, se a verdade não existe e tudo é uma simples questão de narrativa? A acolhida de Lula ao ditador Nicolás Maduro, pária em nível internacional, recepcionado como chefe de Estado de um regime “democrático”, foi estarrecedora, mesmo para aqueles que começam a se acostumar com o festival de besteiras do novo governo, que nada deve neste quesito ao anterior. Se Stanislaw Ponte Preta ainda vivesse, teria material inesgotável para um novo livro, talvez ainda mais hilário do que o anterior. Ao afirmar que a realidade repressiva bolivariana – a do tal “socialismo do século 21” (pobre socialismo, a isso reduzido) – é uma mera questão de narrativa, servindo aos propósitos dos EUA, ou seja, do imperialismo e do Ocidente, Lula procurou velar o que lá se passa. Isso porque o “amigo” é um “companheiro”, seguindo os comunistas soviéticos que, no passado, se tratavam entre si como “camaradas”. Entre eles, tudo era permitido, inclusive o crime, a violência, a tortura e a invasão de países tidos por “inimigos”. A esbórnia com as palavras era mais um atentado ao vernáculo. Agora, numa suposta cúpula latino-americana, planejada como uma forma preliminar de união entre países ideologicamente próximos, visando a ressuscitar o projeto chavista da Unasul, eis que uma nova pérola política surge. O Brasil passaria a defender a “democracia” chavista/madurista, que teria sido deturpada por uma narrativa ocidental, que teria sido apropriada pela mídia internacional. Haveria, aqui, o resgate de uma vítima, Maduro, que teria sido denegrido pela imprensa internacional. A serviço, certamente, do “Ocidente”, do “imperialismo” ou de algo que o valha. Os 7 milhões de refugiados venezuelanos espalhados pelo mundo, sobretudo na América Latina, inclusive no Brasil, poderiam ser escutados. Voz deveria ser dada a eles. São os pobres, os oprimidos, os violentados. Não é esta, aliás, a bandeira das esquerdas, inclusive do PT? Em vez disso, voz é dada ao ditador, ao que mantém seu povo sob o jugo da violência. Vejam só: o ditador torna-se a vítima! Felizmente, presidentes sensatos estavam presentes na cúpula, com especial menção ao presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, e ao do Chile, Gabriel Boric. Ambos se insurgiram com veemência contra as declarações do presidente Lula. O primeiro, de centro-direita, mostrou que a defesa dos direitos humanos transcende posições ideológicas, visto que esses direitos são universais, valendo para qualquer país, independentemente de questões de ordem política. O segundo, de esquerda, seguiu na mesma linha. No caso de Boric, não deixa de ser surpreendente, pois, sendo de formação comunista, defensor de pautas identitárias, ele não se alinhou ao seu “companheiro” de esquerda, conferindo a essa conotação política uma dimensão universal. É deveras preocupante que o presidente Lula exiba tal manifesto desprezo pelos direitos humanos e pelo Estado Democrático de Direito. O ditador Maduro, na esteira de seu predecessor, suprimiu a liberdade de imprensa, perseguindo com afinco qualquer voz discordante. Fraudou sistematicamente o resultado das eleições, exercendo férreo controle sobre as oposições. Inclusive, decidindo sobre quem poderia ou não disputar as eleições, redesenhando, segundo suas conveniências, as circunscrições eleitorais. Forças militares, policiais, paramilitares e parapoliciais reprimem com força os cidadãos, eliminando fisicamente opositores, além da prática da tortura, há muito denunciada. O Congresso e o Judiciário foram amordaçados, deixando de ser Poderes independentes. É essa a “democracia” almejada para o Brasil? A farsa parece desconhecer limites. Se Lula planeja se tornar um grande líder internacional, um mediador de conflitos como na guerra empreendida pela Rússia contra a Ucrânia, o seu caminho não poderia ser pior. Está rapidamente dilapidando seu capital internacional conquistado ao ganhar as eleições defendendo a “democracia” e a pauta ambiental, ambas caras ao Ocidente, tão desprezado em suas declarações. Seu posicionamento junto de párias internacionais em nada contribui para o seu projeto. A pauta ambiental começa, igualmente, a passar para segundo plano. O Lula astuto e politicamente intuitivo do seu primeiro mandato está dando lugar a um presidente incoerente, dominado ideologicamente e politicamente desorientado. Que tal Lula advogar por uma Comissão da Verdade para investigar os crimes de Maduro e de seu entorno, mantendo ao menos um mínimo de coerência em relação a atitudes suas no passado?  

PS: Grato a Augusto de Franco pela transcrição, da qual me apropriei. 

domingo, 10 de maio de 2020

O filósofo que quer interditar o presidente - Denis Rosenfield (via Ricardo Bergamini)

Entorno de um sociopata nada pode brilhar além dele 

Prezados Senhores

Parabéns professor Denis pela sua volta as origens. Em breve outros voltarão as suas origens.

O capital estrangeiro jamais acreditou nessa farsa liberal desse líder sindical. Haja vista ter sido pior do que os governos Lula e Dilma/Temer.

Os investidores estrangeiros já não estavam botando dinheiro antes. Como vão botar agora? Investimento vem para um país com estabilidade institucional, marco regulatório, respeito aos contratos, honra à palavra, nada do que está acontecendo hoje. Não dá para contar com investimento privado.

Movimentações Financeiras das Contas Externas do Brasil (BCB).

De 1995 até 2002 (FHC) o Brasil gerou uma saída líquida (fuga) de US$ 22,2 bilhões; de 2003 até 2010 (Lula) o Brasil gerou uma entrada líquida (captação) de US$ 210,5 bilhões; de 2011 até 2018 (Dilma/Temer) o Brasil gerou uma entrada líquida (captação) de US$ 65,7 bilhões; de 2019 até março de 2020 (Bolsonaro) o Brasil gerou uma saída líquida (fuga) de US$ 56,0 bilhões. 
Ricardo Bergamini


Entrevista com Denis Rosenfield: 
"O Brasil não aguenta mais dois anos e meio de Bolsonaro"

Eleitor do atual presidente, filósofo e escritor analisa crise com o ex-ministro Sergio Moro, compara a figura de Bolsonaro à de Lula e projeta 2022 com a esquerda enfraquecida
 FÁBIO SCHAFFNER
Rádio Gaucha ZH, 01/05/2020


Rosenfield: "Moro pode rachar o apoio militar a Bolsonaro "Nilton Santolin / Divulgação

Aos 69 anos, Denis Rosenfield é um privilegiado espectador dos bastidores do poder. O filósofo e escritor porto-alegrense estava no Palácio do Jaburu quando o então presidente Michel Temer esteve prestes a renunciar, durante o escândalo da JBS, em 2017, circula com desenvoltura na cúpula empresarial, jurídica e de mídia do país e frequenta a casa do general Villas Bôas, o mais influente conselheiro do presidente Jair Bolsonaro na caserna. Crítico ferrenho do PT e radical defensor do ideário liberal, Rosenfield votou com convicção em Bolsonaro no primeiro e segundo turno das eleições de 2018. Não se arrepende da escolha, mas considera-se estupefato pela forma como o ex-capitão conduz os destinos do país. Como solução, advoga uma espécie de interdição do presidente, a ser conduzida pelos generais de terno que despacham no Planalto:

– Ele pode até continuar, desde que abra mão dos seus atos e arbítrios. Ficaria sem nenhum poder.

Confira a entrevista concedida por telefone a GaúchaZH.

Em artigo recente, o senhor afirmou que uma confusão atual é atribuir um eventual fracasso do governo Bolsonaro a um fracasso da direita. Bolsonaro não representa mais a direita?

Muito antes da eleição ficou claro que havia acabado a polarização PT versus PSDB e que a disputa se daria entre Bolsonaro e 
Lula ou seu preposto (Fernando) Haddad. Então houve uma aglutinação da direita em torno de Bolsonaro, cujo vetor era bater o PT. Bolsonaro não ganhou por ser de direita, ganhou porque o PT tinha de ir embora. Várias pessoas me disseram: votei no Bolsonaro contra o PT. Esse era o inimigo. Era questão de viabilidade eleitoral.

E agora, Bolsonaro representa o quê?

A extrema-direita. Bolsonaro fez uma campanha muito bem feita, com uso intenso das redes sociais, embora hoje a gente veja a perversidade disso aí. Aliaram-se a Bolsonaro a direita liberal, a conservadora, incluindo os militares e os evangélicos. Hoje, a polarização mudou. É entre Bolsonaro e outro setor da direita, representada pelo (João) Doria. Pode ser também entre Bolsonaro e (Henrique) Mandetta ou entre Bolsonaro e (Sergio) Moro. Ou seja, há três candidatos da direita para 2022. E o PT desapareceu. Não soube se mostrar como protagonista, tem uma ausência completa de discurso. Acho isso bom, porque, quanto mais o PT silenciar, melhor para a democracia.

Por quê?

Porque os militares se uniram a Bolsonaro contra o PT. Fecharam com ele por não considerarem o PT uma alternativa séria, e sim uma esquerda atrasada. Tão atrasada que àquela época só se preocupava com seu líder político preso.

O Brasil não aguenta mais dois anos e meio de Bolsonaro. Ele está desmoronando. A não ser que se converta à racionalidade, prendendo os filhos em casa e se livrando dos ministros ideológicos, além dos incompetentes. Assim poderia reconstituir sua base.

O senhor acredita que um PT fortalecido pode acabar levando os militares a dar respaldo aos espasmos autoritários de Bolsonaro?

Exatamente. E são mais do que espasmos: há uma tendência autoritária no presidente. Os militares hoje são democratas e constitucionalistas, mas essa tendência autoritária poderia obter respaldo militar por medo do PT. Desaparecendo o medo do PT, essa aliança se desfaz naturalmente. Pode demorar uns meses, um ano, mas se desfaz.

O senhor tem boa interlocução nas Forças Armadas. Os militares estão constrangidos no governo?

Falo em nome próprio, não como interlocutor. Não quero confundir nada. Os militares representam uma visão conservadora da sociedade. Prezam a família e sobretudo defendem a ordem pública e constitucional. O problema é que Bolsonaro não representa nem a ordem pública, nem a constitucional. O (vice, Hamilton) Mourão é um democrata com boa formação. Me surpreendeu uma fala do presidente dizendo que ele é tosco. Tosco é o Bolsonaro, que não leu nada.

Por que Bolsonaro recorre a essa retórica beligerante?

Bolsonaro segue um conceito de Carl Schmitt, teórico do nazismo, que distingue a política entre amigos e inimigos. É por estar baseado na eliminação do inimigo que vai continuar governando desse jeito. Quem são seus inimigos? Primeiro há os objetivos: Lula e o PT. Depois, os ficcionais: os comunistas em geral, até Moro virou comunista. Em seguida ele passa a atacar as instituições: o Supremo, o Congresso, a imprensa. Depois, devora os aliados. Inclusive os mais próximos, que são os generais, como Santos Cruz, Floriano Peixoto e Maynard Santa Rosa. Ele segue uma pulsão de morte, ele segue Tânatos, no sentido psicanalítico do termo.

Bolsonaro segue um conceito de Carl Schmitt, teórico do nazismo, que distingue a política entre amigos e inimigos. É por estar baseado na eliminação do inimigo que vai continuar governando desse jeito.

Agindo assim, ele não pode estar provocando a própria ruína?

Claro. É só alguém subir na estima popular que ele demite. Veja o Mandetta. Não passa uma semana, ele destrói o Moro. E já está sinalizando que vai pegar o (Paulo) Guedes daqui a pouco. Com a demissão do Moro, ele destruiu sua própria narrativa de combate à corrupção para favorecer os filhos numa investigação da Polícia Federal. Não vai colar dizer nas redes sociais que Moro é comunista. Moro tem uma credibilidade própria junto à opinião pública. E os militares têm um apreço muito grande pelo Moro. Já testemunhei em várias ocasiões, tanto que há poucos dias o general Villas Bôas apoiou Bolsonaro na demissão de Mandetta, e agora (pós-demissão de Moro) disse: “Vamos esperar os desdobramentos”. Ao dividir a base bolsonarista, Moro se torna alternativa de poder e pode rachar o apoio militar a Bolsonaro. Esse processo está começando.

Há uma grave crise institucional no horizonte?

O país está num grave processo de instabilidade política e institucional, mas as instituições democráticas têm se preservado. O Supremo está fazendo uma investigação das fake news e do suporte de Bolsonaro ao ato de apoio à intervenção militar realizado em frente ao quartel-general do Exército. Aquele é um lugar simbólico. Ao fazê-lo, ele quis suscitar apoio dos militares, algo que não tinha e que pegou muito mal.

Muito se fala que Bolsonaro já teria cometido vários crimes de responsabilidade. Há uma passividade nas instituições?

Não vejo assim. O Supremo está conseguindo se blindar e já lançou várias advertências a Bolsonaro. O Legislativo tem mostrado sua extrema inconformidade com tudo o que ele vem fazendo. A imprensa em peso é contra a política de Bolsonaro. Ele mantém uma base digital que, hoje sabemos, cerca de 50% é feita de robôs. Sobraram só os militares. E dentro dos militares, só o Exército.

Já se fala abertamente em impeachment. Há ambiente?

É uma solução. O Brasil não aguenta mais dois anos e meio de Bolsonaro. Ele está desmoronando. A não ser que se converta à racionalidade, prendendo os filhos em casa e se livrando dos ministros ideológicos, além dos incompetentes. Assim poderia reconstituir sua base. Pode vir a fazer, à medida que não tem alternativa. Mas não me parece que seu caráter conduza a isso, nem o da sua família.

Nem em renúncia o senhor acredita?

Não, porque essa distinção entre amigo e inimigo é atávica nele. Não sabe negociar, não sabe estabelecer diálogo, parceria.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pediu a renúncia, para poupar o país de um impeachment.

Foi hábil. Ele advogou que o presidente seja renunciado. Quem pode renunciá-lo? O Exército.

Como? Tirando o apoio, saindo do governo?

Basta retirar o apoio, numa saída coletiva do governo. Poderia forçá-lo a renunciar ou a dar uma guinada no governo. Se os militares disserem que maluquice tem limite, o presidente ficaria dependurado na família.

Há disposição para isso?

Não sei, não tenho informação nesse sentido.

De onde vem o saudosismo com os militares? 

O milagre econômico durou cinco anos dos 21 da ditadura, e esta nos legou gigantismo estatal, crise econômica, hiperinflação, sem falar na restrição das liberdades.

O regime teve fases benéficas e outras nocivas. O governo Castelo Branco foi liberal na economia e nos costumes. A ideia era ficar pouco. Já o governo Geisel foi estatizante, desenvolvimentista. No governo Médici, houve o milagre econômico. Não cabe uma análise em bloco do período militar. O saudosismo vem da desordem pública. O PT também exagerou na dose do politicamente correto. Os evangélicos se fortaleceram e hoje são uma força política porque não aguentavam mais. Por que não fazer em doses homeopáticas, criando consensos, em vez de vir em intervenção estatal?

Essa aproximação com figuras do Centrão de longa ficha policial, como Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson, pode salvar ou enterrar o governo?

Enterra a narrativa de que ele estava empenhado na luta contra a corrupção. Vai pro lixo. Isso atinge a base dele também. Outra narrativa que vai ao brejo é a de que ele é contra os políticos, contra o sistema. E tem mais, esse pessoal é profissional na negociação de toda e qualquer espécie de coisa, por cima e por baixo da mesa. Eles prezam enormemente honrar a palavra. Prometeu, cumpriu. Bolsonaro já mostrou que não cumpre promessa. 

Diante de um governo tão tumultuado, o que explica a anomia da oposição de esquerda?

O Brasil precisa de uma esquerda moderna, que pense o mercado, o Estado, a exemplo do que fez Tony Blair na Inglaterra. Lula fez um excelente governo no primeiro mandato, (Antonio) Palocci foi um dos melhores ministros da Fazenda do país. Palocci era um liberal, tinha o (Henrique) Meirelles no Banco Central. Foi substituído por (Guido) Mantega e Nelson Barbosa. Ou seja, passou de posições liberais para desenvolvimentistas que levaram a essa imensa crise econômica e fiscal do país. Depois, o PT hipotecou o partido para tirar o Lula da prisão. Não tem uma bandeira, não se renovou, não fez autocrítica, tampouco valorizou seus inúmeros aspectos positivos de antigamente, como a ampla democracia interna. Você pode não gostar daquele assembleísmo, mas tinha discussão e decisão coletiva. O Lula saiu da prisão e não tem mais o que dizer. É um partido monocrático. É só o que o seu Lula mandar. E, como o seu Lula não tem o que dizer desde que saiu da prisão, o partido não sabe o que fazer. Para o PT, era melhor o Lula preso.

Essa frente ampla anti-Bolsonaro que se cogita agora tem futuro?

Depende de quem participar. Se for liderada pelo PT, estamos perdidos de novo e Bolsonaro será reeleito. O grande ganho dos últimos tempos foi o leque da direita ter se aberto. Se essa frente de esquerda se unir a algum dos líderes da direita, qualquer um, pode ser um avanço. Mas, se a esquerda petista quiser capitanear, estamos perdidos.

Quando a pandemia chegou, a economia já estava caindo. E agora não se vê como sair desse processo. (O Plano Pró-Brasil) Não faz sentido. Isso é um PAC 3 da Dilma. Nem tem como fazer, o plano não detalha nada.

Antigamente se falava que a utopia perfeita para o Brasil era unir a direita do PT com a esquerda do PSDB.

Agora ambos estão desacreditados e o PSDB já fez sua derivação para o Doria, que é a direita dos tucanos. Observo o Luciano Huck tentando uma aproximação de centro-esquerda, embora do ponto de vista econômico ele esteja alinhado ao Armínio Fraga, um liberal com sensibilidade social. Poderia dar certo, mas ele desapareceu na pandemia, ficou ganhando dinheiro fazendo propaganda da Magazine Luiza. Ele tem de escolher se quer ser presidente da República ou ganhar dinheiro. Nesse sentido, o Huck perdeu o momento. Pode até reconstruir esse polo de centro-esquerda, mas vai depender dos erros dos demais.

Tem bastante tempo para se reconstruir.

Tem bastante tempo para os outros errarem. Acho que ele ficou sem discurso e sem iniciativa. Huck era uma alternativa boa, mas se omitiu, e tem momentos na história do Brasil que você não pode se omitir. O Doria não se omitiu e não errou nada.

Em 2018 cogitaram-se Huck e o ex-ministro Joaquim Barbosa, que representava o combate à corrupção. Ganhou Bolsonaro. Para 2022, se fala em Mandetta, o guardião da saúde, e Moro, o juiz que bota corrupto na cadeia. Desse modo, não poderemos ver o mesmo filme de novo?

Mandetta, (Rodrigo) Maia, Moro e Doria não se encaixam na ideia de salvador da pátria. Nenhum deles é um líder carismático como Lula e Bolsonaro. Huck tampouco. É excelente apresentador de televisão, mas não fez a prova de falar para uma multidão na rua e os caras ficarem gritando “mito, mito”. O Brasil tem dois craques, Bolsonaro e Lula. Os dois são demagogos de alta competência. Nenhum do outros tem esse perfil. Não dá para ser salvador da pátria sem carisma. Os outros são políticos normais. Aliás, falam português, coisa que Bolsonaro e Lula não falam.

Depois de um governo tumultuado como o do ex-presidente José Sarney, Fernando Collor surgiu como “caçador de marajás”. Deu no que deu. Depois do impeachment de Dilma Rousseff e das denúncias contra Michel Temer, venceu Bolsonaro, o mito. Estamos condenados a sempre buscar o salvador da pátria?

É um problema cíclico desde a redemocratização. Se tivermos mais um impeachment, será o terceiro em menos de 30 anos. É demais. O Brasil estava entrando num processo de reequacionamento das finanças públicas com o presidente Temer. Mas o governo acabou com as denúncias da JBS, o presidente ficou apenas na defensiva. Achávamos que Bolsonaro recuperaria esses ganhos, mas fez apenas a reforma da Previdência. Quando a pandemia chegou, a economia já estava caindo. E agora não se vê com clareza como sair desse processo. Se houver afastamento, por impeachment, por ser “renunciado”, por processo do Supremo, assume o Mourão. Aí acho que teríamos um governo de direita conservadora, voltado para uma política liberal.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é alvo constante dos bolsonaristas. No governo Temer, foi tachado de conspirador no episódio da JBS. Como o senhor o avalia?

Na crise do governo Temer, ele fez jogo duplo. Conheço os detalhes, eu estava no palácio naquele dia, fiquei o final de semana lá. Num determinado momento, quis ser real alternativa de poder, caso o presidente renunciasse – e ele esteve mesmo a ponto de renunciar. Depois se recompôs e conseguiu articular a base de apoio. Nesse mesmo momento, Maia mudou progressivamente de opinião. Inclusive por influência familiar, de que deveria ter papel institucional. E depois teve esse papel, agiu muito bem, inclusive na votação das denúncias contra o presidente. Acabou sendo fiel, apesar da dubiedade inicial. Depois desse episódio, ele amadureceu, tanto que foi o artífice da aprovação da reforma da Previdência, decisivo para o único êxito do governo. Manteve atitude profissional e tem sido importante para manter o equilíbrio republicano, mesmo sendo alvo dos ataques mais baixos nessa política do eterno inimigo cultivada por Bolsonaro, que só pensa na reeleição de 2022.

A direita liberal está escanteada do governo?

Não se pode confundir liberalismo com política de equilíbrio fiscal. Isso é ranço brasileiro. O liberalismo não tem nenhuma dificuldade em advogar por uma maior intervenção estatal em períodos de crise. Agora temos uma economia voltada à pandemia. Pega o discurso do Armínio Fraga, a favor de aumento da intervenção estatal nesse momento. O problema é confundir medidas provisórias, com validade de tempo determinada, com política perene. Foi o que o governo Lula fez. Começou com uma política provisória na crise de 2008 e se tornou política desenvolvimentista.  Deu no que deu. O problema foi que o Guedes não soube contemplar esse aspecto na sua política liberal. Ele hesitou e ficou alienado no processo. Acabou aceitando relutantemente. Não foi protagonista, e o Brasil exigia um protagonismo. Nesse sentido, a ala liberal do governo está  enfraquecida.

Nessa hesitação do Guedes, surgiu o Pró-Brasil. Faz sentido um plano nacional de desenvolvimento nos dias de hoje?

Não faz sentido nenhum. Isso é um PAC 3 da Dilma. Nem tem como fazer, o plano não detalha nada. É mera declaração de intenções. Não tem nenhuma eficácia. Baixou o espírito do governo Geisel num governo Bolsonaro que se pretendia Castelo Branco.

O ministro Guedes falou em atrair investimento privado. Como fazer isso numa pandemia?

Os investidores estrangeiros já não estavam botando dinheiro antes. Como vão botar agora? Investimento vem para um país com estabilidade institucional, marco regulatório, respeito aos contratos, honra à palavra, nada do que está acontecendo hoje. Não dá para contar com investimento privado.

Dá para ser otimista no Brasil hoje?

Eu não estou nem um pouco otimista.