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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Os três comandantes militares já demitiram o ministrinho da defesa? - Fausto Macedo e Pepita Ortega (Estadão)

 Forças Armadas condenam excesso em manifestações e ‘restrições de direitos’


Fausto Macedo e Pepita Ortega 

O Estado de S. Paulo, 11 de novembro de 2022


Em nota conjunta, comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica declaram 'compromisso irrestrito e inabalável' com 'a democracia e com a harmonia política e social'


Os comandantes Almir Garnier Santos, Marco Antônio Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Junior. FOTOS: MD, MARCOS CORRÊA/PR E FAB

Os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica redigiram uma nota pública conjunta na qual defendem a garantia de manifestações pacíficas e condenam “restrições a direitos por parte de agentes públicos” e “excessos cometidos” em atos pelo País – “que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública”.

Direcionado “às instituições e ao povo brasileiro”, o comunicado do Alto-Comando será divulgado nesta sexta-feira, 11. O texto é subscrito pelo almirante de esquadra Almir Garnier Santos, comandante da Marinha, pelo general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército, e pelo tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica.

Na nota de 31 linhas, em meio às manifestaçõesde apoiadores do presidente Jair Bolsonaro pelo País e em frente a quartéis-generais do Exército, a cúpula militar ressalta os “valores e tradições” das Forças, “sempre presentes e moderadoras”, para assegurar “compromisso irrestrito e inabalável” com “a democracia e com a harmonia política e social”.

É a primeira vez que os comandantes se manifestam após os resultados das eleições e seus desdobramentos. O comunicado é divulgado na mesma semana em que o Ministério da Defesa enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relatório que não aponta fraude nas eleições – em que o petista Luiz Inácio Lula da Silva venceu Bolsonaro na disputa presidencial –, mas pede investigação técnica urgente nas urnas eletrônicas.

O texto dos comandos não cita nomes e nenhum episódio específico. Mas afirma que o papel das Forças Armadas é essencialmente assegurar o que a Constituição prevê, incluindo liberdade de pensamento, de reunião e o direito de ir e vir. Eles ressaltam que a Constituição estabelece “deveres e direitos”.

LEGISLATIVO. Destacam também “a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo”. “Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade”, diz o texto.

Doze dias após o segundo turno da eleição presidencial, atos convocados por apoiadores de Bolsonaro persistem na porta de quartéis do Exército. Concentrações são mantidas, por exemplo, nas sedes de comandos militares em São Paulo e no Rio. Entre os pedidos dos manifestantes está uma intervenção federal.

Nesta quinta-feira, 10, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou ter realizado o último desbloqueio de rodovias no País, em Vilhena (RO). No total, 1.087 pontos de protestos foram liberados.

“São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade”, afirma a cúpula das Forças Armadas.

Os comandantes dizem ainda que controvérsias da sociedade devem ser solucionadas com  “instrumentos legais do estado democrático de direito”.

‘TOLERÂNCIA’. Os chefes das Forças Armadas reafirmam prezar pela “legalidade, legitimidade e estabilidade”. “A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo”, dizem.

Recentes notas conjuntas dos comandantes militares haviam contado com a assinatura do ministro da Defesa. Desta vez, o atual titular da pasta, general Paulo Sérgio Nogueira, não assina o documento.

A ÍNTEGRA DA NOTA:

Às Instituições e ao Povo Brasileiro

Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.

A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.

Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: “Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.

A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.

Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.

A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.

Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.

Brasília/DF, 11 de novembro de 2022.

Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS
Comandante da Marinha

General de Exército MARCO ANTÔNIO FREIRE GOMES
Comandante do Exército

Tenente-Brigadeiro do Ar CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR
Comandante da Aeronáutica

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A diplomacia do ataque e seus efeitos colaterais - Fausto Macedo (Estadão)

A diplomacia do ataque e seus efeitos colaterais

Fausto Macedo

Estadão | 20/1/2021, 7h

Certa vez, li um provérbio que dizia: “O general que usa a diplomacia em vez da espada poupa mil vidas no campo de batalha”, e de pronto me lembrei do que estamos passando no Brasil atualmente diante dessa pandemia provocada pelo vírus chamado SARS-CoV-2, ou coronavírus, que causa a doença Covid-19. Já perdemos mais de 200.000 pessoas, que foram mortas pela ineficácia do Poder Público, mas o que eu gostaria de refletir neste texto é a potencialidade de uma ideologia e a sua influência na área diplomática num contexto de saúde pública.

O Brasil talvez seja o único país de dimensão continental a ser vítima duplamente, quer dos efeitos da doença, quer dos efeitos da irresponsabilidade ideológica recheada de preconceitos, animosidades, arrogância e paranoia por parte do governo Bolsonaro. Senão vejamos. Em novembro de 2020, um dos filhos do presidente Bolsonaro criou um forte atrito com o governo chinês numa narrativa em que acusava o perigo de se fazer negócios com a China na área tecnológica, alegando que o país asiático poderia nos “espionar” caso optássemos pela tecnologia 5G.

Na verdade, os atritos começaram na própria campanha à presidência em 2018, do então deputado Jair Bolsonaro, inspirado e completamente alinhado às ideias ridículas no tocante às políticas defendidas pelo presidente Donald Trump, que hoje, enfim, sabemos que nunca passou de um extremista perigoso.

Outro protagonista de ataques à China foi o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que afirmava na época que o país asiático se beneficiaria com a crise da Covid-19. Além disso, debochou do sotaque chinês, comportamento que a embaixada chinesa rechaçou e classificou como “fortemente racista”. Portanto, poderia aqui me ater a inúmeros ataques do governo Bolsonaro não só à China como a outros países e órgãos internacionais, sempre achando que o presidente Donald Trump o apoiaria e socorreria em momentos de dificuldade, o que denota forte ingenuidade e falta de visão política, pois seria possível prever sem muito esforço que Trump poderia não ser eleito, o que fatalmente ocorreu.

Internamente houve uma disputa política com relação à iniciativa do governador Dória de negociar com a China para receber a vacina, o que na verdade ocorreu, e com êxito. Contudo, sem insumos, sem números de vacinas disponíveis, sem um médico sequer à frente do Ministério da Saúde, e com milhares de pessoas morrendo até por falta de oxigênio, temos a dimensão do problema que uma diplomacia “capenga” promovida pelo governo federal em todo seu mandato foi capaz de fazer. Isso evidentemente nos coloca numa situação de vulnerabilidade sanitária, em que a população mais pobre, hipossuficiente, sofre com a falta de leitos, além do desemprego, que já existia bem antes da pandemia.

Talvez, como diz o ditado acima mencionado, a espada vinda de palavras cortantes está cortando e ceifando vidas inocentes de pobres, negros, idosos, profissionais de saúde que inadvertidamente votaram num grupo ideológico para evitar a volta do PT, como eu mesmo fiz, mas jamais poderíamos imaginar que a inabilidade diplomática poderia matar muito mais do que a fome, num pobre Brasil abandonado, afinal, “o general que usa a diplomacia em vez da espada poupa mil vidas no campo de batalha”. Precisamos encontrar esse tipo de general que não traz, enfim, “efeito colateral”…

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-diplomacia-do-ataque-e-seus-efeitos-colaterais/

sábado, 16 de novembro de 2019

STF: prepotência contra investigações de corruptos (Fausto Macedo, OESP)

Um caso escandaloso de conivência entre corruptos, corruptores e defensores da imoralidade.

Procuradores do Rio dizem a Toffoli que decisão no caso Flávio Bolsonaro ‘desborda’ recurso no Supremo

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro enviou ao presidente do STF manifestação indicando que os Relatórios de Inteligência Financeira produzidos e encaminhados pelo Coaf não têm 'qualquer relação' com o recurso que está pautado para análise do Plenário da Corte na quarta, 20 
Pepita Ortega e Fausto Macedo
O Estado de S. Paulo, 16 de novembro de 2019 | 17h00
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Foto: Gabriela Biló / Estadão
Ministério Público do Estado do Rio enviou ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, manifestação indicando que a decisão de suspender todos os processos e investigações que abrigam Relatórios de Inteligência Financeira do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ‘desborda por completo’ o tema do recurso que será analisado pela Corte no próximo dia 20.
Para o Ministério Público do Rio a decisão precisa ser reformulada, não só pelos efeitos práticos mas para preservar um ‘sistema investigatório legalmente constituído e que preserva os ditames republicanos’.

Documento

O documento, de 20 páginas, é subscrito pelo subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Criminais e Direitos Humanos Ricardo Ribeiro Martins e pelo assessor-chefe da Assessoria de Recursos Constitucionais e Criminais da Procuradoria-Geral de Justiça Orlando Carlos Neves.
A ordem do presidente do Supremo foi dada a partir de um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o 01, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
O senador é alvo de investigação da Promotoria do Rio por suposta lavagem de dinheiro quando exercia o mandato de deputado estadual fluminense.
Nesta quarta, 20, o Supremo vai apreciar a liminar deferida por Toffoli no Recurso Extraordinário nº 1.055.941/SP, a pedido de Flávio, que não era parte no processo.
O ponto central do caso se refere à possibilidade de o antigo Coaf – atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF) -, necessitar ou não de prévia autorização judicial para informar a existência de operações suspeitas ao Ministério Público e à Polícia.
Em sua decisão, Toffoli suspendeu todas as investigações e processos judiciais no País, inclusive aquela que alcançava Flávio e seu ex-assessor na Assembleia Legislativa do Rio, o policial militar aposentado Fabrício Queiroz.
“Determino a suspensão do processamento de todos os processos judiciais em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o Tema 990 da Gestão por Temas da Repercussão Geral; a suspensão do processamento de todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal (PICs), atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e Bacen), que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, consoante decidido pela Corte”, ordenou Toffoli, na ocasião.
A petição da defesa de 01 foi apresentada no âmbito de um recurso que tramita desde 2017 no STF, e que, com repercussão geral conhecida, será analisado pelo Plenário da Corte máxima neste dia 20.
O processo trata do compartilhamento de dados da Receita com os órgãos de investigação sem prévia autorização judicial. Segundo o Ministério Público do Rio, o caso a ser apreciado pelo Plenário do Supremo não inclui o intercâmbio de informações entre o Coaf e os órgãos de investigação.
Nesse sentido, no entendimento do Ministério Público do Rio não seria possível ‘alargar’ o tema do julgamento, ‘inclusive sob pena de violação da cogente cláusula de reserva de plenário’.
Nessa linha, a Procuradoria do Rio diz que os ministros do Supremo não poderiam discutir o caso concreto de Flávio, uma vez que o recurso do senador não teria relação com o envio de informações pela Receita diretamente ao Ministério Público sem autorização judicial precedente.
O documento assinala que o Supremo já havia deliberado, por meio de decisão do ministro Marco Aurélio, em fevereiro, ‘não ter competência para conhecer diretamente das questões pertinentes à investigação em relação a Flávio Bolsonaro conduzida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, declarando a competência da Justiça Estadual em primeiro grau para o eventual processamento e julgamento, afastando a incidência do foro por prerrogativa de função do senador’.
“Dessa forma, deve ser observada a eventual pendência de julgamento na Justiça Estadual do Rio de Janeiro, em primeiro grau, não havendo justificativa para que o Supremo Tribunal Federal, na atual fase processual, se pronuncie diretamente sobre o caso concreto do senador Flávio Bolsonaro, mediante supressão das instâncias inferiores, o que ensejará, possivelmente, a violação ao princípio do juiz natural”, diz a manifestação a Toffoli.
Segundo a manifestação do Ministério Público do Rio, o entendimento de que todos os processos com compartilhamento de dados pelos órgãos de fiscalização e controle sem autorização judicial estariam suspensos faria com que a decisão de Toffolli tivesse um alcance ‘amplíssimo’, paralisando ‘dezenas de milhares de investigações envolvendo organizações criminosas em todo o país, envolvendo não somente casos de corrupção, mas também tráfico de entorpecentes, tráfico de armas e milícias, dentre vários outros delitos nos quais corriqueiramente se promove o intercâmbio de informações’.
O documento aponta que, de acordo com dados do último Relatório de Atividades do Coaf, houve 42.465 encaminhamentos de RIFs para autoridades, entre os anos de 2013 e 2018.
Somente o Ministério Público Federal tem 700 investigações e ações penais paralisadas por causa da decisão de Toffolli, aponta levantamento da Câmara Criminal da Procuradoria.

A relação entre o julgamento do dia 20 e os dados do Coaf

O processo que será analisado no próximo dia 20 pelos ministros do Supremo foi interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), em São Paulo.
A Procuradoria contestava o entendimento do TRF-3 de que, no caso em questão, a Receita não poderia ter compartilhado com o Ministério Público Federal, sem autorização judicial, os dados obtidos mediante exame dos registros das instituições financeiras, sob pena de afronta ao artigo 5.º, XII da Constituição Federal.
Na manifestação enviada a Toffoli, os integrantes do Ministério Público do Rio argumentam que o tema que será analisado no Plenário do STF na próxima quarta, 20, diz respeito, única e exclusivamente, à eventual necessidade de autorização judicial para que o Fisco compartilhe com o Ministério Público dados obtidos mediante o ‘acesso irrestrito a documentos, livros e registros de instituições bancárias’- garantido à Receita pelo artigo 6.º da Lei Complementar nº 105/01.
Dentro dessa perspectiva, o Ministério Público Estadual alega que o tema submetido ao STF ‘não guarda qualquer relação com o encaminhamento de Relatórios de Inteligência Financeira pelo Coaf’.
Isso porque os Relatórios de Inteligência Financeira emitidos pelo Coaf não decorrem do acesso à totalidade das informações bancárias dos clientes, mas sim da obrigatória remessa de comunicações que versam única e exclusivamente sobre as operações específicas em que tenha sido identificado risco de lavagem de dinheiro.
Na avaliação do Ministério Público do Rio a decisão de Toffoli tem de ser ‘redimensionada’ uma vez que pretende submeter as comunicações de operações atípicas encaminhadas pelas instituições financeiras ao Coaf à mesma normatização prevista para o encaminhamento de informações sobre movimentação financeira à Receita Federal.
O Coaf foi instituído a partir da Lei nº 9.613/98, que criou um sistema de prevenção à lavagem de dinheiro e a Procuradoria salienta que a decisão de Toffolli, dada a partir do pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, não faz nenhuma referência a qualquer dispositivo de tal norma, somente à de que trata dos dados da Receita.
“Trata-se de duas situações absolutamente distintas e inconfundíveis, e pretender submetê-las à mesma regulamentação, o que não seria hermeneuticamente compatível”, destaca a manifestação.

A diferença entre os dados da Receita e os Rifs do Coaf

O Ministério Público do Rio indica que as informações encaminhadas pelas instituições financeiras ao Coaf compõem uma base de dados autônoma, que se restringe exclusivamente às operações em que se tenha vislumbrado risco de lavagem de dinheiro, e que não se confunde com a base de dados em poder das instituições financeiras.
“Evidentemente, o sistema de prevenção à lavagem de dinheiro restaria privado de qualquer efetividade, se a função do Coaf se limitasse ao recebimento das comunicações de operações em espécie e de operações suspeitas, sem que nada pudesse ser feito a partir dessas informações”, diz o Ministério Público do Rio.
Além disso, as comunicações de operações em espécie ou de operações suspeitas encaminhadas ao Coaf não são repassadas automaticamente para autoridades no Ministério Público ou na Polícia, mas somente quando o órgão verificar a existência de ‘fundados indícios’ de lavagem de dinheiro ‘ou de qualquer outro ilícito’.
A manifestação registra ainda que o sistema de intercâmbio de informações entre a UIF e as autoridades com competência para investigar é ‘um mecanismo perfeitamente usual e corriqueiro’, com ‘legitimidade e legalidade pacificamente reconhecida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores’.

O Caso Flávio Bolsonaro

No dia 15 de julho, a defesa do senador pediu a suspensão da tramitação do procedimento investigativo contra ele até que a Corte julgasse o processo pautado para o próximo dia 20.
A manifestação do Ministério Público do Rio registra que, segundo os advogados de 01, haveria ‘inequívoca similitude [com] o Tema 990 de Repercussão Geral’, na medida em que ‘o Coaf teria ido ‘muito além do mero compartilhamento ou envio de movimentações consideradas atípicas’, ao (supostamente) ‘entrar em contato com as instituições financeiras para obter informações solicitadas pelo Ministério Público estadual’.
A Procuradoria do Rio alega que a própria defesa do senador ressalvou que seu questionamento não se referia ao trabalho típico do Coaf, mas partia ‘da (infundada) suposição de que o Coaf teria excedido tal missão para abastecer o Ministério Público de informações’.
Flavio Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão
Diante do teor do pedido e da investigação do senador, no entanto, não poderia ser discutido no âmbito do julgamento marcado para o próximo dia 20, diz o Ministério Público. Isso porque o caso não se concentra no envio de informações da Receita.
A manifestação diz, ainda, que, nessa linha, não seria cabível o requerimento da Procuradoria Geral da República sobre o pronunciamento Supremo sobre a necessidade de autorização judicial para remessa de informações do Coaf.
“A razão para tal assertiva, repita-se, está no fato de que tal tema não foi ventilado no recurso extraordinário, nem no incidente de repercussão geral decorrente, não fazendo parte do objeto de cognição do processo, inclusive sob pena de violação da cogente cláusula de reserva de plenário”, diz o texto.
Segundo o Ministério Público do Rio, o pedido, além de ‘indevidamente ampliar o objeto’ do processo em discussão, também viola decisão anterior do próprio Supremo que afastou a sua competência para processar e julgar eventual processo criminal contra Flávio Bolsonaro.