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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 20 de junho de 2020

Será que vai ter golpe? - Fernão Lara Mesquita

Será que vai ter golpe?

Fernão Lara Mesquita 
16 de junho de 2020 § 32 Comentários
É sempre aquela encruzilhada chave do catolicismo: “Pequei por pensamentos, palavras … e obras”. É nessa reticência que se instala a inversão fatal. O pecado em pensamento conduz diretamente à tortura: “Pensou ou não pensou”? Como prová-lo? Já o pecado em palavras está aí para produzir “a prova” do pecado em pensamento. Mas e os atos? Ora, os atos perdoa-se com meia dúzia de ave-marias. Não ha que perder muito tempo com eles.
Todo mundo tem o direito de desejar o fechamento do Congresso, do Supremo e do que mais quiser e de expressar esse desejo. Só é proibido agir para isso com o uso de força, o que está totalmente fora do alcance do portador de cartazes em manifestações ou de quem bate palmas para eles. O STF agir contra essas pessoas, isto sim está expressamente proibido por lei. Quando é o STF que viola a lei tem-se, de saída, uma afronta institucionalizada contra o estado de direito. Mas quando ele passa a agir sem provocação o estado de direito é literalmente aniquilado. Quando passa por cima das condições dentro das quais é lícito acionar contra alguém a arma mais forte do sistema nenhum outro direito do cidadão permanece em pé. 
Ha 15 meses o sr. Dias Toffoli, monocraticamente, instalou o vale tudo ao censurar uma revista por expor seus podres. Subverteu, com isto, todas as condições dentro das quais a arma do STF pode ser acionada. E fez jurisprudência. Desde então cada ministro “ofendido” por um “pecador em palavras” está autorizado a agir para fazer justiça com as próprias mãos sucessivamente como polícia, como promotor e como juiz da própria causa. Não é preciso lei nem figura do Código Penal que defina a ofensa. Nem denuncia pelo Ministério Público, nem endereçamento ao tribunal definido pela lei, nem sorteio de juiz, nem indiciamento, nem defesa para os acusados.
De que outra ditadura têm medo, então, os nossos alarmados defensores do “estado democrático de direito”? 
O divisor de águas é muito simples e claro: ha democracia quando o povo manda no governo e este só tem os poderes que o povo explicitamente lhe conceder. Mas nas seções de mutuo endosso entre representantes das corporações beneficiadas por ela que a imprensa enviesada exibe à exaustão não há verdade nem democracia fora da Constituição de 1988. 
Mentira! 
O caráter democrático de uma constituição não se define por quais privilégios determinados grupos de poder inscrevem nela e sim por quais meios ela é pactuada com quem vai acata-la. Sem o referendo formal e explícito dado pelo povo, única fonte de legitimação do poder numa democracia, que nos Estados Unidos levou 13 anos de debates para ser alcançado e no Brasil nunca chegou sequer a ser proposto, uma constituição não passa da “verdade revelada”, ou seja, da mentira da vez a que sempre se recorreu para justificar sistemas de opressão.
Agora anda em voga a questão das listas tríplices. “Sem lista tríplice não ha independência, nem democracia, nem transparência”, dizem nossos “democratas”. Certíssimo! Mas independência do que em relação a quem? Do Estado em relação ao povo, única fonte de legitimação do poder que, nas democracias, elege diretamente os seus promotores e demais encarregados de fiscalizar o governo assim como os conselhos gestores de suas escolas públicas. 
Não é de um óbvio ululante que a cadeia de lealdades que as listas tríplices macunaímicas estabelecem – primeiro do servidor em detrimento do servido com a corporação que seleciona os três nomes passiveis de serem transformados em deuses e depois de todos com o suposto fiscalizado a quem cabe a escolha final – são a própria descrição da tragédia do Brasil?
Não seria a cegueira da imprensa para essa obviedade decorrência do fato de haver gente demais nas redações desfrutando pessoalmente ou pela interseção de “cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau” dos privilégios do emprego estatal que por isso contempla a justiça desses privilégios com a mesma boa vontade com que os ministros do STF contemplam os seus? 
De que outro modo é possível explicar que com a ajuda de R$ 600 reais reduzida a 200 ou 300 e por apenas mais dois ou três meses por falta de dinheiro e metade da população desempregada ou subempregada não ocorra a nenhuma grande redação brasileira por em pauta os salários, a indemissibilidade, as aposentadorias, as lagostas e os vinhos tetra-campeões que nem as pandemias derrubam? Ou as reportagens que expliquem como conseguem as excelências que tantas loas cantam ao “estado de direito”, mesmo com o gordo salário que consta dos seus holleriths, manter suas dachas internacionais em euros ou em dólares? 
A única invocação da constituição brasileira interessada no Brasil é a que vier para reivindicar a reforma que ponha o País Oficial na dependência estrita da sua constante re-confirmação pelo País Real. E essa reforma começa por extirpar dela tudo que não diga respeito a todos os brasileiros sem nenhuma exceção. Vender privilégios medievais como democracia e uma privilegiatura segura o bastante para arrotar desenfreadamente sua arrogância como “estado de direito” não engana ninguém.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Como se livrar da corrupção: não vai ser fácil - Fernão Lara Mesquita

O artigo está no blog Vespeiro desde o dia 11/02/2020, e foi publicado no Estadão, o velho jornal reacionário daquela família paulista à qual pertence seu autor.
Fernão Lara Mesquita pertence àquela famosa família do jornal conservador paulista, mas eu o considero um rebelde, no limite do anarquismo. Ele fala aqui sobre como os EUA começaram a se livrar da corrupção institucionalizada nos meios políticos e empresariais. 
Acho que no Brasil vai demorar mais tempo e ser mais difícil, pela falta daquelas virtudes cívicas que se encontram num país que se caracteriza pela "Grass-roots Democracy", quando aqui no Brasil vivemos sob o patrimonialismo desde o Descobrimento. 
Recomendo uma visita ao seu blog: Vespeiro.

Paulo Roberto de Almeida

Como foi que eles conseguiram


11 de fevereiro de 2020 § 29 Comentários

Fernão Lara Mesquita, jornalista
O Vespeiro, 11/02/2020
O Estado de S. Paulo, 12/02/2020
Artigo para O Estado de S. Paulo de 11/2/2020
Todo mundo pergunta como foi que, partindo de uma situação em que tudo estava dominado” pela corrupção, os americanos conseguiram virar o jogo.
Movimento Progressista” foi uma resposta aos problemas que se tornaram agudos depois da Guerra Civil (1861-1865) que em tudo fazem lembrar os do Brasil de hoje: urbanização desordenada com multiplicação de cortiços, favelas e violência urbana; exploração vil do trabalho; usurpação dos governos das cidades por máquinas políticas corruptas altamente profissionalizadas financiadas por empresários de araque; corrida às fusões e consolidações de empresas de setores inteiros da economia concentrando a riqueza e criando grupos gigantes com poder de corrupção ilimitado (os famigerados robber barons)…
Embora todos tivessem as mesmas queixas, até meados da década de 1890 dezenas de grupos reformistas ou de protesto separados por antagonismos em torno de minucias programáticas e vaidades imensas batiam cabeças em cidades e estados diferentes sem força para mudar nada.
Quatro fatores, principalmente, concorreram para que somassem forças a partir da crise que levou ao pânico financeiro de 1893. A ação de todas as igrejas na crítica do estado de coisas e na pregação do social gospel que associava a salvação individual também à “salvação social” preparou o terreno. Mas foi a fundação da National Municipal League (NML), em 1894, amplamente financiada pelo empresariado que perdia com a corrupção, que profissionalizou a critica do sistema e a busca de alternativas pesquisando sistematicamente ao redor do mundo bons modelos de gestão das cidades, formando pessoal, prestando assessoria jurídica e legislativa e, principalmente, difundindo para o grande público as alternativas encontradas, municiando de argumentos e estruturando em rede” os movimentos reformistas do país inteiro
Também foi crucial o início de uma revolução no jornalismo americano que evoluiu do sensacionalismo e do panfletarismo partidário para o jornalismo investigativo dos repórteres revolvedores da sujeira” (muckrakers) da revista de Samuel McClure que circulou entre 1893 e 1929 e expôs os intestinos da corrupção dos robber barons dos setores de petróleo, financeiro, do aço e outros, que constituíram monopólios maquiavélicos mancomunados com os donos das ferrovias e com políticos corruptos. Foram esses jornalistas, também, que pesquisaram e difundiram persistentemente nos EUA novos métodos de combate à corrupção, especialmente as ferramentas de democracia direta usadas na Suíça.
Os muckrakers e a NML deram a contribuição decisiva para a mobilização da opinião pública numa direção consistente apoiada numa espinha dorsal de sólido conhecimento.
O elemento sorte entrou, então, decisivamente em cena pela mão de Theodore Roosevelt. Vindo de fora dos currais tradicionais da política, ele foi o primeiro político do Ocidente a compreender a força do novo jornalismo nascente. Jogando fechado” com os grandes repórteres daquela geração, começou como chefe de polícia de Nova York, foi eleito na sequência governador do estado, e logo tornou-se herói nacional ao enfrentar a máfia que dominava a política local havia décadas e controlava nacionalmente o Partido Republicano. Traído, foi esterilizado” numa candidatura à vice-presidência num golpe dos velhos caciques corruptos dentro da convenção republicana. Mas com o assassinato do presidente McKinley antes da posse TR”, aos 42 anos, carismático e orador brilhante, tornou-se, em 1901, o 26o e mais moço de todos os presidentes dos Estados Unidos, servindo até 1909.
Sua primeira providência foi reviver o Sherman Antitrust Act de 1890, engavetado pelos antecessores, regulamentar a operação das ferrovias e instituir a preservação de um grau mínimo de concorrência em cada setor em benefício do consumidor como limite legal da disputa por mercados. Ao mesmo tempo atacou forte as bases do caciquismo” que viciava a política implantando eleições primárias diretas, eleição direta de senadores (antes indicados pelos legislativos estaduais) e os direitos de recall, iniciativa e referendo popular dos atos dos Legislativos e Executivos estaduais e municipais. Essas medidas vieram de encontro aos novos modelos de gestão das cidades a partir de eleições municipais despartidarizadas promovidos pela NML, o de City Council (um conselho eleito de 5 a 7 membros executando todas as funções antes prerrogativas de prefeitos e vereadores) e o de City Manager (uma variação do mesmo sistema mas ainda mais profissionalizado) e acabaram com o poder dos velhos caciques.
TR picou” o poder econômico onde estava excessivamente concentrado e, na política, deu poder de polícia aos eleitores contra os representantes eleitos o que matou o varejo da corrupção e garantiu a constante renovação de quadrosDesde então os EUA vivem em reforma permanente mas com o povo e não os políticos dirigindo a pauta, o que explica toda a diferença de desenvolvimento, afluência e liberdade entre eles e o resto do mundo.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Decreto bolivariano: a tentativa de golpe do partido totalitario - Fernao Lara Mesquita

Graças ao colega e amigo Orlando Tambosi:

Acorda, imprensa! O golpe está a caminho.

Artigo de Fernão Lara Mesquita, na Folha (11/06/2014), conclama o jornalismo a despertar da letargia e atentar para o golpe do PT contra a democracia. O próximo passo será o desmonte da própria imprensa. Bene, boa parte dos jornalistas - principalmente os ligados à Fenaj e às escolinhas de comunicação - é cúmplice dos ataques ao Estado de Direito. Que os proprietários dos jornais, pelo menos, acordem:

Um golpe contra a democracia está em curso desde o último dia 26 de maio e a circunstância que o torna mais ameaçador do que nunca antes na história deste país é a atitude de avestruz que a imprensa tem mantido, deixando de alertar a população para a gravidade dessa agressão.

O decreto nº 8.243, assinado por Dilma Rousseff, que cria um "Sistema Nacional de Participação Social", começa por decidir por todos nós que "sociedade civil" deixa de ser o conjunto dos brasileiros e seus representantes eleitos por voto secreto, segundo padrão universalmente consagrado de aferição da legitimidade desse processo, e passa a ser um grupo indefinido de "movimentos sociais" que ninguém elegeu e que cabe ao secretário-geral da Presidência, e a ninguém mais, convocar para examinar ou propor qualquer lei, política ou instituição existente ou que vier a ser criada daqui por diante em todas as instâncias e entes de governo, diretas e indiretas, o que afeta também os governos estaduais e municipais hoje na oposição.

Apesar da violência desse enunciado, a maioria dos jornais e televisões do país nem sequer registrou o fato. E mesmo os que entraram no assunto depois vêm diluindo o tema no noticiário como se não houvesse nada com que seus leitores devessem se preocupar. Prossegue a sucessão de manchetes em torno do golpe de 1964, mas para o de 2014 o destaque é próximo de zero. Nenhum critério jornalístico justifica isso.

Esse decreto é, na verdade, um excerto do Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que o PT já tentou impor antes ao país também por decreto --nas vésperas do Natal de 2009, no apagar das luzes do governo Lula--, mas que, graças à forte reação da imprensa e consequente mobilização da opinião pública, foi obrigado a abortar.

O PNDH-3 contém 521 propostas que, além da revogação da Lei de Anistia, que passou "no tapa" depois que a imprensa comprou a ideia do governo de que a prioridade nacional é voltar 50 anos para trás e não correr 50 anos para a frente, institui "comissões de direitos humanos" nos Legislativos para fazer uma triagem prévia das matérias que eles poderão ou não processar; impõe a censura à imprensa; obriga a um processo de "reeducação" todos os professores do país; veda ao Judiciário dar sentenças de reintegração de posse de propriedades "rurais ou urbanas" invadidas, prerrogativa que se torna exclusiva dos "movimentos sociais"; desmonta as polícias estaduais para criar uma central única de comando de todas as polícias do país, e vai por aí afora.

Ciente de que tal amontoado de brutalidades jamais será aprovado pelo Legislativo, o PT está tratando de fazer com esse Poder o mesmo que fez com o Judiciário. Os juízes não dão as sentenças que queremos? Substituam-se os juízes por juízes "amigos". Um Legislativo eleito pelo conjunto dos brasileiros jamais transformará essas 521 propostas em lei? Substituam-se os legisladores por "movimentos sociais" amestrados sob a tutela da Presidência da República...

O argumento de que esse é o jeito de forçar o Congresso a reformas não é honesto. Para forçar reformas que o povo deseje, existem instrumentos consagrados tais como o do voto distrital com recall, que arma as mãos de todos os eleitores para demitir na hora os representantes que resistirem ou agirem contra a sua vontade. Este tipo de participação, sim, opera milagres estritamente dentro dos limites da democracia. Substituir os representantes eleitos por "representantes" que ninguém elegeu tem outro nome: chama-se golpe.

Depois da rendição do Judiciário com a renúncia de Joaquim Barbosa, só sobra a imprensa. E os feriados da Copa farão com que só haja pouco mais de meia dúzia de sessões legislativas completas em junho e julho somados. Depois é véspera de eleição. É bom, portanto, que ela desperte já dessa letargia, pois não haverá segunda chance: está escrito no PNDH-3 que a imprensa é a próxima instituição nacional a ser desmontada.