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sexta-feira, 5 de abril de 2019

A nova Guerra Fria Econômica: retomada e respostas a questoes, nove anos depois - Paulo Roberto de Almeida

Incrível como a gente pode permanecer distraído durante anos e anos. Preciso, antes de mais nada, apresentar minhas humildes desculpas aos três perguntadores, de oito anos atrás, mas o fato é que eu nunca fui avisado das questões apresentadas e, assim, nunca pude responder a eles. Mil perdões: Alex Neves, Bruno e Senna Madureira.
Nem sei se aceitariam, agora, respostas tardias às questões apresentadas, já que pelo menos dois já podem ter abandonado este espaço de Mundorama, por outras terras e "profissões", que não aquelas temporárias de estudantes de RI. Quanto ao terceiro, Senna Madureira, permanece no cenário e fiel leitor de meus anárquicos escritos. Minhas desculpas especiais a ele, mas peço a compreensão: como estou sempre escrevendo, e publicando, os textos vão se acumulando, e outros vão se apresentando, com alguns ficando para trás e invariavelmente submergindo na enxurrada de novos escritos e novas publicações. Essa é a maldição dos "drogados na escrita", como eu sou, para deleite de alguns e desprazer de outros, como podem ser os frustrados leitores que enviaram suas perguntas para o site de Mundorama, esperando receber prontas respostas que nunca chegaram.
Pois vão chegar agora, pois, depois de postar novamente o meu artigo (na verdade, feito inicialmente em inglês um ano antes, ou seja, em 2010), publicado em português em Mundorama em 2011.
Essa repostagem vai me permitir inclusive verificar se as ideias principais do meu artigo ainda mantêm a sua validade, ou se já soçobraram no dilúvio de novos desenvolvimentos nas relações internacionais, com novos líderes na China, na Europa, nas Américas, sobretudo nos EUA, onde um despreparado, ignorante e... (bem, deixa para lá...) presidente, está empenhado em destruir tudo aquilo que o seu país fez em favor de uma ordem econômica internacional desde Bretton Woods.
Vou postar abaixo exatamente o que retirei de Mundorama, e ao final vou me dedicar a responder às perguntas de meus três leitores, aos quais apresento novamente minhas desculpas. O link para a publicação é este aqui: http://www.mundorama.net/?p=7197.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de março de 2019

A Guerra Fria Econômica: um cenário de transição?, por Paulo Roberto de Almeida

A Guerra Fria geopolítica está encerrada definitivamente, ao que parece. A despeito de tensões políticas “normais” e fricções comerciais entre as grandes potências, não existem mais concepções totalmente opostas sobre como organizar o mundo, economicamente ou politicamente. Ninguém mais está dizendo algo semelhante a “nós vamos enterrar vocês”, como ocorreu no passado com um líder soviético. Daniel Bell, recentemente falecido, já tinha antecipado, desde meados dos anos 1950, o “fim das ideologias”, julgamento de certa medida confirmado por Francis Fukuyama. Mas, no que depender de gente como Eric Hobsbawm, e de inocentes úteis desse tipo, as ideologias ainda têm um brilhante futuro pela frente…
O que estamos assistindo agora, na verdade, é uma Guerra Fria econômica, ou algo próximo disso. De fato, não parece haver nada capaz de provocar uma confrontação em grande escala entre as maiores potências. O que temos, na presente conjuntura, são fricções comerciais e desalinhamentos monetários, num cenário de ajustes pós-crise. Existem disputas políticas sobre como as políticas econômicas nacionais devem levar em consideração seus impactos sobre a situação econômica de outros países. Como Mark Twain poderia ter argumentado, os rumores sobre uma guerra cambial global são grandemente exagerados. É certo que ainda não superamos totalmente a presente crise financeira; mas ela é apenas uma, dentre muitas outras, que afetam mercados dinâmicos de forma recorrente desde o começo do capitalismo. Profetas da crise final do capitalismo e outros utopistas do gênero vão novamente se sentir frustrados dentro de alguns meses (sem reconhecer o fato, claro).
Existem muitas concepções errôneas sobre as origens e o desenvolvimento da crise atual, várias delas propagadas pelos mesmos utopistas conhecidos. Não é exatamente verdade que esta crise tenha sido provocada pela desregulação dos mercados financeiros, ainda que a regulação flexível, ou mal implementada, possa ter facilitado a expansão de várias bolhas nos mercados. O maior responsável pela bolha que provocou o desastre, porém, foram as baixas taxas de juros definidas pelos bancos centrais, a começar pelo Federal Reserve, durante um período muito longo. Da mesma maneira, mas talvez por meios e instrumentos um pouco diferentes, que os velhos Lords of Finance dos anos 1920 criaram as condições que levaram à crise de 1929 e à depressão dos anos 1930, pela sua ação ou inação, a presente crise é o resultado de políticas inadequadas dos novos Lords of Finance (ver o livro de Liaquat Ahamed, Lords of Finance: the Bankers who Broke the World; New York: Penguin, 2009.)
Tampouco é verdade que a crise atual, ou as crises – já que são várias, interconectadas – são suficientemente severas para justificar o programa, que muitos recomendam, de um novo Bretton Woods, ou seja, um redesenho completo das relações econômicas mundiais, com a restruturação das organizações existentes. Menções a uma nova arquitetura financeira internacional, ou mesmo de redistribuição do poder econômico mundial, estão em contradição com as realidades mais prosaicas dos nossos dias. Comentaristas superficiais gostam de recorrer a grandes analogias históricas – que em geral são falsas – para falar dos eventos correntes, mas o fato é que não estamos vivenciando nenhum grande ajuste posterior a alguma crise de proporções monumentais, como gostariam alguns. Vivemos, é certo, uma transição, mas não uma revolução, qualquer que seja o sentido que possamos dar a esses conceitos. Vejamos os precedentes.
Não estamos em face de um reordenamento radical e completo da ordem mundial, após algum evento cataclísmico, afetando todos e cada um dos grandes atores da cena internacional, ou mesmo regional. Não estamos em Vesfália, em 1648; não estamos em Viena em 1815; tampouco estamos em Paris ou Versalhes, em 1919, sequer em Bretton Woods em 1944, e muito menos em São Francisco, em 1945. Definitivamente, não estamos em nenhum momento de refundação fundamental da ordem política e econômica internacional. Simplesmente estamos, atualmente, no meio de algo semelhante aos anos 1930, tentando administrar uma grande crise por meio de respostas nacionais, cada uma delas adaptada a circunstâncias específicas de cada país, e desvinculada dos maiores desastres afetando os demais e cada um dos países envolvidos no processo.
Para ser mais preciso, estamos em algum ponto entre 1931 e 1933, ainda no meio de uma recessão, mas não numa depressão. O nível de desemprego não é tão alto quanto em 1933, e está provavelmente alinhado com os padrões dos nossos dias. Os fluxos comerciais e financeiros não foram tão desestruturados quanto nos anos 1930, ainda que a liberalização econômica tenha regredido: apenas revertemos a uma versão light do protecionismo comercial dos velhos tempos, mas sem cotas ou restrições quantitativas ao velho estilo.
Esta nova Guerra Fria Econômica emerge a partir de mudanças estruturais na economia mundial, já em curso desde os anos 1980, quando a China começou a flexionar os seus músculos novamente. Ao mesmo tempo, os países em desenvolvimento deixaram de implementar projetos nacionais, introvertidos, de desenvolvimento nacional e abriram-se aos investimentos estrangeiros. Desde então, o a economia mundial foi transformada irreversivelmente, embora gradualmente.
Mas nem tudo, obviamente, mudou. As principais instituições de tomada de decisões ainda continuam a ser o que sempre foram, com a mesma distribuição dos direitos de voto. O FMI e o Banco Mundial estão no meio de seus labores para definir uma nova repartição de votos, tendo já operado algumas acomodações. Os votos coletivos da China, da Índia e do Brasil é 20% menor do que os da Bélgica, dos Países Baixos e da Itália, a despeito do fato que o PIB conjunto do primeiros países é quatro vezes maior do que aquele de seus contrapartes europeus; eles têm uma população 29 vezes maior. Estas são algumas das razões para uma nova Guerra Fria econômica.
Como administrar estas novas realidades no terreno econômico, dispondo das mesmas alavancas políticas e das mesmas velhas estruturas de tomada de decisão como nos processos do passado? Esta é uma questão complicada, sem uma resposta clara ao dilema. Administrar a economia mundial é uma pretensão que mesmo o velho G7 nunca conseguiu alcançar nos seus tempos gloriosos. Os países desenvolvidos controlavam então uma grande proporção do PIB mundial e dos fluxos comerciais e financeiros. Mas eles nunca foram capazes de coordenar suas políticas macroeconômicas entre eles mesmos; menos ainda se poderia esperar que eles estabelecessem regras e metas para o resto do mundo.
Atualmente, com uma penosa queda nas economias avançadas, parece difícil visualizar o que poderia ser feito para restaurar o crescimento a partir de níveis próximos da estagnação em várias economias europeias. Além dos problemas cíclicos afetando as grandes economias (com as exceções da China, da Índia e de alguns outros países), existem vários desafios globais à frente, entre eles o da pobreza nos países menos avançados, e grandes decisões a serem tomadas em relação a questões ambientais, a violações dos direitos humanos em países não democráticos, e vários outros temas relevantes.
Uma estratégia singular poderia ser a definição de apenas uma grande meta global para a comunidade mundial: teria de ser a promoção do desenvolvimento global, não exatamente através da assistência (ou a tradicional Ajuda Oficial ao Desenvolvimento), mas prioritariamente através de uma real liberalização comercial, especialmente no setor agrícola, a única possibilidade efetiva para que os países menos avançados possam ser integrados à economia mundial. Os Estados Unidos e a União Europeia possuem, evidentemente, a maior responsabilidade nesse terreno.
É altamente improvável que propostas consensuais relativas ao desenvolvimento global possam emergir de um fórum tão amplo quanto o G20 financeiro, muito heterogêneo para ser capaz de alcançar posições comuns. Talvez fosse mais indicado lograr uma evolução informal do atual G8 para um novo G13, interrompendo o ciclo do atual G20 (o que talvez já seja difícil de se obter). Isso representaria agregar aos atuais membros do G8 outras cinco grandes economias, nomeadamente Brasil, China, Índia, África do Sul, e ou Indonésia ou México. A experiência demonstra que pequenos grupos informais estão mais próximos de se entenderam sobre ações concretas do que grandes órgãos institucionalizados que acabam dominados pela lerdeza burocrática e desentendimentos políticos.

Novas Perspectivas?

O que deve ser feito? O maior problema nessa modalidade organizacional de se ter um G20 diminuído seria o de como adquirir a legitimidade implícita ao ato de falar para toda a comunidade mundial partindo de um fórum de apenas 13 países. Para resolver essa limitação se necessitaria de um grau de confiança política entre os líderes desses 13 países, definindo um terreno de entendimentos recíprocos entre eles que teria de ser compatível com a função de representação mais ampla que eles pretenderiam assumir em nome de toda a comunidade de nações.
Encontrar terrenos comuns é uma tarefa dura de ser alcançada no estado atual das relações internacionais, caracterizada, como já se sublinhou, por uma guerra fria econômica típica das fases de transição. Parece ser bastante difícil de se lograr uma coordenação perfeita das agendas dos grandes países avançados e das economias emergentes e, mais ainda, entre eles todos e os demais membros das organizações internacionais que eles pretenderiam “substituir”. O mundo não é, simplesmente, tão globalizado como se requereria para alcançar esse tipo de interação. Disparidades de interesses, diferenças entre níveis de desenvolvimento, desequilíbrios entre os países, vários fatores se combinam para tornar praticamente impossível um exercício de coordenação desse tipo.
Uma proposta mais modesta poderia ser se obter uma interação mais frequente – uma vez ao ano – entre os líderes desse novo G13. Sherpas especialmente designados, encontrando-se duas vezes ao ano, poderiam ser mobiliados para discutir questões comerciais, assuntos ambientais, a proteção dos direitos humanos em países apresentando conflitos, missões de peace-keeping das Nações Unidas e outros temas do gênero, dotados de mandatos específicos de seus líderes políticos. Mas não se deve esperar pela ONU para organizar esse tipo de agenda. Já é difícil implementar qualquer coisa através da ONU, um órgão muito burocrático e passavelmente caótico. Melhor realizar a coordenação de agendas através das três mais importantes agências para a globalização contemporânea: o FMI, o Banco Mundial e a OMC.
A tarefa principal dos “novos sherpas” seria a de assegurar a coordenação econômica internacional em torno dos temas mais relevantes para a comunidade global. Uma sugestão possível seria tentar estabelecer um “global new deal”, um novo pacto mundial, intercambiando uma proteção extensiva aos investimentos e à riqueza proprietária (patentes e coisas do gênero), assim como outras condições apropriadas para o desenvolvimento da atividade produtiva no plano microeconômico, do lado dos países em desenvolvimento (ou recebedores de IDE), contra práticas de licenciamento extensivo e investimentos efetivos e liberalização comercial da parte dos países ricos e dos investidores privados. Esse tipo de pacto, ao ampliar os direitos proprietários para os ricos, poderia resultar no fortalecimento dos fluxos de investimentos financeiros e de comércio para os pobres, dando um grande impulso à globalização.
A assistência tradicional ao desenvolvimento, por ineficiente, deveria ser substituída, essencialmente, por um novo foco nas melhorias educacionais graduais, ou seja, um extenso programa para a qualificação de recursos humanos. A assistência, enquanto tal, deveria ser as limitada à implementação de um programa consistente de erradicação da maior parte das doenças infecciosas nos países africanos e em vários outras nações em desenvolvimento. A maior razão para a persistência da pobreza nesses países não é exatamente a falta de recursos, mas a ausência de governança e sua não-integração à economia mundial através de vínculos comerciais.
Considerando que questões de governança democrática e de proteção dos direitos humanos podem ser um desafio para países como a China, ou mesmo, talvez, para a Rússia, o alvo principal da agenda de um novo G13 poderia ser a adoção de altos padrões de governança pública na acepção técnica desta expressão. Na atual fase de guerra fria econômica pode ser precoce a tentativa de se fazer da governança democrática e do respeito pelos direitos humanos o critério decisivo para a cooperação bilateral ou multilateral. Mas estes devem ser os fins últimos de qualquer tipo governança global. Em última instância, a agenda de Fukuyama permanece atual e absolutamente necessária. Remeto, a propósito, ao meu artigo: “O Fim da História, de Fukuyama, vinte anos depois: o que ficou?” (Meridiano 47, n. 114, janeiro 2010, p. 8-17; link: http://meridiano47.files.wordpress.com/2010/05/v11n1a03.pdf). Esse programa não tem nada a ver com o fim da história, e sim com o fim dos regimes autoritários e fechados economicamente. Se existe algum determinismo na História, este parece ser o único aceitável.
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata de carreira do serviço exterior brasileiro desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasilia – Uniceub; autor de diversos livros de história diplomática e de relações internacionais (www.pralmeida.org – pralmeida@mac.com).
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  1. Gostaria de um esclarecimento do professor Paulo Roberto, se possível.
    O senhor é partidário da tese do fim das ideologias?
    Abraços.
  2. A minha e a sua adesão ao programa de Fukuyama mostra muito sobre nós ocidentais, e nossa obliteração do ego…
  3. Nobre Prof. Paulo
    Sem intenção de mudar o foco do seu artigo, e já mudando, gostaria de saber qual o seu fundamento de rotular o Prof. Eric Hobsbawm de “inocente útil”, apenas porque postula as ideologias como eternas ??
    Claro está que conhecendo seu talento como eu conheço, atrevo-me a pedir um artigo de sua pena sobre o assunto.
    As Ideologias ainda são necessárias “para viver” ?
    Senna Madureira
Minhas respostas aos perguntadores: 

1) Alex Neves: 
PRA: Não, não sou partidário da tese sobre o fim das ideologias, formulado em primeiro lugar pelo ex-trotsquista Daniel Bell, em meados dos anos 1950, inclusive porque aderir a uma tal "tese" – se ela merece essa classificação – seria negar o mundo como ele é, com comunidades inteiras, ou pensadores individuais, criando continuamente religiões e crenças políticas. Ideologias sempre vão existir, sobretudo uma que afirma que se pode fazer alguma coisa, qualquer coisa (política externa, por exemplo, ou comércio exterior) "sem ideologia". Os que assim afirmam – lembra alguma coisa ultimamente? – professam eles mesmos pelo menos uma ideologia, a do fim das ideologias, o que já torna ridícula tal postura.
Na verdade, Daniel Bell não tinha a intenção de opor-se a todas as ideologias; ele pretendia apenas afirmar (ou acreditar) que, depois de duas mortíferas guerras, nascidas em tempos diversos do nacionalismo extremado, do imperialismo mais despudorado, do hegemonismo tradicional de grandes potências arrogantes e de ilusões tendentes a fazer crer que, na era da grande indústria, seria possível ter guerras curtas e decisivas. Com a arma nuclear talvez, mas as guerras foram travadas justamente no conceito anterior: de mobilização total, com base em recursos, provisões, ferramentas e táticas bastante semelhantes umas às outras, antes que o instrumento nuclear viesse perturbar os cálculos estratégicos dos generais.
Daniel apenas acreditava que, depois de ideologias mortíferas, como foram, no século XX, os totalitarismos radicais – o fascismo italiano, o nazismo-hitlerismo alemão e o comunismo-bolchevismo-stalinismo da experiência soviética, sem esquecer o militarismo japonês, muito próximo do fascismo –, a humanidade estaria pronta para se livrar dessas pestes mortíferas, que não foram simples "doenças de pele", mas penetraram fundo na psicologia nacional, nos comportamentos sociais, nas posturas culturais, e que também influenciaram políticas econômicas e, mais importante, determinaram aventuras militares com ou sem estratégia.
Acredito que as ideologias vão continuar, como demonstrado mais recentemente, pelo chamado jihadismo, pelo trumpismo, e por novas vertentes da velha direita, sem que se possa afirmar que a esquerda já esgotou suas possibilidades de renovação. Esta última já está em baixa, mas eu não descarto um revival da esquerda, como sempre aparece, disfarçada de qualquer outra coisa (já tivemos o ecologismo anticapitalista).

2) Bruno: 
PRA: Não se tratou propriamente de uma pergunta, mas de uma confirmação de um possível acordo (se interpreto bem) com meus argumentos, e uma espécie de lamentação sobre nosso ego ocidental. Confesso que não sei como reagir, pois não posso me impedir de ser um ocidental, e de valorizar tudo o que o Ocidente fez de bem e de bom, em benefício da humanidade, e tampouco posso me impedir de ter ego, o que é uma postura bastante normal entre nós, humanos.

3) Senna Madureira: 
PRA: Caro e nobre amigo Senna Madureira. Desculpe-me se você admira o Eric Hobsbawm, certamente um dos maiores e mais importantes historiadores do século XX (e XXI), recentemente desaparecido, e fonte de conhecimento (e de formação de opiniões) para milhões de estudantes e leitores all over the world, durante mais de meio século. Reconheço a importância de Hobsbawm, como pesquisador histórico e como vulgarizador do conhecimento histórico, mas sou suficientemente informado (e treinado) no marxismo e no socialismo, no materialismo histórico, e sobre o próprio Hobsbawm, para também considerá-lo um ideólogo, defensor do socialismo, contra o capitalismo, que ele julgava injusto, criador de desigualdades, animado por desejos perversos de exploração dos trabalhadores em  benefício de uma burguesia vil.
Acho, sim, que as ideologias são inevitáveis, incontornáveis e até necessárias, uma vez que o homem não pode evitar ter de sonhar com o futuro, de interrogar-se sobre o passado e de tentar moldar não apenas o conhecimento sobre a flecha do tempo, mas igualmente a trajetória dos desenvolvimentos econômicos, políticos e sociais (até individuais), nos anos à frente. Eu mesmo, por exemplo, por mais objetivo que eu pretendo ser, pratica a ideologia do autodidatismo, pois tendo a acreditar que posso aprender tudo sozinho, apenas lendo meus livros e observando o mundo. Não é assim, claro, pois por mais "independentes" que acreditamos ser, somos sempre prisioneiros de algum ideólogo do passado ou do presente.
Não vou mais desenvolver esse argumento, pois precisamos marcar um encontro, com um bom vinho, para discutirmos sobre coisas mais agradáveis, justamente.

O grande abraço a todos os meus três leitores, na verdade perguntadores (pois imagino que os leitores tenham sido pelo menos o dobro desse número), e prometo prestar atenção ao que vem abaixo de meus artigos, da próxima vez.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de março de 2019

segunda-feira, 25 de março de 2019

And now, an Economic Cold War - Paulo Roberto de Almeida (2010)

Nove anos atrás, eu redigia um artigo, para um colóquio do qual participei em Madri, a convite de um amigo alemão ainda trabalhando na OCDE, em Paris, em meio a uma estada na China, para a Exposição Universal em Xangai, que revisava um outro artigo que eu havia preparado um ano antes, ao preparar-me para passar alguns meses naquela magnífica cidade chinesa:

2202. “Now, an Economic Cold War: Old Realities, New Prospects”, Shanghai, 13 outubro 2010, 4 p. Resumo largamente modificado do trabalho 2193, para publicação da Fundación Areces a propósito do simpósio com a OCDE sobre governança global. Enviada a Rainer Geiger. Publicada in FRA, Revista de Ciencias y Humanidades de la Fundación Ramón Areces; Monográfico: “Mas Allá de la Crisis: El Futuro del Sistema Multilatearal (Madrid: Fundación Ramón Areces, Diciembre 2010, p. 116-120). Postado no blog Diplomatizzando (23/01/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/01/economic-cold-war-artigo-pra-publicado.html). Refeito, com ligeira ampliação, sob n. 2241 (“A Guerra Fria Econômica: um cenário de transição?”, 31.01.2011; in: Mundorama; link: http://www.mundorama.net/?p=7197). Relação de Publicados n. 1015.


Eis o artigo, apresentado sumariamente nesse simpósio de Madri, depois publicado nos anais do simpósio, e republicado em português, numa versão modificada, poucos meses depois (http://www.mundorama.net/?p=7197).


Paulo Roberto de Almeida *
Publicada in FRA, Revista de Ciencias y Humanidades de la Fundación Ramón Areces; Monográfico: “Mas Allá de la Crisis: El Futuro del Sistema Multilatearal (Madrid: Fundación Ramón Areces, Diciembre 2010, p. 116-120). Postado no blog Diplomatizzando (23/01/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/01/economic-cold-war-artigo-pra-publicado.html).

Old Realities
The geopolitical Cold War is definitely closed, it seems. Besides “normal” political tensions and trade frictions between major powers, there are no more totally opposed conceptions about how to organize the world economically or politically. No one is saying something like “we’ll bury you”, as done in the past by a Soviet leader.
We are having now an economic Cold War, or sort of. Indeed, there is nothing capable of starting a full-scale confrontation among major powers. What we do have now are trade frictions and currency misalignments, over a post-crisis adjustment process. There is a dispute over how national economic policies should take into account their impacts over other countries’ economic situation. But, as Mark Twain could have argued, rumors about a global currency war are greatly exaggerated. We have not yet outlived the current financial crisis; this is just one among many others that affect dynamic markets since the beginnings of capitalism.
It is not entirely true that this crisis was created by the deregulation of the financial markets, although low regulation can indeed have facilitated the expansion of existing bubbles in some markets. The main culprit for the bubble, though, is the low level of interest rates established by central banks during too long a period. In the same manner, albeit in very different ways, that the old Lords of Finance of the Twenties created the crisis of the 1930s, by their action or inaction, the present crisis is the result of misguided policies by the new Lords of Finance.
It is also not true that this crisis is severe enough to justify a new Bretton Woods-like redrafting of the world economic order. Talks about a new financial architecture, or even about a redistribution of world economic and political power, are totally in contradiction with the more prosaic realities of our days. We are not at all in a post-major crisis arrangement, a sort of diplomatic complete reordering of the world after a cataclysmic seism, touching all and every major actor of the international scene. We are very far from that. Let’s look the precedents.
We are not in Wesphalia-1648. We are not in Vienna-1815. We are not in Paris or Versailles-1919. And we are not in Bretton-Woods-1944, or San Francisco-1945. We are not in any major re-founding of the international political and economic order. We simply are, nowadays, in the middle of our 1930s, trying to manage a big crisis by national responses, each one fitted to the specific circumstances of each country, and delinked from a major disaster affecting everyone and all countries.
To be more precise, we are somewhere between 1931 and 1933, still in the middle of a recession, but not in a depression. The level of unemployment is not as high as in 1933, and is probably in line with patterns of our days. World trade and financial flows are not as disrupted as in the 1930s, although economic liberalization regressed: we reverted to a light version of trade protectionism, without quotas.
This new economic Cold War arises from structural changes in the world economy, already on the move since the Eighties, when China started to flex its muscles again. At the same time, developing countries ceased to rely on national, inward-looking, projects for national development and opened themselves to foreign investment. Since then, the world economy has been transformed irrevocably.
But not everything, of course, has changed. The major decision-making institutions are still the same, with the same distribution of voting rights. IMF and World Bank are in the middle of their travails to find a new distribution of quotas. The collective voting power of China, India and Brazil is 20% less than that of Belgium, Netherlands and Italy, despite the fact that the joint GDP of the former countries is four times greater the size of their European counterparts; they have a population 29 times greater. Those are the reasons for this new economic Cold War.
How to manage those new realities in the economic realm, having as political leverages the same old structures of the decision-making process? That’s a tricky question, with no clear answer to the dilemma. To manage the world economy is a pretension that even the old G7 never reached to attain in its glorious days. Developed countries controlled then a big proportion of the world’s GDP, trade and financial flows. But they were never capable of coordinating their macroeconomic policies among themselves; never mind establishing rules and goals for the rest of the world.
Nowadays, with a painful free-fall in advanced economies, it is difficult to see what could be done to restore growth rates from their stagnating levels. Besides the cyclical problems affecting major economies, with the possible exception of China, India and a few other countries, we still have global challenges ahead, like poverty in less developed countries, decisions to be made regarding environmental matters, human rights violations in non-democratic countries, and many other relevant issues.
One single strategy would be the establishing of just one big goal for the world community: that has to be the promotion of global development, not exactly through assistance (the traditional Official Development Assistance), but primarily through real trade liberalization, especially in the farm sector, the only real possibility for the less-developed countries to become integrated into the world economy. The United States and European Union have a main responsibility in this domain.
It is highly unlikely that consensual proposals concerning global development could be arising from such a large body as the financial G20, too heterogeneous to be able to reach common positions. Perhaps, the best hope would be to have an evolution from the current G8 to a new G13. That means joining the leaders of the G8 together with five other big countries, namely Brazil, China, India, South Africa, and, either Indonesia or Mexico. Experience shows that small, informal bodies are more likely to deliver something meaningful than large institutionalized groups that get involved in bureaucratic foot-dragging and political entanglements.

New Prospects
What is to be done? The biggest problem in this approach of a G20-minus is acquiring the legitimacy that is involved in the act of speaking for the whole world community from the starting point of only 13 countries. To solve this quandary implies that the political leaders of these 13 countries would have to find a terrain of reciprocal confidence between them that has to be compatible with the representation at large they would be pretending to have from the whole community of nations.
Finding common grounds is a hard task to achieve. It will quite difficult to attain a perfect coordination of agendas between the big advanced and emerging countries and, together, among them and the international institutions. The world is simply not as globalized as required to attain this kind of interaction. Disparities of interests, differences of levels of development, imbalances between countries, many factors collude to render almost impossible this exercise of coordination.
A modest approach could be a more frequent interaction – once a year – between the leaders of the new G13. Sherpas of a special quality, meeting twice a year, could then be mobilized to discuss trade matters, environmental affairs, human rights protection, UN peace-keeping missions and the like, with specific mandates from their political leaders. But, don’t look at the UN for the organization of their agenda. It is difficult to implement anything through the UN, a too large and chaotic a body. Better to rely of the coordination of agendas of the three more important agencies for globalization: IMF, World Bank and WTO.
The main task of the “new sherpas” is to look for international economic coordination around relevant issues for the global community. A possible suggestion would be to try to establish a “global new deal”, exchanging extensive protection to investments and to proprietary riches (patents and the like), as well as other good microeconomic conditions for productive activity, from the side of developing countries (the recipients of FDI), against extensive licensing and effective investments and trade liberalization by rich countries and investors alike. This kind of deal, by extending property rights for the rich, could entail the strengthening of trade, financial and investment flows to the poor, giving a pretty little boost to globalization.
Traditional assistance for development, because it is ineffective, should be replaced, essentially, by a focus on educational improvements, that is, an extensive program for human resources qualification. Assistance as such should be limited to the implementation of a consistent program for eradicating most of infectious diseases in African countries and in some other developing countries. The main reason for the persistence of poverty in those countries is not the lack of resources, but the absence of governance and their non-integration into the world economy through trade links.
Assuming that the questions of democratic governance and human rights protection can be a conundrum for countries like China, or perhaps even Russia, the main target for the agenda of the new G13 could be the adoption of high standards for public governance in the technical meaning of this expression. It is a little too early to make democratic governance and respect for the human rights the decisive criteria for bilateral and-or multilateral cooperation. But these should be the ultimate goals of any kind of new global governance.

* Paulo Roberto de Almeida
Brazilian Diplomat, International Political Economy; Professor at University Center of Brasilia (Uniceub); (www.pralmeida.org) 
[Shanghai, October 12, 2010]


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Ver a versão em português, revista e modificada, publicada poucos meses depois: 
A Guerra Fria Econômica: um cenário de transição?”, 31.01.2011; in: Mundorama; link: http://www.mundorama.net/?p=7197