Aqui abaixo o texto em português que eu o li no original, e até transcrevi neste meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/08/jeffrey-sachs-sobre-o-hegemonismo.html
Pareceu-me correto no essencial, e “recomendei aos chineses” que procurassem um George Kennan chinês para formular uma doutrina da Contenção da China contra os EUA, que são a potência agressora neste caso.
Eis o que escrevi no Facebook, em duas postagens sobre a mesma questão:
A China precisa ter uma enorme “paciência estratégica” em face de um gigante que exibe o comportamento de uma criança mimada e briguenta, e tem toda razão em recusar a entrar nesse jogo irracional de uma “nova Guerra Fria” — que não possui nenhum fundamento real, a não ser a paranoia “normal” dos generais do Pentágono, seguidos inacreditavelmente pelos novos paranoicos “anormais” da academia —, mas ela precisa também desenvolver uma doutrina da “contenção”, ou seja, conduzir de forma racional e moderada suas relações com o gigante atrapalhado, até que este volte à razão e se converta num simples primus inter pares, não no pretenso dono do mundo que ele insiste em ser ainda hoje.
Ademais dos conhecidos problemas que afligem grandes e velhos impérios arrogantes — over-extension, over-strecht, over-expenditures, over-zealous, over-control, profligacy, irrealism, hubris, exaggerate ambition, cupidity, militarism, etc. — os EUA já chegaram ao ponto da miopia, talvez até da cegueira, quanto à sua capacidade real de serem aceitos como líderes naturais de um determinado grupo de países (digamos, as democracias de mercado), por sua própria introversão econômica, sua alienação política e o abandono daqueles princípios e valores liberais e humanitários que os faziam serem admirados pelos demais países. Trump agregou àqueles velhos problemas o seu desprezo pelos demais, sua arrogância fatal e sobretudo sua ignorância abissal.
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Paulo R. de Almeida
A cruzada profana entre EUA e China
Agora a nova cruzada tem como alvo o PC chinês
Por Jeffrey D. Sachs
Valor Econômico, 06/08/2020
Muitos cristãos evangélicos brancos nos Estados Unidos há muito acreditam que o país tem a missão, dada por Deus, de salvar o mundo. Sob influência dessa mentalidade cruzadista, a política externa americana frequentemente passou da diplomacia à guerra. Agora, corre o risco de fazer isso de novo.
Em julho, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, lançou mais uma cruzada evangélica, desta vez contra a China. Seu discurso foi extremista, simplista e perigoso - e poderia muito bem colocar os EUA em rota de conflito com a China.
De acordo com Pompeo, o presidente da China, Xi Jinping, e o Partido Comunista (PC) da China nutrem um “desejo de décadas por hegemonia mundial”. É irônico. Apenas um país, os EUA, têm uma estratégia de defesa na qual se propõe a ser a “potência militar preeminente no mundo”, com “equilíbrios de forças regionais favoráveis no Indo-Pacífico, na Europa, no Oriente Médio e no Hemisfério Ocidental”. A posição oficial chinesa, em contraste, declara que a “China nunca seguirá o caminho usual das grandes potências de buscar a hegemonia” e que “à medida que a globalização econômica, a sociedade da informação e a diversificação cultural se desenvolvem em um mundo cada vez mais multipolar, a paz, o desenvolvimento e a cooperação a benefício de todos continuam sendo as tendências irreversíveis dos tempos”.
Vêm à mente a própria advertência de Jesus: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.” (Mateus 7:5). Os gastos militares dos EUA somaram US$ 723 bilhões em 2019, quase o triplo dos US$ 261 bilhões gastos pela China.
Os EUA, além disso, têm cerca de 800 bases militares no exterior, enquanto a China tem apenas 1 (uma pequena base naval no Djibuti). Os EUA têm bases militares próximas à China, que não tem nenhuma perto dos EUA. Os EUA têm 5,8 mil ogivas nucleares; a China, cerca de 320. Os EUA têm 11 navios porta-aviões; a China tem 1. Os EUA lançaram muitas guerras no exterior nos últimos 40 anos; a China, nenhuma (embora tenha sido criticada por conflitos fronteiriços).
O mundo deu relativamente pouca atenção ao discurso de Pompeo, que não apresentou evidências para sustentar sua declaração sobre a ambição hegemônica da China. A rejeição chinesa à hegemonia dos EUA não significa que a China por si só busque uma hegemonia. Na verdade, fora dos EUA, há pouca convicção de que a China queira o domínio global. Os objetivos nacionais da China explicitamente declarados são ser “uma sociedade moderadamente próspera” até 2021 (o centenário do PC chinês) e um “país plenamente desenvolvido” até 2049 (o centenário da República Popular).
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Presumindo que Trump perca as eleições presidenciais de novembro, o discurso de Pompeo provavelmente não receberá mais atenção. Os democratas certamente criticarão a China, mas sem os exageros insolentes de Pompeo. Se Trump vencer, porém, o discurso de Pompeo poderia ser o prenúncio do caos. O evangelismo de Pompeo é real e os brancos evangélicos são a base atual do Partido Republicano.
Como relembrei em meu recente livro “A New Foreign Policy” os colonos protestantes ingleses acreditavam que estavam fundando um Novo Israel na nova terra prometida, com as bênçãos divinas de Deus. Em 1845, John O’Sullivan cunhou o termo “Destino Manifesto” para justificar e comemorar a anexação violenta [do Oeste] da América do Norte pelos EUA. “Tudo isso será nossa história futura”, escreveu em 1839, "para estabelecer na Terra a dignidade moral e a salvação do homem - a verdade imutável e a benevolência de Deus". “Para essa missão abençoada para as nações do mundo, que estão alheias à revigorante luz da verdade, a América foi escolhida [...]”.
Com base nesses pontos de vista exaltados sobre sua própria benevolência, os EUA se envolveram na escravização em massa até a guerra civil e em um apartheid em massa depois disso; massacraram os índios americanos ao longo do século XIX e os subjugaram depois disso; e, quando terminaram de expandir a fronteira no Oeste, estenderam o Destino Manifesto para o exterior. Posteriormente, com o início da Guerra Fria, o fervor anticomunista levou os EUA a lutar guerras desastrosas no Sudeste Asiático (Vietnã, Laos e Camboja), nos anos 60 e 70, e guerras brutais na América Central, nos 80.
Depois dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, o ardor evangélico foi direcionado contra o “islamismo radical” ou o “fascismo islâmico”, com quatro “guerras de escolha” dos EUA (no Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia), que até hoje continuam sendo, todas, fracassos. De uma hora para outra, a suposta ameaça existencial do islamismo radical parece ter sido esquecida, e a nova cruzada tem como alvo o PC chinês.
O próprio Pompeo é um literalista bíblico que acredita no fim dos tempos e que a batalha apocalíptica entre o bem e o mal é iminente. Pompeo descreveu suas crenças em discurso em 2015, quando era parlamentar pelo Kansas: os EUA são uma nação judaico-cristã, a maior na história, cuja tarefa é lutar as batalhas de Deus até o arrebatamento, quando os seguidores de Cristo já mortos ou vivos, como Pompeo, serão levados ao céu no Juízo Final.
Os evangélicos brancos representam apenas cerca de 17% da população adulta dos EUA, mas 26% dos eleitores. Eles votam avassaladoramente nos republicanos (estima-se que 81%, em 2016), o que os torna o bloco eleitoral mais importante do partido. Isso lhes dá poderosa influência nas políticas republicanas e, em particular, na política externa quando os republicanos controlam a Casa Branca e o Senado (com seus poderes para ratificar tratados). Entre os congressistas republicanos, 99% são cristãos e, entre eles, cerca de 70% são protestantes, incluindo uma proporção desconhecida, mas significativa, de evangélicos.
Naturalmente, os democratas também têm políticos que proclamam o excepcionalismo americano e lançam guerras cruzadistas (por exemplo, as intervenções do presidente Barack Obama na Síria e na Líbia). No geral, contudo, o Partido Democrata é menos devotado a reivindicações da hegemonia americana do que a base evangélica do Partido Republicano.
A retórica exaltada anti-China de Pompeo poderia tornar-se ainda mais apocalíptica nas próximas semanas, nem que seja apenas para inflamar a base republicana antes das eleições. Se Trump for derrotado, como parece provável, o risco de um confronto entre EUA e China diminuirá. S
e ele permanecer no poder, entretanto, seja por meio de uma vitória eleitoral genuína, de fraude eleitoral ou mesmo de um go
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Jeffrey D. Sachs é professor de Desenvolvimento Sustentável e de Gestão e Políticas da Saúde da Columbia University. É diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Columbia University e da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU.