Hoje, dia 05 de maio de 2016, a Lei
Complementar 101/2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),
completa exatos 16 anos de vigência. Embora haja muito que se comemorar
nesse período, devemos reconhecer que a sua observância e respeito por
nossos governantes têm deixado muito a desejar.
Após um virtuoso ciclo positivo e ascendente de ajustes nas finanças
do país na sua primeira década de vigência, que se materializou pela
reorganização das contas públicas e busca pelo equilíbrio fiscal,
desenha-se, infelizmente, um retrocesso fiscal nos últimos anos, que se
espera seja logo superado.
A atual realidade é a de que a gestão fiscal responsável, imperativo
que fundamenta a LRF, vem sendo olvidada pelas três esferas federativas.
Apesar de a lei ter sido instituída para estabelecer um código de
conduta aos gestores públicos, pautada em padrões internacionais de boa
governança e voltada para a preservação da coisa pública, tendo a
probidade e a conduta ética do administrador público como deveres
jurídicos positivados, o que temos visto ultimamente não reflete
minimamente o espírito da
res publica.
A esperança de mudança de postura do administrador público
tem se demonstrado inalcançada diante da realidade de inúmeras unidades
da federação que não vêm conseguindo pagar os salários e aposentadorias
de seus servidores, honrar os contratos de seus fornecedores, e nem
garantir minimamente os serviços públicos essenciais como saúde,
educação e segurança pública.
Já tivemos oportunidade de destacar que se vê hoje dezenas de bilhões
de reais sendo renunciados por políticas de desoneração fiscal sem a
devida compensação financeira, como exige a LRF (artigo 14). As despesas
com pessoal dos entes vêm ultrapassando em muito os limites previstos
em lei (artigo 19, LRF). O desequilíbrio financeiro e o descumprimento
de metas fiscais tornam-se rotina em vilipêndio da regra fiscal (artigos
1º e 4º da LRF). O assustador gigantismo da dívida pública afronta os
princípios legais que a regem (artigos 30 e 31 da LRF). E a falta de
planejamento e de respeito às leis orçamentárias as tornam peças de
ficção shakespeariana.
Este cenário não era o esperado para estes 16 anos de LRF. Políticas
populistas e eleitoreiras, despesas desprovidas de qualidade e de
legitimidade, desequilíbrio entre receitas e despesas públicas, geração
de déficits impagáveis, ciclo orçamentário irreal, desconexo e
desprovido de efetividade são práticas que não podem mais perdurar numa
nação que pretenda o bem-estar dos seus integrantes
e a criação de uma sociedade mais digna e justa.
Não apenas para dar efetividade à política de estabilização fiscal
que se implementava em fins da década de 1990 e início de 2000, e para
regulamentar dispositivos da Constituição Federal de 1988 que demandavam
uma lei complementar sobre matérias financeiras, a promulgação da LRF
foi instituída para apresentar um novo
marco regulatório fiscal
no Brasil, baseado no planejamento, na transparência, no controle e
equilíbrio das contas públicas e na imposição de limites para
determinados gastos e para o endividamento.
A partir da lei, pretendeu-se conferir maior efetividade ao ciclo
orçamentário, ao regular e incorporar novos institutos na lei
orçamentária anual e na lei de diretrizes orçamentárias, voltadas para o
cumprimento das metas estabelecidas no plano plurianual. Desejou-se
impor a cobrança dos tributos constitucionalmente atribuídos aos entes
federativos para garantir sua autonomia financeira, estabelecendo-se
condições na concessão de benefícios, renúncias e desonerações fiscais.
Buscou-se obrigar a indicação do impacto fiscal e a respectiva fonte de
recursos para financiar aumentos de gastos de caráter continuado,
especialmente em se tratando de despesas de pessoal. Fixaram-se limites
para a ampliação do crédito público com vistas ao controle e redução dos
níveis de endividamento. E criaram-se sanções de diversas naturezas em
caso de descumprimento das normas financeiras.
No cenário internacional, especialistas e organismos multilaterais já
enalteceram o Brasil ao editar a LRF, considerando-a uma das mais
abrangentes e austeras do mundo. Mas a adoção de uma lei de
responsabilidade fiscal não foi uma exclusividade brasileira. Diversos
países do mundo – como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Áustria,
Bélgica, Nova Zelândia – passaram por situações que, igualmente,
demandaram ações nesse sentido e acabaram por desenvolver e inserir nos
seus ordenamentos jurídicos normas dessa natureza. Na América Latina,
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e México adotaram leis de
responsabilidade fiscal, especialmente por pressão do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e do Banco Internacional de Desenvolvimento (BIRD),
como contrapartida aos acordos financeiros firmados.
Merecem destaque os três pilares que fundam a LRF: o planejamento, a transparência e o equilíbrio fiscal.
O
planejamento orçamentário foi devidamente organizado na LRF
ao se impor a implementação de um ciclo fiscal caracterizado pela
responsabilidade gerencial de longo prazo e pela qualidade do gasto
público, com a devida legitimidade conferida pela assim chamada trindade
orçamentária: plano plurianual (PPA), a lei de diretrizes orçamentárias
(LDO) e a lei orçamentária anual (LOA). Dentro deste escopo, o
acompanhamento de resultados do orçamento foi outro grande marco da LRF,
já que de nada adiantava um orçamento financeiro bem elaborado e
dimensionado, se este não produzisse resultados concretos e visíveis.
Associar os números orçamentários às metas propostas e mensurar se estas
foram alcançadas é uma das virtudes do novo ciclo orçamentário.
A
transparência fiscal na prestação de contas foi desenhada de
forma exemplar na LRF, com a obrigação de divulgação em veículos de
fácil acesso, inclusive pela Internet, das finanças e dos serviços
públicos, possibilitando a qualquer cidadão acompanhar diariamente
informações atualizadas sobre a execução do orçamento e obter
informações sobre recursos públicos transferidos e sua aplicação direta
(origens, valores, favorecidos). Mas além da disponibilização de
informações, a LRF criou novos controles contábeis e financeiros
aplicáveis isonomicamente aos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, aos Tribunais de Contas e Ministério Público, os quais são
obrigados a publicar suas demonstrações fiscais. Portanto, transparência
e controle na gestão passam a ser um binômio constante a partir da LRF.
Também foi indiscutível a contribuição da LRF para a busca do
equilíbrio das finanças públicas
no Brasil nos três níveis da federação. Não apenas no que se refere ao
saneamento e reorganização da dívida pública, como também quanto aos
mecanismos de limitação de gastos e a criação de metas de
superávit fiscal.
Por outro lado, há, ainda, mecanismos legais previstos na LRF não
regulamentados – tais como o Conselho de Gestão Fiscal (artigo 67) e a
imposição de limites para a dívida pública federal – e outros que
merecem ser revisitados, especialmente aqueles relativos à eficácia das
regras das limitações com despesa de pessoal que, não obstante as
previsões legais constantes da LRF, continuam gradativamente a se
expandir.
Não se esqueça também da necessária padronização e harmonização
conceitual para se permitir a devida aplicação e efetividade da norma,
mormente em razão de que os Tribunais de Contas, sobretudo dos Estados,
ainda não têm uma interpretação uniforme de vários dispositivos da LRF.
Os ditos “atalhos interpretativos” vêm permitindo a alguns gestores
públicos encontrarem caminhos alternativos para superar as limitações e
condicionantes da lei e, sobretudo, para não verem aplicadas contra si
as sanções pelo seu descumprimento.
Enfim, pode-se dizer nesses 16 anos de vigência que a Lei de
Responsabilidade Fiscal é uma obra jurídica dinâmica e inacabada, que
exige constante evolução e aperfeiçoamento e, sobretudo, respeito na sua
aplicação.
Garantir sua efetividade, permitindo a discussão da qualidade e
dimensionamento das receitas e das despesas, com o necessário controle
das finanças públicas, faz parte de um projeto de desenvolvimento
nacional sustentável.
*
Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da
2ª Região, Doutor em Direito Público (UERJ), Professor de Direito
Financeiro e Tributário da UERJ, autor de diversos livros, dentre eles o
CURSO DE DIREITO FINANCEIRO BRASILEIRO, 3ª edição, Editora Forense,
2015, e LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL COMENTADA, 1ª edição, Editora
Forense, 2016.