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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Brasil invisivel, irrelevante, "esquecivel"? - Marcelo Coutinho


TENDÊNCIAS/DEBATES
Marcelo Coutinho
Folha de S.Paulo9.11.2012

Nosso poder militar não assusta nem Honduras. A influência do Brasil viria da legitimidade das suas bandeiras. Mas em épocas nervosas ninguém liga para isso
Acabou a eleição norte-americana para presidente. O Brasil não apareceu em nenhum momento da campanha. Obama nem Romney se lembraram do nosso país. Ficamos invisíveis ou o que foi que aconteceu?
Poucos anos atrás, éramos tratados como uma das grandes estrelas em ascensão. Na disputa de 2008, os candidatos democrata e republicano citaram o Brasil em mais de uma oportunidade, inclusive no debate sobre política externa. Agora nada, nem uma palavrinha, mesmo quando tantos brasileiros correm para fazer compras em Nova York.
Não é de todo ruim desaparecer das preocupações de Washington. Afinal, eles costumam prestar mais atenção a quem dá sérios problemas, como o Irã. Não é o nosso caso.
Os políticos americanos certamente não mudaram muito em relação à América Latina. Fora do radar, continuam sem saber o que fazer com ela. Mas com a Europa indo a pique e a Ásia crescendo, os olhares se voltaram para o Pacífico. Por isso, é natural que o futuro presidente dos EUA se interesse mais pela China do que pelo vizinho do Atlântico Sul. Mas o silêncio absoluto quanto ao Brasil parece um megafone de significados. O Brasil mudou para pior desde as últimas eleições nos EUA.
O governo brasileiro há anos incorre em uma "misperception", uma interpretação completamente equivocada da realidade. Ele acreditou em um conto de fadas, superestimando suas próprias capacidades internacionais.
Mais uma vez, como viemos fazendo desde o fim da Primeira Guerra, o Brasil teve certeza de que a cadeira fixa no Conselho de Segurança da ONU era sua, de que era o pivô da solução para conflitos históricos no Oriente Médio e que progredia "pari passu" às potências orientais.
A realidade se mostrou bem diferente disso tudo.
Nem sequer a elite paraguaia levou o Brasil em consideração antes de destituir Fernando Lugo. E Brasília sequer tomou parte da mediação definitiva no conflito colombiano, a última guerra da América do Sul, o que foge de todas as nossas melhores tradições diplomáticas desde Rio Branco. Um espanto.
Alguns poderiam argumentar que seriam os EUA que não fazem uma leitura correta e negligenciam o Brasil. Isso pode ter uma parte de verdade, mas não explica porque vizinhos sul-americanos não nos priorizam nem porque os investimentos e o crescimento econômico brasileiro viraram fumaça. Tampouco explica porque não alcançamos nossos objetivos de política externa.
As nossas estruturas militares não assustaram nem a pequena Honduras no episódio da embaixada. O risco de o porta-aviões São Paulo quebrar antes de alcançar o mar do Caribe seria um risco que não suportaríamos.
Somos a sétima economia do mundo, mas isso pode muitas vezes se resumir a uma conta cambial sem maiores impactos sobre a ordem internacional.
Uma questão importante é saber o quão distantes estamos das grandes potências EUA e China, e quais as chances que temos de influenciar o comportamento de outros de modo a atender os nossos interesses. Alguns caças a mais apenas nos equipararão ao Chile, e qualquer coisa que pareça cara de mais destoaria da precariedade das nossas escolas e hospitais.
Ainda não nos conscientizamos que a força do Brasil não está no mundo realista, medido pelo alcance das armas. Nossa força será tão maior quanto mais próximo o mundo estiver de uma verdadeira sociedade global, pois assim a influência é dada pela legitimidade do que dissemos e queremos, e não pelo que amedrontamos.
A projeção brasileira no mundo sempre esteve menos associada à ideia de projétil do que à de "soft power", de poder das ideias, cultural, dos valores. O problema é que esse poder suave, definido pelo cientista político americano Joseph Nye, não funciona em tempos de escassez e beligerância iminente como os de agora. Daí a indiferença das eleições americanas em relação a nós.
De um novo eldorado, fomos distinguidos agora pelo dom da invisibilidade. Inventaram um gigante sem altura, uma potência sem poder.

MARCELO COUTINHO, 38, é professor de relações internacionais do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O fim da ilusão dos Brics - Marcelo Coutinho


O fim da ilusão dos Brics
Marcelo Coutinho
O Globo, 9/10/2011

Em 1499, Américo Vespúcio passou próximo à costa norte da América do Sul, a caminho das Índias Ocidentais, como então era chamado o continente americano. Só anos depois, quando o navegador florentino regressava de uma viagem ao Brasil, concluiu que não podíamos ser um prolongamento da Ásia.
Mesmo após tal descoberta, o termo Índias Ocidentais continuou a ser utilizado pela Companhia Holandesa, entre outras. Responsável pela ocupação do Nordeste brasileiro no século XVII, essa empresa desenvolveu uma organização mais capitalista no comércio internacional, cuja origem antiga remonta às redes fenícias de cidades mercantes, centenas de anos antes de Cristo.
Os Países Baixos apenas iniciariam a transição do mercantilismo para os mercados modernos. Estes se globalizaram, se desglobalizaram e se globalizaram novamente. Mas nunca estiveram tão perto de ver a Ásia predominar. Estamos entrando na Era do Dragão. E talvez em um neomercantilismo.
Países como China e Índia se distanciaram muito daquelas antigas fontes de bens primários e bugingangas. A Chíndia exporta também em massa produtos e serviços de alta qualidade. Não há nenhum outro país ou região comparável. O acrônimo Bric equivale à confusão criada com as Índias Ocidentais na geografia comercial.
O Brasil voltou a ser confundido com a Ásia. Ninguém acredita que somos a costa oriental do Sudeste Asiático como na época de Vespúcio, mas de alguma forma nos igualamos a partir de uma invenção do sistema financeiro. Sonhamos em ser um dos grandes emergentes que dominarão a economia no mundo. É o nosso excepcionalismo.
Quanto mais cedo despertarmos, melhor. Em comum com a Chíndia, o Brasil tem apenas o tamanho. Nos últimos três anos, crescemos em média 1/3 do que cresceram as potências orientais. Por outro lado, quando o Ocidente entrou em recessão em 2008, acompanhamos a queda, ainda que numa intensidade menor (-0,6%). O mesmo ambiente de forte desaceleração parece acontecer agora no fim de 2011.
Em matéria de dinamismo econômico, o Brasil é um país dividido. Seus setores industriais mais avançados seguem padrões ocidentais de derretimento. Já os setores tradicionais ligados às commodities ancoram-se na demanda do Oriente. O resultado é um crescimento intermediário entre os dois grupos, porém mais próximo dos baixos níveis dos países já desenvolvidos.
A pauta do que exportamos se concentra nos itens básicos. Somos menos diversificados do que éramos há dez anos. A substituição dos EUA pela China não trouxe vantagens. A indústria nacional desenvolveu dependência estrutural das importações, de modo que mudanças abruptas no câmbio não ajudam, mesmo quanto ocorre desvalorização.
O peso do Brasil no comércio é residual e vem caindo. O Brasil responde por 1% do fluxo comercial global, ou seja, bem menos do que há 50 anos, e um décimo hoje da Chíndia, com seus 2,5 bilhões de pessoas. Por sua vez, a importância brasileira no PIB do mundo em PPP representará em 2011 só 1/6 da participação chinesa e 40% da indiana. O mero ranqueamento que nos coloca entre as maiores economias gera, como se percebe, falsas impressões.
Se o critério utilizado para o acrônimo da Goldman Sachs é político, a situação fica ainda mais complicada. China e Índia têm armas nucleares, a primeira é autoritária e a segunda tem indicadores sociais piores que os do Maranhão. A China não apoia nosso assento fixo na ONU. A Índia encontrou sozinha aprovação dos EUA. As visões na OMC tampouco coincidem. Isso tudo sem falar da Rússia.
O fim da ilusão chamada Bric não deve estimular, todavia, comportamentos orientalófobos. O novo protecionismo pune os consumidores sem gerar compensações à altura em empregos locais. Mal ou bem, os asiáticos são agora atores imprescindíveis. Constatar que não somos a extensão deles é o início para nos inserirmos conscientes das novas rotas do comércio, da nossa menor importância relativa e dos desequilíbrios na condição de global players. Não somos China nem Índia ocidentais.