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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 17 de junho de 2022

O passado determina o nosso presente? - Oliveira Vianna e Paulo Roberto de Almeida

 O passado determina o nosso presente?

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)

Notas sobre uma afirmação de Oliveira Vianna em seu primeiro livro.

 

 

Oliveira Vianna, nas “Palavras de Prefácio”, escritas em novembro de 1918 para o seu primeiro livro, Populações Meridionais do Brasil (publicado apenas em 1920, mas objeto de outras edições posteriores), escreveu o seguinte: 

Empreendi desde então [ele se referia a um episódio de “rememoração” do passado por habitantes do interior do Rio de Janeiro, alguns anos antes] uma obra, árida às vezes, às vezes cheia de inefável encanto: investigar na poeira do nosso passado os germes de nossas ideias atuais, os primeiros albores da nossa psique nacional [ele estava imbuído de certa “psicologização” da história e da política]. O passado vive em nós, latente, obscuro nas células do nosso subconsciente. Ele é que nos dirige ainda hoje com a sua influência invisível, mas inelutável e fatal. (p. 923, da edição organizada por Silviano Santiago e reproduzida no vol. I de: Intérpretes do Brasil. 2ª. edição; Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2002). 

 

Ele se referia ao fato de que a história do Brasil era ainda muito curta, quatro séculos em algumas regiões, em outras sequer três, quando comparada à dos europeus e asiáticos, por exemplo, e que haveria “reflexos históricos dos períodos iniciais” dos quais “ainda se deve ressentir muito vivamente o nosso povo em sua organização social e na sua mentalidade coletiva.” (idem). 

Não tenho essa impressão de que o passado possui, com tanta força quanto ele pretende, uma “influência invisível, mas inelutável e fatal”, pois que se as estruturas sociais são, por certo, herdadas do passado, a “mentalidade coletiva”, como ele também se refere, influenciado pelas novas teorias psicológicas do início do século XX, pode ser alterada no espaço de uma geração, ou menos, sob o impacto de eventos significativos na vida de uma nação, sobretudo na esfera política, mais do que na econômica, que é mais lenta a se mover, como dizia Fernando Braudel. O próprio Brasil é uma prova de que a “mentalidade coletiva” pode ser alterada num piscar de olhos, como ocorreu com o domínio lulopetista da maioria do povo brasileiro – triunfante durante a primeira década deste século –, que soçobrou num antipetismo virulento e imprevisível, em 2018. Talvez estejamos contemplando agora o reverso do inverso, em quatro anos, voltando ao culto do antigo chefe alijado da política por processos e acusações de corrupção, mas que se apresta a empolgar o povo novamente. Será que o passado determina assim tão poderosamente o nosso presente?

Num certo sentido sim, pois que é impossível escapar da memória recente nas reações epidérmicas ou mais profundas que agitam os eleitores, a população em geral, e que podem influenciar o curso da política nacional durante vários anos, senão décadas. Vargas, por exemplo, foi um líder supostamente liberal, que depois virou um ditador astuto, para finalmente voltar como “pai dos pobres” e redentor das massas trabalhadoras. Sua imagem e sua obra – toda ela enfeixada em um quarto de século em meados do século XX – continuaram a marcar o Brasil praticamente até a atualidade, pois que o lulopetismo reivindica sua herança – mas apenas a “trabalhista”, não a da ditadura do Estado Novo –, para sublinhar a importância do Estado na construção de uma sociedade mais igualitária, mais voltada para os mais pobres. Da mesma forma, os lulopetistas criaram a imagem da “herança maldita”, que teria sido, supostamente, o período, nos anos 1990, marcado por reformas de cunho liberalizante e globalizante, que eles reverteram no puro estilo do nacionalismo desenvolvimentista que vicejou nos anos 1950 e que, paradoxalmente, também alimentou o projeto tecnocrático-modernizante da ditadura militar, dos anos 1960 aos 80. 

Surpreendentemente, depois de tantas políticas sociais promovidas pelos dois períodos de socialdemocracia – tanto o do PSDB, quanto o do PT, a despeito de alegado caráter “socialista” deste último –, o Brasil se entregou como nunca tinha feito anteriormente a um governo declaradamente de direita, quando no passado, imperial ou republicano, os governos eram apenas conservadores ou claramente oligárquicos, em todo caso centristas. Essa direita-extrema, que na verdade não possui doutrina, nem organização, parece atrair largos extratos da população, da qual se diz que é moderna nas tendências, mas conservadora nos costumes. Estamos em face de uma disputa, em outubro de 2022, que vai determinar se continuaremos a ser dominados pela extrema-direita – que é na verdade confusa e muito improvisada – ou se voltaremos aos tempos do nacionalismo desenvolvimentista dos tempos do lulopetismo (agora temperado por um suposto apelo ao centrismo). Este é o passado recente, mas não tenho certeza de que ele tenha impregnado “mentalidade coletiva” ao ponto de moldar nossas instituições políticas e sociais.  

Cabe observar o curso dos eventos, nos próximos meses, para a partir daí tentar refazer essa tal mentalidade, e saber se ela possui realmente essa fatalidade passadista de que falava Oliveira Vianna em seu primeiro livro sobre as populações meridionais (nunca completado por estudo semelhante quanto às populações do Nordeste ou do interior do país, nos confins da Amazônia). O Brasil é constituído realmente de um só povo? Grande questão, a ser elucidada em estudos de sociologia e de antropologia. Voltaremos ao assunto.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4174: 17 junho 2022, 2 p.


quinta-feira, 16 de junho de 2022

Um livro deve ser sempre único e original, ou pode ser "reformado"? - Émile Durkheim e Paulo Roberto de Almeida

 Frase do dia, ou de sempre, sobre os livros (e uma reflexão pessoal sobre o ato da escritura), que fui buscar no frontspício da quarta edição (1934) da primeira obra de Oliveira Vianna: Populações Meridionais do Brasil (1920): 


Un livre a une individualité qu'il doit garder. Il convient de lui laisser la physionomie sous laquelle il s'est fait connaître.
Émile Durkheim

Tradução livre: 
Um livro possui uma individualidade que ele deve conservar. Convém deixá-lo com a fisionomia sob a qual ele se fez conhecer.

Considero essa frase de Durkheim, coletada por Oliveira Vianna, uma espécie de "pito" aos que mudam os livros depois de publicados, para "corrigir" eventuais falhas. Existem aqueles que preferem deixá-los tal como foram publicados, reservando-se aos resenhistas as críticas que cabem, ou ao próprio autor retificar seu pensamento em novas obras, diferentes da primeira. 
A decisão sobre uma ou outra atitude é difícil, pois o computador e os processadores de textos facilitaram enormemente aquela atitude conhecida como "técnica Lavoisier": na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
Meus livros, em princípio, se sucedem, sem alterações, sendo que apenas um recebeu três edições, constantemente "melhoradas" e ligeiramente diferentes. Todos os demais são únicos e originais.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de junho de 2022

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Oliveira Vianna, O Idealismo da Constituição (1924)

 Uma frase de ontem, ainda válida:

“Não há nenhuma classe entre nós realmente organizada, exceto a classe armada.”

E este trecho sobre o papel do presidente:

“Cada presidente da República improvisa um programa administrativo. Diremos melhor: cada presidente da República é forçado a improvisar um programa administrativo. E isto porque todas as vezes que ascende ao poder um novo presidente, a Nação inteira fica atenta, toda ouvidos e toda olhos, num grande silêncio, à espera que ele diga o que ela, a Nação, precisa para a sua salvação e prosperidade.”

Oliveira Viana, “O Idealismo da Constituição [de 1891]” (in: Vicente Licínio Cardoso, À Margem da História da República, 1924; nova edição em dois volumes: Brasília: Câmara dos Deputados-Editora da UnB, 1979, p. 114), prelúdio ao livro do mesmo nome, publicado em 1927, reeditado em 1938, com a análise agregada das constituições de 1934 e 1937.

Oliveira Vianna absolutamente atual.