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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Realpolitik Bolsonaro - Pedro Simões

 Realpolitik Bolsonaro

Pedro Simões

(recebido indiretamente em 27/12/2020)

Faz dois anos que estamos imersos em uma realidade que, estranhamente, é a nossa. Em primeiro lugar, nossos jornais, analistas políticos e muitos de nós ficamos atônitos com a subida (aparentemente) meteórica do Clã Bolsonaro. Não sua ascensão ao poder - por onde já tramitava -, mas à Presidência. 

Depois, começamos a nos acostumar com uma rotina de "surpresas". Como pode o presidente dizer isso? Não acredito que ele colocou aquela pessoa para ocupar aquele cargo! Onde já se viu fazer uma coisa dessas naquela posição (lembram-se do vídeo Nazista na Secretaria da Cultura? Parece de uma era surreal, mas foi ontem)! 

Não aprendemos a lição, ainda. A cada coisa estapafúrdia que acontecia no Governo, alguém falava "agora Bolsonaro está em uma situação complicada". Mas Bolsonaro sobreviveu e vem sobrevivendo bem, obrigado, não apenas a uma política desastrosa em tempos de pandemia, como também à queda dramática de Sérgio Moro. 

Eu já disse isso por aqui antes: Bolsonaro é muito inteligente, joga bem o jogo político e aqueles que quiserem se opor a ele farão bem em reconhecer isso.  

Sua jogada mais inteligente até agora foi sua nomeação ao Supremo - que, de novo, pegou todo mundo com as calças nas mãos. Enquanto ele continuar surpreendendo, a dois passos na frente da imprensa e dos comentaristas, ele estará bem. 

De uma forma mais ampla, porém, a maior jogada de Bolsonaro foi outra, mais pessoal: ele se aproximou dos evangélicos. 

Vamos lá, primeiro ponto: Bolsonaro é católico. Sua esposa é evangélica. Ele se aproximou da ala neopentecostal, mas sua esposa frequenta um meio mais tradicional evangélico (batista). Ele circula com pastores midiáticos, mas também conseguiu apoio público da intelligentsia reformoda presbiteriana.  

A essa altura do campeonato vocês já devem saber que os evangélicos não são um bloco homogêneo - mas é justo dizer que os evangélicos, em toda sua heterogeneidade, apoiaram Bolsonaro em peso. 

Apoiaram mesmo ele sendo um grande defensor da violência, um usuário assíduo de palavrões (crente odeia palavrão), marido de mais de uma mulher (uma questão polêmica ainda em várias igrejas evangélicas), e mesmo não sendo ele um evangélico. Por quê? 

Falei da Realpolitik acima porque pode ser a chave para entendermos melhor a situação atual. A palavra remete a um tipo de discurso ou de análise política pragmáticos, menos voltados -em um primeiro momento - para a defesa de posições ideológicas. No discurso político, costuma ser uma arma muito eficaz para empacotar questões ideológicas e fazê-las ganhar apoio; na análise política costuma ser uma forma de o observador se desprender de seu virtuosismo e encarar o sistema político com sua fisiologia sem hipocrisia. 

Bolsonaro não é uma extrema direita distante da nossa realidade. Isso que chamamos de extrema direita bolsonarista é a manifestação de um sentimento popular que se viu intimidado, nos últimos anos, pelo denuncismo dos movimentos identitários. Em especial, é esse o vínculo entre Bolsonaro e muitos evangélicos: uma resposta ao medo. 

Racismo, machismo e homofobia - para citar os três maiores objetos de denúncia de movimentos identitários - foram muitas vezes ligados às práticas tradicionais e, em especial, às práticas religiosas. E essas denúncias encontraram no Judiciário um grande aliado - um aliado institucional.  

Minha hipótese é que essa crescente institucionalização do discurso denuncista identitário (em especial com relação ao machismo e à homofobia) criou um clima de medo entre religiosos, em especial entre os evangélicos os quais i) muitas vezes têm um discurso mais direto e agressivo que católicos e outras religiões; ii) não se veem aliados aos poderes (diferentemente dos católicos que, muito mais institucionalizados, sempre se articularam mais com as instâncias do poder), até mesmo porque a "bancada da bíblia" (a agremiação mais conhecida de evangélicos em uma instância de poder) representa grupos seletos de evangélicos e nunca teve força significativa para emplacar PLs relevantes sozinha. 

Ter um candidato que fala explicitamente em Deus no seu discurso de campanha (e que continua reproduzindo esse discurso, eleito) foi visto como uma chance de aproximar o público evangélico do nível da institucionalização do poder- até porque, mesmo com seu jeito nada cristão, o contra-denuncismo de Bolsonaro se aproxima muito mais do discurso evangélico (dos profetas, obreiros, pastores enfáticos e diretos, etc.) que qualquer outro presidente do Brasil antes dele.  

Enquanto Bolsonaro permanecer com seu chavão "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará", ainda que esteja cometendo um pecado tenebroso de usar a palavra de Deus em vão (em favor próprio e pra enganar gente que quer ser enganada) ele vai ter muito crédito para gastar com o eleitorado evangélico. 

Evangélicos opositores a Bolsonaro (como eu) e outros não religiosos que também querem ver o atual Presidente longe da função de Poder não conseguem, agora, dizer o que esperar de 2022. A aposta é de que a Economia ainda vai ser o fator preponderante. Mas essa aposta ignora o jogo de afetos (o "Banco de Ódio", de ressentimento ou de medo) que parece ter vindo mais à tona nos últimos tempos para remodelar os quadros políticos (e fazer frente, por exemplo, aos avanços do Judiciário). A prova disso - a meu ver - foi o resultado expressivo de Trump nas últimas eleições. Perdeu por pouco, saiu deixando sua marca e, mais importante e triste, saiu deixando claro que seu eleitorado está satisfeito com as opções que apresenta e pouco disposto a migrar para um discurso de centro, de ponderação e de equilíbrio. 

Também duvido que, no Brasil, um discurso de ponderação saia confortável das eleições em 2022, mas, como bom evangélico, a mim me resta orar pelo párea na nossa Presidência ("traz, Deus, a tua Justiça" / "Derrama teu Cálice" / "Profere teu Juízo, ó Criador") e pelo Brasil. 

E que venha 2021