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domingo, 23 de fevereiro de 2014

O breve seculo 20 e o dialogo liberalismo-socialismo - Sergio Fausto

O problema do Brasil não é exatamente  a falta de diálogo entre liberais e socialistas. Não existem, verdadeiramente, liberais no Brasil, mas apenas políticos profissionais "normais", de um lado, e neobolcheviques, de outro. Estes não querem diálogo algum, apenas monopolizar o poder, exibindo o mesmo ódio contra os liberais que os stalinistas exibiam contra os socialistas reformistas nos anos 1920 e 1930. Os neobolcheviques, como seus homólogos comunistas e nazistas dos anos 1930, pretendem fortalecer seu poder, ao estilo da máfia, ou seja, por todos os meios. Eles não hesitarão diante de nada, mas não dispõem (aqui no Brasil pelo menos), de milícias armadas como os totalitários do pré-guerra (e como o regime chavista atualmente na Venezuela). As Forças Armadas não deixariam. Então, eles vão consolidando o poder por outras vias, formas gramscianas, convencendo todos de que são melhores que os demais. Vai ser difícil desalojá-los do poder. O Brasil vai sofrer muito ainda nas mãos dos celerados e aloprados. Quem viveu verá, mas não se pode dizer que eu não avisei...

Paulo Roberto de Almeida

É tempo de acertar contas com o 'curto século 20'

23 de fevereiro de 2014 | 2h 09

Sergio Fausto* - O Estado de S.Paulo
Em 2014 completam-se cem anos do início da 1.ª Guerra Mundial. O conflito foi um divisor de épocas. Eric Hobsbawm, historiador inglês marxista, assinala-o como marco inaugural do "curto século 20". François Furet, historiador francês liberal, escreve que o mundo até ali existente morreu junto com os 15 milhões de pessoas vitimadas pela maior carnificina humana vista até então.
A 1.ª Guerra pôs fim ao "longo século 19", iniciado com a derrota de Napoleão, a formação da Santa Aliança, o fortalecimento da coalizão entre a burguesia industrial nascente e as aristocracias recicladas dos velhos regimes anteriores à Revolução Francesa. Na esteira da guerra, abriu-se a "Era dos Extremos", como Hobsbawm chamou o "curto século 20", marcado pela novidade histórica do aparecimento de sistemas totalitários, de signo oposto, o comunismo e o fascismo (não por acaso, o historiador inglês identifica no colapso da União Soviética o ato final do século passado).
É inegável que a Revolução Russa é filha da guerra de 1914-1918. Sem a ruína do Exército czarista e as privações provocadas pelo conflito os bolcheviques não teriam tomado o Palácio de Inverno em outubro de 1917. O filósofo e historiador francês Élie Halévy foi profético ao escrever, em meio à guerra: "Desfavorável provavelmente às formas liberais do socialismo, ela fortalece, consideravelmente, o socialismo de Estado".
Também a ascensão do nazi-fascismo é indissociável da devastação que a guerra provocou na Europa e do surgimento da "ameaça comunista", representada pela consolidação da União Soviética e pelo seu prestígio entre a esquerda europeia. Prestígio crescente nos anos 20 e 30, apesar das críticas que logo surgiram, na própria esquerda, à ditadura do partido único implantada por Lenin e levada às suas últimas consequências por Stalin.
No Brasil a guerra deu impulso ao primeiro ensaio espontâneo de industrialização por substituição de importações, devido à virtual interrupção do comércio com a Europa. Mais significativos e prolongados, porém, foram os seus efeitos políticos.
A 1.ª Guerra marcou a ascensão definitiva dos Estados Unidos à posição de maior economia, em condições de se tornar igualmente a maior potência militar do planeta, duplo status que a 2.ª Guerra viria confirmar e reforçar, com a União Soviética no polo oposto. A hegemonia americana no Hemisfério Ocidental, de Norte a Sul, tornou-se incontestável. Por outro lado, ao mesmo tempo as ideologias europeias de contestação frontal ao liberalismo encontraram receptividade no Brasil (e na América Latina). Não ganharam adeptos numerosos como em seus locais de origem (o Partido Comunista Brasileiro - PCB -, fundado em 1922, e a Ação Integralista Brasileira, criada dez anos depois, jamais chegaram a ser partidos de massa). A despeito disso, comunistas e integralistas (a versão nativista do fascismo europeu) passaram a ter presença em grupos sociais influentes: profissionais e intelectuais de classe média urbana, em sua maioria, e operários fabris sindicalizados, em menor grau.
Suas ideias antiliberais encontraram pontos de contato e afinidade com o pensamento nacionalista autoritário dominante nos anos 30. Ambos tinham no "artificialismo da democracia liberal-burguesa" um alvo comum. Por esse caminho o fascismo deixou suas marcas no Estado Novo (1937-1945) e, mais tarde, na ditadura militar (1964-1985). Mais distante do poder, o comunismo não imprimiu marcas institucionais tão claras, mas o DNA autoritário do leninismo continuou a se reproduzir ao longo do século 20 no Brasil, mesmo depois de parcialmente expurgado do seu componente totalitário puro e duro, a partir da segunda metade dos anos 50, quando os crimes de Stalin foram revelados e o stalinismo perdeu vigor. Veio então a revolução cubana a dar-lhe novo alento.
A esquerda brasileira paga até hoje um tributo caro à sua incapacidade de se livrar desse DNA antiliberal. Sobram restos mal digeridos de uma herança histórica que parte significativa da esquerda prefere não enfrentar com transparência e honestidade intelectual. Em lugar de um diálogo aberto sobre as contribuições, conflituosamente complementares, do liberalismo e do socialismo democrático às conquistas civilizatórias da humanidade, grande parte da esquerda prefere refugiar-se na pantomima dos punhos erguidos e no ataque robótico ao "neoliberalismo" - como se o liberalismo econômico fosse um só e o liberalismo político, o seu apêndice - e ao "imperialismo americano", como se ainda vivêssemos sob a guerra fria. Ao mesmo tempo, silencia diante de regimes autoritários "de esquerda" e não hesita em agir para enfraquecer processos e instituições que, pertencendo ao liberalismo político clássico em sua origem, se tornaram, pelas lutas sociais, patrimônio das democracias dignas desse nome em qualquer lugar do mundo.
Justiça seja feita a intelectuais eurocomunistas ligados ao antigo PCB que promoveram o debate sobre o liberalismo e o socialismo na primeira metade dos anos 80, ainda na etapa formativa da nova democracia brasileira. No âmbito do PT, principal partido da esquerda brasileira no pós-64, intelectuais como Francisco Weffort fizeram esforço na mesma direção. O debate, porém, foi posto à margem, substituído pelo empenho na organização da máquina partidária e pelo pragmatismo da luta pelo poder. Tampouco o PSDB colaborou para dar densidade a essa discussão, em que pese a contribuição individual de algumas de suas lideranças.
Se queremos construir um pensamento social e político à altura dos desafios deste século, que mal começa e já coloca novas exigências, precisamos retomar o debate apenas ensaiado sobre o liberalismo e o socialismo, com sensibilidade para as suas manifestações especificamente brasileiras, e acertar as nossas contas com "o curto século 20".
*Sergio Fausto é superintendente executivo do iFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University e é membro do Gacint-USP. E-mail: sfausto40@hotmail.com  

domingo, 26 de maio de 2013

Integracao latino-americana e mercosuliana - Sergio Fausto (InfoLatam)


Integração regional: hora de rever os erros e mudar o rumo


Por SERGIO FAUSTO
InfoLatam, 23 Maio 2013

Quando em 2005, Hugo Chávez, Nestor Kirchner e Diego Maradona encenaram a morte da ALCA, em comício paralelo à 4º Cúpula das Américas em Mar del Plata, o Brasil observou à distância, mas satisfeito. Era o que o governo brasileiro queria. Na óptica da política Sul-Sul, a ALCA era anátema. Representaria um projeto de anexação à economia americana. A integração que corresponderia aos interesses nacionais brasileiros seria essencialmente sul-americana, assentada no eixo Brasil, Argentina e Venezuela, nesta ordem.
Essa premissa levou o governo brasileiro a estabelecer relações especiais com Buenos Aires e Caracas. Na longa controvérsia diplomática entre Argentina e Uruguai em torno da instalação de indústrias de papel e celulose na margem uruguaia do rio que divide os dois países, o Brasil lavou as mãos. Nem o bloqueio sistemático de pontes sobre o rio Uruguai por manifestantes argentinos nem as solicitações do então presidente Tabaré Vázquez, temeroso de uma escalada do conflito, convenceram Brasília a assumir a mediação da discórdia, que acabou resolvida na Corte Internacional de Haia, em favor do Uruguai, em 2010.
Em relação à Venezuela, o governo brasileiro esmerou-se na política de dois pesos e duas medidas. Foi brando com Chávez diante de evidências do apoio de seu governo às FARC e duro com a Colômbia, como deveria ser, quando aviões colombianos bombardearam um acampamento da guerrilha no Equador, em 2008. Não disse uma palavra sobre o crescente autoritarismo do “socialismo do século XXI”, mas, invocando a cláusula democrática do Mercosul, foi implacável no apoio à punição ao Paraguai, quando, em 2012, o Senado daquele país votou o impeachment de Fernando Lugo. Seguiu-se a incorporação da Venezuela ao Mercosul, que se processou de maneira atípica e se consumou de modo arbitrário.
Em sua forma atual, o Mercosul reflete a preferência do governo brasileiro, desde Lula, e sobretudo com Dilma, por uma integração externa limitada, pouco exigente em matéria de abertura comercial e estabilidade das regras do jogo e altamente dependente da mediação governamental e do protagonismo do Estado, de suas empresas e de poucas grandes empresas nacionais. Prevalece em Brasília a visão de que o jogo assim armado é favorável ao país. Afinal, o Brasil entra em campo com gigantes como Vale e Petrobras, companhias privadas brasileiras globais e um banco de investimento, o BNDES, sem igual no hemisfério Sul. O objetivo comum de evitar a “subordinação” econômica da região aos Estados Unidos, as afinidades políticas entre governos e a suposta capacidade do Brasil de enquadrar o chavismo e o kirchnerismo dentro de certos limites de racionalidade econômica e prudência política assegurariam a convergência, sob a liderança do Brasil, dos interesses nacionais dos três países.
A realidade se encarregou de mostrar que o “interesse nacional” assim definido tende a misturar negócios privados com políticas de estado e políticas de estado com preferencias político-ideológicas, e que a propalada liderança brasileira é em grande parte ilusória. Nesses últimos anos, Venezuela e Argentina avançaram ininterruptamente na destruição das instituições formais e informais que assegurariam um funcionamento razoavelmente normal e previsível de suas economias e sociedades. E não hesitaram em contrariar os interesses do Brasil quando assim decidiram fazer. Livres do “imperialismo americano”, ambos os países foram submetidos à vontade de um poder nacional estatal exercido de forma personalista e arbitrária. Só isso pode explicar por que a Venezuela, com sua riqueza petroleira, num período de duradoura e exuberante alta dos preços internacionais do petróleo, vive hoje uma crise crônica de escassez de divisas e energia, com desabastecimento de vários produtos e apagões constantes. O mesmo se pode dizer, com diferença de grau apenas, em relação à Argentina, um país que dispõe de amplas reservas de gás natural e petróleo e oferta exportável de bens agropecuários, também favorecidos pelos preços internacionais. E que parece à beira de uma crise cambial.
Empresas brasileiras estão fechando as portas na Argentina. A Vale e a Petrobras descobriram que o apoio do governo brasileiro não é suficiente para proteger os seus interesses no país vizinho. Na Venezuela, grandes empreiteiras brasileiras têm uma carteira de projetos estimada em 20 bilhões de dólares. Só o incerto futuro dirá o retorno que terão esses investimentos. De alguma maneira, o setor privado se ajustará às novas realidades. Empresas desse porte têm capacidade de absorver perdas e redirecionar seus investimentos para lugares mais promissores. Não deveríamos nos preocupar com seus eventuais problemas, a não ser pelo fato de que recursos públicos foram empregados para viabilizar parte significativa de seus investimentos.
Mais importante é reorientar a política externa brasileira para a região, sem jogar fora o bebê com a água do banho. Ela não pode estar dissociada de uma visão mais realista do mundo. O Brasil não precisa reproduzir o modelo de inserção externa adotado por países como Chile, Peru, Colômbia e México. Mas não pode ignorar o fato de que a opção por um modelo ALCA plus Ásia, com múltiplos tratados de livre comércio, maior abertura das economias, maior protagonismo do setor privado e menor discricionariedade governamental vem produzindo resultados consistentemente superiores aos obtidos pela opção por um modelo Mercosul minus ALCA. O que está em jogo não são siglas, mas uma revisão dos pressupostos que têm orientado a agenda de desenvolvimento e inserção externa do país nos últimos dez anos. Não é fazer mais do mesmo, um pouco melhor. É fazer diferente. E isso requer uma nova visão e uma nova liderança política em Brasília.