Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
domingo, 23 de fevereiro de 2014
O breve seculo 20 e o dialogo liberalismo-socialismo - Sergio Fausto
O problema do Brasil não é exatamente a falta de diálogo entre liberais e socialistas. Não existem, verdadeiramente, liberais no Brasil, mas apenas políticos profissionais "normais", de um lado, e neobolcheviques, de outro. Estes não querem diálogo algum, apenas monopolizar o poder, exibindo o mesmo ódio contra os liberais que os stalinistas exibiam contra os socialistas reformistas nos anos 1920 e 1930. Os neobolcheviques, como seus homólogos comunistas e nazistas dos anos 1930, pretendem fortalecer seu poder, ao estilo da máfia, ou seja, por todos os meios. Eles não hesitarão diante de nada, mas não dispõem (aqui no Brasil pelo menos), de milícias armadas como os totalitários do pré-guerra (e como o regime chavista atualmente na Venezuela). As Forças Armadas não deixariam.
domingo, 26 de maio de 2013
Integracao latino-americana e mercosuliana - Sergio Fausto (InfoLatam)
Integração regional: hora de rever os erros e mudar o rumo
Por SERGIO FAUSTO
Essa premissa levou o governo brasileiro a estabelecer relações especiais com Buenos Aires e Caracas. Na longa controvérsia diplomática entre Argentina e Uruguai em torno da instalação de indústrias de papel e celulose na margem uruguaia do rio que divide os dois países, o Brasil lavou as mãos. Nem o bloqueio sistemático de pontes sobre o rio Uruguai por manifestantes argentinos nem as solicitações do então presidente Tabaré Vázquez, temeroso de uma escalada do conflito, convenceram Brasília a assumir a mediação da discórdia, que acabou resolvida na Corte Internacional de Haia, em favor do Uruguai, em 2010.
Em relação à Venezuela, o governo brasileiro esmerou-se na política de dois pesos e duas medidas. Foi brando com Chávez diante de evidências do apoio de seu governo às FARC e duro com a Colômbia, como deveria ser, quando aviões colombianos bombardearam um acampamento da guerrilha no Equador, em 2008. Não disse uma palavra sobre o crescente autoritarismo do “socialismo do século XXI”, mas, invocando a cláusula democrática do Mercosul, foi implacável no apoio à punição ao Paraguai, quando, em 2012, o Senado daquele país votou o impeachment de Fernando Lugo. Seguiu-se a incorporação da Venezuela ao Mercosul, que se processou de maneira atípica e se consumou de modo arbitrário.
Em sua forma atual, o Mercosul reflete a preferência do governo brasileiro, desde Lula, e sobretudo com Dilma, por uma integração externa limitada, pouco exigente em matéria de abertura comercial e estabilidade das regras do jogo e altamente dependente da mediação governamental e do protagonismo do Estado, de suas empresas e de poucas grandes empresas nacionais. Prevalece em Brasília a visão de que o jogo assim armado é favorável ao país. Afinal, o Brasil entra em campo com gigantes como Vale e Petrobras, companhias privadas brasileiras globais e um banco de investimento, o BNDES, sem igual no hemisfério Sul. O objetivo comum de evitar a “subordinação” econômica da região aos Estados Unidos, as afinidades políticas entre governos e a suposta capacidade do Brasil de enquadrar o chavismo e o kirchnerismo dentro de certos limites de racionalidade econômica e prudência política assegurariam a convergência, sob a liderança do Brasil, dos interesses nacionais dos três países.
A realidade se encarregou de mostrar que o “interesse nacional” assim definido tende a misturar negócios privados com políticas de estado e políticas de estado com preferencias político-ideológicas, e que a propalada liderança brasileira é em grande parte ilusória. Nesses últimos anos, Venezuela e Argentina avançaram ininterruptamente na destruição das instituições formais e informais que assegurariam um funcionamento razoavelmente normal e previsível de suas economias e sociedades. E não hesitaram em contrariar os interesses do Brasil quando assim decidiram fazer. Livres do “imperialismo americano”, ambos os países foram submetidos à vontade de um poder nacional estatal exercido de forma personalista e arbitrária. Só isso pode explicar por que a Venezuela, com sua riqueza petroleira, num período de duradoura e exuberante alta dos preços internacionais do petróleo, vive hoje uma crise crônica de escassez de divisas e energia, com desabastecimento de vários produtos e apagões constantes. O mesmo se pode dizer, com diferença de grau apenas, em relação à Argentina, um país que dispõe de amplas reservas de gás natural e petróleo e oferta exportável de bens agropecuários, também favorecidos pelos preços internacionais. E que parece à beira de uma crise cambial.
Empresas brasileiras estão fechando as portas na Argentina. A Vale e a Petrobras descobriram que o apoio do governo brasileiro não é suficiente para proteger os seus interesses no país vizinho. Na Venezuela, grandes empreiteiras brasileiras têm uma carteira de projetos estimada em 20 bilhões de dólares. Só o incerto futuro dirá o retorno que terão esses investimentos. De alguma maneira, o setor privado se ajustará às novas realidades. Empresas desse porte têm capacidade de absorver perdas e redirecionar seus investimentos para lugares mais promissores. Não deveríamos nos preocupar com seus eventuais problemas, a não ser pelo fato de que recursos públicos foram empregados para viabilizar parte significativa de seus investimentos.
Mais importante é reorientar a política externa brasileira para a região, sem jogar fora o bebê com a água do banho. Ela não pode estar dissociada de uma visão mais realista do mundo. O Brasil não precisa reproduzir o modelo de inserção externa adotado por países como Chile, Peru, Colômbia e México. Mas não pode ignorar o fato de que a opção por um modelo ALCA plus Ásia, com múltiplos tratados de livre comércio, maior abertura das economias, maior protagonismo do setor privado e menor discricionariedade governamental vem produzindo resultados consistentemente superiores aos obtidos pela opção por um modelo Mercosul minus ALCA. O que está em jogo não são siglas, mas uma revisão dos pressupostos que têm orientado a agenda de desenvolvimento e inserção externa do país nos últimos dez anos. Não é fazer mais do mesmo, um pouco melhor. É fazer diferente. E isso requer uma nova visão e uma nova liderança política em Brasília.