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domingo, 9 de outubro de 2022

A onda bolsonarista - Simon Schwartzmann em apoio à candidatura Lula

Um novo artigo de Simon Schwartzmann 

A onda bolsonarista

8/10/2022

Como tanta gente, acompanhei surpreso, na noite de 2 de outubro, os números da onda bolsonarista, inesperada não só para os institutos de pesquisa quanto para a grande maioria dos analistas da política brasileira.

O que explica estes resultados, a força ideológica do bolsonarismo, expressão de um conservadorismo persistente que existiria na sociedade brasileira, ou a incapacidade do PT e do ex-presidente Lula de reduzir a rejeição provocada pelos escândalos de corrupção e pela crise econômica que resultou de seus governos? 

O bolsonarismo se alimenta de duas fontes, a agenda ideológica e pseudo moralista de Deus, Pátria e Família, e a descrença generalizada nas instituições políticas do país, além do uso abusivo dos recursos públicos da presidência. Para ver a força da agenda ideológica, um caminho é examinar seu apoio nos meios religiosos.  A pesquisa Latinbarometro, realizada anualmente com uma amostra de cerca de mil pessoas no Brasil, mostrava que, em 2020, a avaliação média do governo de Bolsonaro era 4,5 em uma escala de 0 a 10, ou seja, negativa. Ela subia para 5,1 entre pessoas que se diziam religiosas praticantes, cerca de um terço da amostra, e para 6 ou 7 em alguns grupos específicos, como pentecostais e evangélicos, que são, no entanto, uma minoria. A aprovação subia entre pessoas que se consideram mais ricas, mas não entre as pessoas mais educadas. Se a agenda moralista está associada à religiosidade, pode-se concluir que ela tem um peso, mas relativamente menor.  

Mais importante do que a agenda ideológica é a descrença na democracia e nas instituições. Em 2020, 46% dos brasileiros acreditavam que a democracia é o melhor governo, 13% diziam que um governo autoritário pode ser melhor em certas circunstâncias, e 40% diziam que, para elas, tanto fazia um governo democrático ou não. Em comparação, em 2010 o apoio à democracia era de 61%, e a indiferença era de 17%. Esta deterioração na crença da democracia é maior entre os bolsonaristas, 20% dos quais acreditavam que um governo autoritário poderia ser melhor. Mas a indiferença em relação ao regime democrático era grande entre todos, sobretudo entre os mais pobres, em que chegava próximo a 50%. Isto significa que o argumento de que é preciso defender a democracia contra o bolsonarismo não é suficiente para reduzir seu apoio em grande parte da população. É esta descrença generalizada na democracia e nas instituições, me parece, que explica tantos votos dados a candidatos ao legislativo cujo único mérito foi fazer coro à retórica autoritária do presidente.

A deterioração da crença na democracia se deve, sem dúvida, à crise que levou ao fim dos governos do PT e abriu espaço para a agenda antidemocrática e reacionária de Bolsonaro. O apoio atual de Lula se deve, em parte, à memória de sua imagem e dos benefícios que distribuiu nos primeiros anos de seus governos, sobretudo entre a população mais pobre dos estados do Nordeste, mas ele não conseguiu convencer a muitos mais de que agora seria diferente, e que a agenda democrática tem agora, para ele, a importância que não tinha antes.

Será que, de fato, ele mudou, ou tem condições de mudar? No início da campanha, o apoio de Geraldo Alckmin e uma primeira entrevista reconhecendo a corrupção passada e tentando se distanciar das políticas econômicas desastrosas do governo Dilma parecia indicar uma mudança. Mas o que se viu, sobretudo no último debate, foi o velho Lula, sozinho, tentando fugir das acusações de corrupção e repetindo os números do que havia conseguido nos primeiros anos de vacas gordas de seu governo.  Terminada a apuração, Lula se dirigiu a um palanque na Avenida Paulista com a velha guarda de sempre, inclusive a companheira Dilma, para comemorar a vitória apertada, como se a votação tivesse sido a prova de que nada haviam feito de errado antes. Mas também reconheceu que precisa agora dizer com clareza o que pretende fazer e com quem pretende trabalhar, para manter sua vantagem eleitoral e, sobretudo, não levar o país a uma nova crise, devolvendo o Brasil ao bolsonarismo em 2026.  

Alguns dias antes do primeiro turno, eu havia circulado uma nota defendendo o voto útil a favor de Lula.  Dizia que a grande novidade desta eleição era a candidatura de Simone Tebet, que não nutria nenhum entusiasmo pela candidatura de Lula, mas que levava a sério as repetidas ameaças golpistas do presidente. Era importante decidir logo no primeiro turno, para garantir a democracia; e que depois teríamos que lidar com o que fosse preciso, de forma civilizada.   Acho que consegui convencer a alguns. Outros objetaram que as ameaças golpistas não eram críveis e que seria melhor para o país ter um segundo turno, em que Lula fosse levado a dizer a que veio e negociar um acordo amplo para conseguir vencer, do que dar-lhe a carta branca de uma vitória no primeiro. O voto útil veio, mas a favor de Bolsonaro.Agora é a hora de Lula acabar de entender que o passado não tem volta, e ajudar a abrir caminho para um país com esperanças renovadas.


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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Simon Schwartzmann sobre Edmar Bacha e Bolivar Lamounier

Sobre: Edmar Bacha, No país dos contrastes, Selo Real, 2021; 

Bolívar Lamounier, De onde, para onde, Global, 2018; Antes que me esqueça, Desconcertos, 2021 

Mineiros autênticos

Simon Schwartzmann

 O Estado de São Paulo, 10 de dezembro de 2021

Diferentes de mim, Bolívar Lamounier e Edmar Bacha, que acabam de publicar suas histórias[1], são mineiros de verdade.  Bolívar nasceu em Dores do Indaiá, e lembra com afeto as casas coloniais, as pescarias no rio e o isolamento que fazia da cidade parte do sertão mineiro. Edmar lembra da pequena Lambari do Sul de Minas, do sobrado em que morava, do sanduíche que comia no Bar do Juca e do apito do trem que chegava à cidade ao anoitecer.  

Foi em Dores, nos anos 20, que Francisco Campos fundou uma Escola Normal, uma das primeiras do país, onde a mãe se formou como professora rural e na qual matriculou o filho para estudar nas “classes anexas” em que a melhor pedagogia da época era adotada. O pai era um pequeno fazendeiro e comerciante, da família Lamounier de Itapecerica que incluía médicos, políticos e músicos. 

Lambari, em comparação, era uma cidade mais moderna, parte do “circuito das águas” que recebia os turistas das cidades grandes em seus hotéis e cassinos. Do lado da mãe, que era diretora da escola local, Edmar vem de uma família de origem portuguesa, os Lisboa, na qual o culto da literatura era personificado na tia Henriqueta. Os Bacha são de origem libanesa, que começaram a chegar ao Brasil no final do século 19 em busca de novas oportunidades. Ambas as famílias se mudaram para Belo Horizonte e, no início dos anos 60, Bolívar e Edmar se encontraram na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, um no curso de sociologia e política, outro em economia.

Nenhum fazia parte da “tradicional família mineira” que controlava a política, as terras e os recursos do Estado. Nem da grande massa, incluindo antigos escravizados que, terminado o ciclo do ouro do século 18, ficou isolada nas pequenas aldeias e roças do interior, em uma economia que mal garantia a sobrevivência. Mas faziam parte de um grupo significativo de pessoas que, pelo empreendedorismo e sobretudo pela educação, buscavam participar do progresso que emanava do Rio de Janeiro e São Paulo e aos poucos, pelo rádio pelas estradas, ia chegando ao interior, atraindo os mais inquietos, ou mais necessitados, para as capitais. Eram, pode-se dizer com algum exagero, sucessores dos aventureiros que vieram para Minas em busca do ouro, participaram da Inconfidência, escreviam poesia e liam às escondidas os livros proibidos da imensa biblioteca do cônego de Mariana.

Estudar sociologia, política e economia era também sair da rota tradicional dos cursos de direito, medicina e engenharia, preferidos pelos filhos das famílias tradicionais. A Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, com seu programa de bolsas de estudo, criou entre os estudantes um ambiente efervescente em que novas ideias e estilos de vida eram experimentados, a militância política atraia a quase todos, e de onde tantos saíram para voos mais altos. Bolívar e Edmar, nos anos 60, foram entre os primeiros cientistas sociais brasileiros a partir para os modernos cursos de doutorado nos Estados Unidos – Universidade da Califórnia e Yale – rompendo com a tradição francesa que predominava na geração mais velha. 

De volta ao Brasil, nos anos 70, ajudaram a organizar novos cursos de pós-graduação que iriam formar as futuras gerações – o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, por Bolívar, e o departamento de economia da Universidade de Brasília, por Edmar. Mais tarde Bolívar ajudou a organizar o CEBRAP, dirigido por Fernando Henrique Cardoso, e depois fundou o IDESP, outro instituto independente de pesquisas sociais em São Paulo. Edmar, depois de Brasília, foi um dos fundadores do curso de pós-graduação em economia da PUC do Rio de Janeiro.

Mas foi na produção intelectual e na vida pública que ambos deram continuidade à inquietação mineira que traziam das origens. Bolívar, ainda estudante, participou dos movimentos estudantis, chegou a ser preso pela ditatura militar, e escreveu sua tese de doutorado criticando a tradição autoritária dos intelectuais brasileiros, à direita e à esquerda. Fez parte da Comissão Afonso Arinos, que na década de 80 procurou produzir, para o Brasil, uma Constituição moderna e fundada em princípios de justiça social e liberdade econômica, e em seus inúmeros livros e artigos, foi sempre um defensor da democracia parlamentarista. Edmar, que no início se aproximou dos economistas desenvolvimentistas como Celso Furtado, passou depois a dar prioridade aos temas da liberdade e abertura da economia e do Estado eficiente, como os melhores caminhos para sair do círculo vicioso do atraso, da desigualdade e da pobreza. Foi presidente do IBGE, de onde, nos anos 80, participou do frustrado Pano Cruzado, e finalmente, nos anos 90, foi um dos principais organizadores e mentores intelectuais do Plano Real. 

É um conforto ver que ambos continuam remando contra a corrente, escrevendo e falando na busca dos melhores caminhos para o Brasil moderno, que ainda acham viável, se livre das tentações populistas e reacionárias que mobilizam a tantos. Autênticos mineiros.


[1] Edmar Bacha, No país dos contrastes, Selo Real, 2021; Bolívar Lamounier, De onde, para onde, Global, 2018; Antes que me esqueça, Desconcertos, 2021