Um novo artigo de Simon Schwartzmann
A onda bolsonarista
8/10/2022
Como tanta gente, acompanhei surpreso, na noite de 2 de outubro, os números da onda bolsonarista, inesperada não só para os institutos de pesquisa quanto para a grande maioria dos analistas da política brasileira.
O que explica estes resultados, a força ideológica do bolsonarismo, expressão de um conservadorismo persistente que existiria na sociedade brasileira, ou a incapacidade do PT e do ex-presidente Lula de reduzir a rejeição provocada pelos escândalos de corrupção e pela crise econômica que resultou de seus governos?
O bolsonarismo se alimenta de duas fontes, a agenda ideológica e pseudo moralista de Deus, Pátria e Família, e a descrença generalizada nas instituições políticas do país, além do uso abusivo dos recursos públicos da presidência. Para ver a força da agenda ideológica, um caminho é examinar seu apoio nos meios religiosos. A pesquisa Latinbarometro, realizada anualmente com uma amostra de cerca de mil pessoas no Brasil, mostrava que, em 2020, a avaliação média do governo de Bolsonaro era 4,5 em uma escala de 0 a 10, ou seja, negativa. Ela subia para 5,1 entre pessoas que se diziam religiosas praticantes, cerca de um terço da amostra, e para 6 ou 7 em alguns grupos específicos, como pentecostais e evangélicos, que são, no entanto, uma minoria. A aprovação subia entre pessoas que se consideram mais ricas, mas não entre as pessoas mais educadas. Se a agenda moralista está associada à religiosidade, pode-se concluir que ela tem um peso, mas relativamente menor.
Mais importante do que a agenda ideológica é a descrença na democracia e nas instituições. Em 2020, 46% dos brasileiros acreditavam que a democracia é o melhor governo, 13% diziam que um governo autoritário pode ser melhor em certas circunstâncias, e 40% diziam que, para elas, tanto fazia um governo democrático ou não. Em comparação, em 2010 o apoio à democracia era de 61%, e a indiferença era de 17%. Esta deterioração na crença da democracia é maior entre os bolsonaristas, 20% dos quais acreditavam que um governo autoritário poderia ser melhor. Mas a indiferença em relação ao regime democrático era grande entre todos, sobretudo entre os mais pobres, em que chegava próximo a 50%. Isto significa que o argumento de que é preciso defender a democracia contra o bolsonarismo não é suficiente para reduzir seu apoio em grande parte da população. É esta descrença generalizada na democracia e nas instituições, me parece, que explica tantos votos dados a candidatos ao legislativo cujo único mérito foi fazer coro à retórica autoritária do presidente.
A deterioração da crença na democracia se deve, sem dúvida, à crise que levou ao fim dos governos do PT e abriu espaço para a agenda antidemocrática e reacionária de Bolsonaro. O apoio atual de Lula se deve, em parte, à memória de sua imagem e dos benefícios que distribuiu nos primeiros anos de seus governos, sobretudo entre a população mais pobre dos estados do Nordeste, mas ele não conseguiu convencer a muitos mais de que agora seria diferente, e que a agenda democrática tem agora, para ele, a importância que não tinha antes.
Será que, de fato, ele mudou, ou tem condições de mudar? No início da campanha, o apoio de Geraldo Alckmin e uma primeira entrevista reconhecendo a corrupção passada e tentando se distanciar das políticas econômicas desastrosas do governo Dilma parecia indicar uma mudança. Mas o que se viu, sobretudo no último debate, foi o velho Lula, sozinho, tentando fugir das acusações de corrupção e repetindo os números do que havia conseguido nos primeiros anos de vacas gordas de seu governo. Terminada a apuração, Lula se dirigiu a um palanque na Avenida Paulista com a velha guarda de sempre, inclusive a companheira Dilma, para comemorar a vitória apertada, como se a votação tivesse sido a prova de que nada haviam feito de errado antes. Mas também reconheceu que precisa agora dizer com clareza o que pretende fazer e com quem pretende trabalhar, para manter sua vantagem eleitoral e, sobretudo, não levar o país a uma nova crise, devolvendo o Brasil ao bolsonarismo em 2026.
Alguns dias antes do primeiro turno, eu havia circulado uma nota defendendo o voto útil a favor de Lula. Dizia que a grande novidade desta eleição era a candidatura de Simone Tebet, que não nutria nenhum entusiasmo pela candidatura de Lula, mas que levava a sério as repetidas ameaças golpistas do presidente. Era importante decidir logo no primeiro turno, para garantir a democracia; e que depois teríamos que lidar com o que fosse preciso, de forma civilizada. Acho que consegui convencer a alguns. Outros objetaram que as ameaças golpistas não eram críveis e que seria melhor para o país ter um segundo turno, em que Lula fosse levado a dizer a que veio e negociar um acordo amplo para conseguir vencer, do que dar-lhe a carta branca de uma vitória no primeiro. O voto útil veio, mas a favor de Bolsonaro.Agora é a hora de Lula acabar de entender que o passado não tem volta, e ajudar a abrir caminho para um país com esperanças renovadas.
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