Reflexões ao léu: A falta que faz um
bobo da corte
Paulo Roberto de Almeida
Rezam as lendas, não sei se verdadeiras,
que os reinos antigos possuíam, em suas cortes, um personagem bizarro, e como
tal vestido, cuja função era a de distrair o rei, e os seus convivas. Ele assim o fazia, cantando e dançando, recitando poesias, mas também fazendo
troças com o próprio rei, uma maneira de mostrar que mesmo o mais poderoso dos
homens podia cometer erros e permitia que outros apontassem seus equívocos.
Artistas dessa qualidade efetivamente existiram, como relatado em antigas
crônicas medievais e do início da era moderna, mas não se sabe exatamente até
onde iam seus poderes “constitucionais” de desafiar a sabedoria do rei, ou até
de zombar de sua figura, e de seus atos, na presença de convivas, outros
membros da corte, ou até de visitantes estrangeiros. Alguns podem ter pago com
a vida gestos e palavras mais ousados, ou críticas mais severas, disfarçadas
como zombarias.
Qualquer que seja a realidade
histórica desse tipo de personagem, reconheçamos que se trata de uma figura
necessária em certos reinos, ou pelo menos em certas cortes, caracterizadas
pela prepotência de seus mandatários, ou pela arrogância dos soberanos e de
seus mandarins mais próximos. Um bobo da corte poderia, por exemplo, atuar como
conselheiro presidencial, sempre encarregado de alertar para as consequências
eventualmente funestas, ou contra-produtivas, de determinadas decisões, algo
que alguns ministros mais medrosos não ousam fazer, temendo pela sua sorte, ou
mais exatamente pelo seu cargo, já que não parece ser ainda costume mandar
executar um auxiliar recalcitrante ou oposto a certas medidas do soberano (ou
soberana, que também as há). Em todo caso, temos a clara percepção que um bobo
da corte faria muito bem em circunstâncias de grandes conflitos entre os
poderes, entre políticas contraditórias, entre recomendações divergentes que
acrescentam ainda mais à instabilidade latente de todo poder muito concentrado,
dificultando assim a tal de governabilidade.
Sem pretender me candidatar ao posto
– longe disso – tenho a nítida impressão de que o Brasil está precisando de um
bobo da corte, um verdadeiro, independente, livre e inimputável. O que existe
atualmente parece que já não serve mais...
Hartford, 13 de março de 2014