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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 17 de outubro de 2023

J. R. Guzzo esquece que sob o bolsolavismo o Itamaraty já tinha sido deformado (Gazeta do Povo)

 Esta “crônica” tem parcialmente razão, mas esquece de dizer que sob o bolsonarismo a deformação do Itamaraty, que começou com Lula 1, foi terrivelmente destruidora dos padrões civiluzados com os idiotas bolsonaristas.

Guzzo é um deformado ele mesmo.

Paulo Roberto de Almeida 

Itamaraty está subordinado aos interesses de tiranias e terroristas

J.R. Guzzo

Gazeta do Povo, 17/10/2023


O Ministério de Relações Exteriores do Brasil deixou de ser um órgão de Estado, encarregado legalmente de representar o país e defender os seus interesses fora das fronteiras nacionais. Deixou, também, de ser uma organização técnica, profissional e com uma longa reputação de competência diplomática. Hoje, no governo Lula, é uma facção política que promove os interesses ideológicos individuais dos grupos de esquerda mais radicais que controlam a máquina pública. Não é mais uma instituição nacional. Foi transformada em partido – deixou de servir o Brasil e passou a servir “causas”.


Essa degeneração, presente desde o último dia 1º de janeiro, chega agora a seu nível mais extremo: é o apoio virtual do governo Lula, disfarçado de “neutralidade”, aos ataques terroristas contra Israel por parte da organização criminosa que age como representante do “povo palestino”. Diante de crimes brutais contra a população civil israelense, condenados por todas as democracias do mundo, o Brasil pede que os “dois lados” cessem as “hostilidades” – como se tivessem os mesmos méritos e não houvesse um agredido e um agressor.


O verdadeiro ministro do Exterior, e responsável por todas as decisões relevantes que são tomadas lá, é um militante político de esquerda que serve como “assessor internacional” de Lula. O ministro oficial é uma espécie de Simone Tebet do Itamaraty; mal se sabe o seu nome. Quem aparece nas manchetes, nas fotos ao lado do presidente, nas viagens do primeiro casal ao redor do mundo, é sempre o outro – e esse outro é um esquerdista de butique que continua vivendo em 1960, fala em “anti-imperialismo” e festeja até hoje o lançamento do Sputnik.


Suas ideias em matéria de política externa são um concentrado do que se poderia ouvir numa assembleia de centro acadêmico estudantil. Ele acredita que a função estratégica número 1 da diplomacia brasileira é fazer oposição sistemática aos Estados Unidos, em primeiro lugar, e ao capitalismo em geral, logo em seguida. Sob o seu comando, o Itamaraty renunciou ao Brasil. As decisões diplomáticas, lá, têm se ser aprovadas pelo MST, pelos núcleos “anti-imperialistas” do PT, pela UNE e por coisas parecidas.


A “Palestina”, nesse ecossistema, tornou-se uma palavra-chave para a política externa brasileira de hoje. O chanceler efetivo é um antigo militante pró Hamas, e das organizações que vieram antes dele – grupos que exigem, oficialmente, a extinção física do Estado de Israel e dizem que todos os judeus que estão lá deveriam ser jogados “no mar”. O resto da atuação internacional do Brasil é o que se vê todos os dias: hostilidade automática aos Estados Unidos, à Europa e ao mundo democrático, e apoio automático a tudo e a todos que sejam de alguma forma contra eles.


O Brasil de Lula e do seu ministro-assessor não deve se aproximar dos “países capitalistas”, das economias livres e das esferas de prosperidade. Nossos amigos têm de ser a “Palestina”, com toda a selvageria do Hamas, ou o Irã, que lhe entrega armas e dólares e foi declarado como Estado terrorista por todas as nações democráticas. Nossos aliados têm de ser o ditador da Venezuela, que é procurado pela polícia internacional por tráfico de drogas, com um prêmio de 15 milhões de dólares por sua captura. Têm de ser Cuba e Nicarágua. Têm de ser as ditaduras da África. O Brasil não tem uma “política externa independente”. É um aliado que se subordina cada vez mais aos interesses de tiranias, organizações terroristas e criminosos de guerra.

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/jr-guzzo/itamaraty-interesses-tiranias-terroristas-hamas-palestina/

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sábado, 1 de maio de 2021

Meu próximo livro: O Itamaraty sob ataque, 2018-2021: A destruição da diplomacia pelo bolsolavismo - Paulo Roberto de Almeida

Meu próximo livro: 



O Itamaraty sob ataque, 2018-2021

A destruição da diplomacia pelo bolsolavismo 

 

 

Prefácio

 

1. Ascensão e queda do bolsolavismo diplomático, 2018-2021

1.1. O ataque dos novos bárbaros ao Itamaraty

1.2. Novamente no limbo, analisando o bolsolavismo diplomático

1.3. A patética carta de demissão do chanceler acidental

 

2. Degradação democrática e demolição diplomática

2.1. O destino da nação: declínio ou renovação da democracia brasileira?

2.2. A História não se repete, nem mesmo como farsa

2.3. O que fazer na ausência de um estadista circunstancial?

2.4. Uma inédita ruptura nos padrões tradicionais da política externa 

2.5. O alinhamento automático ao presidente Trump: um escândalo temporário

2.6. A hostilidade em relação à China como critério da identidade comum

2.7. O isolamento na esfera internacional e no contexto regional

2.8. O caso da tecnologia 5G: prejuízos reais em qualquer hipótese

2.9. O caso da Amazônia: uma extraordinária vocação para o erro

2.10. A postura no caso da pandemia da COVID: negacionismo em toda a linha

2.11. Uma nova Idade das Trevas?

 

3. Submissão ao Império e relações com os vizinhos regionais

3.1. A importância da descontinuidade, em circunstâncias inéditas

3.2. A importância histórica das relações regionais e hemisféricas

3.3. Da aliança não escrita aos impasses políticos e econômicos

3.4. Bolsonaro e uma inédita relação de alinhamento sem barganha

3.5. A desintegração regional e o desalinhamento com os vizinhos 

3.6. Qual o futuro da integração, do Mercosul, da política externa brasileira?

 

4. Um novo animal na paisagem: o globalismo e os seus descontentes

4.1. O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial

4.2. Dos antiglobalizadores aos antiglobalistas?

4.3. À la recherche du globalisme perdu

4.4. Os nacionalismos canhestros: genitores do antiglobalismo irracional

 

5. Um “balanço” desequilibrado: a despedida do chanceler acidental

5.1. Ascensão e queda de um capacho exemplar

5.2. O “balanço” e o seu oposto: mentiras, falácias e falcatruas 

5.3. A justificativa prolixa e a declaração de política objetiva

 

6. Quo vadis, Brasil? 

6.1. Estaríamos enfrentando uma fase tendencial de declínio?

6.2. O que é verdadeiramente estratégico na vida da nação? 

6.3. Quão baixo, quão fundo, uma sociedade pode descer?

6.4. Um “exército de ocupação” interno? 

6.5. Sobre os descaminhos do Brasil atual

 

Apêndices

Sumários dos livros do ciclo do bolsolavismo diplomático

(1) Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty

(2) O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira

(3) Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira

(4) O Itamaraty sob ataque, 2018-2021: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo

(5) Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira

 

Livros publicados pelo autor

Nota sobre o autor 


Este livro é dedicado a todos os meus colegas do corpo da diplomacia profissional do Serviço Exterior brasileiro, que tiveram de suportar, durante dois anos e alguns meses, a mais esquizofrênica das diplomacias imagináveis, seja na já longa trajetória da política externa brasileira, desde a Independência, seja no plano da diplomacia mundial, absolutamente sem precedentes em nossa história (e, espera-se, sem sucedâneas), ou na comparação com qualquer outra diplomacia nacional, no contexto regional ou em âmbito mundial. A todos esses colegas, de todas as classes, condições e opiniões sobre a substância do que deveria ser a política externa brasileira, meus cumprimentos pela resiliência, pela persistência e pela resistência, ainda que de maneira silenciosa e discreta. Creio ter interpretado o sentimento da maioria deles, mesmo quando discordaram de minha postura e de meu posicionamento em face do horror que vivemos desde o final de 2018 até o início de 2021. 


Prefácio ao livro 

O Itamaraty sob ataque, 2018-2021: 

a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo

  

Paulo Roberto de Almeida 

 

Pretendo que este seja o meu “último” livro, não absolutamente, mas relativamente, e isto a dois títulos: ele tem o objetivo de concluir a série dos livros de debate, ou de “combate”, do ciclo que chamei de “diplomacia bolsolavista”, iniciada de maneira improvisada e que assim continuou por mais quatro exemplares da série, mas tendo sido retirado, para tornar-se obra independente, de conjuntura, de um outro livro que já estava em preparação, e que comporta igualmente ensaios de natureza mais conceitual, ou estrutural; esse outro deve ser publicado em formato impresso, ao contrário deste, que segue a tendência adotada pelos demais deste ciclo “que não deveria existir”, que o foram em formato digital.

Explico rapidamente o que já está exposto no primeiro capítulo desta obra, que retraça a própria trajetória do bolsolavismo diplomático, um experimento alucinante e alucinado de bizarrices no âmbito da política externa, e que durou do início do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, até o mês de março de 2021, quando o chanceler acidental é levado a se demitir, por absoluta falta de condições políticas para continuar no cargo, mesmo dispondo de todo o apoio do presidente (e contra a sua vontade): o que ocorreu, de fato, foi um veto praticamente unânime dos senadores à sua continuidade na função, sob ameaça de paralisia dos trâmites legislativos interessando ao Itamaraty. 

Na verdade, esse período pode se estendido para trás e para frente, no seguinte sentido: os preparativos para “revolucionar” a diplomacia e a política externa do Brasil começaram bem antes, em articulações no seio de um grupo restrito de amadores (de fato, ineptos completos) em temas de política externa, de relações exteriores do Brasil e de política internacional, em geral, que tinham a real intenção de alterar as bases fundamentais de atuação das relações externas do Brasil com base em concepções simplórias, em teorias conspiratórias, em ideologias de extrema-direita, ou mais propriamente reacionárias, que se vinculavam à visão do mundo de ultra-conservadores dos Estados Unidos e, mais especialmente, ao anticomunismo primário e exacerbado do polemista que passa por guru presidencial, Olavo de Carvalho; esse pretenso intelectual cercou-se de um pequeno grupo de fieis devotos, alguns até fanáticos de seu fundamentalismo anticomunista, passando a preparar o que eu chamei de “assalto ao Itamaraty” desde 2017, quando ganharam a adesão de alguns diplomatas profissionais, com articulações mais efetivas no decorrer de 2018, quando o adesista oportunista passou a trabalhar de modo intenso, ainda que clandestinamente, em prol do candidato vencedor nas eleições de outubro desse ano. Imediatamente após a vitória do candidato de extrema-direita, o chanceler designado passou a atacar de forma vergonhosa o Itamaraty e os diplomatas profissionais, como se todos tivessem sido coniventes com o “marxismo cultural”, com o lulopetismo e outros desvios esquerdistas, e até mesmo progressistas, na visão dos alucinados. 

Mas o período também pode ser estendido para a frente, ou seja, sem um corte definitivo na demissão do chanceler acidental, em 29 de março de 2021, na medida em que os responsáveis pelo “furacão” iniciado em 2018 continuam de certo modo no comando da política externa e detendo alavancas de atuação no próprio Itamaraty, o que assegura a sobrevivência, pelo menos parcial, de algumas concepções olavista ou “bolsonaristas” (as aspas se justificam pelo fato de que o próprio presidente tem demonstrado uma incapacidade notória para compreender o mundo exterior e de situar o Brasil nesse contexto). Trata-se de um quadro ainda preocupante, ainda que as “alucinações exteriores” do chanceler acidental não mais disponham da base operacional que lhe foi atribuída desde novembro de 2018; o personagem em questão pretende ainda continuar influenciado, senão a política externa, pelo menos um número indeterminado de seguidores, com o objetivo de manter o Brasil vinculado a essa visão do mundo ultra-conservadora.

Disse que este livro e todos os demais deste ciclo impropriamente chamado de “bolsolavismo diplomático” não deveriam existir pelo fato de que eles nunca integraram projetos definidos de trabalho, e estão de certo modo afastados de minhas concepções relativamente bem organizadas de produção intelectual: pesquisa, leituras extensas, inserção num planejamento de elaboração, redação sistemática de acordo a um esquema previamente estabelecido, culminando numa eventual publicação se por acaso encontram alguma editora complacente (embora eles tenham adotado a via mais fácil e acessível do e-book). Eles surgiram sempre como reação não planejada à obra de destruição que estava sendo conduzida não só no Itamaraty, mas contra o próprio Brasil, representada pela deformação completa de nossas tradições diplomáticas, assim como da própria política externa, num sentido prejudicial aos interesses nacionais, pois que respondendo unicamente a concepções equivocadas do mundo, sob a influência de ideologias esquizofrênicas. 

Foi assim que surgiu o primeiro, Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, em meados de 2019, praticamente de improviso, feito com base em notas e comentários que passei a fazer ao contemplar – já “liberado” de qualquer função na Secretaria de Estado desde o início desse ano – as loucuras que vinham sendo perpetradas na (e contra uma) instituição das mais respeitadas na burocracia federal e até admirada por vizinhos e outros parceiros externos, dada a qualidade de seu capital humana. Para ser mais preciso, o que mais me angustiava não era tanto os ataques ao Itamaraty – conceito que adotei para título deste quarto livro do ciclo –, pois considero que a diplomacia profissional será perfeitamente capaz de recuperar sua alta qualidade no desempenho de suas funções, uma vez libertada dos “novos bárbaros” que a dominam temporariamente. O mais preocupante foi constatar o prejuízo real, ou potencial, aos interesses nacionais, em decorrência das ações, omissões e deformações que estavam sendo infringidas às políticas setoriais vinculadas à interface externa da ação do Estado (em comércio, em meio ambiente, em direitos humanos, em integração, enfim, um pouco em todas as vertentes da ação internacional do país). 

Ao início, se tinha a esperança de que pressões de militares, de representantes do agronegócio, dos interesses econômicos em geral, assim como da própria classe política, seriam capazes de corrigir, coagir, restringir, fazer retroceder as alucinações exteriores mais estapafúrdias, mas não foi o que ocorreu; ao contrário, recalcitrantes ou divergentes do governo foram sendo eliminados ou afastados e o Brasil parecia navegar satisfeito numa aliança com um punhado diminuto de “aliados” da direita conservadora, em especial, numa submissão vergonhosa ao dirigente bizarro do principal parceiro hemisférico. Estabeleceu-se uma virtual unanimidade na opinião pública contra uma política externa esquizofrênica, o que me levou a prosseguir no meu combate solitário contra a diplomacia “bolsolavista” (esse conceito define muito mal o verdadeiro caos que passou a vigorar na política externa brasileira e na ação de uma diplomacia isolada do mundo, dos interesses nacionais do Brasil e do próprio corpo profissional do Itamaraty). Dei prosseguimento, portanto, ao meu segundo volume do ciclo, O Itamaraty num labirinto de sombras (2020), assim como ao terceiro, Uma certa ideia do Itamaraty (2020), já focado num trabalho de reconstrução da política externa e de restauração da diplomacia profissional, um exercício que também tentei conduzir de modo discreto entre colegas de carreira, sem contudo obter as reações esperadas (já estávamos em meio à pandemia, quando o ritmo normal de trabalho ficou bastante alterado, tanto na Secretaria de Estado quanto nos postos no exterior). 

Todos esses livros, assim como um quinto (ainda em fase de publicação), têm seus sumários reproduzidos num dos apêndices da presente obra, e estão relativamente acessíveis aos interessados em plataformas de interação acadêmica ou no formato Kindle; a lista quase completa de meus livros figura num outro apêndice, assim como dezenas de ensaios, notas e artigos encontram-se livremente disponíveis em minhas ferramentas de comunicação social. Este é, portanto, o “último” livro de um ciclo que não deveria – salvo desastre maior – ter continuidade em meu planejamento normal de trabalhos, com diversos outros projetos parados em meu pipeline contínuo de produção intelectual. Salvo “necessidades” de alguma outra oportunidade de “combate político”, pretendo dedicar-me a trabalhos mais consistentes no plano conceitual, deixando de lado estes escritos que só emergiram em face de desafios inéditos em nossa trajetória diplomática. Com efeito, o que ocorreu no Brasil, e para a sua diplomacia profissional, entre o final de 2018 e o início de 2021, não tem precedentes em nossa história bissecular, e espera-se que não deixe um legado ou alguma semente dotada  das distorções registradas nesse insólito período. 

Este trabalho de resistência intelectual ao “ataque” conduzido contra o Itamaraty, e ao próprio Brasil, não foi isento de custos pessoais e funcionais, como sabem todos aqueles que acompanham minha produção intelectual e o meu mais recente ativismo (involuntário) nas redes de comunicação social, sempre com o objetivo de reagir aos despautérios e loucuras dos “novos bárbaros”. Coloquei essa missão de combate aos aloprados da “bolsodiplomacia” acima de meus interesses pessoais, pois que ainda me encontro no serviço ativo, embora sem qualquer função útil na instituição que é minha desde o período final do regime militar. 

Tal situação não é inédita, pois tenho certa experiência em ostracismos e estágios no limbo. Meu primeiro exílio, voluntário, ocorreu justamente durante a ditadura militar, quando completei minha formação acadêmica durante os anos de estudo intenso em universidades europeias. Depois, já na carreira, enfrentei algumas tribulações, pelo fato de nunca eximir de expressar meu pensamento, seja por escrito, seja diretamente em situações de processo decisório no desempenho de funções diplomáticas; mais impactante foi a longa “travessia no deserto” durante o período do lulopetismo diplomático, com o qual eu também mantinha minhas diferenças de visão diplomática e de prioridades na política externa. 

Aproveitei aquele período para escrever alguns livros, a partir do bom ambiente de estudos e pesquisas da biblioteca do Itamaraty, o que nada mais era do que a continuidade da prática de frequentar bibliotecas, livrarias e arquivos, que sempre mantive nos mais diferentes países e universidades. É o que eu estaria fazendo atualmente, não fosse a quarentena forçada da pandemia, o que aliás me levou a um acréscimo de produtividade no trabalho intelectual, tanto pelo maior tempo disponível para leituras e escritos, como em virtude da disseminação quase alucinantes das interações pelas vias das ferramentas de comunicação social, que multiplicaram extraordinariamente os apelos e incentivos a debates virtuais. Tais novas “metodologias” de comunicação vieram para ficar, mesmo depois de passada a pandemia.

Atualmente, estou planejando voltar aos meus trabalhos de pesquisa histórica e de reflexão comparativa sobre o processo de desenvolvimento brasileira no contexto mundial, mas estarei sempre atento às “surpresas” – de qualquer tipo – que surgirem na frente da diplomacia brasileira e de sua política externa, assim como totalmente disponível para missões temporárias ou designações formais para as quais possa ser indicado. Tendo passado quatro décadas de minha vida no acompanhamento ativo de nossas relações internacionais, tanto no plano do estudo como no terreno prático, tenho prevista a elaboração de mais algumas obras com certo sentido de permanência. Não é certamente o caso desta aqui, ou das demais deste ciclo, que responderam apenas a um desafio da conjuntura. A bem refletir, porém, uma reflexão ponderada sobre “sobressaltos” institucionais, terremotos políticos ou bizarrices eventuais, como os que enfrentamos na presente fase, sempre oferecerá matéria prima para mais alguma obra inserida em nossa trajetória histórica, ainda que o desejo de todos nós é o de que, assim como o experimento do bolsolavismo diplomático não encontra precedentes nesse itinerário, ele não tenha sucedâneos no futuro previsível.

Com isso, dou por temporariamente encerrado este ciclo de esgrima intelectual contra a malta dos “novos bárbaros”, prontificando-me a voltar sempre quando novos desafios surgirem no horizonte das possibilidades políticas de um país em franco processo de transição para novas configurações institucionais. Vale!

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3902, 1º  de maio de 2021

 

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Ascensão e queda do deus do bolsolavismo - Hussein Kalout (OESP)

 Ascensão e queda do deus do bolsolavismo

Derrota de Trump é oportunidade única de realizar ajuste de rumos em nossa inserção internacional

Hussein Kalout

O Estado de S.Paulo09/11/2020


Qual a melhor imagem para descrever o efeito da eleição de Biden, ou melhor, da derrota de Trump para o Brasil? Depende, claro, se analisamos da perspectiva do atual governo brasileiro ou dos interesses mais amplos do país. Do ponto de vista da “política externa” vigente, a casa caiu, ficamos sem chão.

O deus de Ernesto, ainda que não tenha morrido, saiu de cena. No entanto, se olhamos da ótica dos interesses brasileiros, trata-se de oportunidade única de realizar ajuste de rumos em nossa inserção internacional. Oportunidade que precisa ser aproveitada com urgência, sob pena de se agravar o isolamento ao qual a atual diplomacia destrambelhada nos relegou.

Sem Trump para emular e nos salvar do isolamento completo, deixam de ser ativos atuar como trumpista empedernido, escrever loas ao suposto salvador do Ocidente ou posar de defensor número 1 das políticas unilaterais daquele senhor em nome de afinidades ideológicas transcendentes. Melhor dizendo, esses ativos viram moeda podre no mercado político, sem conversibilidade.

Assim, o atual chanceler terá de se reinventar para provar capacidade de conduzir a diplomacia brasileira, estando doravante fora de sua zona de conforto – diminuta e apequenada, é verdade, mas com liberdade até agora para brincar de ajudante do salvador do Ocidente, para desespero dos adultos na sala.

Não mais. O tempo das brincadeiras com coisa séria vai ficar para trás. Na ausência do ativo antes valorizado - e hoje mais próximo das notas do Banco Imobiliário da Estrela -, será preciso que nossa diplomacia retome algo de suas características passadas, recuperando uma leitura racional do mundo, para projetar e defender os reais interesses do país, seja dos setores produtivos, seja da cidadania em seu conjunto.

Um país das dimensões do Brasil não pode se dar ao luxo de cavar a própria cova e ignorar a necessidade de criar um ambiente propício à cooperação com o novo governo americano, enquanto alguns de seus ministros desempenham o papel ridículo de seguidores da igreja que tem Trump como guia.

Desse modo, a vitória de Biden deveria (espera-se) puxar de volta nossa diplomacia da estratosfera lunática à terra firme, injetando-lhe dose cavalar de realidade. Quem sabe com o desaparecimento do deus pagão Trump, possamos substituir a adoração cega ao ídolo destronado pelo cálculo terreno de nossos objetivos na relação com os EUA e outros parceiros importantes.

Isso terá de passar pelo abandono da crença de que democratas são inimigos por serem “globalistas”. Em vez da reação epidérmica contrária a qualquer reparo ou crítica, mesmo se eventual manifestação sobre a Amazônia, será necessário calibrar o discurso, buscando encontrar um “modus vivendi” que preserve a capacidade brasileira de defender seus interesses, inclusive no que concerne à busca de investimentos e acesso a novas tecnologia e mercados.


Pois é disso que se trata, em particular na conjuntura. O Estado brasileiro não está nadando em dinheiro, nem as condições externas no momento pós-pandemia parecem brilhantes. Temos de proteger nossa população, garantindo-lhe segurança, oportunidades e renda. A política externa, e aí vale ressaltar o óbvio, deveria ser um instrumento para alcançar esses objetivos, por meio de uma inserção soberana na cena internacional.

Isto pressupõe racionalidade, pragmatismo e compromisso com as tradições diplomáticas que se provaram fundamentais para preservar nossos interesses no passado, como, por exemplo, não se meter em processos eleitorais de outros países nem importar artificialmente conflitos que não nos pertencem. Se até agora o alinhamento automático com Trump nos rendeu algumas migalhas, mais simbólicas do que reais, sua saída de cena retira a capacidade dos atuais condutores da “política externa” de vender a afinidade ideológica como um instrumento para mover a agenda e aprofundar a aliança com a principal potência mundial. Os resultados pífios agora se combinam com a ausência de referência espiritual de seus seguidores tupiniquins, criando a oportunidade para que algo da racionalidade perdida seja recobrada. E para que a diplomacia como método, que foi esquecida e desaprendida, volte a ser utilizada pelos profissionais do ramo.

Ainda que as condições internacionais demandem esse ajuste para preservar nossos interesses e manter o Brasil minimamente blindado de ameaças, riscos e prejuízos palpáveis, será também preciso pressão interna do nosso agronegócio, de nossa indústria e do Congresso. Sob pena de o ajuste ocorrer quando já for tarde demais e para evitar que o fundamentalismo trumpista tupiniquim sobreviva à retirada de cena de sua divindade, no que poderíamos antecipar como o pior de dois mundos.

De um lado, já não poderíamos recorrer à milagrosa divindade, doravante ausente. De outro, não seríamos capazes de obter ganhos e preservar nossos interesses em terra firme, visto que o sectarismo inconsequente e irresponsável manteria o país no mundo da lua, completamente alheado dos grandes processos decisórios internacionais, desarmado para realizar seus objetivos num mundo de acirrada competição.


*HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.


Esse artigo foi publicado originalmente em:

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,analise-ascensao-e-queda-do-deus-do- bolsolavismo,70003506599