Depois do ponto de não retorno: qual a postura dos
apoiadores?
Paulo Roberto de Almeida
[Mini-reflexão
sobre o momento da luta anticorrupção; interrogação sobre a atitude de
apoiadores, especialmente a de diplomatas]
E agora, como ficamos?
Depois do testemunho de
um apparatchik graúdo – companheiro de caráter, ou seja, um canalha perfeito,
como a maior parte dos seus colegas na direção do partido, mas sem a mesma
convicção “bolchevique” que comandou o silêncio de colegas de fraudes, mentiras
e patifarias – no quadro da Operação Lava Jato, acredito que se chegou àquela
fase do processo que se chama de “ponto de não retorno”. Isto me parece
evidente, e tão evidente que dispensa qualquer comentário sobre a sequência
ulterior dos procedimentos a serem adotados no plano da Justiça. Acredito que
os acusados, em primeiro lugar o chefão mafioso de toda a quadrilha, serão
inapelavelmente condenados por um juiz rigoroso no plano dos procedimentos
judiciais. Se eles vão, ou não, cumprir penas de prisão é outra questão, que
não me interessa nesta mini-reflexão.
O que me interessa, na
verdade, é a atitude pessoal de todos aqueles que apoiam e sustentam, ainda, o
partido e o seu chefe supremo, uma tropa formada por muitos militantes da
causa, mas por motivos que podem ser diferentes para um ou outro grupo de
pessoas. Esses apoiadores eu dividiria em duas classes de pessoas: aqueles que
eu chamo de “true believers”, isto é, os crentes sinceros, e vários outros que podem ter
motivações diversas na sustentação da causa partidária, especialmente do chefe
supremo de todos eles. A partir deste momento de não retorno, de queda para o
abismo de todos os que atuaram nas causas criminosas do partido e de seu chefe,
o que me interessa, na verdade, e a atitude de uns e outros em relação ao que
vem pela frente.
True believers são irredutíveis em suas crenças
Todo e qualquer
movimento religioso ou político, qualquer crença social sempre agrega a massa
dos crentes, aqueles que acreditam sinceramente na verdade e na boa-fé da sua
causa, e uma cúpula de “organizadores” e manipuladores desse movimento, que
podem ou não acreditar no que afirmam, mas que vivem disso e precisam manter a
fé dos true believers. Estes últimos
são geralmente ingênuos, ignorantes, pessoas de reduzida capacidade mental, ou
de conhecimentos limitados, que necessitam, por razões diversas, de alguma
crença em alguma coisa, para dar sentido às sua vidas e atitudes. No limite,
esses crentes sinceros podem se converter em fundamentalistas, ou seja,
militantes ativos da sua causa, e que, num outro limite, pode chegar àquele
ponto de fanatismo que legitimaria qualquer atitude, mesmo a extrema, a de se
sacrificar pela causa em questão. Isso existe no mundo religioso e existe no
mundo político, aliás até no futebol, onde energúmenos completos chegam ao
ponto de matar o torcedor de um time adversário. Terroristas, políticos ou
religiosos, são feitos desse material.
Em geral, no entanto, os
true believers constituem uma massa
amorfa e sincera de apoiadores irredutíveis, aqueles que por ignorância ou
ingenuidade continuarão sustentando a causa dos sacerdotes do culto em qualquer
tempo e lugar. Eles continuam defendendo a causa e seus chefes mesmo contra
todas as evidências de que esses “sacerdotes” – ou chefe políticos –
constituem, na verdade, uma gangue de perfeitos patifes que usam da causa para
objetivos pessoais, não necessariamente em acordo com as crenças (muitas vezes
em total contradição com os “princípios e valores” do movimento), mas para fins
sórdidos, de enriquecimento ilícito, por exemplo, que é quase sempre o objetivo
efetivamente buscado por esses “sacerdotes” (que também podem ser motivados por
questões de prestígio, narcisismo, megalomania, etc.).
Não vou me ocupar dessa
categoria de apoiadores, pois geralmente se trata de pessoas com as quais é
impossível se ter qualquer tipo de diálogo racional, dada, justamente sua
condição de verdadeiros crentes da causa, alguns até o fim, outros até que
algum evento contundente possa demovê-los de sua crença. Talvez as mais
recentes revelações – como o testemunho desse chefete do partido que
administrava as contas pessoais do chefão mafioso –, que conformam o que se
pode classificar de “ponto de não retorno”, alguns desses verdadeiros crentes
desistam de apoiar o “messias”, ou o salvador e profeta da causa, mas duvido
que isso ocorra em grande escala. Crentes sinceros são geralmente impérvios e
imunes a quaisquer fatos e evidências que tendem a desmentir os fundamentos de
sua crença. Deixemo-los em paz...
Uma questão de caráter, ou falta de...
Interessa-me mais a
segunda categoria de apoiadores, um grupo para o qual eu não tenho uma
designação única, pois esse grupo restrito de sustentadores da causa, e de seu
chefe, pode estar animado por motivações diversas: oportunismo, carreirismo,
fins materiais (enriquecimento, igualmente, como pode ser esperado), fidelidade
pessoal ao chefão que os “prestigia” diretamente (por causas profundamente
egoístas, é verdade), ou qualquer outro motivo ou razão para permanecerem ao
lado do movimento e do seu supremo sacerdote, mesmo quando as evidências
contraditórias já são propriamente irrecusáveis, ou seja, impossíveis de serem
negadas, contornadas, deslegitimadas. Eles continuam ao lado do chefe, contra
ventos e marés, e isso não tem nada a ver com o fato de serem – o que não são –
true believers. Geralmente são pessoas suficientemente bem informadas, até
inteligentes, que sabem exatamente o que se passa, o que sempre se passou,
ainda que no início pudesse haver uma esperança sincera de que a causa valia o
seu apoio e engajamento na causa.
Tudo o que ocorreu, no
seguimento da mobilização dos militantes do baixo clero – os true believers – e de materialização dos
objetivos do movimento, todas as patifarias e crimes cometidos, o gigantesco
espetáculo da corrupção, poderia tê-los demovido de apoiar a causa e o seu
chefe, ao constatar a realidade do que estava por trás de todo o discurso aberto
ao público, em total contradição com o que se passava nos bastidores e que eles
sabiam muito bem, ou poderiam desconfiar, que era verdade. Afinal de contas, à
diferença dos militantes sinceros, mas ingênuos e ignorantes, essas pessoas
nunca foram ingênuas ou ignorantes, mas se engajaram na causa, e na defesa da
organização e do seu chefe supremo, de forma totalmente voluntária e
conscientemente.
Essas pessoas –
intelectuais, ou presumidos tais, chefes de outras organizações, jornalistas,
artistas, representantes dos chamados movimentos sociais, e até dois dos mais
importantes diplomatas que serviram nos governos companheiros – se reuniram
diversas vezes numa espécie de “pacto de sangue” em favor do chefão da causa,
no que pode ser considerado como uma “tropa de choque” pessoal, uma guarda
pretoriana dita “intelectual” atuando em defesa do sacerdote supremo. Como
chama-los, como designar a tropa de choque, que classificação atribuir aos
integrantes desse grupo restrito em apoio ao líder do movimento, aquele que o
diplomata mais conhecido integrante da tropa chamou de “Nosso Guia”? Confesso
que não sei.
Uma única conclusão é
possível em face da atitude dos apoiadores conscientes: essas pessoas deixaram
de ter qualquer caráter, no sentido mais amplo dessa palavra. Em outros termos,
são aquilo que se chama de canalhas completos. Lamento apenas que colegas
diplomatas integrem o bando de cúmplices da causa criminosa. O serviço exterior
do Brasil, o Itamaraty, o conjunto dos diplomatas – categoria da qual faço
parte – não merecia assistir a um espetáculo deprimente, como pode ser a
manifestação de apoio completo de integrantes da carreira a crimes
manifestamente perpetrados não só contra o país, como contra a credibilidade e
a legitimidade das suas instituições, inclusive da diplomacia (uma vez que os
crimes se estenderam por diversos países, usando e abusando de instituições
diplomáticas para o cometimento de tais crimes).
Não tenho nenhum
problema em afirmar, mais uma vez, minha convicção plena, confirmada pelo menos
desde 2005 de que, a partir de 2003, o Brasil passou a ser comandado por uma
organização criminosa, com um chefão mafioso à sua frente, o que aliás permanece
até este momento. Talvez tenha sido por isso que me afastei, talvez de maneira
inconsciente, no começo, mas instintivamente convicta, do apoio e do serviço em
benefício da administração diplomática lulopetista que passou a servir, com
tons de submissão abjeta, às obsessões megalomaníacas do chefão da quadrilha,
inclusive e sobretudo no plano internacional. Desde aí tornei-me um crítico da
diplomacia em questão, que sempre chamei de lulopetismo diplomático, por
considera-lo contrário aos interesses nacionais, e por saber, mesmo sem
documentação probatória, que crimes de corrupção estavam sendo cometidos nos
subterrâneos do regime execrável que ficou no poder por mais de três mandatos.
Nunca duvidei dessas
minhas certezas, o que aliás foi confirmado indiretamente pelo ostracismo
completo a que fui condenado durante todos esses anos, numa longa travessia do
deserto que durou exatamente os treze anos e meio da gestão lulopetista na
política nacional. Agora que essa fase deprimente da vida do país se encaminha para
o seu ocaso, e o seu desfecho judicial, só posso lamentar, mais uma vez, que
colegas diplomatas integram o pelotão de choque de defesa desses crimes
abomináveis e do seu perpetrador supremo. Como chamar essas pessoas? Não tenho
nenhum outro nome a não ser o de canalhas. Espero que superemos essa fase
vergonhosa da vida nacional, durante a qual a diplomacia também foi envolvida,
indiretamente, na trajetória de crimes cometidos pelo lulopetismo. A diplomacia
se salvou relativamente ilesa desses episódios, ainda que a política externa
tenha sido contaminada pelas loucuras, exageros e idiotices do lulopetismo diplomático,
algo do que ainda não nos libertamos completamente no momento presente.
Continuarei engajado no restabelecimento da dignidade da política externa
brasileira e na conformidade da diplomacia profissional a seus padrões históricos
de comportamento.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de setembro de 2017