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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Depois do ponto de nao retorno: qual a postura dos apoiadores? - Paulo Roberto de Almeida


Depois do ponto de não retorno: qual a postura dos apoiadores?

Paulo Roberto de Almeida
 [Mini-reflexão sobre o momento da luta anticorrupção; interrogação sobre a atitude de apoiadores, especialmente a de diplomatas]
 
E agora, como ficamos?
Depois do testemunho de um apparatchik graúdo – companheiro de caráter, ou seja, um canalha perfeito, como a maior parte dos seus colegas na direção do partido, mas sem a mesma convicção “bolchevique” que comandou o silêncio de colegas de fraudes, mentiras e patifarias – no quadro da Operação Lava Jato, acredito que se chegou àquela fase do processo que se chama de “ponto de não retorno”. Isto me parece evidente, e tão evidente que dispensa qualquer comentário sobre a sequência ulterior dos procedimentos a serem adotados no plano da Justiça. Acredito que os acusados, em primeiro lugar o chefão mafioso de toda a quadrilha, serão inapelavelmente condenados por um juiz rigoroso no plano dos procedimentos judiciais. Se eles vão, ou não, cumprir penas de prisão é outra questão, que não me interessa nesta mini-reflexão.
O que me interessa, na verdade, é a atitude pessoal de todos aqueles que apoiam e sustentam, ainda, o partido e o seu chefe supremo, uma tropa formada por muitos militantes da causa, mas por motivos que podem ser diferentes para um ou outro grupo de pessoas. Esses apoiadores eu dividiria em duas classes de pessoas: aqueles que eu chamo de “true believers”, isto é, os crentes sinceros, e vários outros que podem ter motivações diversas na sustentação da causa partidária, especialmente do chefe supremo de todos eles. A partir deste momento de não retorno, de queda para o abismo de todos os que atuaram nas causas criminosas do partido e de seu chefe, o que me interessa, na verdade, e a atitude de uns e outros em relação ao que vem pela frente.

True believers são irredutíveis em suas crenças
Todo e qualquer movimento religioso ou político, qualquer crença social sempre agrega a massa dos crentes, aqueles que acreditam sinceramente na verdade e na boa-fé da sua causa, e uma cúpula de “organizadores” e manipuladores desse movimento, que podem ou não acreditar no que afirmam, mas que vivem disso e precisam manter a fé dos true believers. Estes últimos são geralmente ingênuos, ignorantes, pessoas de reduzida capacidade mental, ou de conhecimentos limitados, que necessitam, por razões diversas, de alguma crença em alguma coisa, para dar sentido às sua vidas e atitudes. No limite, esses crentes sinceros podem se converter em fundamentalistas, ou seja, militantes ativos da sua causa, e que, num outro limite, pode chegar àquele ponto de fanatismo que legitimaria qualquer atitude, mesmo a extrema, a de se sacrificar pela causa em questão. Isso existe no mundo religioso e existe no mundo político, aliás até no futebol, onde energúmenos completos chegam ao ponto de matar o torcedor de um time adversário. Terroristas, políticos ou religiosos, são feitos desse material.
Em geral, no entanto, os true believers constituem uma massa amorfa e sincera de apoiadores irredutíveis, aqueles que por ignorância ou ingenuidade continuarão sustentando a causa dos sacerdotes do culto em qualquer tempo e lugar. Eles continuam defendendo a causa e seus chefes mesmo contra todas as evidências de que esses “sacerdotes” – ou chefe políticos – constituem, na verdade, uma gangue de perfeitos patifes que usam da causa para objetivos pessoais, não necessariamente em acordo com as crenças (muitas vezes em total contradição com os “princípios e valores” do movimento), mas para fins sórdidos, de enriquecimento ilícito, por exemplo, que é quase sempre o objetivo efetivamente buscado por esses “sacerdotes” (que também podem ser motivados por questões de prestígio, narcisismo, megalomania, etc.).
Não vou me ocupar dessa categoria de apoiadores, pois geralmente se trata de pessoas com as quais é impossível se ter qualquer tipo de diálogo racional, dada, justamente sua condição de verdadeiros crentes da causa, alguns até o fim, outros até que algum evento contundente possa demovê-los de sua crença. Talvez as mais recentes revelações – como o testemunho desse chefete do partido que administrava as contas pessoais do chefão mafioso –, que conformam o que se pode classificar de “ponto de não retorno”, alguns desses verdadeiros crentes desistam de apoiar o “messias”, ou o salvador e profeta da causa, mas duvido que isso ocorra em grande escala. Crentes sinceros são geralmente impérvios e imunes a quaisquer fatos e evidências que tendem a desmentir os fundamentos de sua crença. Deixemo-los em paz...

Uma questão de caráter, ou falta de...
Interessa-me mais a segunda categoria de apoiadores, um grupo para o qual eu não tenho uma designação única, pois esse grupo restrito de sustentadores da causa, e de seu chefe, pode estar animado por motivações diversas: oportunismo, carreirismo, fins materiais (enriquecimento, igualmente, como pode ser esperado), fidelidade pessoal ao chefão que os “prestigia” diretamente (por causas profundamente egoístas, é verdade), ou qualquer outro motivo ou razão para permanecerem ao lado do movimento e do seu supremo sacerdote, mesmo quando as evidências contraditórias já são propriamente irrecusáveis, ou seja, impossíveis de serem negadas, contornadas, deslegitimadas. Eles continuam ao lado do chefe, contra ventos e marés, e isso não tem nada a ver com o fato de serem – o que não são – true believers. Geralmente são pessoas suficientemente bem informadas, até inteligentes, que sabem exatamente o que se passa, o que sempre se passou, ainda que no início pudesse haver uma esperança sincera de que a causa valia o seu apoio e engajamento na causa.
Tudo o que ocorreu, no seguimento da mobilização dos militantes do baixo clero – os true believers – e de materialização dos objetivos do movimento, todas as patifarias e crimes cometidos, o gigantesco espetáculo da corrupção, poderia tê-los demovido de apoiar a causa e o seu chefe, ao constatar a realidade do que estava por trás de todo o discurso aberto ao público, em total contradição com o que se passava nos bastidores e que eles sabiam muito bem, ou poderiam desconfiar, que era verdade. Afinal de contas, à diferença dos militantes sinceros, mas ingênuos e ignorantes, essas pessoas nunca foram ingênuas ou ignorantes, mas se engajaram na causa, e na defesa da organização e do seu chefe supremo, de forma totalmente voluntária e conscientemente.
Essas pessoas – intelectuais, ou presumidos tais, chefes de outras organizações, jornalistas, artistas, representantes dos chamados movimentos sociais, e até dois dos mais importantes diplomatas que serviram nos governos companheiros – se reuniram diversas vezes numa espécie de “pacto de sangue” em favor do chefão da causa, no que pode ser considerado como uma “tropa de choque” pessoal, uma guarda pretoriana dita “intelectual” atuando em defesa do sacerdote supremo. Como chama-los, como designar a tropa de choque, que classificação atribuir aos integrantes desse grupo restrito em apoio ao líder do movimento, aquele que o diplomata mais conhecido integrante da tropa chamou de “Nosso Guia”? Confesso que não sei.
Uma única conclusão é possível em face da atitude dos apoiadores conscientes: essas pessoas deixaram de ter qualquer caráter, no sentido mais amplo dessa palavra. Em outros termos, são aquilo que se chama de canalhas completos. Lamento apenas que colegas diplomatas integrem o bando de cúmplices da causa criminosa. O serviço exterior do Brasil, o Itamaraty, o conjunto dos diplomatas – categoria da qual faço parte – não merecia assistir a um espetáculo deprimente, como pode ser a manifestação de apoio completo de integrantes da carreira a crimes manifestamente perpetrados não só contra o país, como contra a credibilidade e a legitimidade das suas instituições, inclusive da diplomacia (uma vez que os crimes se estenderam por diversos países, usando e abusando de instituições diplomáticas para o cometimento de tais crimes).
Não tenho nenhum problema em afirmar, mais uma vez, minha convicção plena, confirmada pelo menos desde 2005 de que, a partir de 2003, o Brasil passou a ser comandado por uma organização criminosa, com um chefão mafioso à sua frente, o que aliás permanece até este momento. Talvez tenha sido por isso que me afastei, talvez de maneira inconsciente, no começo, mas instintivamente convicta, do apoio e do serviço em benefício da administração diplomática lulopetista que passou a servir, com tons de submissão abjeta, às obsessões megalomaníacas do chefão da quadrilha, inclusive e sobretudo no plano internacional. Desde aí tornei-me um crítico da diplomacia em questão, que sempre chamei de lulopetismo diplomático, por considera-lo contrário aos interesses nacionais, e por saber, mesmo sem documentação probatória, que crimes de corrupção estavam sendo cometidos nos subterrâneos do regime execrável que ficou no poder por mais de três mandatos.
Nunca duvidei dessas minhas certezas, o que aliás foi confirmado indiretamente pelo ostracismo completo a que fui condenado durante todos esses anos, numa longa travessia do deserto que durou exatamente os treze anos e meio da gestão lulopetista na política nacional. Agora que essa fase deprimente da vida do país se encaminha para o seu ocaso, e o seu desfecho judicial, só posso lamentar, mais uma vez, que colegas diplomatas integram o pelotão de choque de defesa desses crimes abomináveis e do seu perpetrador supremo. Como chamar essas pessoas? Não tenho nenhum outro nome a não ser o de canalhas. Espero que superemos essa fase vergonhosa da vida nacional, durante a qual a diplomacia também foi envolvida, indiretamente, na trajetória de crimes cometidos pelo lulopetismo. A diplomacia se salvou relativamente ilesa desses episódios, ainda que a política externa tenha sido contaminada pelas loucuras, exageros e idiotices do lulopetismo diplomático, algo do que ainda não nos libertamos completamente no momento presente. Continuarei engajado no restabelecimento da dignidade da política externa brasileira e na conformidade da diplomacia profissional a seus padrões históricos de comportamento.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de setembro de 2017

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