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Agora vai? Talvez, mas com novos sofrimentos da população.
Sanções à Venezuela
Sanções implementadas pelos EUA serão eficazes para estrangular economia do país
Lourival Sant'Anna, O Estado de S.Paulo, 17 Setembro 2017
Representantes do governo e da oposição da Venezuela se
reuniram quarta e quinta-feira em Santo Domingo, para explorar a
possibilidade de negociação. Um novo encontro foi marcado para o dia 27,
também na capital dominicana. Deverão participar também México, Chile,
Bolívia e Nicarágua – dois países críticos ao regime chavista e dois
aliados, respectivamente.
Nos últimos dois anos, houve muitas reuniões com esse
propósito, sem resultado. Desta vez pode ser diferente, como sugere o
próprio formato da negociação, fora da Venezuela, com robusta
intermediação internacional e a participação de dirigentes importantes
de ambos os lados.
Chavistas
fazem protestos em Caracas com cartazes ironizando os opositores Henry
Ramos Allup e Lilian Tintori, chamados de 'vende pátria'
Foto: EFE/MIGUEL GUTIÉRREZ
As sanções
financeiras impostas pelo governo americano dia 25 começam a surtir
efeito. Nenhum banco relevante quer transacionar com a Venezuela e com
isso correr o risco de não poder mais ter negócios com os EUA.
Como
o próprio presidente Nicolás Maduro se queixou, a Venezuela tem
dinheiro depositado em bancos, mas não consegue sacá-lo para importar
alimentos e remédios. Isso, num quadro já de brutal escassez de produtos
básicos. Ao cobrir a eleição para a Assembleia Constituinte em 31 de
julho, analistas me disseram que o que faria diferença seriam não
sanções comerciais sobre a venda de petróleo, mas sanções financeiras
como as que foram aplicadas.
Embora os EUA sejam o maior comprador de petróleo da
Venezuela, ela teria condições de reorientar suas vendas para outros
compradores. Perderia receita, mas não ficaria tão asfixiada. Já com
sanções financeiras, não há o que fazer. Não adianta vender, porque não
recebe o pagamento; não adianta ter dinheiro, porque não consegue
comprar.
O Irã viveu esse drama entre 2008 e 2015, quando sanções
financeiras e também medidas para monitorar os cargueiros iranianos
causaram o estrangulamento de sua economia. Houve inflação e perda de
poder aquisitivo da população. A teocracia iraniana se sentiu abalada a
ponto de permitir a eleição do conservador moderado Hassan Rohani, em
2013. A retórica provocativa de Mahmoud Ahmadinejad deu lugar à atitude
serena e pragmática de Rohani, educado em Glasgow, possibilitando o
acordo nuclear de 2015.
As eleições no Irã são controladas pelo líder espiritual
Ali Khamenei, desde a seleção dos candidatos até a contagem dos votos,
como ficou claro na fraude de 2009 que garantiu a reeleição de
Ahmadinejad. Rohani foi reeleito este ano por ampla margem, derrotando o
nacionalista Ebrahim Raisi, que poderia colocar em risco o acordo. Sua
maior ameaça hoje é Donald Trump, que o denunciou durante a campanha
como um “péssimo acordo”, mas até agora não moveu uma palha para
rasgá-lo, apesar das pressões de Israel nesse sentido.
Há diferenças entre as situações do Irã e da Venezuela. O
conflito venezuelano é interno. O programa nuclear iraniano tem um
caráter não só de governo, mas de Estado. E chegou a unir uma parte da
população em seu favor, embora houvesse críticas tanto na opinião
pública quanto no interior do regime contra a retórica abrasiva de
Ahmadinejad, que atraía as preocupações internacionais e com isso punha
em risco o próprio programa.
A perda de qualidade de vida causada pelas sanções mudou o
humor dos iranianos com relação ao sonho nuclear, tornado pesadelo. Na
Venezuela, a população já estava sofrendo antes das sanções, com
desabastecimento e hiperinflação, além da truculência do regime. E os
chavistas já haviam posto em prática uma estratégia bem-sucedida de
permanência no poder, garantindo o apoio dos generais, que lucram com a
distribuição dos produtos. Agora a situação vai se deteriorar na
Venezuela, empurrando para um limite a capacidade até mesmo das forças
de segurança de conter a insatisfação da população e de setores do
próprio regime.
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