Já li o livro Prêmio
Nobel, em formato Kindle, e considero-o bom, sem ser excelente. Essa preocupação
de brilhantes economistas com a igualdade me parece uma questão de fundo moral,
não diretamente econômica, mas apenas política, ou social. Economistas precisam
trabalhar na criação de riqueza, e também podem investigar sua distribuição.
Mas ficar prescrevendo como deve ser distribuída essa riqueza me parece uma
função não econômica, ou seja, não estritamente técnica no plano do ferramental
econômico. Torna-se uma questão de opinião pessoal.
Paulo Roberto de
Almeida
"Ajuda
a países pobres é tiro que sai pela culatra", diz Nobel
Folha de S. Paulo, 16/09/2017
- "Imagine uma multidão, todas as
pessoas do mundo, cada uma carregando a bandeira de seu país, como numa
gigantesca cerimônia de abertura da Olimpíada", sugere o escocês Angus
Deaton, premiado com o Nobel de Economia em 2015 por seus trabalhos sobre
pobreza, consumo e bem-estar. É com imagens como essa que o economista consegue
fazer um livro agradavelmente compreensível para o público geral, mesmo quando
a discussão é bastante técnica – técnica o suficiente para interessar aos
especialistas. Na alegoria olímpica, Deaton descreve a evolução econômica dos
países. As pessoas avançam em uma velocidade proporcional à do crescimento de
seus países: chineses e indianos correm, enquanto haitianos e congoleses (e
brasileiros, recentemente) andam para trás. Mas a marcha é mais complexa: as
velocidades variam também entre os cidadãos de um mesmo país. As bandeiras dos
EUA se espalham da dianteira até muito atrás, se confundindo com outras. O
mesmo fenômeno que distancia líderes de retardatários ocorre em várias nações.
São minoria aquelas em que as bandeiras evoluem cada vez mais próximas. Se a
marcha representa o caminho mundial em direção ao progresso e ao bem-estar, a
humanidade está tendo sucesso nesse trajeto? Deaton, professor da Universidade
de Princeton (EUA), é cético em sua resposta.
Já no prefácio, remete ao filme "The
Great Escape" ("Fugindo do Inferno", no título brasileiro), em
que 250 soldados aliados escapam por um túnel de um campo nazista. No filme, a
grande maioria é recapturada e 50 fugitivos acabam mortos. Na obra de Deaton,
não faltam exemplos de progresso tecnológico ou econômico que deixam um rastro
de desigualdade. Ele defende que a sociedade não se beneficia de regras e
instituições que permitem a poucos enriquecer muito mais e pergunta o que mudar
para que todos escapem da pobreza. As respostas, porém, não são simples, a
começar pela dificuldade de computar crescimento econômico e bem-estar com
precisão. O economista critica detalhadamente as medidas atuais de pobreza. (É
uma pena que explicações tão didáticas e claras sejam acompanhadas por gráficos
acanhados e de difícil leitura, tanto na edição on-line original quanto na
impressa brasileira.) Um segundo problema é político, expõe Deaton. No capítulo
sobre a crescente disparidade de renda entre os americanos, ele argumenta que
não há igualdade de oportunidades e que decisões políticas estão sob domínio da
elite financeira, num processo que reforça o enriquecimento do 1% mais rico e
ameaça a democracia. O livro alerta para o fato de que, apesar do avanço médio
geral, há quase 1 bilhão de pessoas que ainda patinam em miséria, desnutrição,
doenças e morte precoce. E os programas de ajuda criados pelos países ricos
pioram essa situação em vez de melhorá-la, afirma Deaton, porque inibem o
desenvolvimento das instituições que fariam as nações se desenvolver por conta
própria. "Precisamos parar de perguntar o que 'nós' deveríamos fazer. Quem
'nos' deu a responsabilidade de zelar por 'eles'? Nossas tentativas desastradas
de ajudar têm feito mais mal que bem." Seria mais útil, diz ele, criar
incentivos para pesquisa médica e científica que solucionasse problemas dessas
populações, como a malária e a tuberculose, por exemplo.
Outra forma de combater a pobreza e a
desigualdade entre países seria flexibilizar a imigração. Deaton nota que o
dinheiro remetido por imigrantes a seus países natais supera em muito o das
"ajudas financeiras", com uma diferença fundamental. Quando os
recursos vão para as mãos das famílias, elas se fortalecem para exigir mais de
seus governos. Já a ajuda internacional costuma chegar aos governos e tende a
inibir sua eficiência. O professor de Princeton vê ameaças no futuro: mudanças
climáticas, ataques fundamentalistas contra a ciência, novas doenças
infecciosas e patógenos hiper-resistentes a antibióticos. A desaceleração do
crescimento econômico também é danosa. Quando o bolo para de crescer, a única
forma de manter o tamanho da fatia é reduzindo a dos outros, o que torna mais
violentos os conflitos distributivos. Ainda assim, ele se diz
"cautelosamente otimista": "O desejo de escapar está
profundamente enraizado, e os meios para isso são cumulativos. Os próximos
fugitivos podem subir nos ombros de gigantes. Alguns poucos privilegiados podem
ter bloqueado o túnel pelo qual passaram, mas não podem bloquear o conhecimento
de como cavar novos túneis.
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