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segunda-feira, 18 de setembro de 2017

A diplomacia na construcao do Brasil – uma entrevista com Rubens Ricupero

A diplomacia na construção do Brasil – uma entrevista com Rubens Ricupero, por Paulo Roberto de Almeida 


1 – Por que o sr. escreveu A diplomacia na construção do Brasil?
Porque não consegui encontrar nas livrarias o livro que procurava quando comecei a dar aulas de história das relações internacionais do Brasil, quarenta anos atrás. Precisava de um texto que me ajudasse a ensinar como a política externa era um fio inseparável da trama da história nacional, uma parte integral de tudo o que acontecia naquele momento, ligada, não separada da sociedade como um todo.
2 – Não havia nenhuma obra que tratasse desse tema?
Na época, as obras gerais sobre história do Brasil quase não falavam da política externa, no máximo alguns parágrafos ou notas ao pé da página. O mundo exterior não existia, era como se a história de um país constituísse um todo suficiente, fechado em si mesmo. Já as histórias diplomáticas cometiam o erro oposto: só tratavam da diplomacia, sem mencionar a política interna e a economia, como se a política externa funcionasse dentro de um vácuo. Uma das originalidades desta obra é que ela tenta não separar diplomacia, política e economia interna. Sobretudo nos capítulos sobre os períodos mais recentes, a atenção dedicada à economia e à política é quase igual ao espaço da diplomacia.
3 – Qual a linha mestra do livro?
Além de narrar uma história, a da política externa, procurei mostrar como a diplomacia ajudou a dar forma à história e à identidade do Brasil, como vieram da diplomacia alguns dos valores e ideais básicos da imagem que os brasileiros fazem de si próprios. Por exemplo, o pacifismo, a tendência de resolver conflitos pela conciliação, a negociação, a transação, a repulsa à violência, ao militarismo, à conquista pela força, a opressão de outros povos. Ainda que essa imagem seja interesseira, que não corresponda inteiramente à realidade, a própria escolha desses valores é melhor do que se imaginar como povo conquistador, predestinado a impor a democracia ao mundo, com direito a anexar território dos vizinhos, ideologias frequentes em muitos países.
4 – A que tipo de leitor se destina a obra?
O livro se dirige não apenas aos professores, estudantes de relações internacionais, ciências sociais, diplomatas, internacionalistas, mas aos leitores que se interessam pela história do Brasil e querem compreender como o país se relacionou com o mundo exterior e foi influenciado por acontecimentos e tendências externas. Mesmo aqueles que tentam entender porque o Brasil mergulhou na profunda crise atual talvez encontrem no texto algumas reflexões úteis. Evitei o tom apologético das histórias antigas, para as quais o governo brasileiro sempre tinha razão. Há um esforço de compreender e valorizar as perspectivas do outro, de nossos vizinhos, às vezes adversários, e a disposição de assumir que em alguns casos, tivemos uma parcela de culpa nos conflitos e guerras na região do Rio da Prata.
5 – Qual o papel da diplomacia brasileira para a conformação de nosso atual território?
Se não fosse o êxito da diplomacia brasileira, o Brasil teria hoje um território de apenas um terço do atual e não seria um país continental capaz de fazer parte dos BRICS. A aceitação pacífica e a legalização da expansão territorial foram o produto da perseverança com que a diplomacia se dedicou à questão até 1910 mais ou menos. Atribui-se ao barão do Rio Branco a frase “território é poder”. É óbvio que território apenas, sem desenvolvimento, não representa grande coisa. O território, porém, é a condição que torna possível não só o poder, mas a soberania. Definir o território constitui o ato inaugural do relacionamento do país com o mundo. Sua importância é fundamental: a maioria das guerras teve origem em disputas territoriais. Consolidar o território pela diplomacia, sem guerra, faz uma diferença enorme no destino histórico de qualquer nação.
6 – O sr. enaltece no livro a chamada “diplomacia do conhecimento”. Por que?
Entre as histórias que conto no livro, uma ilustra bem como nossa diplomacia se baseou sempre no conhecimento. Uma vez, o médico de Rio Branco chegou de manhã ao Itamaraty e o encontrou de roupa amassada. Constrangido, o Barão apontou para um enorme mapa desdobrado no chão e confessou que tinha querido examinar detalhes do mapa e adormecera em cima dele. Esse episódio verídico explica o êxito da diplomacia na negociação dos limites do Brasil. As vitórias nas negociações e nas arbitragens foram preparadas por anos de busca e estudo de velhos mapas e documentos em arquivos e bibliotecas.
Foi graças a essa “diplomacia do conhecimento” e a métodos de “poder suave” como a negociação que o Brasil, país sem grande poder militar ou econômico, conquistou um território de vastidão continental e imensas riquezas naturais. Jamais teríamos chegado perto desse patrimônio se tivéssemos recorrido a meios militares.
 7 – Qual o balanço que o sr. faz de nossa diplomacia de 1750 até os dias de hoje?
Com seus acertos e erros, a diplomacia marcou profundamente cada uma das etapas definidoras de nossa história: a abertura dos portos, a independência, o fim do tráfico de escravos, a inserção no mundo pelo comércio, os fluxos migratórios, voluntários ou não, base da população, a consolidação da unidade nacional ameaçada pela instabilidade na região platina, a modernização, a industrialização e o desenvolvimento econômico.
 8 – A maior parte dos problemas enfrentados por nossos diplomatas durante o século XIX foi com os nossos vizinhos sul-americanos. Como o sr. avalia essa relação?
O que distingue o caráter internacional do Brasil é o grande número de vizinhos, dez, comparados aos Estados Unidos (dois), ao Canadá (um), à Austrália (nenhum). Além de muitos, esses vizinhos são heterogêneos, vão da Guiana Francesa ao Uruguai, do Suriname à Bolívia, do Peru à Guiana ex-inglesa. Conseguir estabelecer limites com todos por meio de negociação, transação, arbitragem, sem guerra de conquista, não é tarefa menor a ser subestimada. Basta comparar a experiência brasileira com a de outros países com numerosos vizinhos (Rússia, China, por exemplo). Em março de 2020, aniversário do fim da Guerra do Paraguai, o Brasil completará 150 anos sem nenhuma guerra com um vizinho. Quantos países poderão dizer o mesmo?
9 – E como o sr. explica esse êxito da política de fronteiras?
Pela opção não violenta da delimitação, a preparação cuidadosa, a continuidade na defesa de uma linha coerente de ação diplomática, a perseverança. A definição pacífica poupou ao Brasil a condição de refém de litígios fronteiriços que teriam paralisado boa parte da nossa capacidade de iniciativa diplomática. Também o senso de oportunidade de resolver relativamente cedo todas as questões pendentes criou condições para desenvolver diplomacia voltada não para resolver conflitos, mas para dar ao relacionamento com os vizinhos conteúdo concreto de cooperação e de comércio. A diplomacia precisa, para isso, saber captar a realidade exterior, interpretar corretamente o mundo e suas oportunidades. Em sentido inverso, necessita igualmente explicar o país ao mundo, torná-lo admirado, digno de atrair apoio político, de receber capitais, imigrantes, tecnologia.
10 – Apesar do caráter pacífico de nossa diplomacia, o Brasil interveio em territórios vizinhos.
É verdade, mas as intervenções se concentraram em período relativamente curto, entre 1850 e 1870. Com razão ou sem ela, os estadistas da monarquia se resignaram a intervir no Uruguai e, de modo mais limitado, na Argentina de Rosas, devido à percepção defensiva de que as guerras civis na fronteira do Rio Grande do Sul e dentro daquela província ameaçavam a unidade do Império. Havia o temor de que a hegemonia de Rosas conduzisse à anexação do Uruguai e do Paraguai pela Argentina, impedisse o acesso fluvial a Mato Grosso e atraísse a adesão de revolucionários gaúchos. Fora esses exemplos, prevaleceu na prática diplomática brasileira obediência ao princípio de não intervenção. Só em época muito recente, a afinidade ideológica e partidária motivou afastamentos quase sempre controvertidos da posição tradicional.
11 – E a Guerra do Paraguai? Não foi uma intervenção?
Nesse caso, a iniciativa da guerra partiu de Assunção. Não se registrou nenhum ataque ou ameaça direta ao Paraguai da parte do Brasil. A intervenção brasileira no Uruguai (1864) foi utilizada pelo ditador paraguaio Solano López como motivo sincero ou pretexto para um ataque surpresa ao Brasil, que estava totalmente despreparado. Não há dúvida de que Solano López assumiu a responsabilidade de desencadear a guerra que custaria a vida a milhares de pessoas, inclusive a dele próprio. Dos 140 mil brasileiros que participaram da guerra, 50 mil – mais de um terço – morreram. As informações sobre as perdas paraguaias são precárias. Estimativas indicam o máximo de 279 mil vidas. Nada que se aproxime do número fantasioso de um milhão de mortos, às vezes citado, mais que o dobro da população do país no início da guerra.
12 – Juntamente com a Inglaterra e a Argentina, os Estados Unidos são o outro ator decisivo na história da diplomacia brasileira. No livro o sr. trata das diferenças diplomáticas entre o Brasil e os EUA. Quais são elas?
A experiência diplomática do Brasil contrasta com a dos Estados Unidos primeiro em relação à expansão territorial. Tanto o Brasil como os EUA começaram com uma estreita margem de terras ao longo da costa leste que foi sendo expandida para o oeste. A semelhança, porém, termina nesse ponto. A expansão dos EUA começa com a independência, em 1776, enquanto a nossa estava praticamente encerrada no momento em que nos separamos de Portugal. Se não fosse a incorporação do Acre (1903), o território do Brasil seria hoje menor do que na época da independência, em 1822, quando incluía a Província Cisplatina, o Uruguai de nossos dias, que se separou em 1828. Quando se fala em “expansionismo brasileiro”, é bom precisar que o expansionismo foi mais português que brasileiro. Outra diferença foi o método. A expansão norte-americana se deu muito mais por compras de territórios e de guerras seguidas de anexação, sobretudo contra o México, ao passo que a nossa resultou de negociações e arbitramentos.
13 – Que outras diferenças podem ser apontadas entre a diplomacia norte-americana e a nossa?
A principal é a atitude em relação ao poder. Desde o começo, os norte-americanos tiveram uma experiência frequente com guerras internacionais. Um historiador da política externa dos EUA escreveu que cada geração norte-americana desde a Independência teve sua própria guerra e existe mesmo um livro sobre os Estados Unidos intitulado “Um país feito pela guerra” (“A country made by war”). O sucesso nos conflitos com o México, na Guerra contra Espanha, com a enorme expansão territorial resultante, fortaleceu nos norte-americanos uma propensão ao uso do chamado “poder duro”, isto é, ao recurso a métodos militares ou de pressão econômica para resolver conflitos. Em contraste, o Brasil foi em quase toda sua história país de recursos militares e econômicos muito modestos e limitados. O insucesso na Guerra da Cisplatina, as dificuldades nas intervenções no Rio da Prata, os penosos sacrifícios da Guerra do Paraguai alimentaram na consciência brasileira aversão à guerra e relutância em recorrer à diplomacia da força. A política exterior do Brasil se edificou sobre a base do Direito Internacional, das doutrinas jurídicas a respeito do nosso direito às fronteiras, à busca de consenso, de compromissos, de soluções por negociações e arbitragens. O Brasil construiu sua diplomacia com argumentos intelectuais, jurídicos, históricos, com o “poder suave” dos métodos de persuasão.
14 – Por que o sr. inicia o livro em 1750?
A maioria das histórias diplomáticas de nações das Américas começa pela independência, uma vez que, na era colonial, as decisões podem às vezes ser tomadas no país, mas não pertencem ao país, como escreveu o diplomata e historiador Paulo Roberto de Almeida. No caso do Brasil, existe uma especificidade diferente dos outros países. A expansão do território até aos limites atuais já se encontrava praticamente concluída e mais ou menos aceita no momento da assinatura do Tratado de Madri (1750), muito antes do fim do regime colonial. É preciso, portanto, recuar várias décadas prévias à independência para entender como se definiu o território. A narrativa se inicia por isso nos primórdios da ocupação e ampliação do território e toma como exemplo simbólico da diplomacia de outrora a preparação e as consequências do Tratado de Madri (1750), mais de setenta anos antes da independência formal.
15 – No livro o sr. opina que o barão do Rio Branco foi o fundador da política externa do Brasil na era republicana ao definir o primeiro conceito abrangente para a diplomacia. Em que consistia esse conceito?
O barão do Rio Branco é, de fato, o fundador da política externa do moderno Brasil. Deve-se a ele não somente a resolução sistemática de todas as questões fronteiriças ainda pendentes no começo do século XX, a “construção do mapa do Brasil”. Também foi ele que criou a primeira fórmula abrangente da política externa brasileira articulando as relações com os EUA, a América Latina e as grandes potências europeias. Rio Branco era pragmático, sabia da fraqueza do Brasil, das ameaças potenciais de nossa vizinhança com três potências europeias, duas das quais a Inglaterra e a França, as maiores da época. Tinha também consciência do antagonismo latente dos vizinhos hispano-americanos com os quais tínhamos problemas fronteiriços. Concebeu uma política pela qual o Brasil se aproximou dos Estados Unidos, a potência mundial em ascensão, pela qual apoiava as posições norte-americanas no hemisfério em troca de apoio americano em relação aos europeus, o que se denominou às vezes de uma “aliança não escrita”. Esperava também que, nas disputas fronteiriças com os vizinhos, os norte-americanos veriam com simpatia nossa posição ou ao menos ficariam neutros, não sustentariam nossos rivais. Com isso, definiu o que se poderia chamar de primeiro “paradigma abrangente da política exterior”, que duraria até o começo da década de 1960.
16 – Qual foi o destino desse paradigma?
O extraordinário sucesso do Barão, que triunfou em praticamente todas as questões muitas vezes perigosas e delicadas que enfrentou por mais de nove anos (1902-1912) tornou sua herança algo de intocável. Assim como ele foi o Chanceler de todos os governos que se sucederam enquanto viveu, da mesma forma sua política foi rigorosamente seguida pelos sucessores, nem sempre com o mesmo pragmatismo e inteligência. O ponto mais alto e positivo dessa herança se deu durante a Segunda Guerra Mundial, quando Getúlio Vargas e seu ministro do Exterior Oswaldo Aranha fizeram o Brasil se aliar política e militarmente aos Estados Unidos. O país saiu do conflito muito mais forte militarmente, aumentou seu prestígio internacional, recebeu ajuda econômica para construir a usina siderúrgica de Volta Redonda, início da indústria pesada. Após a guerra, contudo, o Brasil deixou de receber o apoio econômico que esperava em decorrência de sua participação no conflito. Apesar do desapontamento com a falta do auxílio a que se julgava com direito para seu desenvolvimento, o governo continuou alinhado à política norte-americana em razão do anticomunismo na época da Guerra Fria.
17 – Como se deu a ruptura com a política de estreita colaboração política com os Estados Unidos?
A ruptura vai ocorrer com a Política Externa Independente do presidente Jânio Quadros (1961), continuada pelos chanceleres do governo João Goulart, principalmente San Thiago Dantas e Araújo Castro (1961-1964). A nova política recusava o alinhamento automático às posições dos EUA na ONU, na OEA e em relação a Cuba. Deixou de enxergar o mundo através do prisma ideológico da Guerra Fria. Por exemplo, as revoltas contra o colonialismo na Argélia, em Angola, Moçambique, em outros países da África e da Ásia, não eram mais vistas apenas como conflito entre movimentos apoiados pelos comunistas e pela URSS contra países colonizadores aliados dos EUA. Além disso, o Brasil restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e outros países comunistas, começou a se aproximar da China, esforçou-se em evitar o isolamento do regime de Fidel Castro. O golpe militar de 1964 abandonou essa orientação e retornou ao alinhamento e colaboração com os EUA até que no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), o chanceler Azeredo da Silveira retomou o espírito da Política Independente. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola sob o governo de movimento então considerado alinhado a Moscou, o MPLA. O governo estabeleceu relações diplomáticas com a China, iniciou aproximação com os países árabes. Desde então, a linha de afirmação da autonomia diplomática brasileira passou a constituir o novo paradigma da política externa do Brasil, que se manteve após o fim do regime militar. Com inovações e expansões, sobretudo nos governos FHC e Lula, mas sem rupturas essenciais, tal paradigma constitui até nossos dias a base da diplomacia brasileira.
 18 – Como o sr. vê o Brasil neste momento?
Para o Brasil, vale neste momento a exortação dirigida pelo poeta italiano Giacomo Leopardi: “Se queremos algum dia despertar e retomar o espírito de nação, nossa primeira atitude deve ser não a soberba nem a estima das coisas presentes, mas a vergonha”. Também em nosso caso, a primeira atitude terá de ser a vergonha das coisas presentes como condição para despertar o espírito da nação. Reformar e purificar as instituições políticas, reaprender a crescer para poder suprimir a miséria e reduzir a desigualdade e a injustiça, integrar os excluídos, humanizar a vida social.
19 – Qual o papel da diplomacia neste momento?
Em todo este livro, procurei não separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. Durante 200 anos, a diplomacia em geral fez sua parte e até deu ao país contribuição maior que a de muitos outros setores. No entanto, a crise política, econômica e moral a que se chegou é de tal gravidade que não é mais possível a um setor isolado como a diplomacia ou algumas outras poucas “ilhas de excelência” continuarem a construir, se o sistema político e partidário agrava a desmoralização e enfraquecimento das instituições. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil vai depender da capacidade do Executivo, do Congresso, do Judiciário, das instituições públicas, de adotarem as reformas indispensáveis à sobrevivência do sistema. A diplomacia terá muito a contribuir nessa reforma profunda das instituições, mas o esforço terá de ser universal, sem exceções.
 20 – Com que sentimentos o sr. escreveu este livro?
Concluí o texto do livro pouco depois do impeachment de Dilma Rousseff. Escrevi o fecho definitivo durante a sucessão de crises que ameaçavam (e ainda ameaçam) engolir Michel Temer. Durante esse pesadelo de meses, escrever a cada dia um pedacinho da relação do Brasil com o mundo me forneceu o antídoto de que precisava contra a desesperança. Tentei narrar como um país fraco e pobre, colônia de uma quase colônia, construído sobre o trabalho dos escravos e o sofrimento dos humildes, gradualmente aprendeu a afirmar um espaço crescente de autonomia na busca de seus interesses.
Antonio Candido comentava que “comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos, ninguém o fará por nós”. Esse pensamento ilumina também o caminho para lidar com o que a nossa história tem de sombras: a escravidão, a exclusão, a injustiça, a corrupção, a falta de acesso à educação. Ninguém por nós poderá superar a herança madrasta de nossa história e criar em nosso lugar uma sociedade justa e fraterna. Justificativa, destino e meta de quem nasceu ou escolheu ser brasileiro, o sonho perene da construção do Brasil é que torna a existência humana digna de ser vivida em nossa terra.
21 – E qual o caminho para essa sociedade justa e fraterna?
O Brasil só conseguirá enfrentar a complexidade social contemporânea com um grande contingente de pessoas formadas com educação de qualidade e a superação das carências e dos desequilíbrios econômicos. Estamos longe disso. Mas se levarmos em conta que no início do século passado éramos 17 milhões de brasileiros, dos quais 84% analfabetos, com expectativa de vida pouco inferior aos 30 anos, é razoável pensar que estamos mais afastados do país da escravidão e mais próximos da nação próspera e justa que sonhamos alcançar um dia.

Sobre os autores

Rubens Ricupero é embaixador aposentado e autor do livro “A diplomacia na construção do Brasil – 1750-2016” (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017).
Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais – IPRI-MRE.

Como citar este artigo

Mundorama. "A diplomacia na construção do Brasil – uma entrevista com Rubens Ricupero, por Paulo Roberto de Almeida". Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais,. [Acessado em 18/09/2017]. Disponível em: <http://www.mundorama.net/?p=23942>.

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