"Ninguém quer sair na foto com o
Brasil"
Entrevista / Rubens Ricupero
PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO
Diplomacia não faz milagre. Hoje em dia, a imagem que
o Brasil tem no exterior corresponde à realidade: um país com uma corrupção
terrível, um presidente com uma segunda denúncia e a crise mais grave da
história.
"Ninguém quer sair na foto com o Brasil",
diz o embaixador Rubens Ricupero, 80, ex-ministro da Fazenda e do Meio
Ambiente, que lança na semana que vem "A diplomacia na construção do
Brasil - 1750-2016", uma abrangente história da política externa
brasileira.
Na obra, Ricupero, que foi secretário-geral da
Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD),
retrata como a diplomacia, e não o poder militar ou econômico, asseguraram ao
Brasil suas fronteiras atuais.
Ele analisa a influência dos EUA na política externa
brasileira —"Eles não executaram (o golpe militar), mas foram os
mandantes". Reserva críticas para a política externa
"ideologizada" do PT, mas também faz elogios.
"Por que todo mundo queria estar com o Lula? O
Lula era um vitorioso. Além do sucesso econômico e político, ele tinha o êxito
moral, o combate à miséria e à injustiça. Hoje, deve ter muito pouca gente
querendo sair na foto com o Temer. Ninguém pode imaginar que o Itamaraty vai
alavancar o Brasil se o país não acabar com a corrupção, voltar a crescer e
combater a miséria."
Abaixo, trechos da entrevista que ele concedeu à
Folha.
*
Folha - O senhor testemunhou vários momentos
importantes da história brasileira, relatados no seu livro. Pode contar algum?
Rubens Ricupero - Tem o encontro do Robert Kennedy com
o ex-presidente João Goulart, em 1962. Era 17 de dezembro e eu era
terceiro-secretário, um cargo bem baixo no Itamaraty. Brasília estava vazia e
eu era o único diplomata respondendo pelo Itamaraty. O Robert Kennedy ia chegar
e pediram para recebê-lo, em nome do governo brasileiro.
Podia parecer até uma ofensa, o terceiro secretário
recebendo, e eu expliquei ao Lincoln Gordon (embaixador dos EUA na época) que
eu era o único ali. Eu apertei a mão do Robert Kennedy.
No dia seguinte, às 11h, ele foi recebido pelo
Goulart, no Alvorada. Eu fui, mas não entrei. Na sala estavam apenas Goulart,
um intérprete do departamento de Estado, Kennedy e Lincoln Gordon.
Goulart não quis testemunhas porque provavelmente
antecipava que ia ser uma conversa muito forte e não queria que ninguém ouvisse
o que ele ia dizer.
Em 2014, foi revelado um memorando sobre o encontro,
escrito por Gordon. Kennedy teria dito a Goulart: "Não temos problemas com
independência na política brasileira, mas de fato objetamos a que essa
independência se torne sistematicamente antiamericana, opondo-se a políticas e
interesses americanos de modo regular".
Mais assombroso ainda, na primeira conversa que John
Kennedy gravou no Salão Oval da Casa Branca, em julho de 1962, Goulart só
estava no poder há 9 meses e os americanos já estavam convencidos de que era
preciso levar os militares a dar um golpe no Brasil.
Eles reconheciam que os militares não queriam fazer
isso, tanto que Gordon diz ser preciso "reforçar a espinha dorsal dos
militares". Ainda falta escrever o livro sobre o papel dos americanos no
golpe.
Não acho que eles deram o golpe, mas não tenho dúvida
de que eles induziram e foram os primeiros a organizar. É como num homicídio, que
tem o mandante e o executante. Os americanos não executaram (o golpe), mas
foram os mandantes. Mesmo assim, estou convencido de que o Goulart caiu por
culpa dele, quando ele recuperou os poderes e apostou na radicalização. Não
havia ambiente para isso.
Por que?
Ele radicalizou em um momento de aguda Guerra Fria em
que isso era inconcebível. Do Jacobo Arbenz em 54, na Guatemala, até o Salvador
Allende em 73, no Chile, nenhum governo de esquerda na América Latina
sobreviveu. O Lula só chegou ao poder porque a Guerra Fria tinha terminado.
Hoje em dia qual é o tom do relacionamento entre
Brasil e EUA?
Os EUA, depois do fim da Guerra Fria e após os ataques
de 11 de setembro de 2001, passaram a ter uma agenda internacional em que não
há mais espaço para América Latina.
A pauta americana é dominada hoje por grandes temas de
superpotência, como problemas no mar do sul da China e rivalidade estratégica
com a Rússia, ou pela islamização da agenda internacional, por conflitos
vinculados à radicalização de um de islamismo extremista.
Uma vez que desapareceu a ameaça comunista, para os
americanos, o que se passa aqui pode incomodar um pouco, mas não muito. Até
mesmo a Venezuela —eles prefeririam que fosse um país a favor dos EUA, mas
podem conviver com isso perfeitamente.
Hoje em dia, na grande estratégia americana, não há
espaço para o Brasil. O Trump até hoje não fez um tuíte especificamente sobre o
Brasil —essa é a maior prova da insignificância do Brasil para o governo
americano. Aliás, ainda bem, porque em geral, quando Trump põe alguém no
Twitter, é para dar uma porrada.
Hoje nossa política externa para os EUA está mais para
política externa independente, dos anos Jânio-João Goulart, ou alinhamento
automático?
Hoje temos uma política independente. No discurso do
Temer na ONU, que é o do Itamaraty, há defesa do Acordo de Paris e do
multilateralismo, dois temas a que Trump se opõe. O Brasil tem o que dizer
nessas duas questões.
O Brasil não é potência nuclear, nem militar
convencional, nem econômico-comercial. A única área em que o país é potência é
no meio ambiente, porque tem a maior floresta tropical do mundo, se o Temer e a
bancada ruralista não destruírem.
Também na área de negociação agrícola comercial não se
pode chegar a um acordo sem o Brasil. A última vez em que quase se chegou a um
acordo, em 2008, foi um grande trabalho do (então chanceler) Celso Amorim, com
apoio do Lula, um entendimento entre Brasil e UE para resolver um impasse. Mas
aí os americanos e indianos torpedearam o acordo.
O Brasil nessas áreas é incontornável, mas com o
Trump, como você pode ter um diálogo sobre o acordo de Paris, sobre a retomada
da negociação multilateral de comércio agrícola, que é o que interessa ao
Brasil?
Um dos momentos em que a política externa brasileira
esteve mais em evidência foi em 2010, quando o Brasil, ao lado da Turquia,
propôs um acordo resolver a questão nuclear do Irã...
Eu nunca fui um crítico do esforço que o Lula e o
Celso (Amorim) fizeram. Há derrotas que honram mais que certas vitórias, essa é
uma delas. Foi uma iniciativa inédita para um país latino-americano tentar
chegar a um acordo numa área em que normalmente é privativa das grandes
potências.
Quando se falava em multipolarismo, acreditava-se que
as grandes potências nucleares e militares tinham finalmente aceitado que havia
espaço para países intermediários como o Brasil, a Turquia, o México, a Índia.
Que esses países poderiam tentar solucionar um caso
como o do Irã. Equivaleria hoje em dia ao caso da Coreia do Norte, se nós
tivéssemos alguma influência sobre o governo de lá. O próprio Obama chegou a
encorajar o esforço brasileiro por cartas.
Mas a Hillary (então secretária de Estado Hillary
Clinton) era contrária e tanto o Brasil como a Turquia sobrestimaram sua
influência sobre os iranianos. Conseguiram que os iranianos mostrassem alguma
flexibilidade, mas não o bastante para permitir acordo naquele momento. E os
Brics decepcionaram.
Se é verdade que os Brics constituem um agrupamento
importante, como é que se explica que a Rússia e a China tenham se aliado aos
americanos votando sanções adicionais ao Irã e arrancando o tapete debaixo dos
pés do Brasil e da Turquia.
Meu livro mostra bem que era prematura essa percepção
de que havia espaço para o multipolarismo. Na hora em que houve a prova de
fogo, viu-se que as grandes potências não delegavam para ninguém.
Foi uma tentativa meritória, audaciosa, que longe de
desonrar, deu prestígio para o país, que foi aplaudido no mundo inteiro.
Perceba que eu não sou sectário. Discordo da política externa dessa época para
América Latina, a política paralela do PT, feita por inspiração da ideologia,
não pelos interesses do Brasil.
O senhor critica a ideologização do Itamaraty durante
o comando de Celso Amorim, e o fato de ele e o então secretário-geral Samuel
Pinheiro Guimarães terem se filiado ao PT...
Sim, eu sou uma espécie em extinção, da época em que o
diplomata era um servidor que deveria servir imparcialmente o Estado. Fui
treinado dessa maneira, hoje o pessoal novo não concorda.
Será que agora não está em curso uma ideologização, só
que do lado oposto, contra a ideologia do PT?
Eu espero que não, me dizem que não houve expurgos. O
embaixador do Brasil em Paris, Paulo Cesar de Oliveira Campos, foi indicado
pelo Lula e não mexeram nele.
Eles, ao contrário, perseguiram muita gente,
embaixadores de grande valor como o Marcos Caramuru, maior expert que tínhamos
na China, o Gelson Fonseca Jr, intelectual mais brilhante do Itamaraty, foi
embaixador na ONU e terminou a carreira como cônsul-geral no Porto. Como se
explica isso, a não ser como perseguição ideológica?
O Brasil deveria romper com a tradição diplomática
brasileira e impor sanções econômicas contra a Venezuela?
Eu não sou favorável às sanções, porque elas
normalmente atingem o povo mais sofredor. O que o Brasil deveria fazer, e não
está, é ser modelar no acolhimento dos refugiados venezuelanos. Deveria ser um
exemplo para o mundo, e está sendo o contrário, os venezuelanos estão aí
abandonados, e tem gente propondo que não deem refúgio. A melhor forma de o
Brasil atuar seria dar acolhimento a esses refugiados.
O Brasil pode ser uma potência com relevância
internacional?
A política externa é indissociável daquilo que nós
somos em política interna e em economia. Tivemos nosso momento mais alto de
prestígio na época do Lula, 2009, quando o Brasil conquistou o grau de
investimento, a Copa do Mundo e os Jogos Ol
No entanto, houve uma percepção externa de que aquilo
era irreversível. O próprio Lula semeou a destruição de suas conquistas, ao
começar a arruinar as contas públicas, ao aceitar a corrupção —ele não a
inventou, mas aceitou e levou a extremos. Ele e a Dilma, no fundo, foram
autores de suas próprias ruínas e carregaram o Brasil junto.
Qual é a imagem do Brasil no exterior hoje?
Hoje a imagem do Brasil não é nem pessimista, nem
otimista, corresponde à realidade: trata-se de um país com uma corrupção
terrível, um presidente com uma segunda denúncia, ministros sendo investigados,
uma crise que é a mais grave da história.
As pessoas dizem —por que a diplomacia brasileira não
faz isso ou aquilo? Mas como, ninguém quer sair na foto com o Brasil.
(Binyamin) Netanyahu veio para região e não se encontrou com o Temer, o
vice-presidente americano, Mike Pence, também.
Por que todo mundo queria estar com o Lula? O Lula era
um vitorioso. Além do sucesso econômico e político, ele tinha o êxito moral, o
combate à miséria e à injustiça. Quem não queria ficar ao lado do Mandela?
Hoje, deve ter muito pouca gente querendo sair na foto com o Temer. Ninguém
pode imaginar que o Itamaraty vai alavancar o Brasil se o país não acabar com a
corrupção, não voltar a crescer, não combater a miséria.
A certa altura do livro, o senhor diz que a
"Dilma escondia debaixo da autossuficiência e da aspereza no trato com os
diplomatas, insegurança nascida da falta de sensibilidade para relacionamento
interpessoal."
Ela não tinha autoconfiança. Eu fiquei 10 anos na ONU.
Em 2012, na reunião do G8 em Evian, o (então secretário-geral da ONU) Kofi
Annan me levou como seu principal auxiliar. Nessa reunião, o (então presidente
francês Jacques) Chirac tinha convidado o Lula, o líder chinês e o indiano, mas
para uma reunião à parte.
Eu estava lá quando o Lula chegou, e pensei comigo:
acho que o Lula vai ficar muito intimidado. Estavam presentes o Chirac, o
(ex-presidente americano) George W. Bush, primeiro-ministro inglês Tony Blair,
o (ex-chanceler alemão) Gerhard Schroder, (o ex-primeiro ministro italiano
Silvio) Berlusconi e (o presidente russo Vladimir) Putin. Todos os grandes do
mundo.
Houve uma sessão em que estavam falando sobre o
problema da fome, e o Bush, que é evangélico, fez uma intervenção dizendo que
tinha muito a ver com a Bíblia. O Chirac, com aquela arrogância francesa,
disse: não tem nada a ver com religião ou a Bíblia.
Aí o Lula assumiu a defesa do Bush, disse —não senhor,
tem tudo a ver, porque a Bíblia isso e aquilo. Ele estava com aquela cara de
bravo, falando alto, e todo mundo afinou. Aí eu percebi: para o Lula, aquele
pessoal eram os patrões da Fiesp, o líder metalúrgico não pode se intimidar com
os patrões da Fiesp. A Dilma não é assim.
O senhor diz no livro que Dilma foi uma das piores
presidentes em termos de vocação para política externa.
Eu não conheço nenhum outro que tenha deixado 40
embaixadores esperando, sem apresentar credenciais. São coisas elementares. Ela
não tinha interesse, não valorizava, não se sentia bem. E tinha uma mentalidade
de tecnocrata no sentido limitado, a ideia de que as únicas coisas que fazem
diferença são as concretas.
Então tudo o que o Itamaraty fazia, ela mandava rasgar
aqueles papéis. O Itamaraty, a não ser que você esteja negociando o fim de uma
guerra ou uma fronteira, só lida com o longuíssimo prazo. Por que que o
(ex-chanceler José) Serra saiu? Ele é engenheiro, gosta de fazer coisas.
No Itamaraty, você lida com conceitos. O Lula, que é
muito inteligente, percebeu que a política externa era uma tremenda alavanca,
inclusive interna, e usou muito. Ela não soube usar. Diplomacia e política são
a mesma coisa, Lula era um grande diplomata.
Como o senhor avalia a política externa hoje?
Estamos em um momento de gradual recuperação, tanto da
política e da economia, quanto a política externa. Só vamos ter algo mais
determinado depois das eleições. Isto é, se a eleição não "der ruim".
Se tivermos um Bolsonaro da vida, é hora de fechar a butique mesmo.
Há muita tensão entre o ditador norte-coreano Kim Jong
Un e o presidente americano, Donald Trump. O mundo pode estar próximo de uma
guerra nuclear?
Não. Nós estamos há 72 anos sem uma guerra nuclear, em
parte por conta do poder destrutivo das armas nucleares, que atua como
deterrence, mas em parte porque a ONU, com todos os defeitos, mostrou que era
maleável o bastante para acomodar grandes mudanças.
O norte-coreano não é louco. Ele conduz uma política
muito lógica e racional, pois viu o que aconteceu com o (ex-ditador iraquiano)
Saddam Hussein e o (ex-presidente líbio) Muammar Gaddafi, que não tinham armas
nucleares. E ele não vai acreditar nos americanos, no que ele tem absoluta
razão.
Mas mesmo se considerarmos que o Kim Jong-un não é
maluco, está desenvolvendo instrumento de dissuasão, do outro lado há um ator
não necessariamente racional, o Donald Trump...
Trump é autor de "The Art of the Deal", diz
que é preciso desestabilizar o adversário e nunca deixar o oponente saber o que
a pessoa vai fazer. Os dois são negociadores se ameaçando mutuamente. Não vai
acontecer nada.
O planeta não vai acabar com um apocalipse nuclear,
mas pode acabar como diz o verso do TS Eliot "not with a bang, with a
whimper" (não com um estrondo, com um suspiro). O maior perigo que nós
enfrentamos hoje é o aquecimento global. Mas as pessoas não percebem, porque a
explosão nuclear é um perigo imediato, enquanto o aquecimento leva 30, 40 anos.
Mas já está chegando.
O senhor conta no livro que, ao ser convidado para o
ministério, disse ao presidente Itamar Franco não ser a pessoa mais adequada...
Eu disse a ele: não sou economista profissional,
conheço muito pouco do plano, apenas o que a imprensa publicou. Disse que ele
deveria convidar alguém que conhecesse profundamente o plano, até sugeri dois
nomes, Edmar Bacha e Pedro Malan.
Ele me respondeu: nós já examinamos todas as opções e
o senhor é a única alternativa. Embora a frase fosse um pouco críptica, uma
frase em mineirês, eu entendi. Eu trabalhei a vida toda com mineiros, com
Afonso Arinos, San Tiago Dantas, Tancredo Neves. O Tancredo dizia que eu era o
mais mineiro dos paulistas. Percebi que o Itamar queria dizer que ele queria
alguém fora da equipe, que devesse o cargo a ele, e não ao FHC.
O Itamar costumava dizer muito que eu era o sacerdote
do real, em parte porque eu cumpria a função de pregar, na televisão, em parte
era para chatear o Fernando Henrique, que ficou mais glorificado pelo real. Não
deram muito crédito para o Itamar e ele deveria ter recebido, sem ele, o real
não teria existido. Eu disse que era funcionário público, e aceitava.
CRÍTICA / MATIAS SPEKTOR
COLUNISTA DA FOLHA
"Quem é o Rubens Ricupero da nova geração?",
perguntou-me outro dia um brasilianista. Resposta satisfatória não há, pois
Ricupero talhou para si um lugar na vida pública brasileira que continua sendo
único.
Ele é o consigliere diplomático por excelência. Quando
Bobby Kennedy pousou em Brasília para dar um ultimato a João Goulart, antes do
golpe, Ricupero estava lá. Quando Tancredo Neves montou um périplo
internacional para legitimar a presidência indireta, Ricupero estava lá. Quando
José Sarney avisou aos argentinos (antes do mundo) que o Brasil enriquecia
urânio, foi ele o portador do recado presidencial. Quando Fernando Collor
precisou de um elo com a Casa Branca, lá foi o embaixador.
Foi Ricupero quem assumiu a Fazenda para FHC poder
sair candidato no governo Itamar. Foi com ele que a candidatura de Marina Silva
definiu parte de seu tom. E foi nele que o comando do Itamaraty encontrou sua
principal referência no governo Temer. A classe política pede seu conselho uma
e outra vez.
Só que este consigliere tem um estilo todo pessoal.
Impaciente com o conforto dos gabinetes, Ricupero gosta de embate. Escreveu uma
dúzia de livros, assinou por décadas uma coluna nesta Folha, e abraçou a causa
do ambientalismo com a energia do mais aguerrido ativista.
Muitas vezes exercitou o ofício de historiador. Leitor
voraz e dono de uma memória implausível, tem um domínio do passado que assombra
qualquer interlocutor.
Seus inimigos disputaram-lhe as ideias, mas nunca lhe
questionaram a integridade e honra pessoal. Discutir com ele foi, e continua
sendo, um grande prazer da boa batalha intelectual. Não há no Brasil de hoje
personagem igual.
Este livro é seu mais completo testamento. Na
superfície, é uma história ambiciosa da diplomacia brasileira — com começo em
1640 e fim em 2016 — contada a partir das tradições do Itamaraty, com todas as
vantagens e problemas que isso acarreta.
Trata-se, no entanto, de algo bem mais complexo e
fascinante porque, na prática, há dois livros em um.
O primeiro sintetiza os dramas nacionais e
internacionais de cada governo brasileiro. Dos imbróglios da Regência aos
dilemas de Ernesto Geisel, há detalhes curiosos, passagens deliciosas e humor
mordaz. Como em trabalhos anteriores, a idolatria por Rio Branco e San Tiago
Dantas dá o tom.
O segundo livro embutido nesta obra é mais ambicioso e
agressivo. Ricupero volta à história das batalhas diplomáticas do Brasil no
Prata para desfechar seu golpe contra a política externa do PT, em pleno século
21.
Em sua narrativa, o grande acervo diplomático do
Brasil está na prudência, na rejeição aos voluntarismos, na temperança e na
desconfiança profunda da busca de prestígio de chefes de governo e chanceleres.
Há nisso uma certa idealização do passado, haja vista os avanços da
historiografia sobre o período.
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