O fato é que muitas das observações de Farhat, relativas aos anos 1961-64 (antes do golpe militar) se aplicam perfeitamente aos anos Lula e mesmo atualmente, depois da derrocada do grupo criminoso que realizou muito do que estava nos projetos de sindicalistas, comunistas, capitalistas promíscuos, acadêmicos gramscianos, companheiros de viagens, nacionaleiros, soberanistas e outros conspiradores do populismo político, do atraso mental e do retrocesso econômico.
Vou ler o livro por inteiro, suas 465 páginas... Paulo Roberto de Almeida
Blog Resumos de Livros
Blog sobre livros, com resenhas e dicas de autores
Carlos U Pozzobon
sexta-feira, 24 de junho de 2011
O País dos Coitadinhos
Um país de coitados
http://carlosupozzobon.blogspot.com.br/2011/12/o-pais-dos-coitadinhos.html
Sua breve militância política ocorreu na redação de um jornal de oposição, quando participou do movimento chamado Esquerda Democrática, que pretendia eleger José Américo de Almeida para a presidência da República em 1938, sendo ele um dos oradores do famoso comício de Niterói, poucos dias antes do golpe de 10 de novembro de 1937. No prefácio do seu livro ‘País dos Coitadinhos’ (FARHAT, 1968, Cia. Editora Nacional, p.2) conta que:
Deputados querem ser senadores... senadores que querem ser ministros... ministros que querem ser presidentes, ou governadores ... dirigentes de institutos ou de bancos oficiais que querem ser deputados... vão distribuindo à mão-cheia privilégios, concessões, ‘vantagens’, reivindicações, cargos e sinecuras, porque tudo isto cairá nas costas de um imenso, vago e indefinido burro-de-carga que é o povo.
Certo tipo de juízes, agindo em função do bom-mocismo ou do terror intelectual habilmente lançado pelos comunistas, assume, através de sentenças sistemáticas, a posição ‘filosófica’ de que a legislação trabalhista tem como finalidade única proteger o ‘coitadinho’: o ‘coitadinho’ do incapaz, o ‘coitadinho’ do desleixado, o ‘coitadinho’ do empregado desleal com a empresa que lhe dá trabalho, e o ‘coitadinho’ que fez apenas pequenas e tímidas desonestidades....” (FARHAT, 1968, p. 11-12). E cita alguns exemplos desse festival de besteiras da justiça trabalhista como, por exemplo, o magistrado que sentenciou favoravelmente o empregado relapso que “tendo seus atrasos tolerados ingenuamente pela empresa, exigiu que aquele fosse considerado o ‘seu’ especial horário de chegada...” (p.13), em contraposição aos demais empregados pontuais.
Não devem merecer senão repulsa e repugnância aqueles ‘líderes’ que fazem do patrimônio nacional e do bem-estar do povo o almoxarifado das ‘suas’ concessões e dos ‘seus’ presentes às castas amigas e aos correligionários. Na verdade, esses não são líderes, nem comandantes; são os ‘garçons’ da República, dispostos a ‘servir’ a Pátria em bandejas às suas vorazes clientelas eleitorais, as mesmas que fabricam ‘déficits’ astronômicos, mas, às vezes, levam ao poder... “ (p. 13).
“O Brasil não é para ser dado a ninguém, nem de FORA, nem de DENTRO. O fato de ter sido nascido nesta terra não confere a ninguém o direito de parasitar seu povo, seja desfrutando a moleza IMPATRIÓTICA das sinecuras improdutivas ou dos cargos indevidamente super-remunerados, seja usurpando favores e ‘direitos’ abusivos que atentam contra o bem comum ou contra as possibilidades de progresso do país” (p. 14).
Uma nação deve dar assistência, mas não direitos à incapacidade. Deve amparar doentes, mas não premiar ociosos resmunguentos, nem torná-los razão de suas leis, padrão de méritos públicos e limite das ambições cívicas ou econômicas.... É preciso dar um ‘Basta!’ ao ‘coitadismo’ na vida pública, ou então este país gigantesco, que o mundo já começa a apontar ironicamente como sendo ‘apenas o país do futuro...’ jamais se erguerá além do afundado subnível econômico-social das cubatas africanas, ou da desoladora paisagem de mentes ocas e bocas vazias das polêmicas meramente geodemográficas...
Não é admissível que o nhem-nhem-nhem do ‘coitadismo’ continue a ditar a essência da jurisprudência e do espírito das leis sociais brasileiras num convite oficial ao amolecimento nacional, ao imobilismo geral, ao caradurismo total, ao mais inerme e boçal parasitismo...” (FARHAT, 1968, p. 15-16).
O objetivo de FARHAT é combater o grande mito dos anos 60 chamado de ‘Reformas de Base’. Através de um elenco de generalidades, a grande frente constituída pelo trabalhismo, sindicalismo pelego, comunistas e nacionalistas de todos os matizes, propugnava um programa que incluía reforma agrária, reforma urbana, reforma educacional e assim por diante. A princípio não havia nada a obstar, mas olhando-se mais detidamente, começaram a aparecer os problemas: o primeiro era a pergunta fatal: mas olha aqui, se esta gente que está proclamando isso é a mesma que está há 30 anos no poder, por que não fizeram nada?
A primeira reforma de base: a reforma do mar
Transformados em espoliadores pelo discurso demagógico, o peixe dos portugueses sumiu da mesa do pobre e começou a ser ofertado a preço de ouro e o Brasil tornou-se irrelevante como país de pesca, tendo nada menos que 9 mil km de litoral. A comparação com outros países era humilhante, especialmente com Argentina e Peru. Para se ter uma ideia, nossas jangadas e barcos eram tão irrelevantes, ficaram tão para trás no processo de pesca, que o Brasil nem sequer se apresentou em 1967 na Comissão Interamericana de Atum Tropical ocorrida no México. Isso depois que diversas missões oceanográficas estrangeiras estiveram nas nossas costas confirmando a existência de extraordinários cardumes de diversos tipos de peixes, principalmente no litoral sul do Brasil.
A adoção de políticas demagógicas cujo resultado é o regressismo tem um ponto fundamental como corolário de não ter dado certo. Ela exaspera ainda mais seus defensores na busca de bodes expiatórios nem sempre materializados nas figuras sociais específicas, mas na generalidade de ‘elites’, ‘classes dominantes’, ‘tubarões’, ‘obsoletas estruturas arcaicas’, etc. Se uma política econômica conduz à inflação, os postulantes da tragédia ocupam as tribunas para vociferar contra os ‘remarcadores’ de preços; se a política econômica conduz ao desemprego, os mesmos implementadores da política passam a esbravejar contra a ‘insensibilidade moral’ dos empresários ou qualquer coisa do gênero.
O que está no cerne desse desastre concessionista e demagógico não é o desejo de aprimoramento, não é a falta de vontade de aperfeiçoamento e de melhoria na qualidade de vida da população como enfatiza o autor:
“Essa melhoria não vem jamais por ‘doação’, ‘decreto’ ou ‘outorga’ de nenhum taumaturgo liliputiano e pretensioso – para quem a ação política ou a arte de governar eram apenas uma série sensaborona de escamoteações e manhas de astúcias, e de golpes de ‘esperteza’. A geração que era adulta durante as décadas de 30 e 40 sabe disso; sabe que foi o marasmo, a lerdeza, a lentidão do desenvolvimento econômico-social sob os quinze anos da ditadura e do Estado Novo, apesar dos 8.148 decretos-leis com cuja assinatura o ditador ‘decretava’ um progresso que não vinha, e uma prosperidade que o seu papelório estéril não gerava” (FARHAT, 1968, p. 86-87).
O deliberado descarrilamento geral dos nossos sistemas básicos de transporte
No Lloyd e na Costeira estatizados, o problema do inchamento da máquina ocorre em paralelo com seu desmantelamento. Enquanto aumentam exponencialmente as despesas com pessoal, diminuem avassaladoramente as receitas com a operação do serviço pelo encarangamento da atividade, obsolescência de manutenção, conduzindo à quebra de equipamentos e interrupção de serviços, aumentando os déficits financeiros e impossibilitando a confiança mútua entre empregados e a adoção de práticas sadias de trabalho e dedicação. Nesse ambiente, formam-se camorras especializadas no peculato e na falsificação de horas extras, defeitos técnicos, greves relâmpagos, reivindicações estapafúrdias e assim por diante, com alta ressonância favorável no sistema político eleitoreiro, mas uma desordem generalizada no ambiente de trabalho.
No disputado processo político dos anos 60, como consequência da pervasiva inflação apontada atrás, que cobrava de todos os brasileiros a fatura da insanidade da construção de Brasília, um velho elemento veio a ser turbinado na trajetória político-institucional de forma nunca vista anteriormente: a demagogia eleitoral calcada em promessas de benefícios salariais no vendaval das reivindicações pela recuperação salarial.
Eram mobilizações legítimas sendo impulsionadas por pretensões absurdas que lançadas nos vapores esbravejantes da irresponsabilidade, se condensaram no líquido viscoso e pútrido da iniquidade. Aproveitando os anseios legítimos, a grande frente única do regressismo nacional mirou seu canhão de chumbo grosso no sistema de transportes estatizado e dali conseguiu a mais extraordinária e brutal privilegiatura de que se tem notícia na história do mundo: um sistema de benefícios e vantagens para ferroviários e estivadores que afundou o país em uma crise até hoje (2010) ainda não totalmente solucionada. Eis o que nos conta Emil FARHAT (1967, p. 97- 98):
Estatizou-se a Companhia de Navegação Costeira, que formava, com o Lloyd Brasileiro, o maior conjunto mundial de marítimos sem navios ... quando o país abriu os olhos, cada bigorna tinha quatro ferreiros e cada vagão quatro condutores; em cada navio mercante brasileiro, quatro marinheiros descascavam a mesma batata ..., e em cada metro de cais, quatro ‘especialidades’ de conferentes espiavam o mesmo saco carregado por quatro estivadores”.
O Brasil chegara à década de 60 com apenas 40 km de cais na soma de todos os seus portos, isto é, dos 262 atracadouros acostáveis do país. Na mesma época, só o porto de Hamburgo tinha 30 km, Londres 80 km. Nova York tinha 170 km de cais acostável e 3.500 funcionários no porto. O Rio de Janeiro (só com 7 km de cais acostável) tinha cerca de 8 mil funcionários.
Quem visita o museu da Companhia de Navegação Costeira no porto de São Francisco do Sul (SC), depara-se com uma empresa fundada em 1882 por integrantes da família Lage que foi responsável por boa parte do desenvolvimento do Brasil até 1966, quando foi estatizada e incorporada ao Lloyd. Mas nada mais se fala sobre o colapso da marinha mercante brasileira. No entanto, Emil FARHAT deixa clara a causa do colapso tão zelosamente escondido dos brasileiros naquilo que, não obstante ter sido um fato escandaloso, conseguiu se transmudar no conjunto do Brasil que ‘não se vê’ por arte de nossos estudiosos acadêmicos:
Enquanto um navio carvoeiro inglês ou norueguês ou belga ou liberiano, de aproximadamente 5 mil toneladas, tem 29 homens na tripulação, os nossos com a mesma tonelagem e para a mesma finalidade têm cerca de 80.
...Quando em setembro de 1963, o novíssimo mercante do Patrimônio Nacional ‘Ana Nery’ se chocou com um petroleiro da Petrobras à entrada da Guanabara, nenhum jornal se deu ao trabalho de comentar ou estranhar este escândalo técnico, também de proporções mundiais: fretado para levar 70 turistas a Israel, o reluzente ‘Ana Nery’ o fazia graças aos ‘exaustivos esforços’ de 230 tripulantes!... Quando o leitor vir, no porto de Belém ou de Manaus, um bojudo “motor”, desses que sulcam os igarapés da Amazônia, puxando, como se fora um sobressalente, um pequeno barco em que vão alguns homens, fique desde logo sabendo que aqueles cavalheiros rebocados são os excedentes da tripulação legal, e ali vão espiando os outros trabalharem, porque a lei ‘manda’ que haja aquele excesso, que o próprio barco-motriz não comporta” (FARHAT, 1968, p. 98-99). No tocante à navegação fluvial, em um relatório apresentado pelo presidente da Comissão da Marinha Mercante em 1965, o comandante Fernando Frota, indicava de modo dramático:
“Todas as empresas se acham em estado de decomposição” (p. 107), referindo-se ao “Serviço da Bacia do Prata”, ao “Serviço de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto do Pará (SNAPP), à ‘Companhia do São Francisco´ e à “Navegação Bahiana”. Os 34 mil km de rios brasileiros navegáveis encontravam-se paralisados porque o serviço não podia atender às exigências legais da “tripulação de lei”. Até mesmo uma piroga tinha que se enquadrar na legislação marítima. As consequências disso logo vieram à tona: os navios que deixavam os portos totalmente carregados passaram a viajar com 50% da carga. Uma viagem de Porto Alegre a Belém retardou-se para 5 meses, enquanto que de Porto Alegre à Austrália ou ao Japão apenas 2 meses. Em pouco tempo, o sal do Rio Grande do Norte faltava no RS, e o rebanho bovino começou a minguar por falta de sal. O desaparecimento de cargas por roubo no cais começou a se transformar em uma endemia. Flagrados alguns conferentes roubando cargas nos armazéns do cais de Porto Alegre, não puderam ser despedidos porque a legislação não permitia. O transporte de arroz passou a ser feito por rodovia, porque para ser feito via cabotagem teria que esperar até 6 meses. Desde então, continua sendo feito por rodovia. Nossa navegação de cabotagem não se restabeleceu jamais apesar das inúmeras gerações de políticos que se sucederam no país. E a razão é muito simples: não houve alterações na legislação trabalhista, um código tão arcaico que faria os chineses ter um ataque de riso (ou de raiva) se soubessem o que ela representa na proteção ao mau caráter do picareta travestido de trabalhador brasileiro e na frustração ao empreendedor.
As empresas privadas de navegação tinham que repassar as taxas portuárias e os altos salários da estiva. Logo as cargas começaram a rarear. E não eram poucas as empresas de navegação. No RS havia a Rio-Grandense, que foi a última a entrar em liquidação por não ter mais condições de operar. Havia uma empresa para transporte de mercadorias entre as quais o vinho da Serra Gaúcha para São Paulo, Rio, Salvador, etc. Seu último navio, chamado Navesul, ficou parado, longo tempo à venda, sem compradores. A empresa fechou porque ninguém podia transportar mercadorias devido às altas taxas portuárias. Era mais barato enviar por via rodoviária e até por avião do que pelos portos.
Por toda a parte o que se via eram navios parados esperando carga. E como empresa parada não fatura, a Casemiro Filho, do Ceará, teve que fechar as portas. Ofereceu aos seus portuários os próprios navios como indenização: eles recusaram. “O que vamos fazer com navios, disseram eles: não há carga” (p. 111).
Para se ter uma ideia comparativa de salários no final de 1963, em Macau no RN, porto de salinas por onde o sal era embarcado pelos barqueiros que pelo rio Açu levavam o sal até os navios, os estivadores tinham um salário de 500 mil cruzeiros (R$14.300,00 pelo IGP-DI), enquanto o salário mínimo da região era Cr$14.700,00 (R$421,18 pelo IGP-DI). Os salários de autoridades locais eram: prefeito (Cr$42 mil = R$1.205,00); juiz de direito (Cr$40.000,00 = R$1.147,00); professora primária (Cr$6.500,00 = R$186,54), com índices atualizados pelo IGP-DI do site www.calculoexato.com.br para maio/2010.
A consequência foi a desmontagem dos navios um depois de outro. Até navios frigoríficos foram sucateados por falta de carga. Os únicos navios que saíam dos portos eram os de bandeira estrangeira, que não precisavam se submeter à legislação trabalhista marítima. Foi um grande apoio que nosso sistema político populista concedeu às empresas de navegação no exterior. Ou seja, o desmonte do país sob a veia crispada da demagogia populista e que todos os livros de história se esmeram em ocultar, zelosos que são do oficialismo, do partidarismo único e pervasivo: a atribuição dos problemas brasileiros às ‘elites’ ou qualquer outra denominação pomposa de nosso disfarcismo alucinante.
Ferrovias
A semeadura de embustes em torno da Reforma Agrária
O arroz gaucho chegava em São Paulo e Rio depois de 2 a 3 meses de viagem de trem.
Além disso, a verdadeira natureza da agitação pela posse da terra: passados mais de quarenta anos, a advertência de FARHAT de que a reforma agrária não conduz aos objetivos planejados confirma plenamente os dados de nossa época.
Senão vejamos:
Alguns participantes da claque vermelha das cidades fingem crer totalmente que ‘o Partido está lutando para dar terra aos camponeses...’ Esses ingênuos-espertos fingem não saber que, em todos os lugares em que subiu ao poder, o ‘Partido’ não deu nem dará títulos de propriedade de terra (e de nada) a NINGUÉM, pelo simples fato de que o princípio básico (e mortal) da política marxista é exatamente a eliminação da propriedade individual e de toda a ideia de posse...
Se, nos países livres, os ditatorialistas vermelhos falam taticamente em ‘distribuição de terra aos camponeses’ é porque já sabem quanto isso lhes serve para a AGITAÇÃO E DESORGANIZAÇÃO da vida do campo – dois fins fundamentais da sua ‘política agrária’. Eles já conhecem de sobra os resultados de todas as ‘reformas agrárias’ feitas desse jeito: 1) imobilizar pelo terror as atividades produtoras dos que têm terras; 2) dar uns inconsequentes tratos desnudos de campo a quem já vive desnudo de vida.
Eles já sabem que o simples fato de se entregar um título de propriedade a um enxadeiro não realiza o milagre de torná-lo capaz de dirigir o pequeno e complicado negócio que é o seu sítio, a sua fazenda. Eles já conhecem calculadamente os ‘resultados’ que se obtêm quando se joga uma pobre família de campônios sobre terras que eles têm que cultivar com uma orientação profissional de que não dispõem; com instrumentos de trabalho e máquinas que não podem comprar; com adubos cuja existência às vezes nem conhecem. Maquiavelicamente, eles não ignoram que aquele coitado, só com enxada e facão, não pode dar cabo das pragas que ameaçam periodicamente suas plantações, e que não poderá, com míseras caçambas ou ridículos regadores, repor sobre o campo, diariamente, a água, a irrigação que Deus não der...
Que milagres fabulosos teriam acontecido na produção agrícola dos países que realizaram a ‘Reforma Agrária’? Que índices admiráveis de produção atingiram essas nações ‘progressistas’?
No seu fundamentado e impressionante livro, ‘A corrida para o Ano 2000’, o professor Fritz Baade, com sua autoridade de deputado do Partido SOCIALISTA alemão, informa que são os seguintes os resultados de produtividade dos campos ‘reformados’, nos países onde se fez a Reforma:
“Na Rússia, cada trabalhador ativo produz para 6 pessoas na cidade. Na China e na Índia, cada trabalhador ativo produz para 3 pessoas na cidade.”
Enquanto isso, o que acontece nos países onde não houve a ‘benção salvadora’ dos sovkhozes e kolkhozes? Nos Estados Unidos, cada trabalhador ativo produz para 27 pessoas na cidade! No Canadá, cada trabalhador ativo produz para 26 citadinos!
Com sua responsabilidade de professor de economia agrária da Universidade de Kiel, Fritz Baade calcula ainda que, lá para o ano 2000, com a evolução da técnica agrícola (novos equipamentos, novas descobertas sobre solos, nova química protetora, novos adubos, nova mentalidade administrativa), cada agricultor americano estará produzindo para alimentar de 70 a 90 pessoas na cidade!
Apesar de todo o hermetismo com que os marxistas cercam suas ‘tragédias íntimas’, a União Soviética não conseguiu esconder em 1963 a sua necessidade de bater à porta dos paióis burgueses para comprar 30 milhões de toneladas de trigo aos seus agricultores não ‘reformados’. Nem pode omitir também o desespero da busca de um ‘bode expiatório’ nacional (já que não tem imperialismo agindo lá dentro), mudando 4 vezes de ministro da Agricultura em 3 anos... (FARHAT, 1968, p. 190-192) Quando se sabe, desde 2007, que de todos os milhões de hectares de terra distribuídos a partir dos anos 90, que o índice de fracasso chegou a 75%, percebe-se o quão proféticas são as palavras de Emil FARHAT. E, quando se compara as invasões atuais do MST e da Via Campesina com o propósito de destruir plantações, máquinas e edificações, além da aterrorização generalizada no campo, só se pode concluir que o Brasil não prestou atenção a um de seus mais importantes livros que só podia ser escrito por um analista social e que jamais teria algo equivalente entre nossos dómines acadêmicos. E mais adiante FARHAT (1968, p. 195) acrescenta:
No Brasil, os reformistas agrários que aqui pontificavam nos idos de 1962 e 1963, criaram um órgão executor de seus projetos, a SUPRA (Superintendência da Reforma Agrária), que agitou intensamente, fundou imediatamente... 500 sindicatos rurais, e NENHUMA ESCOLA de ensino agrícola. E nem sequer fez o Censo Rural, pois não interessa aos desígnios da SUPRA constatar, e deixar divulgar, que já existiam no Brasil cerca de 2.700.000 propriedades agrícolas ... num país ... que precisa de 5 mil novos agrônomos por ano, para atender às necessidades da sua lavoura, onde só existem 12 escolas de Agricultura....”. Citando os custos da propriedade agrícola, segundo levantamentos da época, bem como das ferramentas e aparelhos de irrigação, uma pequena propriedade necessitaria de NCr$ 4 mil em dezembro de 1964 (Cerca de R$57 mil pelo IGP-DI de maio/2010 segundo o portal calculoexato.com.br)
E termina dizendo que para acomodar 50 mil novos camponeses todos os anos, as despesas apenas de aparelhagem, supondo que seriam feitas em terras devolutas do Estado, teriam que ser de 115 milhões de cruzeiros novos (1,6 bilhão de reais pelo IGP-DI em 31/5/2010). Entretanto, considerando que:
Sem assistência social adequada e enérgica, o enxadeiro brasileiro e sua família serão, como os nossos pescadores, baratas tontas, que se afogarão pela falta dos mais simples rudimentos de economia agrícola e doméstica no pequeno mar de facilidades e responsabilidades atiradas às suas mãos inexperientes, ao seu cérebro virgem de noções de bem-viver, de saber viver e de administrar o que quer que seja (FARHAT, 1968, p. 199). E foi o que aconteceu e continuará acontecendo: puro e simples desperdício de dinheiro público. Mas sua crônica dos atropelos governamentais não para por aí. Fala da obsessão pelo ‘fachadismo’ do governo de construir um mastodonte estatal chamado UNIVERSIDADE RURAL, no km 47 da Via Dutra, na saída do Rio de Janeiro, em lugar de centenas de pequenas escolas agrícolas para não "pulverizar a grandeza das coisas que o Estado (leia-se o ‘Meu governo’) deve fazer. Tem que ser uma Universidade Rural ‘como não há nenhuma no mundo’ (FARHAT, 1968, p. 201).
A mão seca do Estado-industrial... e a mão frouxa dos líderes-Madame-Pompadour
Para FARHAT (1968, p. 211), o problema se situa na união entre ‘nacionalismo’ com o fascismo, com o marxismo e o socialismo verde-amarelo. Às vezes o imbróglio junta até liberais e social-democratas, quando se trata de um projeto de lei. Com a democratização do país pós-Vargas, de 1955 a 1964, os comunistas tiveram acesso à cúpula das empresas estatais de então sendo um período em que “demonstraram à saciedade que defendem a estatização não apenas como ponto de vista ideológico, mas como um ESTRATEGEMA DE GUERRA, de ocupação de posições poderosas, quase todas, daí por diante, fortificadas pelo cimento emburrecedor do mito da ‘intocabilidade’.
O essencial – anseiam eles – é que a gangrena comece em algum ponto do organismo da Nação; não importa onde, nem como. Quando o Estado, ainda que por obra de ingênuos políticos ou burocratas idealistas, coloca sua mão-seca de empresário inapelavelmente frustrado sobre um setor qualquer da economia nacional, os teoristas vermelhos sabem de antemão o que aí acontecerá mais hoje, mais amanhã: o ingurgitamento do empreguismo; a apoplexia do sinecurismo; o dilúvio do papelismo; a maratona de favores entre o “coitadismo”, o “concessionismo” e o protecionismo; as gordas enxurradas do desperdício; a ataraxia da inaptidão, da lerdeza, do boa-vidismo. E, um dia, afinal, o alijamento dos tímidos e matematicamente fracassados idealistas pelos técnicos do calculismo vermelho ou pelos serviçais das ‘linhas-auxiliares’
Como acentua o economista Roberto Campos, uma das características básicas do Estatismo é a “falta de sanção”. Disto resulta o “habeas corpus” da impunidade absoluta de que se valem todos os “istas” que frequentemente se dão as mãos nos corredores das empresas estatais – para levá-las a total ineficiência ou completa dilapidação. Essa “falta de sanção”... tem sido o convite ao cinismo desabusado, praticado sob o pálio verde-amarelo da “intocabilidade” e do “nacionalismo” (FARHAT, 1968, p. 212-213).
E Emil FARHAT desfila uma amostra do caos estatal dos anos 60, com os portuários recebendo nada menos que “56 vantagens extra-adicionais!”. Ou o caso da Petrobras, que desde essa época paga gratificação de ‘periculosidade’ distribuída ‘até para os funcionários instalados no escritório central situado em plena Av. Presidente Vargas no Rio e no próprio escritório em Nova York” . O mesmo acontecia com os funcionários da Rede Ferroviária Federal mesmo trabalhando nos escritórios da Cidade Maravilhosa. “Aliás, ainda a propósito da Rede, é curioso salientar que aquilo que antigos empresários particulares puniam com advertência ou suspensão – chegar o trem atrasado – tornou-se na rendosa indústria das ‘horas extraordinárias’ de ‘trabalho’, razão por que em todas as ferrovias da Rede ‘nacionalizada’ os comboios já partiam atrasados, desde sua estação inicial....” (FARHAT, 1968, p. 213-214).
Ninguém nunca pensou em somar ao já cosmogônico ‘déficit’ das autarquias industriais o que elas DEIXAM DE PAGAR DE IMPOSTO DE RENDA. Se, nessas áreas, ao invés das perdulárias empresas-manicômios ‘administradas’ pelo Estado, estivessem atuando eficientes empresas particulares, não só o país não sofreria sangrias, empobrecedores prejuízos como, pelo contrário, receberia receitas formidáveis de impostos, principalmente o de renda.
Muitos dos ingênuos defensores da estatização não atentaram para esse duplo aspecto da brutal sangradura com que essas empresas-chupins, as autarquias industriais, haraquirizam o corpo da Nação: além da dilapidação pelos prejuízos, NÃO PAGAM IMPOSTO DE RENDA, por causa mesmo desses prejuízos; mas, se não os apresentassem, também não os pagariam, protegidas que são quase todas pelas ISENÇÕES DE IMPOSTOS com que, de antemão, o legislador ou o governo procuraram acobertar a sua matematicamente infalível incapacidade administrativa...
Houve até um deputado federal que, no ano da graça de 1963, levando ao paroxismo o truque da ‘intocabilidade’, apresentou um projeto que estendia a tal ponto a ‘proteção’ à Petrobras que isentaria de impostos e taxas ‘TODA E QUALQUER transação que fosse realizada’ POR ELA OU COM ELA; esse projeto levava os ‘direitos’ dessa empresa até o extremo de ela poder IMPORTAR O QUE QUER QUE FOSSE SEM NENHUMA FISCALIZAÇÃO NEM SATISFAÇÃO À PRÓPRIA ALFÂNDEGA FEDERAL” (FARHAT, 1967, p. 214-215). Esse é o ponto! Aqui FARHAT chega ao âmago da questão: começando pelos comunistas, e depois pela velha esquerda, e por último a classe média – todos preferem o sistema estatal brasileiro. Este consegue satisfazer a todos: aos comunistas pela ausência de sanções, pela dispensa de competência e assim por diante; à classe média, pela estabilidade no emprego e pela ascensão baseada em ridículos planos de carreira; para os bocejantes, pela possibilidade de levar a vida fácil e aos espertalhões, pela possibilidade de gazetear à vontade com salário garantido no fim do mês.
Com essa frente única que abrange uma boa parte da brasilidade é natural que uma figura política que ofereça sinecuras estatais ao povo seja uma bomba-relógio política de alta relevância no patropi. Aliás, em seu livro de memórias, escrito entre 1995-96 (faleceu no ano 2000), FARHAT conta que quando os aliados ganharam a guerra e a democratização avançava na marra, destruindo as barreiras da ditadura do Estado Novo, com Getúlio nos últimos dias de governo, como membro da Esquerda Democrática (facção da UDN que mais tarde geraria o PSB), foi com uma delegação procurar Prestes recém saído da prisão. A ideia era criar uma unidade da oposição ao Estado Novo para o futuro da abertura. Ao se reunir com o ‘Cavaleiro da Esperança’, FARHAT ficou perplexo ao ver Prestes falando em apoiar a ‘Constituinte com Getúlio’, uma proposta dos comunistas que era – na opinião dele – completamente incabível para a conjuntura. Ao pedir a palavra para manifestar seu estranhamento pela posição de Prestes, argumentando que o líder comunista não podia moralmente apoiar um ditador que não só lhe tinha preso e torturado por quase 10 anos, como enviado sua mulher grávida para os campos de concentração nazista, Prestes lhe interrompeu agressivamente com um ‘cale-se, você não tem nada a ver com isso’. Tentou falar mais duas vezes e foi novamente hostilizado por Prestes a ponto de ter que efetivamente deixar seus colegas levar a proposta da nova Constituinte sozinhos ao líder comunista. É que FARHAT não percebera que os comunistas estavam todos empregados na máquina estatal criada por Getúlio, a mesma máquina cujos desatinos estão narrados na seção DNABrasil sob o título ‘O Desperdício do Capital Social’.
Felizmente os militares derrubaram Getúlio poucos dias depois, convocando as eleições que elegeram Dutra com apoio dos comunistas contra Eduardo Gomes, o candidato anti-Getúlio. A máquina estatal já estava pronta para dar ao país o resultado de seu retumbante fracasso.
A confusão entre estatismo e o bem do Estado, o bem público, é a tese em que FARHAT se propõe a demonstrar como um axioma matemático: “o estado não é essa coisa vaga, ideal, abstrata, como aparece na imaginação de muitos, mas sim uma coisa muito palpável, que é o grupo político ou partidário que está no poder” (p. 220).
É incrível como, no Brasil, políticos e partidos bem intencionados sempre votaram quase abulicamente todas as leis que criavam ou ampliavam autarquias industriais do Estado. Amedrontados por palavras e por preconceitos, eles não viam que isto era ampliar ao infinito os poleiros eleitorais de um bandoleirismo partidário que, sem nenhum pejo ou escrúpulo, considerava a Nação sua fazenda, e essas empresas os seus currais e galinheiros, onde cevavam seu gado de pelo e pena, para os rega-bofes de boca de urna, que os eternizavam no poder.
E quando os tartufos ‘modestamente’ imaginavam mais uma empresa, para dar vazão às suas necessidades de empreguismo correligionário a granel, os ingênuos retrucavam com ainda maior arroubo ‘progressista’, oferecendo logo o galinheiro de inacabáveis poleiros, de um novo monopólio estatal...
Cegamente, os bisonhos políticos liberais não viam que o grupo estatista-empreguista queria apenas assegurar para si e para os seus a facilidade de ‘dispor’ de mais uma empresa ‘do Estado’, queria a facilidade, que ela sempre assegurava, de seus rebentos e protegidos, correligionários e ‘peixinhos’, nela poder entrar, MESMO SEM COMPETÊNCIA, e nela poder subir, MESMO SEM MERECIMENTO.
Aliás, não há mais político-empreguista pelo Brasil afora que ainda não tenha entrevisto a imensa prestimosidade eleitoreira de uma empresa estatal, por modesta que seja... Já de há muito, certos vivazes assessores palacianos pressentiram existir um inédito e importante ‘fator de produtividade’ a buscar nessas organizações: a sua alta rentabilidade de empregos a serem distribuídos e de cabos-eleitorais a serem atendidos” (FARHAT, 1968, p. 221-222). Reitero ao leitor que essas observações são de 1967. Com as privatizações no governo FHC, boa parte do descalabro foi eliminado, especialmente no setor siderúrgico e de telecomunicações, passando os entes estatais privatizados a dar recursos à Nação, de cuja estabilidade proporcionou a ascensão da demagogia populista dos últimos anos. Agora, começa a voltar a ressurreição dos cadáveres daquela época, como a recente recriação da Telebrás, consubstanciada em empreendedorismo de um governo sindicalista que vai na direção da mesma tragédia, e confirma o que Emil FARHAT enfatiza com sua lucidez cristalina: o estatismo é uma aliança entre correntes políticas divergentes para uma mesma finalidade política, e neste balaio de gatos não por acaso estão empresas inspiradas na estreiteza estratégica dos antigos comandantes militares junto aos sindicalistas do século XXI.
Para FARHAT, o estatismo tem que ser analisado como um fenômeno só: do nazismo ao comunismo, da pseudo-democracia ao subdesenvolvimento social. E modernamente até como um esbulho da religião, como no caso das teocracias islâmicas. Em plena guerra fria, ele apresenta o contraste entre as economias do leste europeu e as do oeste, as diferenças sociais e culturais, a opressão humana na negação da liberdade de empreender, de manifestar um pensamento fora do âmbito oficial, as diferenças no nível de vida. E não deixa de manifestar sua perplexidade com a questão do petróleo no Brasil:
A Petrobras informava, retardatariamente, em 1964, que, valendo-se de todas as suas facilidades e das verbas imensas de que dispunha, e ainda dos seus (então) 30 mil funcionários, havia atingido a ‘performance’ total de 441 poços perfurados nos anos de 1961 a 1962; isto quando indivíduos e empresas particulares ‘atiçados pela ambição’ perfuravam no mesmo período 1.033 poços na Venezuela, 4.450 no Canadá e ‘apenas’ 90.000 nos EUA.
Na própria Argentina, após quase 50 anos de monopólio estatal do petróleo (YAPF), fora finalmente admitida a associação de empresas privadas, tendo sido perfurados, de imediato, no período 1961-1962 (governo Frondizi) nada menos que 2.906 poços. Isto bastou para tornar o país autossuficiente, e até exportador (para o Brasil) de gasolina e gás butano... ...Aliás, o Brasil, apesar de ter supostamente “um sexto das prováveis reservas mundiais de petróleo’, também é ‘beneficiado’ há quase 3 décadas (desde a fundação do Cons. Nac. do Petróleo) pelo mesmo raciocínio de antimatemática financeira, no que diz respeito à exploração do nosso subsolo eventualmente petrolífero.
... Graças a Deus, impulsionado pela alta octanagem da força de vontade dos brasileiros que produzem, a tendência do progresso nacional será atingir uma energia de expansão algebricamente crescente. Como será que, furando poços com horário de repartição, e tirando petróleo em colheradas, o monopólio estatal irá cumprir a sua parte, de IMPEDIR QUE O BRASIL TENHA DE MANDAR ANUALMENTE CENTENAS, cada vez mais numerosas, DE MILHÕES DE DÓLARES para comprar lá fora aquilo que, segundo os técnicos, forma oceanos intocados no subsolo nacional?
Doze anos após criado o monopólio estatal especificamente encarregado de refinar e extrair petróleo (nota: 1965), ainda estávamos produzindo apenas 35% das necessidades nacionais. Se levarmos em conta a inescondível MAIOR VELOCIDADE DO CONSUMO do que da produção, talvez ainda decorram 20 anos para atingirmos a autossuficiência. Até lá, o Brasil se terá sangrado em DEZENAS DE BILHÕES DE DÓLARES, pagando, como um caipira, no ‘embrulho’ do petróleo que nos vem de fora, também os salários, os impostos, as taxas, e os selos, os dourados ‘royalties’, as despesas todas cobradas pelos países que ‘ingenuamente’ deixam tirar o ouro negro, mas jeitosamente ‘arrancam o couro’ de quem o tira. E, dos tolos, ou coitados, que depois são forçados a comprá-lo” (FARHAT, 1968, p. 241-341).
Infelizmente, FARHAT errou na previsão da autossuficiência em 20 anos, ela só veio ocorrer em 2007, exatamente 40 anos depois da publicação do seu livro. E nada indica que, ao trocar o modelo de concessão pelo de partilha, como temos advertido à Nação, o petróleo brasileiro não entre em declínio. Relativamente ao estatismo, FARHAT (p. 245) continua sua invectiva cristalina e pedagógica:
Em qualquer setor econômico em que o Estado entre com sua mão desajeitada, ou perdulária, ou estéril – EM QUALQUER PAÍS DO MUNDO – as coisas se afrouxam, as regras se amolecem, começam os ‘jeitos’, imperam os achegos, junta-se o compadrismo, floresce o filhotismo. Seja qual for a forma sob a qual o Estado participe de uma atividade econômica, seja como industrial-monopolista, ou acionista majoritário, ou minoritário, ou simplesmente como subsidiário – logo se forma a tessitura das adiposidades burocráticas, estendem-se e enroscam-se os filamentos gordurosos de ‘vantagens’ e ‘percentagens’ que se vão generosamente desprendendo, para os que se colocam no caminho de ir e vir, do fácil dinheiro do povo...
Por que é que o Estado deveria meter-se a ‘grande realizador industrial’, a magnata do ferro e do aço, do petróleo e da eletricidade, dos álcalis, das comunicações telefônicas, telegráficas, ferroviárias e marítimas, e a ‘fabricante’ de automóveis e caminhões – se ainda não dera conta sequer nem da vulgaríssima e primordial tarefa de dar hospitais e centros de saúde, que funcionem, ofereçam cama limpa, médicos atenciosos, enfermeiros competentes e cumpridores dos mais rudimentares deveres profissionais – num país que ainda tinha 20 milhões de opilados, 11 milhões de papeiros (bacíferos), 3 milhões de chagásicos, 4 milhões de esquistossomáticos e 50 milhões de portadores de helmintose, como em julho de 1964 fora corajosamente proclamado pelo então ministro da Saúde, prof. Raimundo de Brito.
Diante da batalha acirrada que se trava entre estatistas e defensores da liberdade de iniciativa do cidadão, há os que indagam perplexos: mas, afinal, que deve o Estado fazer? Que é legítimo e NATURAL, ou LÓGICO, que ele faça na vida do país?...
Mas se atentarmos para as imensas tarefas que cabe ao Estado, ao governo executar – mesmo aos governos sem a preocupação da estatização eleitoreira ou socialisteira – veremos que se trata de uma tremenda carga de ônus, cujo atendimento exige devoção total dos executivos e fertilíssima imaginação administrativa e criadora... pois, além daquilo que é hoje a mais vital e sacrossanta função do Estado – atender os problemas da Educação em todos os graus – ele tem pela frente as tarefas de cuidar e prover: saúde pública, segurança interna e externa, códigos e leis que regulem a vida econômico-social, justiça de todos os graus e tipos, estradas e vias fluviais, portos, correios, finanças e recenseamentos nacionais, urbanismo, defesa florestal, trânsito, acumulação e depósitos de água doce, poluição da atmosfera e dos rios, prevenção e assistência contra as hecatombes, assistência social à invalidez, ao desemprego e à velhice. E isto sem incluir os programas nacionais de habitação para as classes menos favorecidas... Como se vê, encargos que, por si sós, bastam para esgotar a capacidade e a dedicação de quaisquer gigantes que atinjam o poder com a mais alentadora vocação do bem público” (FARHAT, 1968, p. 254 – 255)
Os marxistas sebentos e os ricos fedorentos
É o capítulo em que se lê alternando entre a gargalhada espiralada e a perplexidade de alta suspensão superciliosa. A verve panfletária de FARHAT um dia ainda fará história, se neste dia o país ajustar as contas com seu passado. Com este tipo de retórica a editora Companhia Editora Nacional cravou na contra-capa em letras garrafais: “um livro para ser lido em voz alta pelo Brasil inteiro”:Agarrados nesses chimpanzés, puxando-os pelo focinho ou pela cauda, os comunistas e seus serviçais passeiam pelo país afora a sua teoria carrapaticida de eliminação total do sistema que dá ensejo à existência também desses engordados chupins do regime capitalista.
Muita gente fica, por isto, sem compreender como em tantas ocasiões se entendem afinadamente, dão-se as mãos, oculta ou até abertamente, os comunistas e os tipos de capitalista que exatamente eles caricaturam. Como todos os sócios eventuais de qualquer trama diabólica, eles se ajudam mas se odeiam, porque cada um sempre receia que o outro o atraiçoe – como já é parte da própria história contemporânea.
Não lhes vendo as caudas entrelaçadas por baixo da mesa, muitos bisonhos espectadores da pantomima não entendem a aparente contradição de certos ricaços e riquíssimos mastodontes que deram, e continuarão dando, certamente, ainda, dinheiro grosso aos comunistas e ‘nacionalistas’ para suas campanhas. Ao fazer isto, esses nababos fedorentos estão apenas seguindo uma linha de sua ‘política econômica’ de, desleal e impatrioticamente, fechar-a-raia para o surgimento de outros empresários ou empresas, mais atilados e modernos, mais bem equipados e decididos, mais ágeis e evoluídos e de avançada compreensão quanto à FUNÇÃO SOCIAL DO LUCRO.
Para não ter que reorganizar, redistribuir e reestudar continuamente seu negócio ou indústria, para não ter de cansar-se na mesma luta de estar sempre batalhando para a conquista ou manutenção do mercado que, por esperto açambarcamento ou ‘altas conivências’, JÁ ERA SEU, o capitalista-feudal ia e vai até benzer-se com os pais-de-santo comunistas. Estes, em troca de seu apoio a oferendas, lha dão o jocoso diploma onde, de cabeça para baixo, vem a palavra favo-de-mel – PROGRESSISTA. E asseguram então, ao seu sócio de circunstância, alma e entusiasmo ‘os mais puros’, na luta comum pela ‘libertação nacional’, pela elaboração de mais leis espanta-gringo, e pela criação de dificuldades a todos que ameacem a hegemonia daquele donatário-de-capitania nesse ou naquele ramo de negócio.
No fogo de barragem ‘nacionalista’ que lançam para proteger o seu aparentemente esdrúxulo associado, os comunistas estão mais uma vez e sempre apenas cumprindo novos ângulos da sua inarredável e implacável lei de guerra: ‘Quanto pior, melhor’. Pois eles sabem muito bem o quanto ajuda suas tão acalentadas ‘condições revolucionárias’ que haja só um produtor de alumínio, só um fornecedor nacional de zinco, só um grande comprador-exportador de café, só um produtor de determinada fibra sintética ou tecido, ou só um produtor de vidro plano. Eles sabem muito bem que qualquer monopólio, público ou privado, de qualquer natureza, ainda que de formicida ou pó mata-rato, é prejudicial à economia de um país e à sua salubridade social.
Mas, o espantoso não é que, a esta altura da evolução política dos povos, os comunistas usem esses bodes e essas táticas, que certamente continuarão a usar também lá pelas alturas de 1980 ou no ano 2000 – pois até lá, mesmo com o inevitável desaparecimento do sistema, existirão os comunistas por sebastianismo como ainda há florianistas por aqui, e os bonapartistas na França. O espantoso não é que os vermelhos usem essas excrescências do egoísmo pretendendo apontá-las como flores e frutos inerentes e exclusivos das condições do capitalismo.
O espantoso é que homens de inteligência, de idealismo e piedade se postem ridiculamente no papel de seus caudatários, seus afluentes, sacristãos ou filósofos-de-reboque e insistam, com o automatismo inerme de uma câmara de eco, que a nuvem é mesmo Juno. É impressionante que Emil FARHAT tenha previsto o fim do comunismo soviético. Sua intuição estava fundamentada na convicção de que o avanço da ciência e tecnologia era privilégio de uma sociedade competitiva que tinha conseguido resolver o problema da educação e com isso priorizar a pesquisa científica como motor da evolução econômica. E prossegue seu manifesto atacando o egoísmo humano:
Como se não houvesse egoístas, e dos piores, em todas as classes sociais, em todas as condições humanas, entre todos os partidários de qualquer sistema econômico ou filosofia. Não é intransferível privilégio da riqueza gerá-los em seus berços de ouro. Como também o opróbrio da miséria não é partejá-los em suas enxergas. O egoísta é erva daninha que ostenta sua ressequida e contorcida esterilidade em todas as latitudes sociais.
Há, sim, ricos que, por seu egoísmo ou por seu amoralismo, não merecem nem a raspa da cuia de feijão de um mendigo. Mas a existência de meia dúzia desses dromedários empatacados não pode ser justificativa para condenar-se uma nação inteira ao nivelamento pelos padrões rasteiros da miséria e a jungi-la à canga anti-humana de uma ditadura marxista ainda que travestida sob o rótulo engana-bispo de ‘democracia popular’....
Egoísta é aquele que julga que a sociedade deve apreciar e valorizar suas qualidades, ainda que não se tenha desdobrado em algo que as demonstre; ou os que recebem dos dinheiros do povo sem cumprir seus deveres para com ele. Egoístas são também aqueles que se encostam em sinecuras, onde nada executam, nada fazem, nada produzem senão o tricô de intrigas dos corações vazios, e onde nada deixam senão o exemplo de suas vidas parasitárias. O egoísmo não tem sua morada apenas nos gordurosos e soturnos corações dos forretas fanatizados pela posse do ouro e do azinhavre. Ele também se acama e se derrama nos canteiros da inércia e da preguiça, onde brotam e florescem todos os úmidos cogumelos do parasitismo, flor típica das bolorentas estufas do Estado.
É preciso que as piedosas marias-vão-com-as-outras, que os comunistas encantaram com a sua bruxaria palavrosa e seus sofismas diabólicos, se lembrem de que, tanto quanto a avareza, A PREGUIÇA É TAMBÉM UM PECADO MORTAL. Por que dar a hóstia da impunidade aos milhares de espertinhos nacional-sinecuristas, que assinam o ponto nos locais de ‘trabalho’ e só voltam para receber no fim do mês, e condenar apenas o bode onzenário, cuja pátria é a sua burra e cujo ‘povo’ são apenas os que vivem da sua sala à sua cozinha?
Mas não aborda uma questão colocada na atualidade: a resiliência do socialismo depois de sua queda. Evidentemente que nos países desenvolvidos ele só renascerá das cinzas de uma crise generalizada. Mas entre nós, pobres emergentes tracionados pela Ásia, podemos conjeturar que são múltiplas: a) um ‘encosto’ para os menos dotados. Trata-se de um componente macunaímico da brasilidade que protege os preguiçosos atávicos, os marcha-lenta da inteligência. b) um sistema de suborno material e moral do Estado, qualificando os piores tipos para os melhores cargos. O suborno material pelas mordomias. O suborno moral pela atmosfera de venalidades corriqueiras que cerca as instituições. O iniciante vai sopesando as conveniências do cargo com os horrores do ambiente e se acomodando em um niilismo embrutecedor. c) Stultorum numerus infinitum est. Não fosse a superficialidade do materialismo dialético, da estrutura de classes da sociedade, do determinismo histórico, e mais meia dúzia de engole-engole de subsumir certas platitudes como “leis sociais”, o marxismo terceiro-mundista não teria tanto êxito. d) as facilidades do capitalismo com o capital alheio: é a melhor e mais promissora forma de emprego de capital. Não há risco, não há sanções, não há fracasso. O contrário causa horror e um alarido esbravejador: a privatização de entes estatais, a lógica da eficiência, o mérito ao mais hábil e perspicaz. Depois basta fazer de conta que não se sabe de nada e deixar os mutuários chupando o dedo, como o caso Bancoop. e) Coroando todo o processo, o reforço da ideologia desculpatória, do vitimismo persecutório, do coitadismo e de uma espécie de autocomplacência que os “explorados” nutrem por si mesmos. Aqui o primitivismo idealista dá as mãos ao romantismo juvenil arregimentado nas ideologias pega-mosca dos bancos universitários.
As ‘crises nacionais’ e a indecisão pendular das lideranças
A juventude brasileira, civil e militar, que, através das incandescentes pregações do líder valoroso, já se havia aquecido até o paroxismo do mais vibrante entusiasmo e disposição para a grande arrancada recuperadora e regeneradora, sentiu-se tomada de um verdadeiro complexo de castração cívica, como se com aquilo e diante daquilo terminasse os seus dias viris e sua exuberância humana – e isolada em desorientação e desespero, começou até a descrer que houvesse heróis em nossa História, ou até mesmo a própria História...
Aconteceu então que, empurrado pelo confusionismo de amigos fardados – talvez muito mais tocados de sentimentos de piedade do que por cálculos táticos – José Américo, afogando-se numa poltrona burocrática, pareceu à Nação inteira, já mergulhada na semi-escuridão da ditadura, um boneco sem alma nem crença, sem firmeza nem senso, sem moral nem grandeza. Exatamente o oposto de tudo aquilo que sempre fora, e que precisaria TER MOSTRADO QUE CONTINUAVA SENDO (FARHAT, 1968, p. 295).
Uma cooptação vergonhosa acaba com as esperanças dos “jovens estudantes, os trabalhadores, os negociantes, fazendeiros e industriais, os profissionais liberais e os outros distantes escalões militares e civis – aquele povo inteiro que ainda não encontrara seu líder, vir desaparecer melancolicamente, prosaicamente, conformadamente, sob a pilha de papéis burocráticos, o homem que deveria ter ido, de ‘peixeira’ entre os dentes, para os subterrâneos e as cavernas do ‘undergound’, para cavar as trincheiras da liberdade e a catacumba da ditadura.... o MINISTRO José Américo participava, com aquele cargo, do ‘governo’ e do regime que usurparam de modo tão torpe as liberdades e as esperanças de todos.... Aqueles quase dez anos palustres, abafadiços, rasteiros e irrespiráveis do ‘Estado Novo’, em que o Brasil se tornou uma nação vegetal, uma charneca humana, onde só os cogumelos alteavam a cabeça oca, fofa e pastosa, criaram para os náufragos da liberdade um negrume total de naufrágio noturno: não havia luzes guiadoras nem firmes esperanças a que se agarrar. Prostrado, o povo civil não reagia; vendo isto, os militares se conformaram. E ele próprio, José Américo, pelo seu contínuo silêncio disciplinar, sem tentativas, sem gestos, nem rebeldias, deixava sem motivação e sem vida aqueles fantasmas cívicos dos que outrora o seguiriam” (FARHAT, 1968, p. 296). José Américo só viria a romper o mutismo em entrevista ao então repórter Carlos Lacerda 10 anos depois. O caráter ziguezagueante dos nossos políticos, a ‘indecisão pendular’ é atribuída por Emil FARHAT ao caráter bacharelesco de nossos mandatários. Guindados à administração, quase nada sabem de gestão. Envolvidos no torvelinho da política, optam pelo ‘neutralismo’. Para o político médio governar significa “uma contínua operação ‘deixa-disso’, em que a Nação, por mais que cresçam seus problemas, deve, afrouxadamente, sempre estar cedendo, sempre condescendendo com os relapsos e incapazes, e sendo generosa com os preguiçosos e viciosos, e cheia de recompensas para aqueles ‘coitados’ que nada fizeram nem querem fazer. Sua obsessão político-eleitoral é APOSENTAR. Aposentar todos os trabalhadores, antes mesmo de saírem para seu primeiro emprego... A sua recôndita e simplista filosofia ‘humanista’ é a de que, aqueles que não têm capacidade ou vontade de produzir coisa nenhuma, são por antecipação ‘espoliados’ por aqueles outros que inventam máquinas e técnicas, desenvolvem métodos e processos e organizam empresas para as criarem e produzirem... O Brasil veio sofrendo, ao longo das décadas de 30, 40, 50 e 60, da falta de densidade, ora mental, ora moral, da maioria dos pretensos líderes partidários... (FARHAT, 1968, p. 302)
Esta asfixia espiritual contaminava todos os partidos, todas as lideranças, criando a indecisão pendular característica da política brasileira. Emil FARHAT descreve o partido socialista e sua obsessão em antes de agir ‘saber o que pensariam os comunistas’. A UDN, formada pelos ideais da classe média, totalmente desfigurada de ideais. O trabalhismo brasileiro, sem o idealismo de Fernando Ferrari e Alberto Pasqualini. A democracia-cristã acendendo uma vela a Deus e outra ao diabo era a figura do adesismo.
Uma grande dose da descrença popular na integridade dos partidos, e na do próprio Congresso, vinha da complacência com o bifrontismo e com a duplicidade, e da falta de sanção e penalidade para o vira-folhismo” (p. 308).
Para não ousar perigosamente, para não ter que decidir ou optar, enrodilhavam-se em razões, leis, regulamentos, obrigações, consensos; embarafustavam pelo Dédalo de mil opiniões contraditórias e esticavam ao infinito os motivos para a indecisão, para a procrastinação de qualquer solução corajosa dos problemas (p. 309).
A obstinada e exclusiva preocupação da sobrevivência tem sido a principal força que comanda o vaivém pendular dos políticos sem bagagem nem coragem. Prisioneiros do seu meio, escravos da multidão, obcecados pela aritmética das urnas e pela contagem dos aplausos, eles se tornam presas fáceis das flutuações da opinião pública, espontâneas ou forjadas. E, diante dos nevoeiros, não tendo luzes próprias, caminham desarvorados como fantasmas, tentando apalpar o pulso do povaréu, em busca da rota que todos estiverem seguindo.... (p. 310)
A incapacidade do chamado ‘bacharelismo’ para a visualização das coisas concretas, e sobretudo o seu permanente temor em quebrar o equilíbrio de forças e ferir a imutabilidade da paisagem humana e social, se entremostram repetidos melancolicamente ao longo de nossa História. Somente a enfadonha sucessão desses búdicos e cautelosos cultores do imobilismo é que explica em nossa vida pública a prolongada sobrevivência de males, erros ou situações intoleráveis – como, por exemplo, a escravatura – só resolvida praticamente pela incontível violência da crise ou pelo apodrecimento dos grupamentos ou reações a ela contrários (FARHAT, 1968, p. 312-313). Temos algumas lições a tirar dessas observações dos anos 60? Considere a transposição do São Francisco, um projeto acalentado desde o Império em que o atual governo (representado por um nordestino que se gaba de seus 80% de popularidade) se acovardou por causa de um bispo e meia dúzia de esbravejadores. E assim podemos desfilar projetos, estratégias de desenvolvimento, todas esquecidas na poeira dos escaninhos, na escuridão dos arquivos. A ‘indecisão pendular’ faz parte da nossa constituição como sistema político. O político indeciso não consegue se mover quando se colocam os interesses da Nação: tudo se procrastina. Se não há lucros concretos de seus agentes envolvidos na definição de metas, então as ideias se decantam no lodo do tempo. Mas quando os interesses patrimonialistas entram em ação tudo se move rápida e celeremente. Então os papeis andam, os carimbos ribombam nos ares, as assinaturas garatujam pomposamente os processos, as ordens perfilam a máquina burocrática com indisfarçável fluidez e cobrança do suborno em ação na apropriação do capital social.
O flagelo da seca do nordeste já era laconicamente apontado por FARHAT:
O primeiro que procurou uma solução mais sistematizada do problema foi o grande homem público que se chamou Epitácio Pessoa. O governo Epitácio concentrou o que parecia ser o melhor de suas forças administrativas na construção de numerosos pequenos açudes. Mas um deles, o de Orós, era gigantesco e, não tendo sido completado no período do presidente que o iniciou (1922) caiu também sob as consequências da falta de continuidade administrativa, tão característica das coisas governamentais – e só veio a ser terminado 40 anos depois, em 1960 ... com um espetacular rompimento de sua barragem, que estava em vias de conclusão...
Ainda aí, infiltrada nessa boa vontade que tentava resolver em ritmo de cágado o problema das secas, aparece também a indecisão pendular, o receio de enfrentar frontalmente a consequência mais imediata da açudagem: os problemas político-sociais do SEU APROVEITAMENTO POR TODA A COMUNIDADE. Nunca se decidiu de que maneira – ou nunca se executou a decisão do modo por que – as populações regionais, e não apenas os proprietários das terras ribeirinhas, tirariam proveito das massas d’água acumuladas mediante aqueles imensos gastos públicos. Ficaram adiadas indefinidamente as redes de canais que poderiam levar as águas dominadas a ter a utilidade primacial que delas se buscava: a irrigação das centenas de milhares de propriedades que esperavam o seu benefício.
Em entrevista concedida a vários jornais e publicada no ‘Diário de Notícias’ do Rio em julho de 1964, o ministro Marechal Juarez Távora confirmava e lamentava: ‘Orós tem 2,3 bilhões de metros cúbicos represados, mas sem qualquer vantagem para a região, pois até hoje não há um palmo verde de irrigação, nem 1 kw de instalação e nada se produz lá’.
Essa maneira de fazer a meio, de adiar a solução final dos problemas, de continuamente contornar as conveniências do ‘status quo’, tornou os açudes nordestinos muito mais um embelezamento da paisagem do que uma correlação da economia; dir-se-ia uma açudagem literária, feita para atender às vigorosas e emocionantes mensagens dos escritores da região que, com a maravilhosa carpintaria das suas páginas candentes, conseguiram por diante dos olhos e do coração do Brasil, num palco, único, o drama da terra comburida pelas secas e o das almas ressequidas pela miséria e pela secular desassistência.
Os sintomas mais característicos do ‘bacharelismo’ – a falta de objetividade e o imobilismo búdico – depois de tantas décadas, vindos das estufas veludosas do Império e cultivados nas prateleiras da República, contagiaram o corpo administrativo do Brasil, dando uma ‘fisionomia profissional’ única aos homens de governo em todos os escalões do poder: presidentes, ministros, governadores, prefeitos. Todos tinham a mesma inerte postura, a mesma prudência de ‘não fazer nada’, não tocar na caixa de marimbondos da cobrança EFICIENTE dos impostos, não brincar com o fogo das inovações incômodas e revolucionárias, ou cuidar apenas das fachadas sem remexer nas velharias, aleijões, imundícies ou escombros do fundo do quintal (FARHAT, 1968, p. 317-318). A interpretação deste site, no entanto, difere da fornecida por FARHAT. Insistimos no ponto de que o subcapitalismo brasileiro é mantido pelo sistema político-burocrático para fins de drenagem de recursos permanentes da União para as oligarquias regionais. Uma inversão do colonialismo onde a metrópole determinava a direção do fluxo de capital, passa na república do semicapitalismo como uma força permanente para reivindicar recursos que só poderão chegar se os problemas FICAREM SEM SOLUÇÃO. Portanto, toda a atividade política deve ser canalizada para a escassez, para garantir a necessária intervenção das verbas, para ‘resolver os problemas’, que devem ficar ainda irresolvidos, ao menos em parte, ou até quem sabe, sabotados (rebentando a barragem) para que o problema não se solucione, e a miséria e a carência possam em novo ciclo requisitar o concurso da proteção política que novamente irá para os bolsos da canalhocracia e o problema continuar ‘impávido colosso’. INSISTIMOS NESTE PONTO: o subdesenvolvimento brasileiro é perfeitamente elaborado para não resolver os problemas e todos os políticos que saem fora do diapasão das promessas (tão necessárias em campanhas) logo são arrastados para a calúnia e ignomínia e terminam no limbo da inelegibilidade: quem não aprendeu esta lição nunca esteve na intimidade da política e não conhece o Brasil fora das cátedras, dos institutos de estudos, das bibliotecas recheadas de obras inúteis, de papagaiadas ridículas, de teorias sociológicas lamentáveis.
O colonialismo por inversão, em que as elites locais constituem uma oligarquia confiscadora dos recursos públicos de Brasília, tem se mantido estável e permanecerá como tal enquanto os fundamentos do sistema político permanecerem como tal. O nordeste tem sua história de secas no antigo Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), fechado por avassaladora e incontornável maré corruptora, e agora em vias de ressurreição. E a destinação dos royalties do pré-sal para estados e municípios só fará aumentar a corrupção no país e enrijecer o sistema político com um braço no cangaço e outro no voto.
As ‘chaves’ comunistas: terror intelectual e terror econômico
E às voltas com mais uma eleição (2010), novas lavas de terrorismo político serão expelidas do vulcão traiçoeiro do marxismo sebento como erupções de fumaça e cinzas prontas para embaciar a visão dos eleitores com o medo atroz da privatização, da destinação do pré-sal para fora do círculo vicioso de ‘estados e municípios’.
Por terrorismo econômico, FARHAT argumenta a equação do ‘quanto pior melhor’ da estratégia leninista de sublevação e conquista do poder. De nossa parte, não é preciso ir tão longe: a simples visão sistêmica de empreendimento estatal versus privado, ampliação da presença estatal versus particular, já é por si só suficiente para garantir uma enorme massa de miseráveis servindo uma pequena oligarquia. É o modelito do eterno subdesenvolvimento, e todo reforço estatal significa acender uma vela ao atraso.
Ethevaldo Siqueira, colunista do Estadão, faz eco hoje (junho/2010) do mesmo bordão sobre a reativação da Telebrás, ao criticar o esvaziamento da ANATEL e do Ministério das Comunicações para passar decisões dessas pastas à Casa Civil:
... Na visão do grupo petista que comanda as mudanças, quanto menor for a capacidade de atuação da Anatel, mais problemas surgirão no setor de telecomunicações. Para esse grupo, quanto pior, melhor. O que lhe interessa é exatamente isso: torpedear a agência reguladora para desmoralizar o novo modelo institucional das telecomunicações e provar à opinião pública que a privatização “fracassou e não deu certo”. E, assim, justificar o avanço do projeto estatal. (http://blogs.estadao.com.br/ethevaldo-siqueira/)
Povo burro é povo pobre
FARHAT não foi diferente. Em seu livro ‘Educação a Nova Ideologia’ (1975) tratou especificamente do tema. A crônica dos nossos desperdícios com projetos suntuosos, com mega-universidades centralizadas no lugar de cursos técnicos espalhados pelo país, com universidades quase sem alunos e com uma quantidade de professores muito acima da média dos demais países é a pedra de toque de suas análises.
Esse assunto começou a ser apresentado ao país – com mais substância argumentativa – por Rui Barbosa em 1882 (Relatório Sobre o Ensino). Desde então a Educação nunca mais saiu da consciência intelectual e dos discursos políticos, mas, ao mesmo tempo, sempre viveu no precipício da insuficiência, na vertigem da falta de verbas, na iminência de desandar morro abaixo na frouxidão do espírito austero necessário à sua eficácia.
Mark Twain (1835-1910) dizia em um de seus epigramas: ‘I have never let my schooling interfere with my education’, indicando o que talvez somente na era da Internet venha a ter pleno significado: não há mais educação possível baseada apenas nos diplomas universitários, na certificação institucional. O século XXI está aberto àqueles que acreditam em educar a si mesmos, em complementar as lacunas terríveis da escola e a permitir o crescimento pessoal a despeito dos preconceitos e da superficialidade do ensino básico. O CAPITAL HUMANO é para Emil FARHAT a riqueza mais importante da sociedade moderna, e suas frases inimitáveis são a prova contundente de sua superioridade de argumentação e tirocínio.
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15 comentários:
- Bela resenha, belíssima. Pelo muito que tem de instrutivo. Lendo seu texto de repente "caiu-me" uma ficha. Estou lendo Os golpes dentro do golpe, de Carlos Chagas, e o primeiro volume de Getúlio, de Lira Neto. Pois bem, a ficha: "tudo no Brasil de hoje é passado".Responder
- Para ler sobre Getúlio recomendo a minha resenha da trilogia do Affonso Henriques, Ascensão e Queda de GV aqui neste blog...Responder
- Vi menção ao Emil Farhat no blog do Rodrigo Constantino e acabei chegando aqui via google. É de uma lucidez que chega a incomodar , esse Sr. Emil. Mas a sensação final é negativa, de depressão. Os problemas que ele apontou quase meio século atrás.....continuam os mesmos!!! Sinceramente......deprimente isso. Não há solução para o Brasil a curto ou médio prazo. Vou levar adiante meu projeto de mandar minha pra uma faculdade nos EUA e torcer pra que ela construa sua vida lá. O fato desse livro fantástico não tem um lugar de honra no meio acadêmico brasileiro é prova de que as pessoas com poder de decisão no Brasil não busca resolver os problemas, mas tirar vantagem dos problemas. qualquer pessoa com um mínimo de bom senso desiste do Brasil. E eu tenho um mínimo de bom senso.Responder
- Anônimo13 de maio de 2016 18:19Espetacular esse livro, Sr. Pozzobon. Um país como o Brasil deveria ser muito mais rico do que Japão, UK, Alemanha...deveríamos estar perto dos EUA. Mas não passamos de uma terrível tragédia. Não tenho palavras pra descrever quão cruel e terrível é a nossa realidade. Tenho 24 anos e meu sonho é fugir do país em que nasci. Já avançado no inglês...a minha fuga se aproxima.Responder
- Se você estudar com afinco a primeira república, vai verificar que o lulopetismo regrediu o Brasil para as primeiras duas décadas do século XX. Singular regressão!! Com todos os exemplos de desenvolvimento produzido pelos países da franja asiática, não aprendemos nada. Aliás, ignoramo-os completamente.Responder
- Anônimo18 de agosto de 2016 09:55Esta página, que encontrei por acaso, é um oásis no meio de tanta boçalidade esquerdista que tomou conta da internet brasileira. Parabéns!Responder
Marcelo Almeida
Como disse um comentarista, não há praticamente nada sobre Emil Farhat na internet. Ao buscar na Wikipedia, tudo o que apareceu, sem fotos, sem bibliografia, foi isto:
Referências
- ↑ «Obituário: Emil Farhat». Folha de S. Paulo. 23 de maio de 2000
- ↑ Abreu, Alzira Alves de; Paula, Christiane Jalles de (2007). «Dicionário histórico-biográfico da propaganda no Brasil». FGV Editora. Consultado em 19 de agosto de 2017
- ↑ «Prêmio 1988». Prêmio Jabuti. 10 de março de 2014. Consultado em 19 de agosto de 2017
Emil Farhat | |
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Nascimento | 25 de setembro de 1914 Maripá de Minas, Brasil |
Morte | 22 de maio de 2000 (85 anos) São Paulo, Brasil |
Nacionalidade | brasileiro |
Ocupação | Publicitário, jornalista e escritor |
Prêmios | 1967: Publicitário do Ano (Associação Paulista de Propaganda) |
Está na hora de resgatar essa obra e seu autor.
Encontrei o livro no catálogo da Biblioteca do Itamaraty, e devo retirá-lo nesta segunda-feira, dia 2 de setembro:
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No catálogo da Biblioteca do Senado Federal, achei estas referências a outras obras do autor:
1 | Farhat, Emil | Artigo de jornal | A Erisipela do separatismo | 1993 | SEN( 1/ 0) | ||||
2 | Farhat, Emil | Artigo de jornal | Cataplasmas não curam miseria | 1993 | SEN( 1/ 0) | ||||
3 | Farhat, Emil | Artigo de jornal | Ingenuamente surpreendido | 1993 | SEN( 1/ 0) | ||||
4 | Farhat, Emil | Artigo de jornal | 250 milhões de arados de pau | 1993 | SEN( 1/ 0) | ||||
5 | Farhat, Emil | Artigo de jornal | 700 guanabaras no piaui | 1992 | SEN( 1/ 0) | ||||
6 | Farhat, Emil | Artigo de jornal | Proibido criticar genios | 1992 | SEN( 1/ 0) | ||||
7 | Farhat, Emil | Artigo de jornal | Eu sei onde esta o dinheiro | 1992 | SEN( 1/ 0) | ||||
8 | Farhat, Emil | Artigo de jornal | Biscate e educação | 1991 | SEN( 1/ 0) | ||||
9 | Farhat, Emil 1914-. | Livro | Dinheiro na estrada uma saga de imigrantes Emil Farhat | 1987 | SEN( 1/ 0) |
Gostei da resenha! Estou lendo esse livro atualmente e realmente notei que ele parece ser mesmo um "livro maldito" ou, ao menos, "proscrito". Não há qualquer referência biográfica válida do Emil Farhat na internet (nem mesmo na wikipedia, onde aparece apenas o seu filho).
Acho que o livro transcende a divisão da política em direita e esquerda. Denuncia já em 1967 um socialismo "bolorento" e que, depois, acabou tendo o seu fim na década de 80. Enquanto as lideranças de esquerda na Europa ocidental avançavam para uma luta dentro dos limites da democracia, os núcleos de esquerda brasileiros estavam ainda reafirmando os ideais marxistas originais e tentavam criar as condições para uma "revolução socialista". Como sempre, o Brasil é anacrônico em termos de idealismo político.
Esse livro do Farhat é muito atual porque mostra que o nosso pais não evoluiu tanto assim, principalmente na política e na administração pública em geral.
Apesar de parecer um libelo contra os movimentos de esquerda, o livro representa muito mais uma defesa do liberalismo e da democracia.
Contudo, o Farhat me pareceu um pouco ingênuo ao acreditar nos "ideais" justiceiros da incipiente ditadura militar do Marechal Castelo Branco. Evidentemente que o livro foi escrito antes da Constituição Federal de 1967, da Emenda de 1969 e do AI 5, mas atacar a ditadura do "Estado Novo" do Getúlio Vargas e abraçar as atitudes do governo militar (que tomou o poder também mediante um golpe de estado, disfarçado de revolução) me pareceu uma atitude contraditória por parte do Farhat.
Ainda não tenho uma opinião formada sobre o livro e sobre seu autor, mas achei interessante a resenha de vocês como forma de divulgação dessa obra, que é rica e importante para fins de conhecimento histórico.