Diretoria da Petrobras foi alertada de desvios
Por Juliano Basile | De Brasília
Defendida pela presidente Dilma Rousseff,
a atual diretoria da Petrobras recebeu diversos alertas de
irregularidades em contratos da estatal muito antes do início da
Operação Lava-Jato, em março deste ano, e não apenas deixou de agir para
conter desvios que ultrapassaram bilhões de reais como destituiu
os cargos daqueles que trabalharam para investigar as ilicitudes e
chegou a mandar uma denunciante para fora do país.
As
irregularidades foram comprovadas através de centenas de documentos
internos da estatal obtidos pelo Valor PRO, serviço de informação
em tempo real do Valor. Elas envolvem o pagamento de R$ 58 milhões para
serviços que não foram realizados na área de comunicação, em 2008,
passam por uma escalada de preços que elevou de US$ 4 bilhões para mais
de US$ 18 bilhões os custos da Refinaria Abreu
e Lima e atingem contratações atuais de fornecedores de óleo combustível
das unidades da Petrobras no exterior que subiram em até 15% os custos.
As
constatações de problemas nessas áreas foram comunicadas para a
presidente da estatal, Graça Foster, e para José Carlos Cosenza,
que substituiu o delator Paulo Roberto Costa na Diretoria de
Abastecimento e é responsável pela Comissão Interna de Apuração de
desvios na estatal.
Para
Graça foram enviados e-mails e documentos comunicando irregularidades
ocorridas tanto antes de ela assumir a presidência, em 2012,
quanto depois. A presidente foi informada a respeito de contratações
irregulares na área de comunicação da Diretoria de Abastecimento, sob o
comando de Paulo Roberto Costa, e de aditivos na Abreu e Lima,
envolvendo o "pool" de empreiteiras da Operação Lava-Jato.
Em 2014, foram remetidas a Graça denúncias envolvendo os escritórios da
estatal no exterior. Nenhuma providência foi tomada com relação a esse
último caso, ocorrido sob a sua presidência.
Cosenza,
que em depoimento à CPI mista da Petrobras, em 29 de outubro passado,
declarou nunca ter ouvido falar em desvios de recursos
na estatal em seus 34 anos na empresa, também recebeu, nos últimos cinco
anos, diversos e-mails e documentos com alertas a respeito dos mesmos
problemas.
As
advertências de que os cofres da Petrobras estavam sendo assaltados
partiram de uma gerente que foi transferida para a Ásia. Venina
Velosa da Fonseca está na estatal desde 1990, onde ocupou diversos
cargos. Ela começou a apresentar denúncias quando era subordinada a
Paulo Roberto como gerente executiva da Diretoria de Abastecimento,
entre novembro de 2005 e outubro de 20009. Afastada da
estatal, em 19 de novembro, Venina vai depor ao Ministério Público, em
Curitiba, onde tramita o processo da Lava-Jato.
As
suspeitas da geóloga tiveram início em 2008, quando ela verificou que
os contratos de pequenos serviços - chamados de ZPQES no jargão
da estatal - atingiram R$ 133 milhões entre janeiro e 17 de novembro
daquele ano. O valor ultrapassou em muito os R$ 39 milhões previstos
para 2008 e a gerente procurou Costa para reclamar dos contratos que
eram lançados em diferentes centros de custos, o que
dificultava o rastreamento. Segundo ela, o então diretor de
Abastecimento apontou o dedo para o retrato do presidente Lula e
perguntou se ela queria "derrubar todo mundo". Em seguida, Costa disse
que a gerente deveria procurar o diretor de comunicação, Geovanne
de Morais, que cuidava desses contratos.
Venina
encaminhou a denúncia ao então presidente da estatal, José Sérgio
Gabrielli. Ele instalou comissão sob a presidência de Rosemberg
Pinto para apurar o caso. Assim como Geovanne, Gabrielli e Rosemberg são
do PT da Bahia. Esse último foi eleito deputado estadual pelo partido. O
relatório da comissão apurou que foram pagos R$ 58 milhões em contratos
de comunicação para serviços não realizados.
Além disso, foram identificadas notas fiscais com o mesmo número para
diversos serviços, totalizando R$ 44 milhões. Dois fornecedores de
serviços tinham o mesmo endereço. São as empresas R. A. Brandão
Produções Artísticas e Guanumbi Promoções e Eventos. Ambas
na rua Guanumbi, 628, em Jacarepaguá, no Rio. O caso foi remetido para a
Auditoria. Geovanne foi demitido, mas entrou em licença médica, o que
evitou que fosse desligado imediatamente da Petrobras, onde permaneceu
por mais cinco anos.
Em
3 de abril de 2009, Venina enviou um e-mail para Graça Foster pedindo
ajuda para concluir um texto sobre problemas identificados
na estatal. Na época, Graça era Diretora de Gás e Energia.
Paralelamente
aos problemas na área de comunicação com contratos milionários sem
execução de serviços, Venina verificou uma escalada
nos preços para as obras em Abreu e Lima que elevou os custos para US$
18 bilhões e fomentou dezenas de aditivos para empreiteiras. Os
contratos para as obras na refinaria continham cláusulas pelas quais a
Petrobras assumia os riscos por eventuais problemas
nas obras e arcava com custos extras. Para executá-las, eram feitos
aditivos e as empreiteiras suspeitas de cartel no setor venceram boa
parte das concorrências.
Apenas
na fase 2 das obras da refinaria havia a previsão de contratações de
US$ 4 bilhões junto a empreiteiras. Num ofício de 4 de
maio de 2009, Venina criticou a forma de contratação que, em pelo menos
quatro vezes naquela etapa, dispensou as licitações e, em várias
ocasiões, beneficiou as empresas da Associação Brasileira de Engenharia
Industrial (Abemi), entidade que tem firmas acusadas
na Lava-Jato como associadas, como a UTC Engenharia e a Toyo Setal.
"Entendemos que não devemos mitigar o problema, mas resolvê-lo pela
adoção de medidas corretas, ou seja, com o início das licitações em
Abreu e Lima", disse a gerente.
Documento
interno da Petrobras de 2009 mostra que Venina fez 107 Solicitações de
Modificação de Projetos (SMPs), o que resultaria numa
economia de R$ 947,7 milhões nas obras da refinaria. Mas as sugestões da
gerente não foram aceitas.
Outra
sugestão não atendida foi a de acrescentar uma cláusula chamada "single
point responsibility" nos contratos pela qual a construtora
se tornaria responsável por eventuais problemas nas obras da refinaria,
devendo arcar com os gastos. Mas a área de Serviços, comandada, na
época, por Renato Duque, manteve os contratos no formato antigo, sem
essa cláusula, transferindo os ônus para a estatal.
Duque foi preso pela Polícia Federal na Lava-Jato e Pedro Barusco, seu
ex-subordinado na estatal, que também é citado em vários documentos, fez
um acordo de delação premiada para devolver US$ 97 milhões obtidos no
esquema.
As
obras de terraplanagem da refinaria levaram a gastos exponenciais. Elas
foram contratadas, em junho de 2007, por R$ 429 milhões
junto a um consórcio formado por Camargo Corrêa, Galvão Engenharia,
Construtora Queiroz Galvão e Construtora Norberto Odebrecht. Em seguida,
vários aditivos foram autorizados pela Diretoria de Engenharia da
Petrobras e assinados por Cosenza, presidente do Conselho
da Refinaria. Um e-mail obtido pelo Valor PRO mostra que ele foi
alertado sobre o aumento nos custos das obras de terraplanagem em Abreu e
Lima.
O
desgaste de fazer as denúncias e não obter respostas fez com que Venina
deixasse o cargo de gerente de Paulo Roberto, em outubro
de 2009. No mês seguinte, a fase 3 de Abreu e Lima foi autorizada. Em
fevereiro de 2010, a geóloga foi enviada para trabalhar na unidade da
Petrobras em Cingapura. Chegando lá, lhe pediram que não trabalhasse e
foi orientada a fazer um curso de especialização.
Em
7 de outubro de 2011, Venina escreveu para Graça Foster, na época,
diretora de Gás e Energia: "Do imenso orgulho que eu tinha pela
minha empresa passei a sentir vergonha". "Diretores passam a se
intitular e a agir como deuses e a tratar pessoas como animais. O que
aconteceu dentro da Abast (Diretoria de Abastecimento) na área de
comunicação e obras foi um verdadeiro absurdo. Técnicos brigavam
por formas novas de contratação, processos novos de monitoramento das
obras, melhorias nos contratos e o que acontecia era o esquartejamento
do projeto e licitações sem aparente eficiência".
Na
mensagem, Venina diz que, após não ver mais alternativas para mudar a
situação, iria buscar outros meios e sugere apresentar a documentação
que possui a Graça. "Parte dela eu sei que você já conhece. Gostaria de
te ouvir antes de dar o próximo passo", completa, dirigindo-se à então
diretora de Energia e Gás.
Em
2012, a geóloga voltou ao Rio, onde ficou por cinco meses sem nenhuma
atribuição. A alternativa foi retornar a Cingapura, agora,
como chefe do escritório.
Em
25 de março de 2014, Venina encaminhou um e-mail a Cosenza sobre perdas
financeiras em operações internacionais da estatal que ela
identificou a partir do trabalho em Cingapura. A Petrobras comercializa
combustível para navios, denominados bunkers. As unidades da estatal no
exterior recebem óleo combustível feito no Brasil e fazem a mistura com
outros componentes para atender à exigências
de qualidade para vendê-los a outros países. As perdas ocorrem quando
previsões no ponto de carga não refletem o que foi descarregado. Além
desse problema de medição das quantidades de combustível, Venina
verificou outro fato ainda mais grave. Negociadores
de bunkers estavam utilizando padrões anormais para a venda à estatal.
Eles compravam bunkers a um preço e revendiam a valores muito maiores
para a Petrobras. A geóloga contratou um escritório em Cingapura que
obteve cópias das mensagens das tratativas entre
os bunkers com "fortes evidências" de desvios. Mesmo após a denúncia
dessas práticas, esses negociadores não foram descredenciados. Pelo
contrário, eles mantiveram privilégios junto à estatal, como garantia de
vendas para a Petrobras mesmo quando estavam ausentes
ou em férias.
Esses
problemas da Petrobras no exterior foram comunicados em outro e-mail a
Cosenza, em 10 de abril de 2014. Nele, está escrito que
as perdas podem chegar a 15% do valor da carga de petróleo e óleo
combustível. Esse percentual equivale a milhões de dólares, considerando
que apenas o escritório de Cingapura pagou dividendos de US$ 200
milhões, em 2013. O lucro líquido da unidade atingiu
US$ 122 milhões até outubro deste ano. Novamente, não houve resposta por
parte do diretor sobre o que fazer com relação a perdas de milhões de
dólares.
Na
tentativa de obter uma orientação da direção da estatal, Venina fez, em
27 de maio, uma apresentação na sede da Petrobras, no Rio,
sobre as perdas envolvendo a comercialização de combustível no exterior.
Nela, foi alertado que a prática se disseminou pelas unidades da
estatal, atingindo vários países. Em junho, Venina propôs a criação de
uma área de controle de perdas nos escritórios da
empresa no exterior. Nada foi feito.
Uma
última mensagem sobre o assunto foi enviada em 17 de novembro. Dois
dias depois, a direção da Petrobras afastou Venina do cargo.
Após fazer centenas de alertas e recomendações sobre desvios na empresa,
ela foi destituída pela atual diretoria, sem saber qual a razão, ao
lado de vários funcionários suspeitos na Operação Lava-Jato. A notícia
lhe chegou pela imprensa, em 19 de novembro.
Um
dia depois, a geóloga escreveu um e-mail para Graça Foster. "Desde
2008, minha vida se tornou um inferno, me deparei com um esquema
inicial de desvio de dinheiro, no âmbito da Comunicação do
Abastecimento. Ao lutar contra isso, fui ameaçada e assediada. Até arma
na minha cabeça e ameaça às minhas filhas eu tive." A geóloga não
detalhou no e-mail para Graça o que aconteceu, mas teve a arma
apontada para si, no bairro do Catete. Não lhe levaram um tostão, mas
houve a recomendação de que ficasse quieta.
"Tenho
comigo toda a documentação do caso, que nunca ofereci à imprensa em
respeito à Petrobras, apesar de todas as tentativas de contato
de jornalistas. Levei o assunto às autoridades competentes da empresa,
inclusive o Jurídico e a Auditoria, o que foi em vão", continuou.
Em
seguida, ela reitera que se opôs ao esquema de aditivos na Abreu e
Lima. "Novamente, fui exposta a todo tipo de assédio. Ao deixar
a função, eu fui expatriada, e o diretor, hoje preso, levantou um
brinde, apesar de dizer ser pena não poder me exilar por toda a vida",
disse, referindo-se a Costa.
"Agora,
em Cingapura, me deparei com outros problemas, tais como processos
envolvendo a área de bunker e perdas, e mais uma vez agi
em favor da empresa (...). Não chegaram ao meu conhecimento ações
tomadas no segundo exemplo citado, dando a entender que houve omissão
daqueles que foram informados e poderiam agir." A geóloga termina a
mensagem fornecendo seu telefone a Graça.
O
Valor PRO perguntou à Petrobras quais providências foram tomadas com
relação às denúncias, mas a estatal não respondeu até o fechamento
dessa edição.
A
interminável avalanche de denúncias de corrupção na Petrobras está
contaminando a economia. Fontes qualificadas identificam estreitamento
do mercado internacional de bônus para empresas brasileiras - " o
refinanciamento de bônus está ficando apertado", disse ontem um alto
executivo da área financeira.
Os
fornecedores da companhia estatal - a maior contratante do país - estão
estrangulados por atrasos de pagamentos e falta de horizonte
sobre como estará a empresa no futuro. A indústria naval está
comprometida, assim como os 220 mil postos de trabalho criados para
atender às encomendas da estatal. Mesmo os bancos públicos estão
regrando o crédito para os fornecedores da empresa. O destino
das grandes empreiteiras está indefinido. As que tomaram recursos
externos podem ser penalizadas com cláusulas de antecipação de
pagamento.
Usada
para financiar partidos políticos, num amplo esquema de corrupção, e
para conter a inflação, a Petrobras enfrenta dificuldades
de caixa. A dívida de mais de US$ 110 bilhões corresponde a quase 1/3
das reservas cambiais do país. O programa de investimentos da estatal é
incompatível com a disponibilidade de recursos. E, agora, o preço
internacional do petróleo despenca. Hoje, sai o balanço
não auditado do terceiro trimestre, o primeiro sob a mira da Operação
Lava-Jato.
O
estado de hemorragia em praça pública da empresa que um dia foi motivo
de orgulho nacional não encontra, no governo, respostas à
altura. Os desdobramentos do caso ultrapassaram as fronteiras do país.
Não há uma estratégia de contenção de danos. A paralisia do Executivo
diante do escândalo é inexplicável.
Tal
como um restaurante que serviu um prato com um inseto kafkiano precisa
demitir os cozinheiros e comunicar à clientela que a casa
está sob nova gerência, resta ao acionista controlador da Petrobras, a
União, trocar a diretoria da empresa como o primeiro passo para
recuperar credibilidade.
Um
importante financiador de projetos no setor público e privado, ao
traçar a comparação acima, ressalva que não se trata de prejulgar
a presidente da Petrobras, Graça Foster, mas de reconhecer que a atual
direção "perdeu as condições de conduzir a empresa estatal". A Petrobras
precisa recuperar a capacidade de se defender. Para isso, demanda uma
liderança que hoje não tem. Ou, como expressou
uma outra fonte próxima de Dilma Rousseff: " Tem que ser feito um tumor de fixação (processo que reúne as células doentes para serem extirpadas do organismo)",
separando a parte podre da parte saudável da estatal.
Isso
foi dito de forma clara e contundente pelo procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, em discurso na Conferência Internacional
de Combate à Corrupção, esta semana, em Brasília. "Esperam-se as
reformulações cabíveis, inclusive, sem expiar ou imputar previamente
culpa, a eventual substituição de sua diretoria (...)".
Na mesma hora, Dilma
encomendou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
que estava no evento, uma resposta. "Não há razão objetiva para que
atuais diretores da Petrobras sejam afastados", disse o ministro. "Não
há nenhuma suspeita sobre essas pessoas. É injusto (...)", completou o
ministro, em nome do governo.
Em um tema de tal gravidade e dimensão, não cabe colocar a amizade de Dilma
e
Graça Foster à frente dos interesses do país, comentou um interlocutor
da presidente da República. "Isso está indo longe demais. A Petrobras
vai ter um problema sério de financiamento, vai tomar uma multa
gigantesca da SEC [Securities and Exchange Commission]
americana, vai ter que indenizar os acionistas minoritários. E os
funcionários da empresa estão descobrindo que o seu fundo de pensão, o
Petros, está carregado de ações da estatal que se desvalorizam
diariamente", alertou. O risco é de tudo isso cair no colo
do Tesouro Nacional, que já está frágil.
O
escândalo e seus desdobramentos estão tirando o sono do ex-presidente
Lula. Ele não esconde a preocupação com os rumos que o caso
está tomando e tem procurado se informar sobre a situação. Há poucos
meses Lula enviou emissários para conversar com Renato Duque, Sérgio
Gabrielli e Joao Vaccari. Ele queria saber se algum deles - o diretor, o
ex-presidente da companhia e o tesoureiro do PT,
respectivamente - teriam recebido dinheiro da corrupção em contas no
exterior. Todos negaram. Após a prisão de Duque, foi noticiado que ele
mantém conta na Suíça.
Lula também está com dificuldade de compreender o imobilismo da presidente Dilma
Rousseff diante da
evolução do caso. Nos dois dias em que ficou em Brasília, esta semana, o
ex-presidente ouviu muitas queixas de senadores, deputados, ministros e
ex-ministros, em relação ao novo governo
na condução da política e no caso Petrobras.
A
ele foi dito que o Palácio do Planalto precisa de um "gabinete de
crise" para dar respostas rápidas às questões da Petrobras, que
a diretoria da estatal já deveria ter sido trocada e que esse tema não
pode ser tratado como questão pessoal entre Dilma e a presidente da companhia. O que está em jogo é um patrimônio do país e, quanto a
Graça, ela já foi chamuscada pelo escândalo, disseram os aliados a Lula.
A
conta começou a chegar. A dívida de R$ 9 bilhões da Eletrobras com a
Petrobras é um esqueleto que surgiu por força da dramática situação
da estatal. A operação que está em discussão no governo seria uma dívida
a ser securitizada com garantia da União. A pergunta que fica é se esse
é um primeiro passo para reequilibrar o setor elétrico e fazer com que a
CDE deixe de ser um encargo do Tesouro
Nacional e volte a ser o que era: uma conta a ser paga pelo consumidor.
Seria importante o governo aproveitar o imbróglio e encaminhar a questão
dando sinal claro de que não cabe ao Tesouro assumir mais despesas.
Caso contrário, o objetivo de estabilizar a
dívida pública será apenas um discurso.
Ricardo Arce é advogado.
A
mídia brasileira noticiou nas últimas semanas que o Departamento de
Justiça Americano (Department of Justice, "DOJ") e a comissão
de valores mobiliários americana (Securities and Exchange Commission,
SEC) haviam iniciado investigações acerca de supostas condutas ilícitas
promovidas dentro da Petrobras, apoiadas nas medidas investigativas e
instrutórias vinculadas à chamada Operação Lava-Jato.
Como
já amplamente noticiado nos últimos meses, a "Lava-Jato" foi deflagrada
pela Polícia Federal em 17 de março de 2014 e teve como
objetivo inicial o desarme de um esquema de lavagem de dinheiro e evasão
de divisas envolvendo o mercado clandestino de câmbio.
Assim,
com a natural condução do rito investigatório e da propositura da ação
penal, e, sobretudo, em decorrência das chamadas delações
premiadas, as autoridades brasileiras ampliaram seus entendimentos sobre
as ramificações dos ilícitos investigados, o que culminou no
descobrimento de atos de corrupção praticados dentro da Petrobras
envolvendo inúmeras transações comerciais e desvios de vultosas
quantias em dinheiro.
Naturalmente,
e diante da magnitude do caso, houve a ativação de canais de
investigações internacionais que diante da possibilidade
dos atos de corrupção não estarem restritos apenas a fornecedores
brasileiros, fez com que os órgãos de investigação de diversos países
despertassem suas atenções, colocando-os em alerta para apurar eventuais
práticas ilícitas de empresas sediadas em seus respectivos
países e que pudessem estar conectadas com a Petrobras.
Nesse
contexto, e considerando a quantidade de empresas americanas, ou, de
capital americano, que são fornecedoras de know-how e equipamentos
nas mais variadas unidades de negócios da Petrobras, acredita-se que o
DOJ e a SEC passaram a analisar o envolvimento de empresas americanas em
atos de corrupção, inclusive utilizando-se do Acordo de Assistência
Judiciária em Matéria Penal (Decreto 3.810 de
02.05.2001) para intercâmbio de informações entre autoridades
brasileiras e americanas, para então formular seu embasamento
fático-investigativo para apuração de eventuais condutas ilícitas
relacionadas à Petrobras.
Cabe
ressaltar que nos termos da lei americana, o DOJ e a SEC podem, em
tese, exercer jurisdição sobre a Petrobras por força do Title
15 U.S.C. §78dd-1, uma vez que a Petrobras, na qualidade de
"emissor-issuer", ou seja, na qualidade de companhia estrangeira
possuidora de valor mobiliário (American Depository Receipts, ADRs)
negociado no mercado americano, e na qualidade de companhia obrigada
a registrar seus demonstrativos com a SEC, a tornam sujeitas, em tese,
àquela jurisdição.
Contudo,
a jurisprudência americana entende que a Petrobras, sendo emissor
estrangeiro, teria o exercício da jurisdição relacionado
ao dispositivo anti-corrupção ("anti-bribery provisions") aplicado
somente após a definição da jurisdição pessoal da SEC sobre o caso (Re
SEC v. Steffen), e estaria limitada ao princípio da territorialidade,
como por exemplo, o uso de correspondência ou qualquer
tipo de instrumentalidade, inclusive e-mails em conexão com esquema de
corrupção, enviadas ou armazenadas nos Estados Unidos (Re SEC v.
Straub).
Portanto,
acredita-se que o DOJ e a SEC, frente ao entendimento jurisprudencial e
frente à dinâmica processual brasileira no que se
refere ao exercício da jurisdição, inclusive, para o exercício das
prerrogativas de investigação, propositura da ação penal e julgamento,
não se arriscariam pelo tortuoso caminho de investigar a Petrobras em
si, ainda que fossem apoiados pelo forte aparato
de investigação oferecido pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) no
que se refere à obtenção de evidências em escala global, como previsto
no artigo 1.056 da Lei Dodd-Frank.
Logo,
os órgãos americanos, por maior conveniência, tenderiam a voltar suas
atenções não só para aquilo que está geograficamente mais
perto, ou seja, as empresas sediadas nos Estados Unidos, como também
prefeririam focar em violações específicas, que mesmo não sendo as mais
severas, são as mais facilmente provadas por conta das evidências já
disponíveis.
Ademais,
é possível afirmar que as empresas americanas são mais suscetíveis ao
crivo das autoridades americanas em comparação com a
Petrobras em razão da facilidade de obtenção de evidências, já que
submetidas automaticamente à Justiça americana, facilitam a produção de
provas para comprovação da autoria do descumprimento do dispositivo
anti-corrupção (Title 15 U.S.C. §78dd) e da desconformidade
com o dispositivo acerca da preservação dos controles internos, livros e
registros (Title 15 U.S.C. §78m).
Por
fim, inclui-se ainda a chance de êxito das autoridades americanas de
ver materializada a imputação às empresas americanas dos ilícitos
de corrupção e de descumprimento de controles internos, com a
consequente condenação dos eventuais envolvidos a penas privativas de
liberdade e a multas pecuniárias de altíssima monta, o que ampliaria
substancialmente, e de modo geral, os efeitos do processo
educativo das multinacionais quando o assunto é corrupção.
De
qualquer forma, e ainda que a Petrobras não seja o alvo direto das
investigações por autoridades americanas, não resta dúvida de
que as questões relativas à corrupção ocorridas na Operação Lava-Jato
estão e estarão nos seus radares com alta prioridade por muito tempo, o
que torna a análise dos cenários envolvendo um expressivo número de
pessoas, empresas, instituições, interesses, modelos
mentais, áreas do direito, jurisdições, leis aplicáveis, e questões
soberanas, e a análise sob a premissa de um contexto de cooperação entre
diferentes autoridades e de transposição de diversos sistemas jurídicos
com um emaranhado de implicações civis e criminais,
seja para a busca pela condenação seja para o exercício da defesa das
prerrogativas e garantias dos envolvidos, cada vez mais complexo.
Funcionário da Petrobrás afirma que ‘má gestão’ era proposital e servia para encobrir desvios; seu nome é mantido em segredo
Ricardo Brandt ENVIADO ESPECIAL / CURITIBA
Fausto Macedo Julia Affonso
Um
funcionário de carreira da Petrobrás, tratado pela Polícia Federal
como“ informante”, afirmou em depoimento prestado aos delegados
da força-tarefa da Lava Jato que Fernando Falcão Soares, o Fernando
Baiano, apontado como operador do PMDB na estatal, participou de um
esquema de desvios de recursos na compra da refinaria de Pasadena, nos
EUA.
O
depoimento do informante foi prestado no dia 28 de abril, no Rio de
Janeiro, e anexado anteontem aos inquéritos da Lava Jato. No
documento de 17 páginas, o funcionário da Petrobrás – que diz trabalhar
há 30 anos na companhia – afirma que procurou a Polícia Federal para
denunciar indícios de crimes e “má gestão proposital” na estatal “com o
objetivo de desviar dinheiro sem levantar suspeita
em auditorias e fiscalizações”.
O nome do informante é mantido sob sigilo. Aos agentes federais, ele relatou indícios de seis supostos crimes.
Além
de apontar fraudes na compra de Pasadena, o informante vinculou o nome
do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e da presidente
da estatal, Graça Foster, a responsáveis por operações da companhia que
teriam gerado prejuízos aos cofres públicos.
Sobre
Pasadena, o informante disse que o acordo de comprada refinaria
envolveria a “devolução de forma oculta aos envolvidos na operação”
do “excedente ao valor do mercado” pago à companhia belga Astra Oil,
então sócia da Petrobrás na companhia, e afirmou que Fernando Baiano
intermediou “toda a negociação”.
O
nome do operador já havia sido ligado à aquisição de Pasadena pelo
executivo do grupo Toyo Setal, fornecedora de equipamentos da
Petrobrás, Julio Camargo.
Em delação premiada, Ele havia dito que acreditava que Fernando Baiano teria atuado como operador do negócio.
“A
Astra Oil contratou uma consultoria espanhola, onde este excedente foi
repassado na forma de contratos fraudulentos de consultoria.
Em seguida, através de formas ainda não conhecidas, estes recursos
retornaram ao Brasil”, disse o informante no seu depoimento.
Consultorias.
Fernando Baiano é representante de duas grandes empresas espanholas no
Brasil e é investigado pela PF por ter consultorias
abertas em países como Espanha e Estados Unidos. Duas delas foram alvo
de busca e bloqueios judiciais. Para provar o que dizia, em um pedaço de
papel, o informante rabiscou um croqui do esquema que o operador
utilizaria para movimentar o dinheiro de propina.
Fernando Baiano está preso em Curitiba desde o dia 21 de novembro.
A
aquisição de Pasadena foi iniciada em 2006, quando a Petrobrás pagou
US$ 359 milhões pela metade da refinaria, e só foi concluída
em 2012. Após um litígio entre as sócias, a estatal desembolsou US$ 1,2
bilhão pelos 100% da companhia. O negócio – que foi aprovado pelo
conselho de administração da companhia, na época presidido por Dilma
Rousseff – gerou
prejuízo de US$ 793 milhões à estatal, segundo o Tribunal de Contas da
União, que já pediu o bloqueio de bens de 11 ex-dirigentes da estatal. Dilma
alegou em março deste ano que a aquisição de Pasadena foi aprovada com base em parecer tecnicamente “falho”.
O informante disse ainda que “a diretoria da Astra Oil estava preocupada com a ‘má gestão proposital’ da Petrobrás
e solicitou que diversas cláusulas de proteção fossem incluídas no contrato de compra da refinaria”.
O
depoimento cita ainda o nome do ministro Edison Lobão, do PMDB, como
padrinho de José Raimundo Brandão Pereira, ex-gerente executivo
de Marketing e Comercialização da Diretoria de Abastecimento, que,
segundo o informante, tentou superfaturar fretamentos de navios em
Pasadena.
O
informante apontou ainda a atual presidente da Petrobrás como
responsável pela indicação de dois gerentes (Ubiratan Clair e André
Cordeiro) que foram responsáveis pela venda de 50% de blocos de
exploração da estatal na Nigéria ao banco BTG Pactual, por US$
1,5bilhão, em junho de 2013. Segundo o depoimento, o projeto era tocado
por equipe multidisciplinar, que foi desmobilizada por Graça
Foster após a saída de Jorge Zelada da diretoria Internacionalem2012.
“Em
poucos meses a Petrobrás vendeu 50% de participação de seus negócios na
África por apenas US$ 1,5 bilhão contra um valor mínimo
previsto anteriormente de US$ 3,5 bilhões – avaliado anteriormente pelos
bancos internacionais”, afirmou o informante.
Segundo
a Polícia Federal, as declarações do depoente devem ser tratadas como
“base para apurações” dos “indícios e relatos de possíveis
crimes”.
Executivos de seis empreiteiras são acusados de corrupção e outros crimes
Para o Ministério Público Federal, empresas formaram cartel para fraudar licitações da Petrobras
ESTELITA HASS CARAZZAI - DE CURITIBA
FLÁVIO FERREIRA - ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
A
sétima fase da Operação Lava Jato, considerada por procuradores "a vez
dos corruptores", resultou na apresentação de denúncia criminal
contra 36 pessoas, a maioria executivos de empreiteiras acusadas de
formar cartel para fraudar licitações e corromper funcionários da
Petrobras nos últimos dez anos.
São
as primeiras acusações formais contra executivos investigados pela
Operação Lava Jato. Elas apontam a prática dos crimes de corrupção,
lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa envolvendo seis
empreiteiras.
Segundo
cálculos da Procuradoria, se os acusados forem condenados pela prática
dos três delitos, as penas irão de 11 a 51 anos de prisão.
Mas
como eles podem ser punidos pela realização dos delitos de corrupção e
lavagem mais de uma vez, as penas podem ser ainda maiores.
O
Ministério Público entendeu que os crimes geraram propinas e danos à
Petrobras no montante de quase R$ 1,5 bilhão, e pediu que os
acusados sejam condenados a ressarcir essa quantia à estatal.
As
cinco denúncias apresentadas nesta quinta (11) à Justiça dizem respeito
apenas aos contratos da área de Abastecimento da Petrobras,
que foi comandada por Paulo Roberto Costa, um dos acusados, entre 2004 e
2012. Novas denúncias devem ser protocoladas nos próximos dias.
"Começamos
a romper com a impunidade de poderosos grupos que têm se articulado
contra o interesse do país há muitos anos", disse o
procurador Deltan Dallagnol. Segundo ele, há indicativos de que o
esquema alcançou outros setores da administração.
Foram
denunciados seis executivos da empreiteira OAS, quatro da Galvão
Engenharia, quatro da Engevix, três da Camargo Corrêa, dois
da UTC e quatro da Mendes Júnior, além de um representante da empresa.
Também foi acusado o doleiro Alberto Youssef e outros operadores que
ajudaram a distribuir o dinheiro da propina.
No
total, os procuradores identificaram 154 atos de corrupção e 105 atos
de lavagem de dinheiro. Alguns dos denunciados estão presos
preventivamente na sede da Polícia Federal em Curitiba.
As
denúncias foram protocoladas na 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná e
serão apreciadas pelo juiz Sergio Moro. Caberá a ele decidir
se será aberta ação penal contra os acusados. Se o processo penal for
iniciado, os denunciados passarão à condição de réus.
Os problemas da Petrobras não derivam da ganância externa; nós alimentamos nossos próprios abutres
A
Petrobras está no inferno. Nele, sugeria Dante, há nove círculos de
sofrimento. O oitavo, que pune a fraude, tem seu quinto fosso
reservado aos corruptos. Sua atuação, ao rapinarem nossa maior empresa,
lesiona a imagem do Brasil. Pior. Dificulta a inserção externa do país e
de suas empresas.
A
aflição da Petrobras é exponencialmente aumentada com a abertura, nos
EUA, de ações voltadas ao ressarcimento de acionistas. A se
desenrolaram tanto na Justiça como na SEC, órgão regulador do mercado de
capitais, prometem novos círculos de padecimento à Petrobras e aos que
nela apostaram.
Há
potenciais perdas infligidas de forma direta. A Justiça americana, que
delibera celeremente (num máximo previsto de dois anos) sobre
temas dessa natureza, pode decidir por reparações vultosas em razão das
falcatruas no período 2010-2014. Resta, ainda, eventual multa a ser
aplicada pela SEC, o que não apenas oneraria financeiramente a empresa,
mas também imprimiria mancha duradoura em sua
imagem de governança.
Em
ambas as vias, a Petrobras também ficará à mercê da infindável
criatividade dos escritórios de advocacia norte-americanos --e dos
muitos e longos desdobramentos que o caso pode encontrar nos EUA e
noutros países.
Para
além do campo jurídico, os efeitos são dilapidadores. A capacidade da
Petrobras em levantar recursos no exterior para seu ambicioso
plano de investimentos está mutilada. Fundos se veem restringidos em
alocar recursos à empresa por seu alto endividamento, a iminência de
investigações e processos legais, ou ainda o risco de perda do grau de
investimento.
Esse
quadro oferece campo fértil para maniqueísmos. Será grande a tentação
populista de manipular perversamente a opinião pública.
Seguindo-se
a moratória argentina em 2001, Buenos Aires buscou repactuar a dívida
do país por fração do valor de face (à época de US$
120 bilhões) e parcelamento. A maioria dos credores (93% deles) aderiu à
proposta.
Os
restantes, apelidados de "abutres", valeram-se da praça jurídica dos
EUA para obter vitórias que não apenas garantem pleno recebimento
dos créditos, mas abrem portas para os que haviam aceitado a repactuação
também desfrutarem dos termos obtidos pelos abutres.
Mais
do que disputa jurídica, a opinião pública argentina foi levada a
enxergar na crise dos abutres novo lance do "imperialismo" sobre
a pobre república sul-americana.
Caso
as atribulações da Petrobras nos EUA se agudizem, em nada surpreenderia
a interpretação populista de que o contencioso configura
investida para "enfraquecer a Petrobras" de modo a que seja
"privatizada" para que "potências estrangeiras explorem nosso petróleo".
Para
além da conjuntura internacional de preço menor para o barril de
petróleo, o valor de mercado da Petrobras declinou de US$ 380
bi em 2010 para US$ 140 bi hoje. O tombo é o dobro da dívida soberana
argentina.
Os problemas da Petrobras não derivam da ganância internacional. Nós alimentamos nossos próprios abutres.
Dinheiro quitará dívida com Eletrobras. Para analistas, medida resolve "esqueleto" criado por MP do Setor Elétrico
Danilo Fariello, Geralda Doca, Cristiane Bonfanti e Henrique Gomes Batista
Antes
da posse da nova equipe econômica, que promete ser mais austera, o
governo federal valeu-se de mais uma manobra para reforçar
o caixa da Petrobras e aliviar as contas da Eletrobras, que também
enfrenta dificuldades financeiras. A empresa do setor elétrico tem
dívida de cerca de R$ 9 bilhões junto à petroleira decorrente do
fornecimento de combustível para as usinas térmicas da Região
Norte. Com a operação, confirmada ontem pelo ministro de Minas e
Energia, Edison Lobão, e antecipada pela "Folha de S. Paulo", o governo
vai autorizar a Petrobras a captar recursos no mercado por meio de
papeis lastreados nessa dívida e com a garantia do Tesouro.
Como possui uma dívida de R$ 6 bilhões com a Eletrobras, o Tesouro vai
bancar a maior parte dessa operação. A emissão de títulos deve ocorrer
ainda neste ano.
Segundo
analistas, além de afetar as contas públicas, a operação mostra que há
esqueletos que podem representar trabalho adicional
ao futuro ministro Joaquim Levy. A dívida da Eletrobras remonta à
decisão da presidente Dilma Rousseff de baratear a conta de luz em 2012
por meio da Medida Provisória 579. Nivalde de Castro, da UFRJ, lembra
que o governo tentou desonerar a conta de lux tirando
encargos como a chamada CCC (Conta de Consumo de Combustíveis) - atual
Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) - que era uma forma de todos
os consumidores subsidiarem a energia elétrica de alguns estados da
Região Norte, que têm geração de energia mais cara,
a diesel e óleo.
Para
que não houvesse grande diferença tarifária entre estes clientes e o
resto do país, o valor arrecadado pela CCC diretamente pela
Eletrobras compensava a compra de combustível da Petrobras para quitar
esta conta. Mas com a extinção da CCC, a conta ficou para ser paga pelo
Tesouro Nacional.
Segundo
Lobão, R$ 6 bilhões do total da emissão referem-se a valores que o
governo federal já deveria ter transferido. A previsão do
governo não é de desembolso imediato . Esses valores e seus custos
deverão ser parcelados em até 120 meses, sendo posteriormente pagos
pelos consumidores de energia elétrica ou pelo Tesouro Nacional, por
meio da CDE.
bb vê "oportunidade"
Imersa
em uma grave crise, a Petrobras poderá, por meio desta operação, captar
recursos sem ter de aumentar sua dívida líquida. Sem
esse aval do governo, a Petrobras correria o risco de não conseguir
levantar os recursos ou ter de pagar juros muito elevados em razão das
denúncias de corrupção.
-
Assina-se o contrato de reconhecimento da dívida entre Eletrobras e
Petrobras com o aval do Tesouro Nacional e aí a Petrobras vai
ao mercado financeiro emitir papel. Com a garantia do Tesouro - explicou
Lobão.
O
presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, disse ontem que as
instituições financeiras brasileiras têm apetite em participar
da operação.
-
É uma oportunidade para os bancos, já que a Petrobras não vai conseguir
captar no mercado externo. É a maior empresa brasileira,
mas que está com dificuldade em acessar o mercado externo. Vai ter um
interesse óbvio - afirmou ontem, apos encontro anual da Federação
Brasileira dos Bancos (Febraban).
Para Bendine, a operação não oferece risco:
-
A empresa não publicou balanço por causa do processo de investigação.
Mas todos os bancos brasileiros conhecem a situação de caixa
da Petrobras.
Para a professora de Economia Margarida Gutierrez, da UFRJ, o governo não tinha outra solução:
-
Trata-se de um problema criado no passado, o governo tinha de assumir
este esqueleto, pois a outra alternativa, não fazer nada, significaria
quebrar de vez o setor elétrico. Mas isso mostra os graves problemas do
setor elétrico brasileiro - disse.
pagamento de terceirizados
Raul Velloso, especialista em contas públicas, destaca que estes esqueletos serão um desafio a mais para as contas públicas:
-
Há vários esqueletos rondando o governo, que só conhecemos na hora que
saem do armário. Temos de enfrentá-los, mas o importante é
matá-los de vez, e não deixar estes esqueletos vivos, gerando filhotes
que serão novos problemas no futuro - disse.
Ontem,
a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que é conselheira da
Petrobras, disse que os investimentos no pré-sal terão continuidade
e que o patamar atual do preço do petróleo - que fechou a US$ 63,68
ontem - permite a manutenção da carteira de negócios da empresa.
O
governo quer ainda que a Petrobras assuma as dívidas com trabalhadores
terceirizados de empresas prestadoras de serviço, cujos contratos
estão sendo revistos por suspeitas de irregularidades apontadas na
operação Lava-Jato. A medida, defendida pelas centrais sindicais, prevê
que a Petrobras deposite os valores devidos, numa espécie de
adiantamento, e depois desconte as quantias do montante a
ser pago a esses fornecedores. Os trabalhadores seriam beneficiados
porque poderão receber mais rapidamente, sem precisar recorrer à
Justiça.
Para
firmar um acordo com abrangência nacional, o Planalto quer o aval do
Ministério Público e da Advocacia-Geral da União (AGU). Os
detalhes serão discutidos na próxima segunda-feira em reunião coordenada
pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, com a presença das
autoridades envolvidas e sindicalistas.
Anteontem,
trabalhadores das obras da Refinaria de Abreu e Lima (PE) conseguiram
fechar um acordo para o recebimento das verbas trabalhistas,
em audiência no Tribunal Regional do Trabalho (6ª região), com o
sindicato da categoria, a Petrobras e as empresas contratadas. Segundo a
Força Sindical, há problemas com trabalhadores terceirizados de
prestadores de serviço da Petrobras na Bahia, no Rio Grande
do Sul e no Rio (Comperj).
Cerca
de mil trabalhadores do estaleiro Enseada Indústria Naval realizaram
passeata ontem no centro comercial de Salvador e ato em
frente à sede regional da Petrobras, em protesto contra 470 demissões no
estaleiro, localizado em Maragogipe. O estaleiro tem entre os sócios
companhias que estão sendo investigadas na Operação Lava-Jato, como
Odebrecht, OAS e UTC.