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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Existe essa coisa de “capitalismo global”? Livro de Jeffry Frieden sobre Global Capitalism

 Acho que ainda é cedo demais para essa realida diáfana, e talvez nunca venha a existir…

Jeffry A. Frieden: Global Capitalism: Its Fall and Rise in the Twentieth Century, and Its Stumbles in the Twenty-first  


Vou procurar esse livro, mas sempre tenho uma reação “braudeliana” quando alguém fala de “capitalismo global”, algo que não existe. 

O que existe são gradações diferenciadas da economia de mercado, jamais universal, pois que fragmentada pela infinita variações de capitalismos específicos, geralmente nacionais, mas alguns transnacionais. 

O de maior sucesso relativo no momento presente é esse “com características chinesas”, que alguns pretendem que seja o “socialismo do século XXI”, mas que nada mais é do que uma variante da economia de mercado, no caso dirigida por um partido leninista, outra variante da autocracia política.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

A China como economia de mercado? Parece que nao, para a Fiesp - Rubens Antonio Barbosa

Eu pessoalmente considero a China uma economia de mercado, em todo caso bem mais do que a Rússia, que foi reconhecida nessa condição no G7 de Kananaskis (Canadá), em 2001 ou 2002, ou seja, 13 ou 14 anos de ingressar no Gatt-OMC.
Aliás, considero a China ser mais de mercado do que o próprio Brasil, que passa por capitalista, mas é muito mais socialista do que a China, pelo menos no que depender dos nossos burocratas corporativos, verdadeiros mandarins da República.
Esta não é, contudo, a opinião de nossos industriais temerosos, que querem continuar praticando antidumping abusivo contra a China.
Quem exporta para o Brasil são empresas privadas chinesas, em sua grande maioria, não o Estado chinês.
Mas, o Brasil é um pais introvertido, temeroso, e seus industriais não têm coragem de enfrentar o Estado para reformar o país internamente e continuam pedindo proteção contra a competição externa.
Paulo Roberto de Almeida

CHINA, ECONOMIA DE MERCADO ?
 Rubens Barbosa
O Estado de São Paulo, 9 de agosto de 2016, p. A-2

Da forma mais discreta possível, autoridades da área comercial de todos os países membros da Organização Mundial de Comércio (OMC) estão discutindo um tema tecnicamente delicado, que poderá ter desdobramentos políticos a partir de 2017: a China seria, de fato, uma economia de Mercado?
O Protocolo de Acessão da China à OMC, assinado em dezembro de 2001, dispõe sobre as obrigações que permitem o ingresso do país no sistema multilateral do comércio. As modificações a que, para isso o governo chinês deveria proceder, previstas pelo Protocolo, englobam obrigações relativas a câmbio; subsídios; transparência das medidas; políticas de controle de preços; tratamento concedido a empresas comerciais estatais; direito ao comércio; investimentos; dentre outras. A OMC por esse documento decidiu que o país asiático não seria tratado como economia de mercado até dezembro de 2016. A China, no entanto, considera que depois dessa data, de forma automática, não mais poderá ser vista como uma economia em transição e que ao país deverão ser aplicadas as regras vigentes a todas as economias de mercado.
A questão não é simples porque as organizações internacionais e países membros da OMC diferem sobre o conceito de economia de mercado. No Brasil, a avaliação sobre economia de mercado está regulada pela circular 59/2001, que em seu artigo 3, estabelece que, para avaliação da existência de condições de economia de mercado, serão observados, entre outros: grau de controle governamental sobre as empresas ou sobre os meios de produção; nível de controle estatal sobre a alocação de recursos, sobre preços e decisões de produção de empresas; legislação aplicável em matéria de propriedade, investimento, tributação e falência; grau em que os salários são determinados livremente em negociações entre empregadores e empregados; grau em que persistem distorções herdadas do sistema de economia centralizada relativas a, entre outros aspectos, amortização dos ativos, outras deduções do ativo, trocas diretas de bens e pagamentos sob a forma de compensação de dívidas, além do nível de interferência estatal sobre operações de câmbio. 
Quais as consequências do reconhecimento da China como economia de mercado?  Do ponto de vista das empresas, o principal efeito será sobre o método de cálculo para a aplicação de medidas de defesa comercial em relação a dumping ou subsídios. E também pela possibilidade de continuar a utilizar salvaguardas para conter o rápido aumento de importações.
Caso algum país reconheça a China como economia de mercado, haverá a obrigatoriedade da utilização dos preços praticados no mercado interno chinês para o cálculo da margem de dumping. Face a distorções existentes no mercado interno chinês, o resultado poderá ser margens de dumping menores e mesmo a perda da eficácia da medida antidumping. O reconhecimento também implicaria em dificuldades na superação de desafios relacionados a eventuais desalinhamentos cambiais (em virtude do controle da taxa de câmbio pela China) e subsídios fornecidos pelo governo chinês a setores econômicos específicos por exemplo. Levando em conta as distorções existentes no mercado chinês, o resultado prático tenderá a fixação de margens de dumping menores ou mesmo negativas, o que impossibilitaria a aplicação da medida antidumping.
Alternativamente, se um país não reconhecer a China como economia de mercado, será preservado, mesmo após dezembro de 2016, o recurso à metodologia aplicada hoje em relação à apuração de margens de dumping, visto que os preços praticados internamente podem ser descartados em razão de sua artificialidade. Em seu lugar, seriam usados valores alternativos, tal como o preço de venda em economias realmente de mercado (ex: Alemanha) o que permitira o estabelecimento de margens mais elevadas de dumping. Também continuariam a ser aplicadas, após consulta bilateral, salvaguardas pelo tempo necessário para prevenir ou conter importações em quantidade ou sob condições que causem ou ameacem causar distorções no mercado doméstico do país de destino.
Em 2004, o Brasil assinou o “Memorando de Entendimento com a República Popular da China sobre Cooperação em Matéria de Comércio e de Investimento”, reconhecendo a China como economia de mercado. Em mais um exemplo da maneira equivocada como agia o lulopetismo, o Memorando não entrou em vigor porque até hoje não foi oficialmente internalizado por ato do Executivo.
Na última reunião do G-20 em Xangai e, mais recentemente por meio de correspondência de altos funcionários chineses, as autoridades brasileiras receberam uma clara mensagem: a China espera que seja mantido o compromisso do Memorandum de 2004.
O setor privado brasileiro está dividido, mas a maioria das Associações empresariais tem-se manifestado contrária ao reconhecimento do novo status da China pelas consequências negativas sobre a preservação de seus interesses comerciais.
O assunto está em consideração pelo governo brasileiro que deve dar uma orientação para as empresas que se sintam prejudicas pela agressiva ação comercial chinesa. Tendo em vista o prazo até dezembro, não há urgência na definição da posição oficial. Melhor fariam as autoridades competentes se seguissem a atitude da Europa e dos EUA no sentido de evitar uma definição pública sobre a questão mesmo depois de dezembro. Não seria adequado fixar agora as diretrizes de governo por decreto ou outra medida burocrática, nem desenvolver uma nova metodologia para o cálculo de margens de dumping.
A CAMEX, em seu novo formato, vinculada à Presidência da República, deveria examinar o assunto e decidir sobre a politica a ser seguida tendo em vista, sobretudo, a nossa defesa comercial.

Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.

quinta-feira, 10 de março de 2016

A China como economia de mercado, e a hipocrisia ocidental - K. William Watson (Cato Institute)

It’s Time to Dump Nonmarket Economy Treatment
 K. William Watson
Cato Institute, March 10, 2016

Trade officials in the United States and Europe use what is called “nonmarket economy methodology” in antidumping cases against imports from China. That practice ignores the actual prices used by Chinese producers and results in unpredictable and unrealistically high antidumping duties.

In a new bulletin, Cato scholar K. William Watson debunks the myths surrounding nonmarket economy treatment and the 2016 deadline in the hopes of preventing the U.S. and EU governments from maintaining this economically harmful policy while needlessly provoking trade conflict with China.

“It’s Time to Dump Nonmarket Economy Treatment,” by K. William Watson

domingo, 11 de maio de 2014

Brasil: politica economica de Jeca Tatu - Rolf Kuntz

O Brasil do banquinho de três pernas
Monteiro Lobato criou um símbolo perfeito para o governo comandado pela presidente Dilma Rousseff, ao sintetizar no banquinho de três pernas o mobiliário e as ambições do caboclo. Para que quatro pernas, se três o sustentam e ainda evitam o trabalho de nivelamento? Os banquinhos do governo estão desenhados com perfeição nos principais indicadores e projeções da economia nacional, aceitos comodamente pelo grupo no poder. O aumento de preços na vizinhança de 6% é um bom exemplo de como funciona essa filosofia de Jeca Tatu.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu nesta semana, para o fim do ano, uma inflação dentro do limite de 6,5%, ponto extremo da margem de tolerância. A taxa anual até poderá ultrapassar essa marca nos próximos meses, mas em seguida – palavra de ministro – vai recuar e permanecer na área delimitada. Meta de 4,5%? Nem pensar, pelo menos por alguns anos.
Crescimento econômico? Muito bom, se chegar a 2,5% em 2013, como está indicado no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Contas externas? O Banco Central projeta para o ano um déficit em conta corrente de US$ 80 bilhões, muito parecido com o de 2013 (US$ 81,07 bilhões) e ainda perto de 3,6% do produto interno bruto (PIB), onde tem permanecido, sem grande agitação, desde março do ano passado.
Forçado a se mexer para atiçar o fogo, e de vez em quando provocado, o governo-Jeca se compraz na recitação monótona de façanhas discutíveis e ainda se permite, de vez em quando, alguma bravata. Uma das preferidas é a comparação das contas públicas brasileiras com as dos países mais avançados. Mas até essa lenga-lenga está ficando insustentável, porque os governos do mundo rico, menos propensos ao comportamento de Jeca Tatu, andaram tomando providências para melhorar as finanças. Resultado: o Brasil ficou muito pior na foto.
Segundo o Eurostat, o escritório de estatísticas da União Europeia, os 28 países do bloco reduziram seu déficit fiscal para a média de 3,3% do PIB no quarto trimestre de 2013. Nos 18 países da zona do euro a média diminuiu para 3%.
No Brasil, o déficit nominal das contas públicas (resultado total, como se mede em quase todo o mundo) ficou em 3,26% do PIB no ano passado e chegou a 3,3% nos 12 meses terminados em fevereiro deste ano. Não dá mais para esnobar os europeus, se forem consideradas aquelas médias.
Para que pensar em modernização econômica, educação séria e criação de empregos decentes, se é muito mais cômodo levar adiante a conversa mole?
Mas a bravata é igualmente insustentável quando se considera a maior parte dos resultados individuais. Em 18 dos 28 países do bloco maior o resultado fiscal de 2013 foi melhor que o brasileiro. Entre os 18 estão duas das maiores economias, a Itália, com 3% de déficit, e a Alemanha, com zero. Em quase todas as outras os resultados melhoraram de forma consistente entre 2010 e 2013. Além disso, também as economias mais afetadas pela crise começaram a vencer a recessão e suas perspectivas são de maior crescimento nos próximos anos.
Mas a dívida pública brasileira, pode insistir algum dirigente brasiliense, é menor que a da maior parte dos europeus como porcentagem do PIB. É verdade, mas esse argumento seria muito mais relevante se a classificação de risco do Brasil fosse tão boa quanto a desses países e se, além disso, os títulos brasileiros fossem aceitos no mercado com as taxas de juros cobradas dos governos europeus.
Além disso, ninguém acusou esses governos de ter recorrido a criatividade contábil para fechar seus balanços nos últimos anos, nem a truques para disfarçar indicadores incômodos, como a taxa de desemprego. Lances desse tipo têm sido frequentes no Brasil, mas em geral para outras finalidades. Empenhado em administrar os índices, em vez de cuidar da inflação, o governo tem controlado os preços dos combustíveis e recorrido a prefeituras e governos estaduais para conter as tarifas do transporte público. Além disso, forçou a contenção das tarifas de energia elétrica, impondo perdas a empresas do setor e pesados custos adicionais ao Tesouro.
Inútil no combate à inflação, essa política fracassada e desastrosa ainda levou o governo a tentar novas mágicas para disfarçar seus efeitos fiscais. Uma das saídas foi a montagem de um estranho esquema de financiamento bancário – R$ 11,2 bilhões – à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), uma entidade sem fim lucrativo e sem garantias próprias para oferecer aos bancos. A garantia será dada pelas distribuidoras e dependerá das tarifas cobradas. O custo será incluído no cálculo das novas tarifas a partir de 2015. Toda essa complicação, incluídos os juros do financiamento, seria evitada sem a demagogia da contenção de tarifas.
Políticas desse tipo são tão eficientes quanto as rezas de benzedeiras em atividade nas Itaocas de Monteiro Lobato. Sua serventia principal é poupar à autoridade – o Jeca de plantão – o trabalho de pensar seriamente e de enfrentar tarefas desagradáveis. Sem disposição para fazer o necessário, resta ao caboclo em função pública inventar meios de contemporizar e de empurrar os problemas para a frente. Inflação longe da meta de 4,5% em 2015 e crescimento econômico de 3%, também indicados no projeto da LDO, combinam com a filosofia do tripé.
Alguns se deixam contaminar pelo conformismo do Jeca e até enganar por sua esperteza rasa. A conversa sobre a criação de empregos é parte dessa esperteza. As demissões na indústria e a baixa qualidade dos postos criados no setor de serviços são temas postos de lado, assim como se tentou fazer com a pesquisa continuada por amostra domiciliar. Esta pesquisa – coincidência notável – vinha apontando taxas de desemprego maiores que as da pesquisa tradicional, mais limitada territorialmente. Para que pensar em modernização econômica, educação séria e criação de empregos decentes, se é muito mais cômodo levar adiante a conversa mole?

terça-feira, 6 de maio de 2014

A diplomacia fantastica e a triste novela da integracao - Rolf Kuntz


A diplomacia fantástica e a política da estagnação

Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo, 03/04/2014

O governo estuda um novo pacote de ajuda às montadoras – mais um de uma longa série. Na Venezuela persiste a escassez de alimentos e até de papel higiênico. Prolonga-se o impasse nas negociações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia. Mais do que nunca o Brasil depende da exportação de matérias-primas para o mercado chinês, numa relação semicolonial. A economia brasileira deve crescer entre 2,3% e 2,5% este ano, segundo o governo, ou nem 2%, segundo outras fontes, perdendo o bonde da recuperação global. Todos esses fatos estão estreitamente relacionados. São aspectos e consequências da opção do governo brasileiro, a partir de 2003, pela diplomacia da mediocridade, pelo caminho fácil do mais chinfrim populismo e pelo desfrute político e pessoal da administração pública. A decadência da Petrobrás, rebaixada de empresa a instrumento das fantasias, caprichos e interesses políticos da Presidência da República, também é parte desse filme.
A exportação rendeu às montadoras US$ 2,9 bilhões no primeiro trimestre deste ano, 15,3% menos que de janeiro a março de 2013. Os números foram publicados pela associação das indústrias. A produção de autoveículos foi 8,4% menor que a de um ano antes. Os empresários atribuem os problemas em parte à retração do mercado interno e em parte às dificuldades de embarques para a Argentina, destino de cerca de 80% da exportações brasileiras de veículos.
Há algo obviamente errado nessa dependência. O Brasil importa carros tanto de países avançados quanto de economias emergentes e de industrialização recente, como Coreia, China e Índia. Nenhum desses parceiros emergentes era mais industrializado que o Brasil nos anos 70, mas todos, hoje, produzem marcas próprias, vendem para todo o mundo e até investem por aqui. Sempre muito protegida, a indústria automobilística brasileira ainda se acomodou nos estreitos padrões da diplomacia comercial petista, concentrando suas exportações na vizinhança. Com isso, aceitou uma dependência excessiva do mercado argentino e, portanto, de um dos governos mais incompetentes, mais populistas e menos confiáveis do mundo.
A diplomacia da mediocridade amarrou o Brasil a um Mercosul estagnado, entravado por barreiras comerciais até no interior do bloco, e deu prioridade, na região, a relações com países comandados por governos autoritários. Num desses países, o governo realizou o quase milagre de converter uma das maiores potências petrolíferas numa economia com gravíssimos problemas de abastecimento, inflação acima de 50% ao ano e escassez de dólares.
Sem reservas cambiais, o governo venezuelano recentemente reteve US$ 3,9 bilhões de companhias aéreas estrangeiras. Sem matéria-prima, a indústria Alimentos Polar suspendeu a produção de duas marcas de massas em uma de suas fábricas, segundo informou nesta semana o boletim colombiano Notas Confidenciales, especializado em notícias regionais.
A crise do papel higiênico, um escândalo no ano passado, nunca foi inteiramente superada. Uma estatal desse país, a PDVSA, deveria ter sido parceira da Petrobrás na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Mais uma vez a fantasia diplomática do presidente Luiz Inácio Lula da Silva resultou em custoso fracasso, perfeitamente compatível com os atrasos de pagamentos a exportadores brasileiros.
A diplomacia da mediocridade amarrou o Brasil a um Mercosul estagnado
Ainda fiel a esse terceiro-mundismo de circo, a presidente Dilma Rousseff seguiu a companheira Cristina Kirchner, em junho de 2012, na manobra para suspender o Paraguai do Mercosul e facilitar o ingresso da Venezuela.
A opção pelo realismo fantástico da diplomacia Sul-Sul, subproduto de um esquerdismo infantil, produziu o primeiro resultado em 2003-2004, quando os presidentes Lula e Kirchner decidiram liquidar o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Essa decisão condenou o Mercosul a perder o bonde da integração no mercado global, enquanto outros países sul-americanos negociavam acordos com os Estados Unidos e outros mercados desenvolvidos.
Lula e seus grandes conselheiros diplomáticos selecionaram como parceiros estratégicos alguns dos maiores emergentes – China, Rússia, Índia e África do Sul. Os governos desses países jamais incluíram o Brasil entre seus parceiros prioritários. Tinham outros objetivos e sempre se esforçaram muito mais para ampliar o comércio com as maiores economias capitalistas. Sem acesso preferencial ao mundo rico – até porque a Argentina sempre dificultou o acordo com a União Europeia -, o Brasil perdeu espaço no mercado internacional de manufaturados. Passou a depender muito mais do que antes da exportação de produtos primários e facilmente se converteu em fornecedor de matérias-primas para a economia chinesa.
Não há nada errado em exportar matérias-primas. Mas é um erro enorme tornar-se muito dependente desse tipo de exportação enquanto a indústria nacional perde dinamismo, competitividade e participação até em seus principais mercados, como a América do Sul.
A política interna, marcada por uma combinação de populismo, gastança federal, baixo investimento, desleixo com a educação, protecionismo, aparelhamento e loteamento do governo e de suas empresas, tolerância à inflação e desprezo à produtividade, levou a indústria à estagnação e erodiu as contas externas. A economia cresceu em média 2% ao ano entre 2011 e 2013 e talvez nem isso seja alcançado em 2014.
A presidente Dilma Rousseff é apenas parcialmente responsável pelo descalabro. A destruição começou no governo de seu antecessor. A prosperidade internacional puxava o Brasil, ainda restava boa parte dos fundamentos criados nos anos 90 e a demolição era menos visível, mas estava em marcha. Subdesenvolvimento, escreveu Nelson Rodrigues, não se improvisa.

Rolf Kuntz

Rolf Kuntz é professor titular de Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP) e colunista de economia do jornal “O Estado de S. Paulo”. É autor dos livros "François Quesnay: economia" (Atica, 1984), da coleção Grandes Cientistas Sociais, e "Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista" (Max Limonad, 2002). Kuntz é mestre e doutor em Filosofia pela USP. Tem interesse especial pela obra de David Hume, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Adam Smith.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Estado a que chegamos (e ainda nao paramos de afundar...) - PRAlmeida no Instituto Millenium

Reproduzo aqui a versão do Instituto Millenium de meu artigo recentemente postado aqui.

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O Estado a que chegamos…

Vou ser conciso, direto e brutal: o Estado brasileiro representa, hoje, o principal obstáculo a um processo sustentável e satisfatório de desenvolvimento econômico. Este é um fato (e uma verdade), ainda que muitos possam considerá-lo como mera opinião pessoal, mas minha afirmação poderia ser facilmente corroborada por um sem número de dados objetivos do ponto de vista tributário, orçamentário, financeiro, regulatório, em aspectos macro e micro, como alocação “subótima” de recursos pelos agentes, etc.
Não pretendo entrar em polêmicas inúteis com eventuais defensores do Estado (deste Estado ou de qualquer Estado), mas diria apenas, para início de debate, que o atual governo não é responsável por esta situação lamentável, que apenas constitui a culminação de um processo atávico e perverso de acumulação “primitiva” (no sentido de rude, mesmo) de disfunções estatais que foram lentamente sendo “depositadas” em camadas burocráticas geológicas e que hoje comprometem gravemente as possibilidades de crescimento sustentável. Mas o governo atual tem, sim, a responsabilidade pela continuidade de uma certa visão do mundo que tende a sustentar e prolongar esse estado de coisas.
Sendo reiteradamente direto e mesmo brutal, eu diria também que o governo (este e os seus predecessores) é o principal responsável pelo fato de a economia não funcionar de modo satisfatório. Esta é uma responsabilidade indeclinável, mas ela deve ser igualmente partilhada pelas três esferas da administração, uma vez que os políticos federais, estaduais e municipais, assim como funcionários de alto escalão dos três poderes devem ser solidariamente responsabilizados por essas disfunções históricas do Estado brasileiro.
Não pretendo fazer longas digressões, tentando explicar como cheguei a essas duas constatações. Vou limitar-me a reafirmar que o peso do Estado brasileiro – o Estado a que chegamos, como diria o barão de Itararé – representa, sem qualquer dúvida, um peso morto sobre os ombros dos agentes econômicos e sobre o conjunto da sociedade (com poucos elementos de satisfação, segundo a opinião corrente). Tal como ele (não) funciona atualmente, o Estado brasileiro continuará, infelizmente, a obstaculizar o processo de desenvolvimento do país pelo futuro previsível. Esta é a parte ruim da história.
Sendo reiteradamente direto e mesmo brutal, eu diria também que o governo (este e os seus predecessores) é o principal responsável pelo fato de a economia não funcionar de modo satisfatório
A parte ainda pior é que, mais uma vez infelizmente, não há perspectivas de que essa situação possa ser revertida no curto ou no médio prazo. Ou seja, temos apenas a certeza, pelo futuro previsível, de que a única certeza no nosso horizonte é a perspectiva de esforços privados não correspondidos no plano estatal, lágrimas implícitas por parte dos agentes econômicos e gemidos sem fim por parte do público em geral. Se isto pode servir de consolo, eu diria que um começo de solução a este problema trágico – já que é o nosso futuro e o de nossos filhos e netos que está em causa – não será encontrado fora do Estado, ainda que isto deva ser feito aos trancos e barrancos, quase a fórceps.
Não será feito fora do Estado e muito menos sem o Estado ou contra o Estado, porque, mais uma vez infelizmente, o Estado, também pelo futuro previsível, tornou-se o centro indeclinável e incontornável da economia e da política no Brasil. Aos que consideram este tipo de constatação uma manifestação incurável de neoliberalismo explícito e de anti-estatismo de princípio, eu diria simplesmente o seguinte: não estou preocupado com ideologias, mas apenas com constatações empíricas. A esse respeito, podemos lembrar que poucos países desenvolvidos – e certamente não os mais dinâmicos – têm no Estado o centro de gravidade absoluto da vida econômica nacional, como ocorre hoje no Brasil, onde ele é o referencial incontornável de qualquer ajuste, medida, iniciativa, suspiro e gemido da vida nacional.
Esclareço, mais uma vez, não se trata aqui de uma opinião ou impressão subjetiva, mas de um fato sociológico contra o qual podemos nos revoltar, lamentar, protestar, mas também com o qual temos de nos conformar e, em seguida, contra o qual temos de nos confrontar.
Se o Brasil quiser se desenvolver, com distribuição de riqueza, progresso tecnológico e justiça social, o Estado tem de – isto é imperativo – deixar de ser o centro absoluto da vida nacional. Um ogro que absorve dois quintos do produto bruto sem reverter serviços proporcionais para a sociedade é claramente disfuncional para fins de desenvolvimento socioeconômico. Isto tampouco é uma opinião: é uma constatação elementar que surge límpida do exame dos indicadores econômicos e sociais do último quarto de século (período no qual paramos de crescer, mas as raízes da “involução” tinham sido desenhadas bem antes).
Aos que, mais uma vez, seriam tentados a ver nessas afirmações demonstrações explícitas de neoliberalismo, eu apenas pediria que deixassem de tapar o sol com a peneira e olhassem a realidade dos fatos. A perda de vigor econômico no Brasil foi concomitante com a passagem de uma carga fiscal de aproximadamente 10% para 37% do PIB (e crescendo) e o contínuo decréscimo da relação capital-produto no processo brasileiro de desenvolvimento, sem que os elementos de disfuncionalidade se resumam, todavia, ao aspecto fiscal da história ou à perda de vigor dos investimentos. Não: o solapamento e a inviabilização do processo de desenvolvimento são o resultado de dezenas de ações desenvolvimentistas, distributivistas e regulatórias acumuladas ao longo de anos, senão décadas, um esforço contínuo, constante e crescente de fabricação do ogro. Ele agora está aí: é o Estado a que chegamos (e não adianta reclamar da boca para fora: todos nós fomos, somos e continuaremos a ser responsáveis solidários por esse gigantesco empreendimento de construção da desconstrução econômica).
Àqueles, também, que repetem sem cansar a velha cantilena da “ausência de um projeto de Nação” e que continuam a condenar um imaginário “modelo perverso de desenvolvimento”, clamando em consequência, na augusta generalidade das idéias vazias, pela necessidade de um outro (tão indefinível quanto fantasmagórico) “modelo de desenvolvimento”, eu apenas diria que eles precisam, por uma vez, dedicar-se seriamente ao dever de casa. Sim, pois que, pelo menos desde a minha infância (mas deve ter ocorrido antes também), aí pelos anos 1950, eu ouço falar dessa tal necessidade, com intelectuais e políticos se sucedendo nessa tarefa de Sísifo puramente intelectual, e nenhum deles, uma única inteligência nacional, foi capaz, até agora, de sequer desenhar os contornos desse “projeto nacional de desenvolvimento”.
Como isso foi possível? Deve ser por algum obstáculo mental coletivo, pois não é possível que tantas cabeças juntas não tenham conseguido oferecer um contorno sequer desse tal “projeto”. Muitos intelectuais ditos “orgânicos” (talvez seja por isso que eles custam mais caro que os normais) continuam a dizer que o Brasil carece de um projeto de desenvolvimento. Eles são eternos candidatos a oferecer tal projeto, que fica sempre na fase de anúncio, sem que sejamos apresentados ao dito cujo, em carne e osso, aliás, como se fosse algum Santo Graal desenvolvimentista, que fica escondido em alguma caverna das montanhas, necessitando bravos e intrépidos cavaleiros para resgatá-lo de algum limbo indefinível, só acessível aos iniciados da douta religião desenvolvimentista.
Como nota final, ainda dirigida ao leitor que considera que estou sendo um neoliberal impenitente, eu apenas pediria que não tentasse concordar comigo no diagnóstico. Eu pediria simplesmente que ele forneça uma explicação alternativa, credível, a esta exposição sobre a disfuncionalidade fundamental do Estado brasileiro para fins de desenvolvimento da Nação. Atenção, porém: se a explicação para o desastre for do tipo “é porque o Estado não fez isto e mais aquilo”, eu aí retorquiria o seguinte: não vale ser tautológico e reincidente no crime. Mas, se você preferir seguir um economista como Celso Furtado que, quando perguntado sobre as razões que impediam o Brasil de crescer, respondeu que era devido a “uma combinação de juros altíssimos com uma concentração de renda brutal”, eu voltaria a responder: mas você está concordando comigo em que o Estado é o principal obstáculo ao crescimento, pois que juros elevados e concentração de renda sempre foram e são diretamente produzidos pelo Estado, historicamente e mais ainda nos dias que correm.

SOBRE PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, mestre em planejamento econômico pelo Colégio dos Países em Desenvolvimento da Universidade de Estado de Antuérpia, doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. Trabalhou como assessor especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. É autor dos livros: “O Mercosul no contexto regional e internacional” (Aduaneiras, 1993), “ O Brasil e o multilateralismo econômico” (Livraria do Advogado, 1999), “ Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (UFRGS, 1998)” e “O moderno príncipe – Maquiavel revisitado” (2007)

sábado, 23 de novembro de 2013

China: reformas capitalistas (ao estilo dos companheiros?) - MervalPereira

Merval Pereira
O Globo, 23/11/2013

Fazendo um balanço dos últimos cem anos na história da França, a revista econômica L´Expansion mostra que já em 1913 os países então chamados de “novos”, e não de “emergentes” como hoje, eram considerados os eldorados, a ponto de Guillaume Appolinaire ser autor de uma poesia sobre os que esperam ganhar dinheiro na Argentina e retornar a seu país depois de terem feito fortuna.
Já naquela época as raízes dos BRICS estavam lançadas com China, Rússia, Brasil, ao lado da Argentina, os países plenos de matérias primas, em que tudo é possível, que os bancos e as grandes fortunas buscavam para investimentos.
Em 1917, quando a revolução comunista estourou, 44% dos bancos russos eram de propriedade de estrangeiros, a maior parte de franceses. Curiosamente, as seis principais economias do mundo cem anos atrás eram as mesmas de hoje, em lugares ligeiramente trocados, com exceção dos Estados Unidos, que já era a primeira, e a França, que continua em quinto lugar.
A Alemanha era a segunda economia e hoje é a quarta; a China era a terceira e hoje é a segunda; a Inglaterra era a quarta economia do mundo e hoje é a sexta, e o Japão, que era a sexta, hoje é a terceira maior economia do mundo.
A Argentina era a 11 economia do mundo e hoje cai pelas tabelas, podendo ser a 25 economia se os números oficiais estiverem corretos. O Brasil já foi a sexta economia, ultrapassando a Inglaterra, mas com o crescimento pífio dos últimos anos pode estar na décima posição.
 Perguntado sobre como avaliava a Revolução Francesa, o premier chinês Zhou Enlai teria respondido que ainda era muito cedo para fazer uma avaliação. A resposta seria típica de uma cultura milenar, com uma marcação de tempo mais cautelosa que a ocidental.
Ao anunciar no ultimo dia 15 o mais ambicioso plano de reformas sociais e econômicas desde as reformas colocadas em prática por Deng Xiaoping entre o final dos anos 70 e o início dos 80 do século passado, transformando a China no líder econômico entre os mercados emergentes, o Presidente Xi Jinping e o Premier Li Keqiang, preparam o país para os próximos cem anos.
Segundo especialistas, é mais que um plano. É uma reforma de tal envergadura que altera completamente as atuais crenças e valores de todo um sistema de governo. Já comparável a situações que ocorrem poucas vezes na história das nações, como a revolução industrial na Inglaterra do século XIX, ou a arrancada tecnológica - aço, estradas de ferro, petróleo, e rede bancária - que fez a América se tornar a nação mais industrializada do mundo no primeiro quarto do século XX.
Das nada menos que 60 medidas tomadas pelos chineses para transformar sua economia em competitiva no mundo moderno, sair do “capitalismo de Estado” para o capitalismo realmente de mercado, cinco são as mais importantes segundo os analistas.
A mais emblemática delas é o afrouxamento da política de um bebê por família. Agora podem ter dois, desde que um dos pais seja filho único. A controversa política do filho único introduzida em 1979 contribuiu para a queda da taxa de nascimentos, mas agora a população está envelhecendo rapidamente.
A consequência imediata foi a valorização das ações na bolsa de Hong Kong de indústrias ligadas ao consumo infantil, de brinquedos a lacticínios. O consumo desses produtos cresce rapidamente na China, mas ainda é apenas 25% dos níveis dos Estados Unidos e Europa.
Também vão mudar as regras da migração: antes os migrantes tinham que desistir dos serviços públicos quando se transferiam para grandes cidades, agora não mais. Resultado: libera-se o mercado de trabalho, permitindo a livre circulação de mão-de-obra.
A política de registro de famílias por residência, conhecida como sistema “hukou", dificultava a mudança das áreas rurais para os centros urbanos. Apesar disso, a China hoje já tem mais habitantes nos centros urbanos do que nas áreas rurais.
Para alguns, esta é a maior reforma na política de urbanização desde 1958. No entanto, as maiores cidades como Beijing, Shanghai, Guangzhou and Shenzhen vão manter as restrições. ( Amanhã, incentivo a investimentos privados)