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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Estado a que chegamos (e ainda nao paramos de afundar...) - PRAlmeida no Instituto Millenium

Reproduzo aqui a versão do Instituto Millenium de meu artigo recentemente postado aqui.

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O Estado a que chegamos…

Vou ser conciso, direto e brutal: o Estado brasileiro representa, hoje, o principal obstáculo a um processo sustentável e satisfatório de desenvolvimento econômico. Este é um fato (e uma verdade), ainda que muitos possam considerá-lo como mera opinião pessoal, mas minha afirmação poderia ser facilmente corroborada por um sem número de dados objetivos do ponto de vista tributário, orçamentário, financeiro, regulatório, em aspectos macro e micro, como alocação “subótima” de recursos pelos agentes, etc.
Não pretendo entrar em polêmicas inúteis com eventuais defensores do Estado (deste Estado ou de qualquer Estado), mas diria apenas, para início de debate, que o atual governo não é responsável por esta situação lamentável, que apenas constitui a culminação de um processo atávico e perverso de acumulação “primitiva” (no sentido de rude, mesmo) de disfunções estatais que foram lentamente sendo “depositadas” em camadas burocráticas geológicas e que hoje comprometem gravemente as possibilidades de crescimento sustentável. Mas o governo atual tem, sim, a responsabilidade pela continuidade de uma certa visão do mundo que tende a sustentar e prolongar esse estado de coisas.
Sendo reiteradamente direto e mesmo brutal, eu diria também que o governo (este e os seus predecessores) é o principal responsável pelo fato de a economia não funcionar de modo satisfatório. Esta é uma responsabilidade indeclinável, mas ela deve ser igualmente partilhada pelas três esferas da administração, uma vez que os políticos federais, estaduais e municipais, assim como funcionários de alto escalão dos três poderes devem ser solidariamente responsabilizados por essas disfunções históricas do Estado brasileiro.
Não pretendo fazer longas digressões, tentando explicar como cheguei a essas duas constatações. Vou limitar-me a reafirmar que o peso do Estado brasileiro – o Estado a que chegamos, como diria o barão de Itararé – representa, sem qualquer dúvida, um peso morto sobre os ombros dos agentes econômicos e sobre o conjunto da sociedade (com poucos elementos de satisfação, segundo a opinião corrente). Tal como ele (não) funciona atualmente, o Estado brasileiro continuará, infelizmente, a obstaculizar o processo de desenvolvimento do país pelo futuro previsível. Esta é a parte ruim da história.
Sendo reiteradamente direto e mesmo brutal, eu diria também que o governo (este e os seus predecessores) é o principal responsável pelo fato de a economia não funcionar de modo satisfatório
A parte ainda pior é que, mais uma vez infelizmente, não há perspectivas de que essa situação possa ser revertida no curto ou no médio prazo. Ou seja, temos apenas a certeza, pelo futuro previsível, de que a única certeza no nosso horizonte é a perspectiva de esforços privados não correspondidos no plano estatal, lágrimas implícitas por parte dos agentes econômicos e gemidos sem fim por parte do público em geral. Se isto pode servir de consolo, eu diria que um começo de solução a este problema trágico – já que é o nosso futuro e o de nossos filhos e netos que está em causa – não será encontrado fora do Estado, ainda que isto deva ser feito aos trancos e barrancos, quase a fórceps.
Não será feito fora do Estado e muito menos sem o Estado ou contra o Estado, porque, mais uma vez infelizmente, o Estado, também pelo futuro previsível, tornou-se o centro indeclinável e incontornável da economia e da política no Brasil. Aos que consideram este tipo de constatação uma manifestação incurável de neoliberalismo explícito e de anti-estatismo de princípio, eu diria simplesmente o seguinte: não estou preocupado com ideologias, mas apenas com constatações empíricas. A esse respeito, podemos lembrar que poucos países desenvolvidos – e certamente não os mais dinâmicos – têm no Estado o centro de gravidade absoluto da vida econômica nacional, como ocorre hoje no Brasil, onde ele é o referencial incontornável de qualquer ajuste, medida, iniciativa, suspiro e gemido da vida nacional.
Esclareço, mais uma vez, não se trata aqui de uma opinião ou impressão subjetiva, mas de um fato sociológico contra o qual podemos nos revoltar, lamentar, protestar, mas também com o qual temos de nos conformar e, em seguida, contra o qual temos de nos confrontar.
Se o Brasil quiser se desenvolver, com distribuição de riqueza, progresso tecnológico e justiça social, o Estado tem de – isto é imperativo – deixar de ser o centro absoluto da vida nacional. Um ogro que absorve dois quintos do produto bruto sem reverter serviços proporcionais para a sociedade é claramente disfuncional para fins de desenvolvimento socioeconômico. Isto tampouco é uma opinião: é uma constatação elementar que surge límpida do exame dos indicadores econômicos e sociais do último quarto de século (período no qual paramos de crescer, mas as raízes da “involução” tinham sido desenhadas bem antes).
Aos que, mais uma vez, seriam tentados a ver nessas afirmações demonstrações explícitas de neoliberalismo, eu apenas pediria que deixassem de tapar o sol com a peneira e olhassem a realidade dos fatos. A perda de vigor econômico no Brasil foi concomitante com a passagem de uma carga fiscal de aproximadamente 10% para 37% do PIB (e crescendo) e o contínuo decréscimo da relação capital-produto no processo brasileiro de desenvolvimento, sem que os elementos de disfuncionalidade se resumam, todavia, ao aspecto fiscal da história ou à perda de vigor dos investimentos. Não: o solapamento e a inviabilização do processo de desenvolvimento são o resultado de dezenas de ações desenvolvimentistas, distributivistas e regulatórias acumuladas ao longo de anos, senão décadas, um esforço contínuo, constante e crescente de fabricação do ogro. Ele agora está aí: é o Estado a que chegamos (e não adianta reclamar da boca para fora: todos nós fomos, somos e continuaremos a ser responsáveis solidários por esse gigantesco empreendimento de construção da desconstrução econômica).
Àqueles, também, que repetem sem cansar a velha cantilena da “ausência de um projeto de Nação” e que continuam a condenar um imaginário “modelo perverso de desenvolvimento”, clamando em consequência, na augusta generalidade das idéias vazias, pela necessidade de um outro (tão indefinível quanto fantasmagórico) “modelo de desenvolvimento”, eu apenas diria que eles precisam, por uma vez, dedicar-se seriamente ao dever de casa. Sim, pois que, pelo menos desde a minha infância (mas deve ter ocorrido antes também), aí pelos anos 1950, eu ouço falar dessa tal necessidade, com intelectuais e políticos se sucedendo nessa tarefa de Sísifo puramente intelectual, e nenhum deles, uma única inteligência nacional, foi capaz, até agora, de sequer desenhar os contornos desse “projeto nacional de desenvolvimento”.
Como isso foi possível? Deve ser por algum obstáculo mental coletivo, pois não é possível que tantas cabeças juntas não tenham conseguido oferecer um contorno sequer desse tal “projeto”. Muitos intelectuais ditos “orgânicos” (talvez seja por isso que eles custam mais caro que os normais) continuam a dizer que o Brasil carece de um projeto de desenvolvimento. Eles são eternos candidatos a oferecer tal projeto, que fica sempre na fase de anúncio, sem que sejamos apresentados ao dito cujo, em carne e osso, aliás, como se fosse algum Santo Graal desenvolvimentista, que fica escondido em alguma caverna das montanhas, necessitando bravos e intrépidos cavaleiros para resgatá-lo de algum limbo indefinível, só acessível aos iniciados da douta religião desenvolvimentista.
Como nota final, ainda dirigida ao leitor que considera que estou sendo um neoliberal impenitente, eu apenas pediria que não tentasse concordar comigo no diagnóstico. Eu pediria simplesmente que ele forneça uma explicação alternativa, credível, a esta exposição sobre a disfuncionalidade fundamental do Estado brasileiro para fins de desenvolvimento da Nação. Atenção, porém: se a explicação para o desastre for do tipo “é porque o Estado não fez isto e mais aquilo”, eu aí retorquiria o seguinte: não vale ser tautológico e reincidente no crime. Mas, se você preferir seguir um economista como Celso Furtado que, quando perguntado sobre as razões que impediam o Brasil de crescer, respondeu que era devido a “uma combinação de juros altíssimos com uma concentração de renda brutal”, eu voltaria a responder: mas você está concordando comigo em que o Estado é o principal obstáculo ao crescimento, pois que juros elevados e concentração de renda sempre foram e são diretamente produzidos pelo Estado, historicamente e mais ainda nos dias que correm.

SOBRE PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, mestre em planejamento econômico pelo Colégio dos Países em Desenvolvimento da Universidade de Estado de Antuérpia, doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. Trabalhou como assessor especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. É autor dos livros: “O Mercosul no contexto regional e internacional” (Aduaneiras, 1993), “ O Brasil e o multilateralismo econômico” (Livraria do Advogado, 1999), “ Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (UFRGS, 1998)” e “O moderno príncipe – Maquiavel revisitado” (2007)

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