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sábado, 11 de janeiro de 2014

Venezuela: a caminho do desastre final - Editorial O Globo

Pó sobre pó

Desastre da administração de Maduro na Venezuela em relação à economia só é proporcional aos tropeços linguísticos do folclórico presidente

Editorial O Globo, 11/01/2014

É da Venezuela o novo recorde mundial de inflação: os preços ao consumidor subiram 56,2% no ano passado, informa o Banco Central local. Ou seja, avançaram em ritmo nove vezes superior aos brasileiros no mesmo período.
Significa forte corrosão da economia, com o consequente empobrecimento da maioria dos 30 milhões de venezuelanos, que habitam um emirado petrolífero e vivem numa época de petróleo vendido a US$ 90 o barril (valia US$ 30 em 2002).
A inflação venezuelana disparou, e em velocidade maior do que se observa em países cujos ditadores optaram pela guerra civil, na tentativa de preservar seu poder, como acontece na Síria de Bashar al-Assad (49,5%) e no Sudão de Omar al-Bashir (37,1%).
O cenário piora. Esse aumento (56,2%) nos preços ao consumidor de 2013 representa quase o triplo da taxa registrada na Venezuela no ano anterior (20,1%). É a média geral. Em alimentos e bebidas a alta de preços foi muito maior: 79,3%, na média do setor, conforme dados do Banco Central.
É obra da administração Nicolás Maduro. Desde dezembro de 2012, quando o caudilho Hugo Chávez se submeteu a uma cirurgia da qual não se recuperou, Maduro conduz o condomínio ditatorial chavista, em sociedade com Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional.
O desastre só é proporcional aos tropeços linguísticos do folclórico presidente. Segundo ele, os empresários “roubam como nós” e o governo tem de enfrentar a escassez de alimentos agindo como Cristo “que multiplicó los penes”.
A história ensina que a intolerância social com altas taxas de inflação costuma ser mortal aos governos politicamente falidos. Ensina, também, que a única alternativa é a negociação. No caso da Venezuela, tal possibilidade parece cada dia mais remota porque seus governantes, como disse Cabello dias atrás, julgam que a palavra negociação funciona na política como sinônimo de capitulação: “Nós não vamos cair na chantagem do diálogo”.
Na ausência de Chávez, o mestre da ilusão do “socialismo do século XXI”, Maduro e Cabello tentam moldar a dura realidade com exercícios de contorcionismo linguístico sobre a arte da incompetência. Nele, a escassez de alimentos em todo o país é resultado da “sabotagem intencional e internacional”; os apagões diários nas cidades, prometem, serão derrotados com um plano militar “de ordenamento e uso”, e a nova e iminente desvalorização da moeda (o bolívar) nada mais será do que um “mecanismo cambial alternativo”.
O delírio chavista se transformou em pura nitroglicerina política. É daquelas situações em cujo epílogo, como costuma dizer Maduro, pode não restar “pó sobre pó”.

sábado, 28 de setembro de 2013

A tragedia (ou a comedia?) partidaria brasileira - Augusto Nunes, Editorial O Globo

Augusto Nunes, 27/09/2013

Como se pode governar um país que tem 246 espécies de queijo?, intrigava-se o presidente francês Charles de Gaulle. Como pode funcionar um governo que tem 39 ministérios?, assombram-se os brasileiros desde que Lula e Dilma resolveram multiplicar as ampliar as nulidades amontoadas no primeiro escalão. E como pode existir um país com 32 partidos políticos?, espantou-se nesta terça-feira, ao saber que o Tribunal Superior Eleitoral acabara de expedir a certidão de nascimento do PROS e do Solidariedade, mesmo quem achava que não se espantaria com mais nada.
Pelo critério da quantidade, é improvável que algum lugar do mundo tenha mais partidos que o Brasil. Pelo critério da qualidade, qualquer grotão do planeta supera o colosso sul-americano: aqui não existe um único partido de verdade. O PT pareceu que era antes de sucumbir ao excesso de cinismo. Transformou-se numa seita que tem em Lula seu único deus, faz qualquer negócio para ganhar a eleição e topa a mais sórdida aliança para manter-se no poder. O PSDB teria sido se soubesse o que é coragem e ao menos desconfiasse que o papel da oposição é fazer oposição.
O resto nem tentou providenciar carteira de identidade. A leitura dos programas, planos de ação e declarações de princípios aguça a suspeita de que o palavrório foi produzido pelo mesmo redator. Todos moram em algum ponto impreciso entre o centro e a esquerda. Se o eleitorado lhes conferir um voto de confiança, vão dar um jeito na saúde e na educação, acabar com a injustiça social e tranformar o Brasil numa Noruega com praia.  A prática fulmina a teoria.
Os políticos brasileiros reduziram os partidos a fontes de lucros bilionários, balcões de compra e venda de voto, usinas de negociatas, gazuas feitas sob medida para arrombadores de cofres públicos. Segundo Ciro Gomes, o PMDB é um ajuntamento de assaltantes. Apenas abriga mais ladrões que os outros, igualmente infestados de estupradores da lei. Financiadores involuntários de todas as gastanças, vítimas indefesas de todas as gatunagens, os pagadores de impostos bancam as despesas cotidianas dos partidos e abastecem a despensa incessantemente esvaziada pelos chefões das siglas desprovidas de ideias e de vergonha.
Na Alemanha , por exemplo, existem seis partidos, que cuidam da própria subsistência e estão sujeitos à cláusula de barreira: os que não alcançam um número mínimo de votos caem fora do Congresso. Foi o que aconteceu ao FDP nas eleições da semana passada. Para os alemães, aliás, 13 sindicatos de trabalhadores bastam. No País do Carnaval, os sindicatos passam de 13 mil e nenhum partido precisa ter voto para entrar na festa das verbas que mereciam destino menos abjeto.
Até siglas sem vereadores são sustentadas pelos brasileiros implacavelmente extorquidos pela Receita Federal. Dos seus bolsos saíram os R$ 286 milhões distribuídos pelo Fundo Partidário em 2012. Deles também sairão os dotes de R$ 30 milhões reservados ao PROS e ao Solidariedade. Os lesados que se queixem ao bispo, ou ao Papa Francisco.

Assim será até que o rebanho primitivo aprenda a votar com lucidez. Assim será até que o Brasil civilizado comprenda que quem só protesta em junho autoriza a imensa tribo dos gatunos a delinquir sem medo no resto do ano.
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Editorial O Globo, 27/09/2013

A campanha eleitoral de 2014, cujo início foi antecipado pelo PT para o primeiro semestre de 2013, passa, com mais velocidade, a mexer no quadro político-partidário. A decisão do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), de retirar seu partido da base do governo Dilma e, em consequência, do ministério da presidente, é um movimento de peso, por significar um passo de Campos na direção de uma candidatura ao Planalto.

Devido aos prazos legais para a habilitação de partidos às urnas do ano que vem ─ o limite é 5 de outubro ─, as atenções se concentram no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), instância que decidirá o destino da Rede Sustentabilidade, partido lançado por Marina Silva, considerada, à luz das pesquisa, capaz de garantir o segundo turno nas eleições presidenciais ─ tudo o que PT e Dilma Rousseff não desejam.
O TSE acaba de carimbar o Partido Republicano da Ordem Social (PROS), de um ex-caixeiro-viajante político em Brasília, Eurípedes Júnior, e o Solidariedade, do sindicalista Paulo Pereira da Silva, Paulinho da Força, deputado de saída do PDT paulista, e acusado de apresentar assinaturas falsificadas à Justiça eleitoral para viabilizar o partido. Não foi motivo para o TSE deixar de sacramentar mais uma legenda para, junto com o PROS, atuar no ativo mercado de troca de partidos e venda literal de apoios, em que o ativo mais cobiçado é o tempo de exposição no chamado “programa eleitoral gratuito”.
Até ontem, o Brasil contava com 32 partidos reconhecidos. Enquanto isso, na Alemanha, os liberais do FDP, desde 1949 com assento no Parlamento, ficaram de fora, nas eleições de fim de semana, porque não conseguirem atingir os 5% dos votos nacionais necessários para ter bancada no Legislativo. Compare-se a qualidade da vida parlamentar alemã com a brasileira. Até a última legislatura, seis partidos eram representados no Congresso alemão. O Brasil conta com 32, dos quais 24 ─ sem os dois novos ─ estão no Legislativo. Não surpreende a barafunda da política parlamentar brasileira, o toma lá dá cá do fisiologismo, a fim de se estabelecer alianças para sustentar governos. (E é claro que não existem 32 projetos, nem mesmo a metade, de poder e governo para o país).

Os novos partidos servem, ainda, de álibi para a troca de legendas sem risco de perda de mandato. As vantagens pecuniárias também são atrativas. Mesmo que não tenha um parlamentar eleito, a legenda recebe cerca de R$ 60 mil por mês do Fundo Partidário, em boa parte financiado pelo contribuinte. Quando se defende cláusula de barreira, não é para proibir a criação de partidos, mas ordenar sua atuação nas Casas legislativas, parte das quais é um balcão de negócios dominado por interesses fisiológicos e pelo espírito de baixo clero, reinante até nas legendas nacionais.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A elevacao continua da diplomacia brasileira para as alturas do condor - Editorial do Globo

Editorial O Globo, 28/08/2013

Embora haja ainda muito a esclarecer sobre a história da retirada do senador boliviano Roger Pinto Molina do confinamento de 455 dias na embaixada em La Paz, pelo diplomata brasileiro Eduardo Saboia, o caso parece ser mais uma demonstração de como o profissionalismo outrora reconhecido do Itamaraty foi corroído por interesses partidários e simpatias lulopetistas pelo nacional-populismo bolivariano-chavista hegemônico na Bolívia.

A defenestração do chanceler Antonio Patriota é apenas parte do enredo. Dizendo-se surpreendido pelo desfecho da operação executada pelo encarregado de negócios da embaixada, Eduardo Saboia — filho do embaixador aposentado Gilberto Vergne Saboia, conhecido pela atuação na defesa dos direitos humanos —, não havia mesmo como o chanceler continuar no cargo. Sem ter conseguido se impor minimamente no ministério de Dilma, Patriota já não contava com a simpatia da centralizadora presidente, segundo se dizia há tempos.
Nas entrevistas seguras que concedeu depois de cruzar a fronteira em veículos diplomáticos, sob a segurança de fuzileiros navais brasileiros, o diplomata foi claro: já comunicara ao ministério que poderia tomar uma decisão de emergência por razões humanitárias, devido ao estado de saúde de Molina, obrigado a ficar num cubículo, sem pouco contato com o mundo exterior. Situação diferente de Julian Assange (Wikileaks), também forçado de forma abusiva pelo governo inglês a acampar na embaixada equatoriana em Londres, mas onde concede entrevistas e recebe visitas.
Até que desmentidos comprovados convençam do contrário, o governo Dilma, com o Itamaraty de agente, aceitou passivamente que o governo boliviano de Evo Morales não concedesse o salvo conduto ao senador de oposição, para vencê-lo por fadiga psicológica. A atual política externa brasileira assumiu o papel indecoroso de carcereiro, contra os princípios da diplomacia do velho Itamaraty. Foi traída uma política de Estado de sempre colocar o Brasil ao lado de boas causas do ponto de vista ético.
Mas a flexibilidade da espinha dorsal desta política externa de ocasião não parece ter limites. A Bolívia já expropriou refinaria da Petrobras sem um resmungo de Brasília, que também aceitou fazer parte de uma operação sibilina com a Argentina e Uruguai para trocar o velho aliado Paraguai pela Venezuela chavista no Mercosul.

O novo ministro, Luiz Alberto Figueiredo Machado, logo será testado, diante do provável pedido de extradição que a Bolívia encaminhará. O senador é acusado na Justiça de corrupção, mas a independência do Judiciário boliviano tem o valor de uma folha de coca ao sopé dos Andes. Valerá para Pinto Molina o que valeu para o esquerdista italiano Cesare Battisti, condenado na Itália por homicídio, mas acolhido pelo PT, ou não?

domingo, 7 de julho de 2013

A real agenda de problemas do Brasil real - Editorial O Globo

A agenda de problemas reais
Editorial O Globo, 06/07/2013

Enquanto o debate é alimentado por uma espécie de factoide — o plebiscito da reforma política —, a vida real segue o curso, e problemas muito concretos vão se avolumando.

O próprio governo parece ter caído na armadilha da invenção diversionista da “constituinte exclusiva” — origem do plebiscito, ao se constatar a ilegalidade da ideia —, lançada como suposta medida de atendimento às manifestações de rua, mas cujo objetivo primordial é afastar o Planalto do centro da crise e transferir responsabilidades para o Congresso. Que há problemas de representatividade política, não se discute. Resumir o mau momento do Brasil a isto é exagero.

Impossível prever até quando o truque funcionará. Até porque as dificuldades econômicas aumentam e tendem a funcionar cada vez mais como amplificador da voz das ruas. A inflação de junho, divulgada ontem, medida pelo IPCA, foi de 0,26%, abaixo da de maio (0,37%). Mas, como em junho do ano passado havia ficado quase estável (0,08%), o IPCA anualizado novamente ultrapassou o teto superior da meta de inflação (6,5%), fechando em 6,7%.

Há grandes possibilidades de o índice recuar até o final do ano. A curto prazo, até como reflexo do corte de tarifas, forçado pelas manifestações. Mas num setor-chave para o bolso da população, o de serviços, a inflação continua a rodar na velocidade de 8% ao ano.

Mesmo assim, e apesar do discurso do governo — um dos pactos propostos pela presidente Dilma trata do tema —, a política fiscal continua expansionista, aumentando a temperatura do consumo, fator de pressão sobre os preços.

Mantém-se o uso irresponsável da “contabilidade criativa”, para injetar recursos de endividamento público em bancos públicos, como BNDES e CEF, a fim de o dinheiro voltar sob o disfarce de dividendos e embonecar o superávit primário, como se houvesse uma austeridade que na realidade inexiste.

Chegou-se à situação escalafobética de a Caixa pagar mais dividendos à União do que teve de lucro (R$ 7,7 bilhões contra R$ 6,1 bilhões). Tanto é que começa a cair em descrédito mesmo a nova meta, mais baixa, de 2,3% do PIB de superávit. Enquanto aumenta a expectativa de efetivo rebaixamento da classificação do país em agências de avaliação de risco.

O jogo de espelhos para melhorar números também chegou à balança comercial, encerrada no primeiro semestre com um déficit de US$ 3 bilhões, o pior resultado em 18 anos. E isso porque ajudou nos números a contabilização de US$ 1,5 bilhão de uma exportação fictícia de três plataformas da Petrobras. Elas apenas foram registradas em subsidiária no exterior. A operação é legal, mas só faz aumentar a desconfiança crescente na administração da economia num momento como este. Inflação elevada, economia em desaquecimento — a indústria retrocedeu 2% de abril para maio — e empresário pouco motivado.

As manobras políticas deveriam ceder espaço na agenda do Planalto para questões mais relevantes relacionadas a esta conjuntura.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Mercosul afunda na sua irrelevancia - Editorial O Globo

Um pequeno problema com esse editorial: o retrocesso a uma ZLC, em lugar de uma UA esfarrapada e ridícula como é hoje, não vai tirar o Mercosul de sua irrelevância, e tampouco ajudar o Brasil, cujos instintos protecionistas são quase tão fortes quanto os da Argentina.
Paulo Roberto de Almeida
Economia

Brasil imobilizado pela crise do Mercosul (Editorial)

O Globo, 22/05/2013
Não se pode menosprezar o papel do Mercosul na distensão geopolítica no extremo do continente, e como alavanca no comércio entre os países do bloco.
Foi graças à perspicácia dos presidentes José Sarney e Raúl Alfonsin que Brasil e Argentina, no início dos respectivos processos de redemocratização, em meados da década de 80, estabeleceram as bases diplomáticas para a criação do bloco comercial, com a adesão de Uruguai e Paraguai.
Assim como é preciso reconhecer os avanços, tem-se de admitir os problemas. Faz tempo que o Mercosul, como união aduaneira, não atende mais aos interesses brasileiros e passou a servir de camisa de força para o país.
O bloco trincou, por força da crise econômica e institucional argentina, e entrou em crise pelo crescente protecionismo do vizinho. Uma contradição em termos com o conceito de união aduaneira, cujo mecanismo básico da tarifa externa comum foi jogado no lixo pela Casa Rosada.
Tanto quanto isso, o Brasil atola na anemia do Mercosul numa fase em que no mundo se multiplicam acordos comerciais, com novos blocos e/ou acertos bilaterais, e o país, por força do tratado do qual passou a fazer parte a Venezuela, fica de mãos atadas por necessitar da aprovação de todos os parceiros para assinar algum desses tratados.
O Uruguai, por exemplo, só faltou sentar-se à mesa para selar um acordo comercial com os Estados Unidos. Foi impedido pelo Mercosul.
No fim de semana, O GLOBO trouxe uma radiografia dos danos já sofridos pelo comércio exterior brasileiro no próprio mercado latino-americano, amplificados pela perda de competitividade da indústria nacional, causada por erros internos de política econômica.
O peso brasileiro nas importações no continente, entre 2008 e 2011, caiu de 11% para 9,7%, espaço ocupado por China, Estados Unidos, Índia e União Europeia. O Brasil perdeu vendas no valor de US$ 7,4 bilhões, basicamente manufaturados.
Entre as causas, destaca-se o protecionismo argentino, diante do qual Brasília é muito condescendente, a perda de competitividade em si brasileira e a agressividade chinesa. Com a consolidação da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru), mais aberta a acordos, e próxima aos EUA, o peso brasileiro ficará ainda menor.
O Itamaraty precisa analisar com seriedade a conversão do Mercosul de união aduaneira numa área de livre comércio, como já foi.
A integração econômica continua, mas, com o fim da tarifa externa única — como se o Mercosul fosse um único país, o que já não é —, cada membro tem liberdade para negociar acordos bilaterais com quem quiser. Sem vetos.
Argentina e Venezuela, refratários ao livre comércio, podem praticar o retrocesso que desejarem. Mantém-se a relativa coesão geopolítica no Cone Sul, e o Brasil fica em condições de rever sua política de inserção nas cadeias produtivas globais, algo urgente para o setor industrial.

sábado, 11 de maio de 2013

Brasil: uma economia inflacionada - Editorial O Globo

Ah, essa mídia conservadora, ah, esses jornalões reacionários, ah, essa imprensa golpista, ah, esses companheiros inguinorantis...
Paulo Roberto de Almeida


A persistência da inflação (Editorial)

O Globo, 10/05/2013
Na visão otimista de Brasília, a inflação, depois de ultrapassar o limite superior da meta (6,5%), com 6,59%, recuará. De fato, mas o 0,55% do IPCA de abril veio acima das previsões, subiu em relação a março (0,47%) e, assim, o índice em 12 meses recuou menos que o esperado, estacionando na fronteira dos 6,49%.
O centro da meta, de 4,5%, continua distante, e as melhores expectativas apontam para um índice pouco acima de 5% este ano, ainda alto.
O Banco Central saiu da letargia na última reunião do Copom, elevou os juros básicos (Selic) em 0,25 ponto, para 7,5%, por não desconhecer como a persistência de uma inflação elevada, numa economia ainda bastante indexada, pode deteriorar as expectativas e manter os preços sob pressão.


O momento é cada vez mais de escolhas do governo. É evidente a tentação de manter o mercado de trabalho aquecido com vistas às eleições do ano que vem. Porém, num quadro de quase pleno emprego, o crescimento dos salários acima da produtividade deprime a indústria — o setor deu sinais de vida em março, porém, em relação ao mesmo mês do ano passado, continua com números negativos (retração de 3,3%). Faz com que “vaze” demanda para as importações, ajudando a desequilibrar a balança comercial. E, por paradoxal que seja, isto contribui para mais um “pibinho”.
Além de tudo, impulsiona a inflação nos serviços. Em abril, este item do IPCA subiu 0,54%, mais que a média. Em bases anualizadas, a alta é de 8,13%. Com os salários em ascensão, e sem que haja concorrência externa — não se importam manicures, oficinas etc. —, os serviços ostentam razoável fôlego para se tornar mais caros.
Pelo menos até agora, a aposta oficial na redução da pressão vinda dos alimentos ainda não se confirma na dimensão esperada. Há retrações, mas o encarecimento de vários produtos funciona como um anteparo às quedas. Só em abril, por exemplo, a batata inglesa deu um salto de 60,4%.
No saldo final deste surto de inflação são punidas as famílias mais pobres, clássicas vítimas da carestia na alimentação. Aquelas, por ironia, com as quais o governo conta para a reeleição de Dilma.
Diretores do BC têm procurado reafirmar o compromisso da instituição com a defesa do poder aquisitivo da moeda — é o que se espera de um banco central. Justifica-se, porém, o mantra devido ao déficit de credibilidade na autonomia da instituição. A próxima reunião do Copom, na última semana do mês, será novo teste para o BC.
Fica claro que se trata de uma falácia o argumento de que a inflação brasileira foi impulsionada pela quebra de safras americanas e em outras regiões do mundo. Afinal, este impacto inflacionário não se observou nos demais países. As causas são mais internas que externas.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Hermanos pero no mucho: Argentina trata mal a Vale

Mais prejuízos impostos pelo 'risco Argentina'
Editorial O Globo, 13/03/2013

A extrema condescendência com que a diplomacia brasileira trata "hermanos" em geral e a Argentina em particular não pode ser seguida por empresa privada com responsabilidade na defesa do patrimônio dos acionistas. A Petrobras já teve uma refinaria expropriada na Bolívia, por exemplo, e nada foi feito em resposta. Com a Vale, privatizada há tempos, a história é outra.
O anúncio feito pela empresa da suspensão do investimento no projeto de potássio Rio Colorado, na província argentina de Mendoza, é resposta adequada a uma série de obstáculos colocados por autoridades do país vizinho diante da Vale.
Orçado em US$ 6 bilhões, dos quais US$ 1 bilhão já executado, o maior investimento privado da história argentina, o Rio Colorado tem, ou tinha, grande importância para a empresa, o Brasil - por ser muito dependente de fertilizantes importados - e também para Buenos Aires.
Mas a cultura antinegócios em vigor no país vizinho e o enorme descuido no relacionamento com o Brasil - apesar de todo o discurso da Casa Rosada em contrário - forçaram a Vale a suspender os investimentos e, assim, eliminar 6 mil empregos num país em crise.
O "risco Argentina", país já colocado à margem do mercado financeiro internacional, não para de subir. Há questões específicas em torno do projeto Rio Colorado. Aliado da presidente Cristina Kirchner, o governador de Mendoza, Francis Peréz, chegou a suspender as obras sob a alegação de que a Vale não havia cumprido acordos para contratar fornecedores e mão de obra locais.
Existem, ainda, dificuldades decorrentes da situação geral da economia do país, como o controle na remessa de divisas, um empecilho para a Vale. Pedidos de flexibilização foram negados.
E acrescenta-se ao cenário geral de crise uma grande insegurança institucional e jurídica, mortal para qualquer investimento, em especial um projeto desta magnitude.
O governador de Mendoza apenas repete o estilo intervencionista do governo peronista de Cristina K. Não é acidente de rota o caso da Vale. Derivam da mesma cultura política a pressão sobre grupos independentes de imprensa e um projeto da Casa Rosada de reforma da Justiça que visa a subordinar os tribunais ao Poder Executivo, objetivo de apurado pedigree chavista.
A trombada no campo dos negócios privados coincide com mais uma confusão diplomático-comercial, esta sobre o acordo automotivo entre os dois países. A Casa Rosada quer eliminar dispositivo do acordo para evitar que, a partir do segundo semestre, haja liberdade nas trocas de veículos e peças. E quer que o novo regime brasileiro para o setor preveja investimentos na Argentina.
O momento é especial para o Brasil enfim demonstrar que sabe defender interesses nacionais. Como há muito tempo não endurece este jogo, seus parceiros latino-americanos, em especial os bolivarianos e assemelhados, fazem o que bem entendem, sem qualquer cuidado.

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Balde furado

13 de março de 2013 | 10h 21
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
 
A suspensão do projeto de potássio Rio Colorado que a Vale do Rio Doce colocava em desenvolvimento na Argentina dá uma ideia do tamanho do risco econômico, político e até mesmo jurídico, para investidores e parceiros, em que vai desembocando o governo de Cristina Kirchner.
A Vale já investiu no empreendimento US$ 2,2 bilhões. Teria oficialmente de desembolsar mais US$ 4 bilhões - número virtual, uma vez que os problemas da Argentina transformaram o projeto em balde furado. Pelos cálculos da Vale, hoje exigiria ao menos mais US$ 11 bilhões.
É fácil compreender a escalada dos custos. A inflação real da Argentina está em torno dos 28% ao ano, mas o governo não reconhece mais do que 9,9%. Em compensação, para garantir o apoio dos sindicatos, concorda com reajustes salariais destinados a recompor o poder aquisitivo do trabalhador muito mais próximos da inflação real. (A Vale tem 4 mil funcionários em Mendoza, onde está a mina de potássio.) Preços e tarifas já controlados de longa data agora estão congelados por determinação do truculento secretário do Comércio Interior, Guillermo Moreno.
O câmbio é outra anomalia. Para deter a corrida aos dólares, o governo de Cristina Kirchner restringiu drasticamente a troca de moedas por empresas e pessoas comuns. O câmbio paralelo (blue) ostenta cotação 54% mais alta (brecha) em relação ao câmbio oficial - veja no Confira.
As empresas (como é o caso da Vale) que têm de aportar dólares destinados ao investimento enfrentam perdas enormes nas trocas no câmbio oficial. Em contrapartida, seus custos em pesos argentinos disparam. Hoje, nenhum projeto de investimento se viabiliza.
Com o crédito externo cortado desde o supercalote de 2001, a Argentina ainda obtinha generoso comprador para seus títulos: o então presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Mas a economia venezuelana, em franca deterioração, já não vinha permitindo extravagâncias do tipo, agora, com a morte do chefe que queria e podia tudo, ficaram ainda mais difíceis.
Para continuar o projeto Rio Colorado, a Vale pediu alto volume de "compensações" cambiais, fiscais e financeiras que o governo da Argentina não quer conceder, aparentemente por crer que os pode arrancar do BNDES e do governo Dilma - que se mostra cada vez mais tolerante com os despropósitos dessa ordem.
O surrado argumento de que é preciso ter paciência com a Argentina - algo que a diretoria da Vale, que lá enterrou US$ 2,2 bilhões, já perdeu - não faz sentido diante da falta de sinais de que um dia, próximo ou mais distante, a situação se reverta. Ao contrário, as condições econômicas só tendem a piorar por inconsistência dos fundamentos. Quaisquer cenários futuros apontam para acirramento da insegurança econômica e jurídica, seja a que pretexto for. Na semana passada, por exemplo, pequena refinaria da Petrobrás em Bahía Blanca foi interditada por inesperada decisão judicial.
Vale e Petrobrás não são as únicas empresas que perdem bilhões em consequência da política da Argentina e da tolerância brasileira. O Brasil não tem sido capaz de negociar novos tratados comerciais com outros países e outros blocos econômicos porque seus compromissos no Mercosul exigem que arraste junto o peso morto argentino. E isso prejudica as empresas brasileiras que não conseguem ampliar o mercado externo.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Teoria das (des)vantagens (nao)comparativas (ultra)relativas: o Brasil e o (nao)comercio internacional - Editorial O Globo

Em materia de comércio exterior, pode-se dizer, numa caracterização benigna, que o Brasil tem feito raríssimas coisas certas, para não dizer que fez tudo errado. Vejamos.
Primeiro, os companheiros inventaram um tal de "nova geografia do comércio internacional", que só existia na cabeça deles, já que todo mundo estava mesmo comerciando com base na velha geografia, ou seja, aquela que tem montanhas, vales, rios, oceanos, portos, grandes metrópoles consumidoras, países importadores de tarifas liberais, países em desenvolvimento protecionistas e todas as outras modalidades que são conhecidas há décadas, senão há séculos.
Depois tentaram consolidar essa "teoria" estapafúrdia num tal conceito Sul-Sul, que também só existia na cabeça deles, já que os do Sul estavam preferencialmente exportando para o Norte, e onde mais fosse, para o Sul também, especialmente para aqueles países que tinham inventado uma outra maravilha maravilhosa, a tal de "substituição de importações", em favor do Sul, claro, que o grande arauto dos povos defendia como sendo uma "diplomacia da generosidade", ou seja, que o Brasil deveria importar dos vizinhos e de outros países em desenvolvimento, mesmo que fosse mais caro e de menor qalidade, apenas por "ser do Sul", entendem?, e o Brasil, por ser grande, forte, generoso e rico, importaria ainda assim, pois assim é que os verdadeiros amigos do Sul deveriam fazer.
Alguém sabe me dizer se algum outro país -- do Sul, ou de qualquer outra latitude, longitude, altura e extensão como a nossa -- seguiu essa ideia maravilhosa?  
Claro, tudo isso era para "dar um truco" nos países ricos, e "não ficar dependente do comércio com os Estados Unidos", entenderam a estratégia inteligente?
Outro representante dessas novas teorias do comércio internacional até chegou a dizer que tinha sido uma maravilha o Brasil ter recusado a Alca, pois imagina o que teria acontecido conosco no quadro da crise americana??!! Teríamos afundado muito mais, entenderam,? mesmo tendo exportado mais para os malvados americanos, entenderam?
Em terceiro lugar, organizaram uma tais de conferências só do Sul, com aliados estratégicos, e também desenvolveram mecanismos de integração exclusivos, ou seja, excluindo o Império e os outros colonialistas e imperialistas, entenderam? Esses malvados só queriam manter-nos acorrentados ao velho padrão de comércio internacional Norte-Sul, pelo qual nó só exportávamos commodities e eles nos exportavam manufaturas. O tal de "intercâmbio desigual", entenderam? E ainda por cima com a tal "deterioração dos termos do intercâmbio", como ensinava mestre Prebisch, entenderam? Ou seja, com os imperialistas nós estávamos condenados a só exportar matérias primas, e ficar dependentes da importação de produtos de alto valor agregado.
Isso não! Onde já se viu? Tínhamos mesmo de desenvolver a nossa indústria, mesmo se para isso fosse preciso praticar subsídios generosos aos industriais amigos do rei e ser um pouquinho protecionistas, mas só um pouquinho, entenderam?
Finalmente, os companheiros, já tendo definido os nossos "aliados estratégicos", sugeriram que tínhamos mesmo de desenvolver o comércio com a China, com a Índia e outros parceiros preferenciais, esses caras que nunca foram imperialistas, hegemônicos, e que só trabalham para o nosso bem, entenderam?
E assim fomos, de etapa em etapa, com a maravilha do Mercosul e seus acordos maravilhosos, aumentando nosso comércio, graças à nossa generosidade e a dos nossos aliados estratégicos. Foi assim que chegamos ao perfeito comércio Norte-Sul, com a China, entenderam?, no qual conseguimos realizar a proeza de exportar 95% de commodities (cinco ou seis, no máximo), e de importar 95% de manufaturados, essas bugigangas chinesas que deixam os nossos bravos industriais da Avenida Paulistda de cabelos em pé, entenderam?
Não é uma maravilha a tal de "teoria das desvantagens pouco comparativas e ultrarelativas do (não)comércio internacional"? David Ricardo não teria elaborado teoria melhor, que merece figurar em todos os manuais de economia internacional. Ainda bem que temos os gênios companheiros que nos ajudaram a desenvolver essa brilhante elucubração da economia teórica e prática, a que nos elevou significativamente de patamar, e nos conquistou a admiração de todos os povos deste nosso planetinha redondo, desde os fenícios até os malvados americanos.
E não é que os americanos, sempre conspiradores, se preparam para nos passar a perna, dando um truco nas nossas pretensões? Pois a gente discute com a UE faz mais ou menos 15 anos um acordo de liberalização comercial -- já tendo abrido convenientemente o caminho para isso, implodindo a Alca, esse malvado projeto de anexação imperial -- e não é que agora os europeus traidores dizem que querem um acordo de livre comércio com o Império? Ingratos! Assimétricos! Anti-geográficos!
Me segura que vou ter um troço...
(Não, não sou eu; estou apenas fazendo figuração, entenderam?)
Paulo Roberto de Almeida

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Ideologia prejudica comércio exterior
Editorial O Globo, 14/02/2013

Os discursos anuais do Estado da União proferidos pelos presidentes americanos perante sessão conjunta do Congresso funcionam como peça política de afirmação de doutrinas, programas e linha de governo.
O feito no fim da noite de terça-feira por Barack Obama teve sua importância amplificada por se tratar de um pronunciamento balizador do segundo mandato do presidente, quando o governante tenta deixar sua marca na Casa Branca, sem se preocupar mais em disputar votos. Deseja encerrar a carreira política em cargos eletivos com um passaporte para a História.
Devido ao peso dos Estados Unidos, deve-se prestar atenção a tudo que emana do governo e Congresso americanos.
No caso deste discurso, destaca-se o anúncio formal feito por Obama de apoio às negociações bilaterais com a União Europeia sobre um acordo comercial transatlântico.
O Brasil tem interesse direto no assunto — ou deveria ter. E mesmo que os responsáveis pela política externa brasileira desdenhem este projeto, o país será afetado por ele, caso venha a ser fechado.
Em artigo no GLOBO de terça, o ex-embaixador Rubens Barbosa chamou a atenção para a fase de mudanças por que passa o comércio internacional, com a assinatura de vários acordos bilaterais, na esteira do fracasso da Rodada de Doha, de liberalização do comércio em escala planetária.
Deste processo de evolução o Brasil está alijado, por ter feito uma opção ideológica errada.
Como a política externa foi capturada pela visão terceiro-mundista simpatizante do chavismo e bolivarianismo, o comércio exterior brasileiro vai sendo engessado nas limitações crescentes do Mercosul, paralisado pela crise política, econômica e institucional da Argentina, situação agravada na absorção do bloco pela Alba, associação dominada por Chávez e os irmãos Castro.
Enquanto o Mercosul e o Brasil estão paralisados, o comércio mundial tende a fluir cada vez mais por meio de acordos entre economias e blocos.
Não faz muito tempo, Chile, Colômbia, Peru e México se uniram na Aliança do Pacífico, próxima dos Estados Unidos e Ásia. O México já é do Nafta, junto com os EUA e Canadá.
Há dias, países latino-americanos reuniram-se com a União Europeia, no Chile. Perda de tempo, devido à visão autárquica de argentinos, venezuelanos, equatorianos e bolivianos, aliados preferenciais de Brasília.
Não será fácil a negociação entre americanos e os 27 países da UE. Separa-os um contencioso semelhante ao que existe quando brasileiros e europeus tentam se entender: desentendimentos em torno de exportações agrícolas, o setor de serviços, proteção à propriedade intelectual, por exemplo.
Mas se trata de um gigantesco fluxo comercial de US$ 2,7 bilhões diários. Se chegarem a algum entendimento — importante para os dois —, o Brasil, amarrado a um Mercosul de tonalidade chavista, ficará mais para trás neste novo comércio internacional.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Venezuela: dormindo com... o novo aliado... (Editoriais O Globo, Estadao)

Sempre é bom conhecer a pessoa com quem partilhamos nossos melhores momentos.
Grandes emoções no Mercosul...



Editorial O Globlo, 19/07/2012

Hugo Chávez continua popular na Venezuela. Não é para menos. Conta com o apoio de seis canais públicos de TV, uma agência estatal de notícias, três jornais, quatro emissoras de rádio, além de 244 rádios e 36 canais de TV comunitários. Este é apenas um exemplo da falta de liberdade de expressão apontada no último relatório da Human Rights Watch (HRW), importante organização não governamental de direitos humanos. O documento denuncia o aumento do autoritarismo e a atrofia democrática no país de Chávez. Em virtude do relatório anterior, quatro anos atrás, os dirigentes da HRW foram declarados "persona non grata". A Venezuela é uma das dez nações que a ONG não visita por falta de segurança.
É sabido que Chávez, há 13 anos no poder, teve grande habilidade para usar as instituições democráticas de forma a reduzir as liberdades e ampliar os poderes do Executivo. Um paradoxo. Contou, em parte, com a ingenuidade da oposição, que boicotou uma eleição e entregou o Congresso, de bandeja, ao líder bolivariano.
O relatório chama a atenção para o amplo domínio exercido por Chávez sobre o Judiciário. Uma das táticas foi elevar o número de juízes da Suprema Corte de 20 para 32, garantindo sentenças favoráveis ao governo. No fim de 2010, a bancada chavista renovou o mandato de nove integrantes da Corte, mantendo a hegemonia do Palácio Miraflores no tribunal. Para José Miguel Vivanco, diretor da HRW, "a Suprema Corte é hoje uma peça central do chavismo; ela se identifica com alegria e entusiasmo com o governo e, voluntariamente, é usada para convalidar e legitimar a agenda oficial".
Os espaços de oposição estão cada vez menores; opositores sofrem retaliações e até prisão. Foi o que sucedeu à juíza María Lourdes Afiuni, presa em dezembro de 2009, mesmo dia em que concedeu liberdade condicional ao banqueiro Eligio Cedeño, suspeito de evasão de divisas. Acusada pelos governistas de aceitar suborno, a juíza está presa até hoje, sem julgamento.
A mídia e os jornalistas têm sido outro alvo preferencial de Chávez. Redes de TV são cassadas, como a RCTV, e acossadas, como a Globovisión, com quatro processos administrativos. Veículos de comunicação (críticos do governo, claro) são tirados do ar ou de circulação devido a tecnicalidades, jornalistas são perseguidos, assim como os próprios donos de empresas do setor.
A empresa privada, de maneira geral, tem cada vez menos espaço na Venezuela, já que o regime é decididamente estatizante. O país, como esperado, enfrenta problemas em muitas áreas devido ao fracasso das companhias estatizadas.
O assistencialismo maciço sedimenta a popularidade do caudilho. Se sua doença permitir, ele deverá ganhar as eleições de outubro para um terceiro mandato de seis anos. Poucos acreditam que as "autoridades eleitorais" permitam a vitória do opositor Henrique Capriles. Mesmo assim, o Brasil, por meio de seu chanceler, Antonio Patriota, considera a Venezuela chavista uma democracia, a ponto de ser admitida no Mercosul. Chega a ser hilariante.

Editorial O Estado de S. Paulo, 19/07/2012

Em dezembro de 2009, a juíza venezuelana María Lourdes Afiuni concedeu liberdade condicional a um opositor do regime do caudilho Hugo Chávez, o banqueiro Eligio Cedeño, acusado de evasão de divisas e à espera de julgamento durante quase três anos. No mesmo dia, Chávez chamou a juíza de "bandida", acusou-a de ter aceito suborno do réu e exigiu que fosse condenada a 30 anos de prisão. Ainda no mesmo dia, a sua prisão preventiva foi decretada e cumprida. María Lourdes foi colocada na mesma cadeia onde cumpriam pena criminosos que ela havia condenado e que passaram a ameaçá-la de morte seguidas vezes. Depois de 14 meses do seu encarceramento, protestos internacionais, aos quais se juntou até o linguista Noam Chomsky, o porta-bandeira de Chávez nos meios acadêmicos nos Estados Unidos, obrigaram o autocrata a colocá-la em prisão domiciliar, onde permanece até agora, sem saber quando será julgada.
O caso de María Lourdes é exemplar. Até então, os juízes venezuelanos que ainda procuravam conservar a independência diante do Estado bolivariano sofriam pressões, eram ameaçados de ter suas carreiras travadas ou mesmo de perder o emprego. Depois do que se fez com a juíza - um nítido divisor de águas na crônica da demolição da ordem democrática no país -, muitos de seus colegas passaram a temer também a perda da liberdade. Ao longo do processo de asfixia das instituições, Chávez alternou o chicote e o afago para sujeitar o Judiciário à sua vontade incontrastável. A contar do primeiro mandato, o protoditador de Caracas aumentou de 20 para 32 o número de integrantes das 6 instâncias que compõem a Suprema Corte venezuelana, preencheu os cargos com gente de sua confiança e, por meio do Congresso em que detém a maioria, renovou o mandato prestes a terminar de 9 deles.
O resultado é que todos os membros do tribunal, responsável por decisões nas esferas constitucional, político-administrativa, eleitoral, penal, social e civil, rejeitam deslavadamente o princípio da separação dos poderes, comprometem-se com o avanço da agenda oficial e defendem a punição dos "inimigos" do Estado. Era o que diziam, a seu tempo, os juízes da Rússia de Stalin, da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini - e de tantos outros regimes totalitários que infestaram o mundo no século passado. Esses ditadores, em vez de fechar o Judiciário, o povoaram de aliados não menos ferozes do que eles. Com isso, criaram a sua própria e hedionda "legalidade", acoplando-a ao controle absoluto dos meios de comunicação, das instâncias administrativas e da estrutura das Forças Armadas.
O esmagamento do Judiciário para assegurar a supremacia do Executivo é o aspecto mais crucial do drama venezuelano, exposto no recém-divulgado relatório sobre o país pela ONG americana Human Rights Watch. O documento Apertando o cerco: concentração e abuso de poder na Venezuela de Chávez tem 133 páginas e é o segundo produzido pela organização sobre o país. O anterior, de quatro anos atrás, fazia um balanço sobre uma década de chavismo - o que custou aos seus autores, José Miguel Vivanco e Daniel Wilkinson, a detenção, seguida de expulsão sumária do país. A pouco menos de três meses do pleito em que o caudilho desponta uma vez mais como favorito, o relatório é justificadamente mais pessimista que o anterior. A Venezuela de Chávez se parece cada vez mais com o Peru de Alberto Fujimori, entre 1990 e 2000, como sistema que conserva um semblante de aparato institucional democrático para servir, porém, à autocracia.
Ao mesmo tempo, o venezuelano garroteia a mídia de massa, mas, entre uma violência e outra - sempre respaldadas pelas togas serviçais - deixa circular um punhado de diários críticos ao regime, cujas tiragens, somadas, não chegam a 300 mil exemplares. O governo conta com seis canais nacionais de TV, 4 estações de rádio, 3 jornais e 280 rádios comunitárias. "As ações do governo enviam uma clara mensagem", resume o documento. "O presidente e seus seguidores estão prontos a punir quem desafiar ou obstruir os seus objetivos políticos."

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Brasil-Siria: "E' preciso manter o dialogo"

Dixit, redixit, tridixit (et encore):


Brasil se isola na questão síria
Editorial O Globo, 31/05/2012


No momento em que os principais países recorrem às mais duras medidas para repudiar o massacre sistemático do povo sírio por seu próprio governo, o Brasil mais uma vez decide contemporizar. Segundo o Itamaraty, o governo brasileiro está preocupado em não piorar ainda mais a situação na Síria. "O diálogo precisa ser mantido", sustentou o porta-voz da chancelaria brasileira.
Não é um bom sinal. Mostra uma recaída na diplomacia companheira praticada nos dois governos Lula, de um terceiro-mundismo arcaico e antiamericanismo juvenil, que resultou em episódios grotescos, como a recepção em Brasília do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e a viagem do brasileiro a Teerã para tentar evitar, inutilmente, uma ação da comunidade internacional contra o programa nuclear iraniano. Ou manifestações de simpatia pelo ditador do Zimbábue, Mugabe, com quem se reuniu por iniciativa de Hugo Chávez. Ou a impotência diante da transformação da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa num palanque do aliado Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras.
A presidente Dilma Rousseff deu sinais importantes de que restabeleceria as melhores tradições do Itamaraty ao fazer dos direitos humanos a pedra de toque de sua política externa. Foi uma decorrência disso o voto brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU de apoio à condenação de atrocidades de Muamar Kadafi na Líbia. Mas a evolução dos fatos, que levaram à intervenção militar da Otan para derrubar o ditador, criou mal-estar em muitos países, inclusive o Brasil. Objetavam que a ONU teria dado carta-branca à Otan para derrubar um governo, ainda que fosse uma ditadura cruel.
Agora, porém, não há justificativa para a inação do governo brasileiro diante do massacre cotidiano de sírios por parte de um regime que não se acanha de praticar genocídio. Bashar Assad tacha de "terroristas" os que lutam para derrubá-lo - uma força heterogênea de rebelados contra a ditadura, desertores das forças sírias, civis que pegaram em armas. Mesmo que haja entre eles sectários. Assad só tem demonstrado frieza diante das tentativas da comunidade internacional de obter um cessar-fogo via esforços do ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan.
Recentemente, Dilma determinou ao primeiro escalão da área internacional que repensasse a política externa brasileira para ajustá-la ao pós-Primavera Árabe e à crise europeia. O objetivo seria aumentar a influência do país no cenário internacional. Mas há erros evidentes. Ao se referir às divergências de opinião no Conselho de Segurança em relação à Síria, principalmente entre americanos, de um lado, e China e Rússia, de outro, o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, comentou: "Parece a volta da Guerra Fria."
A frase resume o caráter equivocado da posição brasileira num mundo multipolarizado. Não tem sentido manter uma postura de inércia envergonhada, até porque entre ela e a intervenção militar há uma série de gradações diplomáticas possíveis. O que não pode é defender o indefensável só para não destoar de "companheiros" da sigla Brics e se isolar dos demais países.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Reciclagem diplomatica - Editorial O Globo

Reciclagem é uma atividade difícil: sempre é preciso separar o que presta do que não presta, jogar fora o que entrar nesta última categoria e retrabalhar a primeira, limpar, remoldar, avaliar, aproveitar.
Enfim, coisas que devem ser feitas de modo profissional, sem considerações ideológicas muito comuns em certos tipos de catadores de lixo...
Paulo Roberto de Almeida

A necessária reciclagem na diplomacia
Editorial - O Globo, 7/03/2012

Antes de assumir, Dilma Rousseff, em entrevista ao “Washington Post”, criticou o Irã por desrespeitar os direitos humanos. A afirmação se referia ao caso da viúva Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, acusada de adultério. Foi o primeiro sinal de alguma mudança na “diplomacia companheira”, seguida nos oito anos de Lula em Brasília.
Esta política externa foi, de fato, um ponto fora da curva na tradição do Itamaraty, por anacrônica: terceiro-mundista, quando o mundo avançava, e avança, na globalização; e preconceituosa no antiamericanismo, quando o comércio e parcerias econômicas já contavam muito mais que ideologias.
A posição de Dilma ganhou importância também pelo fato de o Brasil de Lula, na incessante busca por alianças com inimigos declarados do Ocidente em geral e dos Estados Unidos em particular, ter se aproximado do Irã e, numa operação desastrada com a Turquia, tentado intermediar um acordo em torno do suspeito programa nuclear de Teerã.
Conseguiu apenas ser usado pela teocracia de Khamenei e Ahmadinejad para ganhar tempo e avançar no programa.
O GLOBO de ontem revelou a encomenda de Dilma de uma política externa ajustada a um novo cenário mundial, em que há a Primavera Árabe e séria crise europeia. Sensata decisão, embora seja preciso aguardar definições claras desta diplomacia.
Afinal, a influência lulopetista continua forte no Planalto. Haja vista o comportamento decepcionante de Dilma na viagem oficial a Cuba, quando, em declarações à imprensa, tentou equiparar crimes contra direitos humanos cometidos pelos Estados Unidos na base de Guantánamo, na ilha, denunciados e debatidos com liberdade pelos americanos, com a extensa lista de barbaridades cometidas há 50 anos neste campo pela opressora ditadura cubana.
A Primavera Árabe requer, mesmo, uma revisão da política seguida na região pela “diplomacia companheira”. Mesmo porque um dos aliados do lulopetismo, o “irmão” Kadafi, é peça fora do tabuleiro, assassinado por rebeldes.
A diplomacia brasileira esteve no lado certo dos debates na ONU ao condenar o regime líbio devido aos ataques à população civil. Mas, numa demonstração de insegurança para assumir uma postura clara ao lado do grupo de países desenvolvidos do qual deseja participar, foi leniente quando a ditadura síria dos Assad começou a bombardear cidades.
A reaproximação com os Estados Unidos será um ingrediente desta reciclagem. Nada mais natural, pois virar as costas ao maior mercado importador do mundo — e em fase de recuperação — é pura cegueira ideológica. Além do que o novo grande parceiro comercial brasileiro, a China, está em desaceleração.
Outro fator a impulsionar a revisão na política externa é a situação da América Latina, na qual a Venezuela parece entrar em tempos ainda mais tumultuados. Será um teste para esta nova política externa.
O Itamaraty, diferentemente da Era Lula, terá de firmar uma posição de equidistância para mediar uma solução pacífica e pactuada da grave crise em que poderão mergulhar os venezuelanos.
O Brasil se destaca cada vez mais como uma nação confiável num continente de Kirchner, Morales, Chávez e Correa, todos herdeiros da pior tradição populista e autoritária latino-americana.
Mas é pouco. São necessários atos concretos para que não pairem dúvidas sobre a volta da política externa aos trilhos do tradicional profissionalismo do Itamaraty.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Diplomacia companheira - Editorial de O Globo




O destino de aliados do Itamaraty
Editorial O Globo, 1/12/2011

Já é da História que Lula e o PT foram sensatos em manter a rota da política econômica, ao assumirem em 2003. O governo e o país escaparam de grave crise. Mas, talvez para compensar o “conservadorismo”, uma manobra radical foi executada na política externa.
Instituiu-se a “diplomacia companheira”, inspirada na ideologia nacionalista e terceiro-mundista das décadas de 60 e 70 do século passado, quando Unctad era sinônimo de independência. Ressuscitou-se um antiamericanismo juvenil, importado do passado, do mundo bipolar da Guerra Fria. O primeiro grande feito da diplomacia companheira foi rejeitar a proposta americana da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Aplausos foram ouvidos na Casa Rosada, ocupada pelos Kirchner, e no Palácio Miraflores, do caudilho Hugo Chávez. Cumpriu-se um ritual de conferências apenas para sacramentar a decisão prévia de não se fazer acordo com os “gringos”. Todas as fichas foram apostadas na Rodada de Doha, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), para uma profunda liberação do comércio mundial. Não deu certo. Doha se frustrou, está congelada na OMC, a Alca foi esquecida, e Brasil/Argentina e parceiros do Mercosul não assinaram qualquer acordo bilateral relevante para alavancar as exportações. Ao contrário de vários outros países.
Se a China houvesse rateado nos últimos nove anos, o Brasil não teria resgatado a dívida externa com divisas das exportações. O fracasso da diplomacia companheira no plano comercial está expresso no estado perene de crise no Mercosul e no fato de o Brasil continuar com uma parcela ínfima das exportações mundiais (entre um e dois por cento).
No plano político, o Itamaraty dos tempos lulopetistas não foi melhor. O avanço da Primavera Árabe já despejou na lata de lixo da História um dos parceiros escolhidos pela política externa instituída em 2003, Muamar Kadafi, “amigo e irmão”, no entender de Lula. Ao menos, já com Dilma no Planalto, o Itamaraty foi coerente com o passado de profissionalismo e, na ONU, condenou as atrocidades do ditador. Mas fraquejou diante da ditadura dos Assad, em fase de implosão, mesmo quando as ruas das cidades sírias já estavam manchadas de sangue. Parece ter havido uma recaída na tosca ideia de que ser independente é estar do outro lado em que se encontram os Estados Unidos, mesmo que, para isso, se tenha a companhia de ferozes ditadores. Mas, diante da escalada da violência do regime, a ponto de causar reação da própria Liga Árabe e de antigos aliados como a Turquia, o Itamaraty recuou. Antes tarde.
O processo acelerado de mudanças no Norte da África aconselha coerência no compromisso com princípios e cuidados com alianças descabidas, seladas apenas por caprichos ideológicos. O Irã de Ahmadinejad, outro ungido pela diplomacia companheira, ruma célere para voltar a ser um estado pária, como depois da revolução islâmica de Khomeini. A tresloucada depredação da embaixada britânica, um videoteipe do cerco à representação diplomática americana em 1979, é sugestiva.
O momento deveria ser de revisão da política de alianças exóticas. Por enquanto, esta diplomacia de varejo tem sido contestada por fatos que ocorrem em regiões distantes. O Itamaraty precisa estar preparado para quando companheiros geograficamente mais próximos caírem em desgraça.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A diplomacia companheira - Editorial O Globo

A recaída da política externa brasileira
Editorial O Globo, 7/10/2011

Dilma recua depois de acenar com o abandono da diplomacia companheira

No caso da Síria, a política externa brasileira voltou a demonstrar pruridos e cautelas excessivas diante da gravidade da situação. O que está por trás disso é a volta à diplomacia companheira que predominou nos dois mandatos do presidente Lula. O objetivo teórico dessa política é dar ao Brasil um papel mais efetivo nas questões internacionais, mas ela tem sérios problemas: isola e fragiliza a posição brasileira, como no caso da tentativa de negociar diretamente com o regime do Irã, ao arrepio de quase todo o resto dos países mais relevantes; mal disfarça que a dissonância de Brasília visa a respaldar companheiros que marcham com o pé trocado na cena mundial, como Venezuela e a própria Síria, entre outros; e revela um viés antiamericano tão ultrapassado quanto improdutivo.
A presidente Dilma Rousseff deu a impressão de que a política externa estava entre os aspectos que pretendia mudar, para melhor,em relação a Lula. Antes da posse, ela disse ao “Washington Post” que trabalharia pela defesa dos direitos humanos.Coerentemente, o Brasil votou,no Conselho de Segurança, pela aplicação de sanções à Líbia e sua exclusão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Mas essa rota foi abortada e houve o retorno à posição anterior de aparente extrema cautela, mas que na verdade põe Brasília na contramão do bom senso. Já na votação seguinte sobre a situação da Líbia, em que um conjunto heterogêneo de forças luta para dar aos líbios o que desejam  — o fim do reinado de arbítrio e poder absoluto de Kadafi —, o Brasil destoou: absteve-se de votar a resolução da ONU que autorizou ataques aéreos da Otan contra as forças do ditador.
Situação similar se repetiu agora no caso da Síria, onde a repressão metódica e brutal comandada pelo ditador Bashar Assad foi responsável até agora, segundo a ONU, pela morte de 2.900 pessoas que lutaram contra o regime.
O dissenso entre os cinco com direito a voto no Conselho de Segurança foi amplo — Rússia e China vetaram resolução apoiada por EUA e países europeus que objetivava dar 30 dias para o regime sírio pôr fim à violência. O Brasil se absteve, juntando-se aos demais Brics, além de China e Rússia, atualmente no Conselho de Segurança: Índia e África do Sul (o Líbano, compreensivelmente, também se absteve).
É verdade que o Brasil vem acompanhando os Brics na evidente tentativa de formar um novo bloco político global que tenta contrabalançar o peso da única superpotência restante — os EUA. No caso da Síria, os Brics se dividiram: China e Rússia vetaram, Brasil, Índia e África do Sul se abstiveram. Para não ficar a reboque do bloco EUA/Europa, Brasília se atrelou aos Brics, mas os interesses de China e Rússia, por exemplo, podem muitas vezes nada ter a ver com os do Brasil, ou da Índia, ou da África do Sul. Isso já aconteceu.
Nada contra o país ter posições próprias em relação a este ou àquele bloco. Para isso, melhor seria a política externa brasileira retomar o caminho que começara a trilhar no início do governo Dilma, afinado com as tradições de profissionalismo, bom senso e moderação de nossa diplomacia.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Politica externa anti-americana - Editorial O Globo

Existem varias coisas incorretas neste editorial, elementos de fato ou argumentos opinativos, mas ele toca em algumas questões importantes da agenda internacional, por isso vai reproduzido aqui.
Paulo Roberto de Almeida

EDITORIAL

Ilusões de uma política externa

O Globo, 10/11/2010 às 18h53m
O mundo visto pelas lentes fora de foco do terceiro mundismo da década de 70 do século passado não tinha complexidade. Havia o Norte, rico, de nações poderosas e que exploravam sociedades do Sul, pobres, num modelo de relacionamento comercial em que a região abaixo da Linha do Equador vendia matérias-primas a preços baixos aos nortistas, os quais manufaturavam estes produtos primários e os exportavam de volta aos sulistas a preços altos, por serem bens industrializados.
De 70 para cá, houve mudanças importantes. Países como o Brasil alcançaram um razoável grau de industrialização, e teve início uma nova e vertiginosa revolução tecnológica. Mas nada disso impediu que, na chegada de Lula a Brasília, vários daqueles conceitos fossilizados fossem resgatados do arquivo morto da História e colocados em prática. É esta política externa, tão trombeteada por Lula e seguidores, que, mais uma vez, foi desmoralizada e colocada em xeque, agora com o apoio formal do presidente americano, Barack Obama, à entrada da Índia no círculo de membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Não importa que o aceno de Obama venha a ter pouco ou nenhum efeito prático. Se um dos países titulares do CS não quiser, a Índia, ou qualquer outro, não entra. E será difícil convencer a China a aceitar a presença de um segundo gigante asiático neste círculo fechado de poder. Aliás, um dos objetivos de Obama parece ter sido fustigar a própria China, com quem os Estados Unidos se chocam no complicado e sério imbróglio cambial em que o mundo está metido. Mas fica evidente que, ao importar da década de 70 do século passado uma diplomacia de viés antiamericanista, o Brasil se alijou da lista de aspirantes com chances de entrar no primeiro time do CS. Não será mesmo se aproximando de ditaduras como a teocrática do Irã que Brasília aumentará a presença nos centros de poder de decisão da diplomacia multilateral. Por esta visão maniqueísta, o Brasil representaria o Sul contra o Norte. Engano crasso, pelo simples motivo de que não existe este conflito ditado por latitudes e longitudes. O "Itamaraty do B" deveria ter aprendido a lição em 2008, no desfecho da Rodada de Doha, de liberação do comércio internacional.
Fiando-se no que considera parceiros estratégicos, o Brasil, numa tentativa correta de salvar a Rodada, aceitou fazer algumas concessões ao bloco de economias desenvolvidas, para melhorar o acesso a estes mercados de produtos agropecuários seus e de outros países menos avançados. Pois foi boicotado pelos "aliados" Índia, China e Argentina, e a Rodada fracassou, estando hoje no freezer da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ali já ficara claro que o eixo Brasil, Índia, China, Argentina e outros existe mais na cabeça de militantes desta diplomacia do que na vida real. Ora, se há aspectos complementares, também existem interesses conflitantes entre esses países. Como também é um equívoco só ver áreas de conflito com os EUA, e não enxergar as coincidências de interesses, que existem. Tanto é equivocada esta percepção maniqueísta do mundo que o Brasil chega ao G-20 com discordâncias em relação à China - que deveriam ser mais explicitadas - e pontos em comum com a Alemanha sobre a injeção americana de liquidez no mercado - diga-se, correta, por falta de alternativa. No mundo da política e da diplomacia, entre o "sim" e o "não" há incontáveis alternativas.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Politica externa brasileira: o fantasma de Rio Branco

Não tenho esse culto pelo Barão, mas ele está sempre sendo usado pelos observadores como parâmetro para analisar a política externa do Brasil.
Pode até servir, depende do gosto de cada um.
O fato é que a atual política externa não se parece com nenhuma outra...
Paulo Roberto de Almeida

Volta às origens
Editorial O Globo, 08.09.2010

Entre inegáveis ações positivas do governo Lula, infelizmente não está a política externa. A expectativa em torno da atuação internacional do Brasil cresceu consideravelmente, em linha com o destaque que o país passou a ter por conta da consolidação de suas instituições democráticas, da relativa firmeza de sua economia e dos avanços na redução das (ainda graves) desigualdades sociais. Mas as expectativas foram frustradas.

No governo Lula, a política externa brasileira foi reorientada para refletir supostos novos interesses estratégicos do país, em prejuízo da linha histórica traçada pelo Barão do Rio Branco, pautada pelo profissionalismo, pela eficiência e pela sintonia fina dos interesses nacionais.

Simpatias ideológicas começaram a ditar o rumo da diplomacia brasileira, abrindo desnecessárias áreas de desgaste com importantes e tradicionais parceiros do país. Ao mesmo tempo, interesses partidários passaram a interferir nas diretrizes permanentes de nossa atuação externa, deixando o Itamaraty refém de iniciativas descalibradas.

O compadrio ideológico fez com que o Brasil apoiasse sistematicamente o regime comunista de Cuba, para o qual a defesa dos direitos humanos é uma atitude “antirrevolucionária”; o regime bolivariano da Venezuela, para o qual adversários políticos são inimigos jurados; ou o regime indigenista da Bolívia, que nacionalizou instalações brasileiras de exploração de gás.

A política externa brasileira ressuscitou fósseis da Guerra Fria, como a divisão entre Primeiro e Terceiro Mundos, o conflito entre o Hemisfério Norte, desenvolvido e explorador, e o Sul, pobre e espoliado, o que desembocou num antiamericanismo risível. Esse posicionamento brasileiro levou a distorções, como a insistência no apoio ao ex-presidente Zelaya, de Honduras, um chavista tardio, mesmo depois de a crise do país ter sido solucionada com a realização de eleições apoiadas por Washington. Criou situações ridículas, como a do presidente Lula, em visita ao Oriente Médio, tentando posicionar o país como um dos baluartes do processo de paz entre israelenses e palestinos.

E forçações de barra, como a de tentar transformar o Brasil num interlocutor privilegiado do regime clerical-obscurantista do Irã, sendo imediatamente desautorizado pelos Estados Unidos e pelos fatos.

Da ideia do contraponto à OEA, que seria controlada por Washington, nasceu a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), com todo o apoio brasileiro e o objetivo de unir as duas organizações de livre comércio sul-americanas — o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações.

A entidade se desdobraria, entre outras medidas, num Conselho de Defesa da América do Sul. Não está explícito de que ou de quem a região se defenderia.

Mas pode-se imaginar, a julgar pelo antiamericanismo predominante entre seus membros — a Colômbia, maior aliada dos EUA na região, é membro relutante.

Não há dúvida de que a diplomacia deve ser dinâmica para acompanhar a evolução dos interesses estratégicos do país num mundo em rapidíssima transformação. Há novos atores, como os Bric, e novos temas, como a defesa do meio ambiente, mas isso não quer dizer que o país deve abandonar os pilares tradicionais de sua política externa.

Deve, isto sim, é resgatar o equilíbrio e o multilateralismo que sempre caracterizaram a atuação do Itamaraty. O Barão do Rio Branco agradece.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Estado a que chegamos (pois é...)

O custo do aparelhamento e da fisiologia
Editorial O Globo, 18.08.2010

O aparelhamento da máquina pública decorrente de interesses político-ideológicos e o loteamento de áreas do Estado por motivação fisiológica são duas pragas da política brasileira que respondem por boa parte da má aplicação do dinheiro do contribuinte, já esmagado sob uma carga tributária de mais de 35% do PIB, recorde no bloco dos emergentes.

É típica do aparelhamento de origem política a ocupação do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelos chamados “movimentos sociais” — MST e similares. Nesta privatização daninha da coisa pública, o contribuinte também não está a salvo de desvios criminosos do seu dinheiro.

Vide indícios fulgurantes de expropriação de recursos públicos existentes na prestação de contas de entidades criadas neste âmbito “social” apenas para ter acesso ao Tesouro. Isto quando prestam contas. É assim que ações violentas de invasão de propriedades terminam financiadas pelo Erário.

O empreguismo e loteamento de cargos por razões fisiológicas também têm símbolos na Era Lula. Justiça se faça, trata-se de mazelas tradicionais no Brasil, infelizmente. Não surgiram de 2003 para cá. Mas o governo, por não ter querido ou sabido fixar limites à voracidade de partidos da base parlamentar, convive com situações como a dos Correios.

Na estatal, hoje prestadora de maus serviços, chefias nomeadas por caciques partidários se dedicaram a arrematar propinas para caixa dois de legendas. Não faltou a grotesca cena, gravada, em que Maurício Marinho, autoproclamado representante do petebista Roberto Jefferson na ECT, literalmente embolsa um maço de dinheiro entregue por um fornecedor da estatal. Ali começaria o escândalo do mensalão e acabaria de vez a virgindade do PT.

Este é o contexto no qual surge a informação, apurada pelo GLOBO, de que 399 relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), feitos apartir de 2009 sobre a atuação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), apontam para uma conta de R$ 1,02 bilhão proveniente de superfaturamento de obras e outros malfeitos. Em linguagem direta: roubo, desfalque.

O Dnit faz jus ao fato de ser o velho Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) com outro nome. Pois o DNER foi fechado no governo FH devido ao longo histórico de corrupção da autarquia. Como se vê, reencarnou no Dnit com o mesmo DNA. A ação de quadrilhas no departamento, retalhado entre apaniguados políticos, chega a ser rocambolesca.

No início do mês, o superintendente do departamento no Ceará, Guedes Ceará, e outras pessoas foram presos pela Polícia Federal sob a acusação de participar do desvio de R$ 5,5 milhões do orçamento de obras. Guedes havia sido indicado pelo ex-governador Lúcio Alcântara, do PR.

Se forem consultadas auditorias do TCU na Infraero surgirão casos semelhantes. Enquanto isso, a população se arrisca em estradas federais mal conservadas e padece em aeroportos há tempos incapazes de atender ao crescente volume de passageiros. O assunto serve de munição de campanha eleitoral. Mas, haja o que houver nas urnas, o próximo governo bem que poderia atenuar o bombeamento de recursos do Tesouro para grupos que se especializaram em capturar dinheiro público, à esquerda e à direita.

Quando mais não seja, por inteligência: vai aparecer mais dinheiro para financiar despesas efetivas.