Gustavo Miquelin Fernandes
O país já chegou a sua adolescência democrática; passou-se mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal; a hiperinflação foi derrotada; subimos alguns graus nos índices de desenvolvimento humano e criminosos por delitos contra o Poder Público foram condenados na mais alta Corte da Justiça.
Há avanços, sim, inegavelmente.
Chegou a hora, entretanto, de discutir o assunto do comportamento estatal no sistema de produção, prestação, comercialização e distribuição de bens e serviços com maior esclarecimento e informação. A questão da interferência estatal em assuntos que originariamente não lhe dizem respeito.
Leia-se: a extensa estatização dos meios de produção. O tentacularismo estatal que sufoca o empresariado, gera corrupção, promove aumento tributário e cria a cultura da ineficiência e da improdutividade.
A raiz desse problema é o espectro patrimonialista da nação, fruto da colonização lusitana e com gênese já na chegada de Dom João em terras brasileiras. É a ideia de que público e privado se confundem e trabalham numa faixa de intersecção. Resultado: a coisa não é de ninguém, não tem dono. É de todos e por isso mesmo, de ninguém.
Essa ideologia é sempre reforçada por políticos profissionais, burocratas e agentes mercadores de facilidades em um sistema burocrático de dificuldades, legalmente criado.
O Poder Executivo brasileiro regula, é proprietário, acionista, é participante, é investidor, controlador, e sem contar os órgãos de regulação como as agências brasileiras (ANS, ANVISA, ANATEL, ANTT, ANTAQ, ANCINE), secretarias, departamentos, etc.
A revista “Época”, em sua edição n. 682, com matéria intitulada “Estado Ltda.”, fez interessante levantamento sobre a mão pesada do Estado patrimonialista brasileiro. Faço a ressalva que não se trata de trabalho com metodologia científica, é matéria meramente jornalística, o que não lhe retira o bom conteúdo e que fornece um bom norte para avaliar a situação.
Resultado da pesquisa: 675 empresas com participação direta ou indireta do Governo Federal. Sem contar, evidente, Estados e municípios.
Listarei algumas conclusões mais importantes dos jornalistas que procederam ao levantamento.
Dessas 675 empresas, o Governo controla 276.
Ainda, segundo texto da revista:
“Levando em conta apenas as 628 empresas não financeiras, o faturamento soma R$ 1,06 trilhão, algo como 30% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) ou 2,5 vezes as vendas dos 50 maiores grupos privados nacionais (leia o gráfico abaixo). Nas 247 empresas não financeiras controladas pelo governo, as vendas somam R$ 468,5 bilhões, ou 13% do PIB. E o valor de mercado das 99 empresas cujas ações são negociadas na BM&FBovespa totaliza R$ 1,7 trilhão, ou 71% do valor de mercado das empresas na Bolsa. A interferência do Estado na economia via estatais, BNDES e fundos de pensão é tão intensa que, durante a pesquisa, ÉPOCA teve de atualizar os dados de muitas companhias que receberam recentemente dinheiro do governo, como o frigorífico JBS ou a Cipher, especializada em sistema de segurança de informação”.
Enquanto, na décadade 90, o Governo social-democrata teve uma leve inclinação privatizante, o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva criou sete novas estatais: Banco Popular do Brasil, Hemobrás, a Empresa Brasileira de Comunicações, a Empresa de Pesquisa Energética, a Pré-Sal Petróleo, a Ceitec e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
A atual Presidente da República criou mais cinco empresas: Infraero Serviços, Amazônia Azul Tecnologias de Defesa, Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias, Empresa Brasileira de Planejamento e Logística (EPL) e a Hidrobrás.
A sanha intervencionista é assustadora e não deveria existir num país tão pobre, cheio de carência e miséria e com uma classe empresarial tão propensa à inovação e ao investimento.
Se não bastasse a criação de novas companhias, há a permanência das existentes, a participação governamental em empresas privadas, a regulação, a questão dos subsídios, investimentos e inversões conduzidas pelo BNDES nas empresas públicas e privadas. Como exemplo, a revista cita o caso do BNDES ter convertido uma dívida de R$ 3,5 bilhões do JBS, o maior frigorífico de carne bovina do mundo, em ações da empresa, ampliando seu capital de 17% para 31%.
A publicação assinala que, do total de despesas públicas, dois terços tem destino carimbado para a folha de pagamentos federal e ao sistema de aposentadoria do funcionalismo.
Pode-se concluir desse cenário patrimonialista que o ambiente é refratário a discussões mais lúcidas, onde qualquer tentativa é vista com muita paixão pelos ideólogos de plantão, não permitindo um debate amplo e sério, não raro, com acusação de “privatistas”, desrespeito ao “patrimônio do povo”, etc.
O problema começa com a Constituição Federal – o regramento base do país:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”
O que seria segurança nacional ou relevante interesse? Conceitos vagos que demandam interpretações as mais descabidas, evidentemente, socializantes, como é do espectro do próprio sistema constitucional.
O problema é político e, sobretudo, jurídico.
O mais importante, hoje, é fazer essa discussão sobre o redimensionamento da atuação publica em negócios privados, além da excessiva regulamentação, que engessa o setor produtivo e cria um mercado paralelo de vendas de facilidades. Isso sem contar os monopólios estatais, que conferem somente ao Poder Público a exploração de determinados serviços – prestando de maneira muito ineficiente, desperdiçando recursos tributários e gerando corrupção.
A redefinição do papel governamental derrubaria os custos de transação e de produção do setor privado, o que beneficiaria muito a geração de empregos, sobrevindo benefícios para todos.
Outros melhoramentos advindos da privatização: o Estado priorizaria suas funções típicas ou clássicas, como segurança, instituições democráticas, educação, etc. Haveria forte aumento fiscal pelas vendas de ativos e pela ausência dos custos de produção, que serviria para investimentos ou abatimento da dívida pública; a vedação do uso político de empresas, etc.
Há necessidade, portanto, de um novo PND – Plano Nacional de Desestatização – mais amplo que contemple mais empresas, de diversos setores e com maior transparência, para atestar a lisura dos procedimentos da transferência do domínio.
E o principal – que não venha acompanhado de órgãos reguladores, nem tenha participação de bancos públicos, como o BNDES, como é praxe no Brasil. A privatização, como o próprio nome sugere, deve ser genuinamente privada, sem interferências governamentais de qualquer espécie.
Há muita coisa para fazer. Mas poderíamos começar por aqui:
http://www.planejamento.gov.br/ministerio.asp?index=4&ler=c638
Acessem e divulguem esse link oficial, que é do Ministério do Planejamento.
Vamos conhecer todas “nossas” empresas.