O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

“Momentos do Espírito, Paisagens da Alma”: ciclo de conferências de Cláudio Guimarães dos Santos (IHG-DF)

O colega, amigo e grande intelectual, Claúdio Guimarães dos Santos, anuncia seu ciclo de palestras no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. 


Compartilho, abaixo, o Programa do Ciclo de Conferências "Momentos do Espírito, Paisagens da Alma", que ministrarei, ao longo de 2023, no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF), no qual ocupo a cadeira de número 126, cujo patrono é o Embaixador Sérgio Corrêa da Costa.

Serão, no total, 6 conferências gratuitas e abertas aos interessados.


Um abraço caloroso a todos.


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO DISTRITO FEDERAL - IHG-DF

 

CICLO DE CONFERÊNCIAS

“Momentos do Espírito, Paisagens da Alma”

Cláudio Guimarães dos Santos

Poeta, Ensaísta, Artista Plástico, Cineasta, Médico, Diplomata,

Mestre em Artes (ECA/USP), Doutor em Linguística (Université de Toulouse-Le Mirail), 

Acadêmico do IHG-DF (Cadeira 126)

 

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PROGRAMAÇÃO:

 

Terça-feira - 7/março/2023 – das 19h30 às 21h30:

“A natureza da poesia: da clareza do belo ao mistério do sublime”

 

Quarta-feira - 26/abril/2023 – das 19h30 às 21h30:

“O problema mente-corpo: como reunir o que nunca esteve separado?”

 

Quarta-feira - 31/maio/2023 – das 19h30 às 21h30:

“As fronteiras do mito: por uma cartografia dinâmica da alma”

 

Quarta-feira - 21/junho/2023 – das 19h30 às 21h30:

“As faces de Deus: a busca (inelidível) pelo sentido da existência”

 

Quarta-feira - 20/setembro/2023 – das 19h30 às 21h30:

O caos contemporâneo: do autismo midiático à solidão coletiva”

 

Quarta-feira - 25/outubro/2023 – das 19h30 às 21h30:

“Linguagem e silêncio: educação, autoconhecimento, ascese, redenção”

 

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AS CONFERÊNCIAS SERÃO GRATUITAS E ABERTAS AOS INTERESSADOS



sábado, 16 de maio de 2015

Os tremeliques de um departamento de filosofia: solidariedade ou pesames aos alunos?

Caro Leitor,
Você que é uma pessoa culta, ou pelo menos medianamente bem informada -- do contrário não estaria lendo este post agora -- sabe distinguir algo compreensível de outro algo meio arrevesado, digamos assim, ou então muito estranho, bizarro, ou diretamente imcompreensível.
Pois bem, sendo uma pessoa racional, tente entender o que pretende o autor desta peça filosófica cujo resumo apresento a seguir:

Trata-se de discutir a centralidade do trabalho como categoria de reconhecimento através da problematização de sua natureza disciplinar. Isto nos levará a um duplo movimento: primeiro, a categoria de trabalho em Marx será relida à luz não apenas da temática da espoliação econômica da mais-valia, mas também da espoliação psíquica das relações de estranhamento (unheimlichkeit) entre sujeito e objeto; segundo, as modificações recentes no mundo do trabalho e as modalidades de sofrimento psíquico a elas associadas serão interpretadas a partir do impacto social de tal forma de espoliação.

Entendeu?
Não entendeu?

Quem sabe pelo título, e pelas palavras chave você poderá penetrar nos arcanos do pensamento do seu autor:

O trabalho do impróprio e os afetos da flexibilização

Não entendeu ainda?
Deixe-me ajudá-lo. Vou colocar o título em inglês, pelo meno no inglês do autor, e quem sabe você agora descobre o que está tentando nos dizer esse autor tão profundo:

The Labor of Improper and the Affections of Flexibilization

E com as palavras-chave, dá para entender?

Depressão. Flexibilização. Trabalho. Reconhecimento. Marx.

Não deu ainda, mas não se preocupe, o problema não está com você, mas com quem tortura os seus alunos com coisas como essa aí.
Pois é, eu entendi o que quer dizer o autor, mas o que ele quer dizer é tão confuso, apenas um amálgama de palavras, que simplesmente não significa absolutamente nada.

Minha solidariedade, e ao mesmo tempo meus pêsames aos alunos do professor em questão. Sua disciplina já tinha falecido há muito tempo, mas esqueceram de enterrar.
Um dia isso acontece...
Paulo Roberto de Almeida

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Vaticano: a mais importante discussao do Sinodo dos bispos: o que diria um papa argentino?

Bispos e teólogos das mais diversas vertentes do cristianismo estão reunidos neste mesmo momento no Vaticano, para tentar descobrir qual era a verdadeira nacionalidade de Jesus.

        Vamos as conclusões (provisórias) deles.

         A) Três provas de que Jesus era judeu:
        1 - Assumiu os negócios do pai;
        2 - Viveu em casa até os 33 anos;
        3 - Tinha certeza de que a mãe era virgem, e a mãe tinha certeza de que ele era Deus.

        ENTRETANTO...

        B) Três provas de que Jesus era irlandês:
        1 - Nunca foi casado;
        2 - Nunca teve emprego fixo;
        3 - O último pedido dele foi uma bebida.

        C) Três provas de que Jesus era italiano:
        1 - Falava com as mãos;
        2 - Tomava vinho em todas as refeições;
        3 - A mulher mais importante da sua vida era a mamma.

        D) Três provas de que Jesus era americano (mais precisamente da California):
        1 - Nunca cortou o cabelo (hippie)
        2 - Andava descalço (hippie)
        3 - Inventou uma nova religião (hippie)

        E) Três provas de que Jesus era francês:
        1 - Nunca trocava de roupa;
        2 - Não lavava os pés;
        3 - Não falava inglês.

        F) Três provas de que Jesus era brasileiro:
        1 - Nunca tinha dinheiro;
        2 - Vivia fazendo milagres;
        3 - Se ferrou nas mãos do governo...

        CONCLUSÃO:
        Não foi possível chegar a um consenso sobre a nacionalidade de Jesus.

        Quanto a Judas, todos concordaram: era Argentino!

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Argentina: existe uma filosofia oficialista? - LatAm

A própria noção de se ter num país filósofo oficialista já é patética, como simples ideia, pois nunca deveria existir um filósofo que se aceite como tal, e trabalhando para um governo com o objetivo de criar uma doutrina oficial.
A noção, então, de um filósofo kirchnerista, além de bizarra, e bisonha, é sumamente ridícula, chega a ser histriônica, de um lado, e fascista de outro.
Não se trata nem de um Big Brother, ou seja, um grande irmão velando pelo pensamento da comunidade: se trata apenas de alguém que vai inventar um pensamento que se ajuste às necessidades do governo. Deveria ser vergonhoso para alguém que se pretenda intelectual desempenhar esse tipo de função.
Paulo Roberto de Almeida

Argentina cultura

Cristina Fernández nombra a filósofo coordinador de “Pensamiento Nacional”

Foto: Infobae/Charly Díaz Azcué
Infolatam/Efe
Buenos Aires, 4 de junio de 2014

Las claves
  • Forster, uno de los más significados intelectuales del grupo "Carta Abierta" articulado en el entorno oficialista, tendrá entre sus tareas "asesorar y elevar las propuestas a ser consideradas por la ministra de Cultura en cuestiones de pensamiento nacional y latinoamericano".
  • Pese a su proximidad con el kirchnerismo, puntualizó que su formación es "absolutamente abierta y antidogmática", en declaraciones a la agencia oficial Telam.
La presidenta argentina, Cristina Fernández, designó al filósofo kirchnerista Ricardo Forster como secretario de Coordinación Estratégica para el Pensamiento Nacional, bajo la órbita del recién creado Ministerio de Cultura.
Entre los objetivos del nuevo departamento figura “diseñar, coordinar e instrumentar una usina de pensamiento nacional”, según un decreto publicado hoy en el Boletín Oficial.
Forster, uno de los más significados intelectuales del grupo “Carta Abierta” articulado en el entorno oficialista, tendrá entre sus tareas “asesorar y elevar las propuestas a ser consideradas por la ministra de Cultura en cuestiones de pensamiento nacional y latinoamericano”.
Además, debe “generar instancias de diálogo y debate sobre temas contemporáneos, promoviendo nuevas corrientes de pensamiento, que hagan partícipe a toda la ciudadanía”, según el texto oficial de designación.
Tras su nombramiento, Forster señaló que su prioridad será generar “un debate abierto, un espacio abierto para discutir todo lo que es imprescindible discutir en la Argentina de hoy” a través de “un amplio recorrido de la historia, de las tradiciones intelectuales desde el pasado al presente, a lo largo de todo el país”.
Pese a su proximidad con el kirchnerismo, puntualizó que su formación es “absolutamente abierta y antidogmática”, en declaraciones a la agencia oficial Telam.
Ricardo Forster, de 56 años, es doctor en filosofía, imparte clases en varias instituciones argentinas y fue candidato a diputado en Buenos Aires por el oficialista Frente Para la Victoria el pasado año.
La creación del área de “Pensamiento Nacional” se produce apenas unas semanas después de que Cristina Fernández elevara la Secretaría de Cultura al rango de Ministerio y colocara al frente de la cartera a la cantautora Teresa Parodi.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Alberto Oliva: um intelectual como poucos existem no Brasil... Revista de Filosofia

Vale a pena ler a entrevista completa, cuja dica me foi passada pelo blog do amigo Orlando Tambosi, cujo resumo da matéria completa é transcrita ao final desta primeira parte da entrevista.
Paulo Roberto de Almeida 
Revista Filosofia

Entrevista

Obsessão pelo conhecimento


Professor da UFRJ, o filósofo Alberto Oliva disserta sobre teoria do conhecimento, pensadores fundamentais, educação, política e, claro, sua trajetória


por Daniel Rodrigues Aurélio*


IFCS/UFRJ
Site do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/ UFRJ):www.ifcs.ufrj.br. No Departamento de Filosofia da instituição lecionam nomes como Maria Clara Dias, Roberto Machado e Susana de Castro. Alberto Oliva dá aulas no Programa de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica.
"Eu te amo"
Dirigido por Arnaldo Jabor, vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim (por "Toda nudez será castigada", de 1973), o drama "Eu te amo" (1981) teve em seu elenco Paulo César Peréio, Sônia Braga, Regina Casé, Vera Fischer e Tarcísio Meira.
Nascido na cidade do Rio de Janeiro no dia 10 de fevereiro de 1950, Alberto Oliva é um dos mais respeitados filósofos brasileiros no campo da filosofia da ciência e da teoria do conhecimento. Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( IFCS-UFRJ) desde 1979, Oliva lecionou cursos na Escola de Comando do Estado-maior do Exército (ECEME), instituição que lhe concedeu o título de professor emérito. Outra honraria recebida das Forças Armadas veio da Marinha do Brasil, que ofereceu ao professor a medalha Mérito Tamandaré.
Graduado em filosofia, mestre em comunicação e doutor em filosofia, titulações obtidas na UFRJ, Alberto Oliva cursou pós-doutorado Universitá Degli Studi di Siena na Itália. Consultor ad hoc da Capes, parecerista e membro do conselho editorial de revistas e editoras prestigiadas, Oliva publicou livros sofisticados, mas nem por isso deixou de lançar-se em um esforço de divulgação da filosofia e da ciência, seja como colunista de jornais, seja como autor de livros como "Teoria do conhecimento", lançado pela Zahar em 2011.
Na entrevista a seguir, Alberto Oliva narra seu período de formação, ocorrido em uma época complicada da história do Brasil, além de falar sobre seus autores favoritos, teoria do conhecimento, política e o panorama da educação no país.
Conhecimento Prático Filosofia: Para começar, conte-nos como foi o seu "despertar" para a filosofia.
Alberto Oliva: De família italiana pobre, sempre estudei em escolas públicas. Tive a ventura de ser aluno do Colégio Pedro II. No primeiro ano do curso clássico, em 1966, fui brindado com um excelente curso de história da filosofia ministrado por Eduardo Prado de Mendonça, que também era professor do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da UFRJ. Eduardo tinha a virtude de ensinar filosofia expondo seus grandes problemas e salientando a riqueza das respostas dadas pelas diferentes escolas de pensamento. Para o neófito, é o ideal. No segundo ano do curso clássico já tinha me decidido a fazer filosofia. Quando comuniquei a Eduardo minha opção, ele tentou me dissuadir. Argumentava que não deveria fazer filosofia em razão de minha família ser pobre e das dificuldades que encontraria para me profissionalizar. De fato, não eram nada alvissareiras as perspectivas de trabalho para o bacharel em filosofia. Nossa pós-graduação era incipiente. Capes e CNPq ainda não tinham uma política de fomento à pesquisa como a que se consolidou nas quatro últimas décadas. Mesmo atento à preocupação de Eduardo Prado, comecei a me preparar sozinho para o vestibular. Àquela altura já estava profundamente envolvido com a filosofia e seus fascinantes problemas. Acabei arrastado pelo maravilhamento - o thaumaston a que se refere Aristóteles no início da Metafísica - que leva à filosofia. Passei minha adolescência jogando futebol, embevecido com o cinema, principalmente com o neorrealismo italiano, e lendo avidamente histórias da filosofia. Meu envolvimento com a filosofia foi de tal ordem que dediquei os três anos de meu curso clássico quase que exclusivamente ao seu estudo. Pude fazê-lo porque as provas do vestibular eram exclusivas ao curso de filosofia. Lembro-me que fiz uma prova dissertativa de filosofia cuja principal questão era sobre as diferentes concepções de causa esposadas por Aristóteles e Spinoza. A prova de inglês foi a tradução de um texto. O resultado dado pelo próprio Departamento de Filosofia. Estou convencido de que esse tipo de vestibular possui regras de avaliação pedagogicamente superiores às hoje vigentes.


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O petismo, de pretenso partido renovador a arauto do patrimonialismo

O filósofo Alberto Oliva, professor da UFRJ e um dos raros intelectuais liberais do Brasil, fala de sua experiência como articulista do Jornal da Tarde nos anos 90, período em que viu o petismo se expandir para, mais tarde, já no poder, sofrer de "dogmatite aguda" e se converter em alavanca do patrimonialismo, acentuando a nossa tradição autoritária. Segue abaixo parte da entrevista que Oliva concedeu à revista Filosofia:
Quando fui convidado a escrever no Jornal da Tarde a direção tinha por objetivo ter dois grupos de articulistas: um afinado com as linhas mestras do pensamento de esquerda, outro com as do pensamento social-democrático, liberal ou conservador. Em nenhum de meus artigos desqualifiquei o governo Lula. O que entendia ser necessário à época fazer continua momentoso: uma crítica às ideias rançosas de uma esquerda que se recusa a sair do século 20. O Partido dos Trabalhadores (PT) em determinado momento de sua história se pretendeu renovador, crítico que foi de muitos aspectos do socialismo real. Só que com a chegada ao poder passou a sofrer de dogmatite aguda e começou, de forma saudosista, a querer fazer retroceder o relógio da história retomando, ainda que de forma gradualista, o estatismo, o controle da mídia, a crescente concentração de poder, o intervencionismo econômico. 

Como articulista, meu objetivo era promover um debate não entre direita e esquerda, mas entre dirigismo e liberalismo. Na Itália se travou um fecundo debate entre Croce, um liberal na política, mas não na economia, e Einaudi, um liberista, defensor da indivisibilidade e inseparabilidades das liberdades. Lamentavelmente, no Brasil a esquerda sempre depreciou as duas liberdades a ponto de considerar a velha e boa democracia ocidental como formal ou burguesa. Lula fareja as trilhas da política como poucos. Se tivesse usado todo seu carisma para fazer as reformas estruturais, complementares às introduzidas por Fernando Henrique Cardoso (FHC), o Brasil hoje estaria crescendo mais e de forma consistente. O que aconteceu é que diante do velho e arraigado patrimonialismo tupiniquim, o PT, por esposar uma visão estatista, quis fazer uma revolução "por dentro", isto é, alavancada pelo próprio patrimonialismo. A consequência, ainda que não pretendida, é a de levar o patrimonialismo às últimas consequências. Com o agravante de que, por sua matriz de pensamento, o PT tende a confundir (seu) governo com Estado. 

A meu juízo, o debate sobre isso é urgente. Só que ninguém deseja fazê-lo. Os intelectuais brasileiros são tão ideologizados que acham que, dependendo de quem está no governo, precisam optar pelo silêncio obsequioso. Dada a força do PT, discutir seu projeto de poder é de extrema importância para o futuro de nossa sociedade. Infelizmente, no Brasil quase tudo fica artificialmente polarizado. Em parte, porque o nível intelectual é baixo. Além do mais, nossa longa tradição autoritária sempre, disfarçadamente, dá um jeito de penetrar no mundo das ideias. Os grupos intelectuais hegemônicos procuram desqualificar a alteridade, a visão contrária. Dá menos trabalho, além de servir para arregimentar grupos ideologizáveis, rotular o outro, satanizá-lo. Sem falar que é uma forma sutil de desprestigiar a liberdade. (O texto na íntegra).

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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Idiotice: manual de como evitar - Olavo de Carvalho (via Reinaldo Azevedo)

De fato, não li em qualquer resenha da imprensa, em qualquer comentário na internet, nos blogs mais comumente citados como fonte de informações, alguma informação sobre este livro de Olavo de Carvalho, que como costuma ser com todos os seus artigos apresenta-se de imediato como polêmico e corrosivo.
Já devo ter lido uma boa parte desses artigos, no site do autor, nos jornais onde ele publicou os textos, enviados por amigos e leitores, enfim, catados aqui e ali. Tê-los reunidos num único livro sem dúvida é uma boa solução, assim como já tinha sido seu primeiro livro que li, e gostei, "O Imbecil Coletivo", um ataque exemplar aos nossos "intelequituais" (como diria o Millor) de academia.
Vou tentar ler este também, quando puder.
Por enquanto transcrevo do blog de um outro jornalista igualmente polêmico, pois foi a única referência que encontrei.

Apenas acrescento: quando ouço alguma idiotice sendo dita, saco logo o meu Cervantes, que no seu Don Quijote já se ocupou de algumas idiotices maiores da raça humana, e isso com o humor e a boa graça de que era capaz. Eu, sem ter muita graça, já me interroguei se o número de idiotas estava aumentando no mundo (deve ter um artigo com um título parecido no meu site). Minha resposta: sim e não. Sim, está aumentando o número de idiotas no mundo, pois hoje, qualquer idiota, usando os meios que lhe é oferecido gratuitamente na internet, consegue ter uma vasta audiência à sua (in)disposição, e os idiotas que gostam de ficar famosos estão se esbaldando, como se diz. Não, porque em última instância, a ciência e o trabalho honesto de um punhado reduzido de abnegados tem impedido, felizmente, o bando muito maior de idiotas de fazerem alguma atos catastróficos para a humanidade. Sim, os poucos inteligentes tem salvo os idiotas, em maior número, de suas próprias idiotices, o que mostra que a humanidade ainda não está condenada a desaparecer.
Mas que, em algumas países, estejamos sendo submergidos por um bando de idiotas que chegou ao poder, disso não tenho a menor dúvida...
Paulo Roberto de Almeida

Reinaldo Azevedo, 02/09/2013
 às 5:25

“O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”

É o título de uma coletânea de textos de autoria do filósofo sem carteirinha, crachá ou livro-ponto Olavo de Carvalho (foto), lançado há duas semanas pela Editora Record (615 páginas, R$ 51,90). Os artigos foram selecionados e organizados por Felipe Moura Brasil, um jovem de vinte e poucos — bem poucos — anos, que também cuida de notas explicativas e referências bibliográficas que remetem o leitor tanto à vasta obra do próprio Olavo como à teia de autores e temas com os quais seus textos dialogam ou polemizam. Moura Brasil informa que a seleção obedeceu a seu gosto pessoal e à necessidade de partilhar a sua experiência de leitor e estudioso da obra de Olavo. Esse moço é a prova de que a inteligência e a autonomia intelectual sobrevivem mesmo aos piores tempos. E os piores tempos podem não ser aqueles em que o amor à liberdade é obrigado a resistir na clandestinidade — afinal, resta a esperança no fundo da caixa —, mas aqueles em que a divergência se torna, por si, uma violência inaceitável. Nesse caso, a própria esperança começa a correr riscos. O livro, o que não chega a ser uma surpresa, provocou um enorme silêncio — que é uma das formas do moderno exercício da violência. Os leitores, no entanto, estão fazendo a sua parte, e ele já figura em 10º lugar na lista dos “Mais Vendidos”, na categoria “Não-Ficção”, na VEJA desta semana.
“O Mínimo…” reúne, basicamente, artigos que Olavo publicou em jornais e revistas, inclusive nas revistas “República” e “BRAVO!”, das quais fui redator-chefe — e a releitura, agora, em livro, me remeteu àqueles tempos. Impactam ainda hoje e podiam ser verdadeiros alumbramentos há 10, 12, 13 anos, quando o autor, é forçoso admitir, via com mais aguda vista do que todos nós o que estava por vir. Olavo é dono de uma cultura enciclopédica — no que concerne à universalidade de referências —, mas não pensa por verbetes. E isso desperta a fúria das falanges do ódio e do óbvio. Consegue, como nenhum outro autor no Brasil — goste-se ou não dele —, emprestar dignidade filosófica à vida cotidiana, sem jamais baratear o pensamento. Isso não quer dizer que não transite — e as falanges não o fustigam menos por isto; ao contrário — com maestria no terreno da teoria e da história. É autor, por exemplo, da monumental — 32 volumes! — “História Essencial da Filosofia” (livros acompanhados de DVDs). Alguns filósofos de crachá e livro-ponto poderiam ter feito algo parecido — mas boa parte estava ocupada demais doutrinando criancinhas… Há o Olavo de “A Dialética Simbólica” ou de “A Filosofia e seu Inverso”, e há este outro, que é expressão daquele, mas que enfrenta os temas desta nossa vida besta, como disse o poeta, revelando o sentido de nossas escolhas e, muito especialmente, das escolhas que não fazemos.
O livro é dividido em 25 capítulos ou macrotemas: Juventude, Conhecimento, Vocação, Cultura, Pobreza, Fingimento. Democracia, Socialismo, Militância, Revolução, Intelligentzia, Inveja, Aborto, Ciência, Religião, Linguagem, Discussão, Petismo, Feminismo, Gayzismo, Criminalidade, Dominação, EUA, Libertação e Estudo. Cada um deles reúne um grupo de textos, e alguns se desdobram em subtemas, como a espetacular seleção de textos de “Revolução”, reunidos sob rubricas distintas, como, entre outras, Globalismo, Manipulação e Capitalistas X Revolucionários.
Vivemos tempos um tanto brutos, hostis ao pensamento. Vivemos a era em que o sentimento de “justiça” ou o de “igualdade” — com frequência, alheios ou mesmo refratários a qualquer noção de direito — reivindicam um estatuto moralmente superior a conceitos como verdade e realidade; estes seriam, por seu turno, meras construções subjetivas ou de classe, urdidas com o propósito de provocar a infelicidade geral. Olavo demole com precisão e brilho a avalanche de ideias prontas, tornadas influentes pelo “imbecil coletivo” e que vicejam muito especialmente na imprensa — fenômeno enormemente potencializado pelas redes sociais.
Em 2003, o jornal “O Globo” ainda publicava textos como “Orgulho do Fracasso”, de Olavo. E se podia ler (em azul):
Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.
(…)
A experiência dos milênios, no entanto, pode ser obscurecida até tornar-se invisível e inconcebível. Basta que um povo de mentalidade estreita seja confirmado na sua ilusão materialista por uma filosofia mesquinha que tudo explique pelas causas econômicas. Acreditando que precisa resolver seus problemas materiais antes de cuidar do espírito, esse povo permanecerá espiritualmente rasteiro e nunca se tornará inteligente o bastante para acumular o capital cultural necessário à solução daqueles problemas. O pragmatismo grosso, a superficialidade da experiência religiosa, o desprezo pelo conhecimento, a redução das atividades do espírito ao mínimo necessário para a conquista do emprego (inclusive universitário), a subordinação da inteligência aos interesses partidários, tais são as causas estruturais e constantes do fracasso desse povo. Todas as demais explicações alegadas — a exploração estrangeira, a composição racial da população, o latifúndio, a índole autoritária ou rebelde dos brasileiros, os impostos ou a sonegação deles, a corrupção e mil e um erros que as oposições imputam aos governos presentes e estes aos governos passados — são apenas subterfúgios com que uma intelectualidade provinciana e acanalhada foge a um confronto com a sua própria parcela de culpa no estado de coisas e evita dizer a um povo pueril a verdade que o tornaria adulto: que a língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois.
(…)
Retomo
Grande Olavo de Carvalho! Dez anos depois, com o país nessa areia, como ignorar a força reveladora das palavras acima? Olhem à nossa volta. O que temos senão um governo incompetente, que fez refém ou tornou dependente (com Bolsa BNDES, Bolsa Juro, Bolsa Isenção Tributária) uma elite não muito iluminada, combatido, o que é pior, por uma oposição que não consegue encetar uma crítica que vá além do administrativismo sem imaginação, refratária ao debate, que foge do confronto de ideias como Lula foge dos livros e Dilma da sintaxe?
O país emburrece. Eu mesmo, mais de uma vez, em ambientes supostamente afeitos ao pensamento, à reflexão e à leitura, pude constatar o processo de satanização do contraditório. É mais difícil travar com intelectuais (ou, sei lá, com as classes supostamente ilustradas) um debate racional sobre a legalização do aborto do que com um homem ou uma mulher do povo, de instrução mediana. E não porque aqueles tenham os melhores argumentos. Ao contrário: têm os piores. Olham para a sua cara e dizem, com certo ar de trunfo, como se tivessem encontrado a verdade definitiva: “É uma questão dos direitos reprodutivos da mulher”. Digamos que fosse… Esses tais “direitos reprodutivos” teriam caído da árvore da vida, como caiu a maçã para Newton, ou são uma construção? Por que estaria acima do debate?
Mais um pouco das palavras irretocáveis de Olavo (em azul):
Na tipologia de Lukács, que distingue entre os personagens que sofrem porque sua consciência é mais ampla que a do meio em que vivem e os que não conseguem abarcar a complexidade do meio, a literatura brasileira criou um terceiro tipo: aquele cuja consciência não está nem acima nem abaixo da realidade, mas ao lado dela, num mundo à parte todo feito de ficções retóricas e afetação histriônica. Em qualquer outra sociedade conhecida, um tipo assim estaria condenado ao isolamento. Seria um excêntrico.
No Brasil, ao contrário, é o tipo dominante: o fingimento é geral, a fuga da realidade tornou-se instrumento de adaptação social. Mas adaptação, no caso, não significa eficiência, e sim acomodação e cumplicidade com o engano geral, produtor da geral ineficiência e do fracasso crônico, do qual em seguida se busca alívio em novas encenações, seja de revolta, seja de otimismo. Na medida em que se amolda à sociedade brasileira, a alma se afasta da realidade — e vice-versa. Ter a cabeça no mundo da lua, dar às coisas sistematicamente nomes falsos, viver num estado de permanente desconexão entre as percepções e o pensamento é o estado normal do brasileiro. O homem realista, sincero consigo próprio, direto e eficaz nas palavras e ações, é que se torna um tipo isolado, esquisito, alguém que se deve evitar a todo preço e a propósito do qual circulam cochichos à distância.
Meu amigo Andrei Pleshu, filósofo romeno, resumia: “No Brasil, ninguém tem a obrigação de ser normal.” Se fosse só isso, estaria bem. Esse é o Brasil tolerante, bonachão, que prefere o desleixo moral ao risco da severidade injusta. Mas há no fundo dele um Brasil temível, o Brasil do caos obrigatório, que rejeita a ordem, a clareza e a verdade como se fossem pecados capitais. O Brasil onde ser normal não é só desnecessário: é proibido. O Brasil onde você pode dizer que dois mais dois são cinco, sete ou nove e meio, mas, se diz que são quatro, sente nos olhares em torno o fogo do rancor ou o gelo do desprezo. Sobretudo se insiste que pode provar.
Sem ter em conta esses dados, ninguém entende uma só discussão pública no Brasil. Porque, quando um brasileiro reclama de alguma coisa, não é que ela o incomode de fato. Não é nem mesmo que exista. É apenas que ele gostaria de que existisse e fosse má, para pôr em evidência a bondade daquele que a condena. Tudo o que ele quer é dar uma impressão que, no fundo, tem pouco a ver com a coisa da qual fala. Tem a ver apenas com ele próprio, com sua necessidade de afeto, de aplauso, de aprovação. O assunto é mero pretexto para lançar, de maneira sutil e elegante, um apelo que em linguagem direta e franca o exporia ao ridículo.
Esse ardil psicológico funda-se em convenções provisórias, criadas de improviso pela mídia e pelo diz que diz, que apontam à execração do público umas tantas coisas das quais é bom falar mal. Pouco importa o que sejam. O que importa é que sua condenação forma um “topos”, um lugar-comum: um lugar no qual as pessoas se reúnem para sentir-se bem mediante discursos contra o mal. O sujeito não sabe, por exemplo, o que são transgênicos. Mas viu de relance, num jornal, que é coisa ruim. Melhor que coisa ruim: é coisa de má reputação. Falando contra ela, o cidadão sente-se igual a todo mundo, e rompe por instantes o isolamento que o humilha.
Essa solidariedade no fingimento é a base do convívio brasileiro, o pilar de geleia sobre o qual se constroem uma cultura e milhões de vidas. Em outros lugares as pessoas em geral discutem coisas que existem, e só as discutem porque perceberam que existem. Aqui as discussões partem de simples nomes e sinais, imediatamente associados a valores, ao ruim e ao bom, a despeito da completa ausência das coisas consideradas.
Não se lê, por exemplo, um só livro de história que não condene a “história oficial” — a história que celebra as grandezas da pátria e omite as misérias da luta de classes, do racismo, da opressão dos índios e da vil exploração machista. Em vão buscamos um exemplar da dita-cuja. Não há cursos, nem livros, nem institutos de história oficial. Por toda parte, nas obras escritas, nas escolas de crianças e nas academias de gente velha, só se fala da miséria da luta de classes, do racismo, de índios oprimidos e da vil exploração machista. Há quatro décadas a história militante que se opunha à história oficial já se tornou hegemônica e ocupou o espaço todo. Se há alguma história oficial, é ela própria.
Mas, sem uma história oficial para combater, ela perderia todo o encanto da rebeldia convencional, pondo à mostra os cabelos brancos que assinalam sua identidade de neo-oficialismo consagrado — balofo, repetitivo e caquético como qualquer academismo. Direi então que açoita um cavalo morto? Não é bem isso. Ela própria é um cavalo morto. Um cavalo morto que, para não admitir que está morto, escoiceia outro cavalo morto. Todo o “debate brasileiro” é uma troca de coices num cemitério de cavalos.
Encerro
Leia esse livro de Olavo de Carvalho. Ninguém, no Brasil, escreve com a sua força e a sua clareza. Tampouco parece fácil rivalizar com a sua cultura, fruto da dedicação, do trabalho no claustro, da aplicação, não da busca de brilharecos. Leia Olavo: contra o ódio, contra o óbvio, contra os idiotas e a favor de si mesmo.
Por Reinaldo Azevedo

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Rocinante Filosofo, ou melhor Ricardo Vélez-Rodríguez (periodizacao filosofica na AL)


Ricardo Vélez-Rodríguez
Rocinante, 12/05/2013

Pode-se estabelecer uma periodização que abarque os principais momentos da evolução das idéias filosóficas na América Latina,[1] se atendermos ao critério formulado por Miguel Reale e Antônio Paim, consistente em reconhecer que a criação filosófica decorre, na modernidade, mais da discussão de problemas do que da formulação de perspectivas ou da construção de sistemas.[2]

Efetivamente, a meditação filosófica na América Latina obedeceu à discussão de determinados problemas, que dominaram ao longo dos seguintes períodos: 1 - o colonial, 2 - o da independência das metrópoles européias (até 1830, aproximadamente), 3 - o da consolidação das instituições republicanas (na América espanhola), ou imperiais e republicanas (no Brasil), até fins do século XIX e 4 - o correspondente ao século XX.

1 - Período colonial. Estende-se de 1492, data da descoberta da América, até fins do século XVIII. Nele, a problemática filosófica marcante, na meditação latino-americana, corresponde ao chamado por Luís Washington Vita de “saber de salvação”. Este consiste na formulação de uma antropologia e de uma ética à luz da perspectiva transcendente,[3]concebida no contexto dogmático da Segunda Escolástica espanhola e portuguesa, pautada cartorialmente pela “Ratio Studiorum” (1598) que, no sentir de Fidelino de Figueiredo, constituiu uma autêntica “alfândega cultural” sobre o mundo ibero-americano. Representantes desse período foram, no contexto brasileiro, Nuno Marques Pereira, autor no século XVIII do Compêndio narrativo do peregrino da América e do lado hispano-americano o frade Alonso de la Vera Cruz, que elaborou, em meados do século XVI (1554), na Real e Pontifícia Universidade do México (criada em 1551), o primeiro Tratado de Filosofia na América. Outros autores hispano-americanos de nomeada no século XVI foram os padres Bartolomeu de Ledesma, Pedro Ortigosa, Antonio Rubio, Antonio Arias, Alfonso Guerrero, Jerónimo de Escobar, Juan Martínez de Ripalda, etc., que no ensino universitário desenvolveram, no México e na Nueva Granada, as teses fundamentais da Segunda Escolástica.

Ponto central da meditação filosófica do período era a justificativa da evangelização dos aborígenes, no contexto da mais ampla ação de conquista predatória desfraldada pelos Impérios espanhol e português. Isso não impediu, no entanto, que críticas fossem endereçadas pelos pensadores do período à cupidez dos conquistadores, que contrariava o direito consuetudinário castelhano e as Leis de Índias, merecendo serem lembradas aqui as consignadas nos Sermões do padre Antônio Vieira e nos escritos do padre Bartolomé de Las Casas.

2 - Período correspondente à Independência. Um problema básico é o relativo à fundamentação das lutas em prol da libertação dos novos países em face das antigas metrópoles. Três fontes teóricas passaram a inspirar a meditação latino-americana do período no terreno político: a da Segunda Escolástica, que no tocante à discussão dos fundamentos da soberania popular, alicerçava-se na obra De legibus ac de Deo legislatore (1613) do jesuíta espanhol  Francisco Suárez; a do democratismo formulado nas obras de Jean-Jacques Rousseau, A origem da desigualdade entre os homens (1753) e Do contrato social (1762), que inspiraram amplamente a Revolução Francesa; por último, a do governo representativo tematizado por John Locke no seu Segundo tratado sobre o governo civil (1689) e pelos ideólogos anglo-americanos autores de O Federalista (1787).

É bem verdade que as idéias do liberalismo anglo-americano não penetraram diretamente no universo latino-americano, sendo definitiva a ação e o pensamento dos denominados doutrinários franceses (Royer Collard e François Guizot, notadamente), bem como dos precursores destes (Henry-Benjamin Constant de Rebecque e Madame de Staël), como destacou, com muita propriedade, o pensador espanhol José Ortega y Gasset.[4] 

Os prolegómenos das lutas de independência na América espanhola foram animados, em boa medida, pela meditação da Segunda Escolástica. Não há dúvidas quanto à inspiração em Francisco Suárez, por exemplo, dos conjurados hispano-americanos do final do século XVIII (nas revoltas dos denominados “comuneros” na Nueva Granada e alhures), bem como dos “conjurados mineiros” no Brasil do mesmo período, dos precursores da independência neo-granadina Camilo Torres e Antônio Nariño, ou das reivindicações independentistas e libertárias do padre Hidalgo, no México.

Já os processos de independência sofreram, paulatinamente, a influência quer do democratismo rousseauniano (que constitui, por exemplo, o cerne do pensamento político de Simón Rodríguez e do seu discípulo, o Libertador Simón Bolívar, bem como dos liberais radicais brasileiros frei Caneca e Cipriano Barata), quer da teoria lockeana do governo representativo (que animou, por exemplo, ao general colombiano Francisco de Paula Santander e, principalmente, ao grande teórico luso-brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira,  que formulou as bases da prática parlamentar do Império brasileiro, na obra intitulada: Manual do cidadão num governo representativo, de 1834).

A discussão das bases teóricas da libertação em face das metrópoles espanhola e portuguesa abrangeu, no caso brasileiro, significativo trabalho teórico, em que estava presente uma metafísica formulada em bases modernas, aberta à idéia de sistema (como é o caso das Preleções filosóficas de Silvestre Pinheiro Ferreira, de 1813). A filosofia deste autor permitiu a superação do cientificismo embutido no empirismo mitigado, que constituiu a doutrina imperante em Portugal no ciclo pombalino e no Brasil, nos primórdios do século XIX. Já na América espanhola prevaleceu, no período, a influência do utilitarismo de Jeremy Bentham, bem como a filosofia de Destutt de Tracy que, junto com Condillac, foi adotado como texto oficial em Santa Fé de Bogotá, a partir de 1825.

3 - Período de consolidação das instituições. Entre 1830 e o final do século XIX formularam-se filosofias que permitiram a consolidação das novas instituições. No Brasil, as principais contribuições foram as de Domingos Gonçalves de Magalhães e Eduardo Ferreira França que, alicerçados no ecletismo espiritualista de Maine de Biran e Victor Cousin, deitaram as bases antropológicas para justificar o exercício da liberdade e fundamentar a idéia de Nação no Segundo Reinado (1841-1889).

No contexto hispano-americano, as instituições se consolidam parcialmente ao ensejo da discussão da filosofia liberal, em contraposição ao democratismo rousseauniano e ao tradicionalismo. Radicais como Ezequiel Rojas contrapõem-se, na Nueva Granada, por exemplo, a liberais moderados como José Maria Samper ou a tradicionalistas recalcitrantes como Sergio Arboleda. Ao contrário do que aconteceu na América portuguesa, a América espanhola não conseguiu formular uma filosofia que inspirasse a prática da representação e que permitisse dar estabilidade às novas Repúblicas, que se esfacelaram em guerras civis sem fim. Desenvolveu-se aguda discussão em torno ao binômio: herança ibérica - atraso, bem semelhante à efetivada, em Portugal, pela Geração de 70, nas memoráveis Conferências do Cassino. Os principais autores que tomaram parte nessa polêmica foram os chilenos Esteban Echeverría, José Victorino Lastarria e Francisco Bilbao e os pensadores argentinos Domingo Faustino Sarmiento e Juan Bautista Alberdi.

Mas seria o positivismo, tanto no Brasil republicano (a partir de 1889), quanto na América espanhola, a doutrina que inspirou a síntese filosófica que deu alicerce às instituições, a partir de 1870. Os principais teóricos dessa corrente foram J. Alfredo Pereira (Argentina), José Ingenieros (Uruguai), Enrique José Varona (Cuba), Miguel Lemos, Teixeira Mendes, Luís Pereira Barreto, Benjamin Constant Botelho de Magalhães e Júlio de Castilhos (Brasil), Gabino Barreda, Justo Sierra e Porfirio Díaz (México), González Prada (Peru), Lisandro Alvarado e Samuel Darío Maldonado (Venezuela), os irmãos Lagarrigue (Chile) e Rafael Núñez (Colômbia). Em geral, a versão do positivismo que prevaleceu na América Latina foi uma heterodoxa mistura entre caudilhismo e comtismo, de que são manifestações claras o castilhismo brasileiro e o porfirismo mexicano.

O final do século XIX conheceu importante reação ao positivismo em vários países. Assim, encontramos as contribuições de Tobias Barreto e Sílvio Romero (fundadores, no Brasil da Escola do Recife), Coriolano Alberini e Alejandro Korn (Argentina), José Vasconcelos e Antonio Caso (México), Alejandro O. Deustua (Peru), Fernando González Ochoa e Danilo Cruz Vélez (Colômbia), etc. Em geral, essas reações criticam, no positivismo, o seu conteúdo cientificista, bem como a feição caudilhista dos regimes surgidos à sua sombra.

4 - Período correspondente ao século XX. Muito variadas são as correntes desenvolvidas pelos pensadores latino-americanos neste período. Mais do que mencioná-las exaustivamente, podemos fazer referência a alguns autores, bem como aos problemas discutidos. A questão da fundamentação do conhecimento e da liberdade numa perspectiva transcendental, herdeira do criticismo kantiano, foi a tarefa de que se desincumbiu a Escola do Recife, no Brasil, no final do século XIX. Tal vertente ensejou, na centúria subseqüente, a meditação culturalista, corrente da qual os mais importantes expoentes são Miguel Reale, Djacir Menezes, Antônio Paim, etc.

No contexto da discussão acerca dos fundamentos transcendentes da pessoa, podemos destacar a contribuição dada pelo argentino Francisco Romero. Tributário do vitalismo de Dilthey e da axiologia de Scheler, Romero define a pessoa como “absoluta transcendência”. Na trilha da tradição humanista ocidental, Daniel Cossío Villegas assume, no México, a defesa de uma antropologia condizente com a dignidade da pessoa, notadamente no que tange aos desdobramentos dessa concepção no terreno político, com uma crítica bastante bem fundamentada à tradição positivista e clânica do poder. Numa posição próxima à do culturalismo de Miguel Reale, o pensador argentino Carlos Cossio é uma das principais figuras hispano-americanas no terreno da filosofia do direito, especialidade em que se destaca, outrossim, o mexicano Recasens Siches. Outros pensadores de nomeada são os argentinos Risieri Frondizi, Angel Vasallo, Alberto Rougés, Carlos Astrada, A. Sánchez Reulet, Rafael Virassoro, Eugenio Pucciarelli, etc.

No tocante à fundamentação da idéia de pessoa numa perspectiva neotomista, podemos mencionar os argentinos Arturo Derisi, Juan Sep0ich e Emílio Gourian; os brasileiros Jackson de Figueiredo, Geraldo Van Acker, Urbano Zilles e Alceu amoroso Lima (que adotou o pseudônimo de Tristão de Athayde); o chileno Clarence Finlayson e os colombianos Rafael María Carrasquilla, Manuel José Sierra, José Vicente Castro Silva, Francisco José González, Félix Henao Botero e Francisco Rengifo.

No terreno do neopositivismo sobressaem, no Brasil, as figuras de Pontes de Miranda e Leônidas Hegenberg. Filosofias espiritualistas são formuladas pelo brasileiro Farias Brito e pelo colombiano Luis López de Mesa. O existencialismo heideggeriano inspira, de outro lado, a perspectiva hermenêutica do pensador português, radicado em Brasília, Eudoro de Souza, do brasileiro Vicente Ferreira da Silva, do peruano Wagner de Reyna e do colombiano Carlos Bernardo Gutiérrez.

Os mais importantes historiadores contemporâneos das idéias são os brasileiros Antônio Paim, Luís Washington Vita, Miguel Reale, Armando Correia Pacheco, João Cruz Costa e Jorge Jaime de Souza Mendes; os argentinos Juan Carlos Torchía Estrada e Arturo Andrés Roig; os mexicanos José Gaos, Leopoldo Zea e Antonio Ibargüengoitia Chico; o uruguaio Arturo Ardao; o boliviano Guillermo Francovich; os peruanos Augusto Salazar Bondy e Francisco Miró Quesada; o equatoriano Francisco Olmedo Llorente; os venezuelanos Ernesto Mayz Vallenilla e Angel J. Capelletti e os colombianos René Uribe Ferrer, Cayetano Betancur e Jaime Jaramillo Uribe.

Faltam, no entanto, estudos abrangentes sobre a história do pensamento filosófico na América Latina, terreno no qual vale a pena mencionar três realizações importantes: em primeiro lugar, a clássica obra do espanhol José Ferrater Mora, intitulada: Diccionario de Filosofia,[5] na qual os autores ibéricos e ibero-americanos são estudados no seio da tradição filosófica universal; em segundo lugar, o magno esforço realizado, nos Estados Unidos, a partir de 1986, pelo estudioso de origem espanhola José Luis Gómez Martínez, ao redor do Projeto Ensayo Hispânico[6], que foi desenvolvido, a partir dos anos 80 do século passado, na Universidade de Georgia. Não podemos deixar de mencionar, para terminar, a significativa realização editorial efetivada em língua portuguesa sob a coordenação de Antônio Paim, Francisco da Gama Caeiro e outros pesquisadores da Universidade Católica Portuguesa, na Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia,[7] que analisa o pensamento filosófico dos autores ibéricos e ibero-americanos no contexto da história da cultura ocidental.

NOTAS:
[1]Este trabalho constitui versão ampliada do verbete “Filosofia na América Latina”, que escrevi para a Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia(sob a coordenação de Antônio Paim, Francisco da Gama Caeiro e outros), que foi publicada em Lisboa, pela Editora Verbo, entre 1989 e 1992 (5 volumes).

[2]Cf. REALE, Miguel.  A Filosofia de Kant no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1951. PAIM, Antônio. O estudo do pensamento filosófico brasileiro. 1ª. Edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979.

[3] A perspectiva transcendente (formulada por Platão e sistematizada por Aristóteles) consiste num ponto de vista último do conhecimento, que parte do pressuposto de que a razão humana é capaz de atingir a coisa em si, ou a substância do real. Distingue-se da perspectiva transcendental (formulada por Hume e Kant), que parte do pressuposto de que a razão humana somente tem acesso aos fenômenos, não à substância das coisas. Cf. a respeito, PAIM, Antônio, História das idéias filosóficas no Brasil, 4ª edição, São Paulo: Convívio, 1984, Capítulo I.

[4] GUIZOT, François. Historia de la civilización en Europa.  (Prólogo de José Ortega y Gasset. Tradução ao espanhol de Fernando Vela). 3ª edição em espanhol. Madrid: Alianza Editorial, 1990.

[5]FERRATER Mora, José. Diccionario de Filosofía. Madrid: Alianza Editorial, várias edições, 4 volumes.

[6]As pesquisas feitas pela equipe internacional de estudiosos do pensamento ibérico e ibero-americano aparecem no Portal do Projeto “Ensayo Hispánico”, no seguinte endereço: WWW.ensayistas.org.


[7]PAIM, Antônio; CAEIRO, Francisco da Gama; CHORÃO, João Bigotte et alii. Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa/São Paulo: Editora Verbo, 1989-1992, 5 volumes.