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quarta-feira, 25 de março de 2020

O Impacto geopolítico do coronavirus - Rubens Barbosa

O IMPACTO GEOPOLÍTICO DO CORONAVIRUS

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 24/03/2020

            A epidemia do coronavirus – a pior dos últimos cem anos – terá profundas consequências sobre um mundo globalizado, sem lideranças alinhadas e pouco solidários entre si. O impacto econômico e social vai ser profundo, com o  custo recaindo nos mais pobres, fracos e idosos e em países menos preparados e desenvolvidos.
            Os efeitos sobre os países e sobre a economia global estão sendo sentidos e deverão se agravar antes de melhorar.
            Como a geopolítica global poderá ficar afetada pela epidemia? O que poderá mudar no cenário global?
            Duas observações iniciais. A crise atual mostrou que as fronteiras nacionais desapareceram com as facilidades do transporte aéreo e o imediatismo das comunicações. E que as políticas econômicas domésticas estão intimamente influenciadas pelo que ocorre no resto do mundo. Nenhum pais ou continente é uma ilha. Por outro lado, a extensão e a repercussão da crise, em larga medida, deriva do peso da China na economia global. No inicio da década, quando ocorreu a SARS, o pais representava 4% da economia global, hoje representa 17%. A China é a segunda economia mundial, o maior importador e exportador do mundo e, para culminar, se transformou em um centro de suprimento de produtos industriais para as cadeias globais de valor.  
            Quais as consequências na relação entre os EUA e a China, as duas superpotências atuais? Nos últimos anos, cresceu a competição entre os dois países pela hegemonia global no século XXI. Os EUA, ao se isolarem e ampliarem ações confrontacionistas, protecionistas, nacionalistas e xenófobas, dificultam a interdependência entre os países como ocorre com a globalização. Enquanto os EUA apontam a China como adversária estratégica e criticam o governo pela condução da epidemia (vírus chinês), Beijing, ao invés de fechar as fronteiras como fez Washington, favorece a abertura e a ampliação do comércio externo e manda médicos e equipamentos para a Itália, Espanha e Brasil a fim de ajudar a combater o coronavirus. A guerra fria econômica, a nova fase da confrontação, evidencia-se pela iniciativa chinesa da Rota da Seda, pela competição nas redes 5G, e por conflitos sobre propriedade intelectual e inovações tecnológicas. A pandemia poderá também ter um efeito relevante no cenário interno dos dois países com consequências geopolíticas. Xi Jim Ping disse que caso a epidemia se prolongasse haveria o risco de estabilidade econômica e social no país. A maneira como, de início, Trump conduziu a crise epidêmica em seu país foi muito criticada e sua popularidade caiu. As prévias do partido Democrata veem definindo Joe Biden como o candidato contra Trump com o apoio do centro moderado. Caso essa tendência se firme, pela primeira vez seria possível pensar numa derrota do atual presidente. O resultado da eleição em novembro poderá ter efeitos importantes sobre a geopolítica global caso haja uma mudança da atitude do governo de Washington em relação ao mundo.
            Outra questão é como países e empresas reagirão para reduzir sua dependência do mercado e da produção de partes e componentes chineses nas cadeias produtivas. A tendência poderá ser uma gradual redução dessa dependência e alguns países mais preparados e organizados, como o Vietnã e alguns outros países asiáticos, poderão sair ganhando com investimentos para substituir a China. A médio prazo, a projeção externa das grandes economias vai depender de sua base produtiva nacional e de sua competitividade.
A estabilidade politica e econômica global poderá ser significativamente afetada pela vigilância biométrica, que poderá vir a ser implantada para evitar epidemias futuras. A preocupação com a saúde poderá levar à invasão da privacidade, com possíveis reflexos em políticas totalitárias. Quanto à dramática queda do crescimento dos EUA e da China, as projeções apontam para uma redução nos EUA de 4% no primeiro trimestre e 14% no segundo. Para a China, as estimativas de crescimento não são maiores de 3,5% para 2020. Caso os EUA entrem em recessão e as projeções sobre a China se confirmem, não se pode afastar a possibilidade de recessão e, no pior cenário, de uma depressão, talvez mais dramática do que a de 1929, por não ficar limitada ao setor financeiro. Como os países emergentes, produtores agrícolas, sairão de um cenário tão dramático como esse?
            A Europa está debilitada pela saída do Reino Unido e viu a situação humanitária, social e econômica agravada pela crise em alguns países, como a Itália e a Espanha. Em um cenário dramático como o atual, é possível prever que o continente sairá com seu poder relativo diminuído.
            O Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, terá que se ajustar rapidamente à nova geopolítica global, sob pena de perder mais uma vez a oportunidade de projetar-se como uma potência média em ascensão.
            Em outros momentos da história, movimentos tectônicos transformaram o equilíbrio de poder entre as nações e os rumos da economia. O mundo  pós-coronavirus deverá emergir com novas prioridades e com um novo cenário  geopolítico, com a Asia – em especial a China –melhor posicionada para ocupar um crescente espaço politico e econômico.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

quinta-feira, 19 de março de 2020

Consequências geopolíticas da pandemia Covid-19 - Paulo Roberto de Almeida

Consequências geopolíticas da pandemia Covid-19

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: debate público; finalidade: esclarecimento pessoal]


Grandes mudanças nos equilíbrios econômicos e políticos em escala global costumam ocorrer em consequência de eventos ou processos de grande impacto nacional e mundial: desastres naturais – catástrofes da natureza, epidemias, justamente – e, mais frequentemente, guerras civis e revoluções (domésticas) e guerras entre Estados. Estas são mudanças que podem ocorrer em curto ou médio prazo, e podem ajudar, ou postergar, mudanças “naturais” que já vinham ocorrendo mais gradualmente, sob o peso da demografia, dos grandes deslocamentos de populações – invasões “bárbaras” no Ocidente entre a Antiguidade e a Idade Média, por exemplo – e, mais frequentemente, como resultado de avanços materiais e progressos tecnológicos, que alteram, gradual ou repentinamente, os modos de produção e de intercâmbio entre sociedades e regiões inteiras: disseminação de novas culturas e criações (intercâmbio de espécies nos grandes espaços abertos, como descrito por Jared Diamond em seu clássico Armas, Germes e Aço), invenções práticas (arado, contabilidade de partida dobrada, caravelas, revolução científica, máquinas a vapor, motor a explosão, válvulas, transistores, etc.) e novidades nos meios de intercâmbio (moeda, lettera di cambio na Idade Média, bill of exchange telegráfico no século XIX, transações financeiras instantâneas na era contemporânea). Dentre as grandes calamidades epidêmicas, permanecem paradigmáticas, na história da humanidade, a Peste Negra na Europa do século XIV – que, contraditoriamente, representou um crescimento da produtividade econômica, ao diminuir a população total – e a “Gripe espanhola”, em 1918-19, que pode ter vitimado entre 50 e 100 milhões de pessoas.
Existem outras mudanças, de natureza contingente ou conjuntural, que também podem alterar profundamente as relações entre Estados, impérios, nações, tanto quanto a evolução interna das sociedades, ações que são o resultado de decisões de dirigentes, atuando sob o impacto de paixões momentâneas, cálculos estratégicos ou pressão das circunstâncias: guerra de Troia, queda de Roma imperial, expansão árabe do islamismo e cruzadas vindas da Europa cristã, invasão mongol do império Song, guerras entre impérios bizantino e persa, invasão otomana do Império Romano do Oriente e nas franjas balcânicas da Europa e na África do norte, e, finalmente, expansão europeia a partir dos Descobrimentos e consequente dominação ocidental sobre o resto do mundo pelos cinco séculos seguintes (até a Segunda Guerra Mundial pelo menos). Acredito que se possa colocar entre essas mudanças de tipo contingente a decisão de um novo Secretário-Geral do PCUS da União Soviética de não continuar preservando as estruturas atrasadas do planejamento centralizado e o duro regime de censura autocrática do Partido. A implosão subsequente do socialismo na Europa foi a “grande transformação” na política e na economia global desde a Grande Guerra, da qual tinha justamente emergido a contestação bolchevique à economia capitalista e às democracias de mercado. Estas são as grandes mudanças de impacto monumental nos últimos três mil anos (desde a guerra de Troia, tão mítica quanto possa ser), ou desde os impérios romanos (república e império) e chineses (várias dinastias sucessivas), até o século XX.
Ao lado dessas mudanças “objetivas”, existem as grandes mudanças “imperiais” que resultam de choques entre pretensões hegemônicas concorrentes, em diversas regiões: no caso da Europa, o chamado “equilíbrio de potências” do final do século XIX foi precedido de guerras devastadoras entre os impérios britânico, francês, dos Habsburgos, dos czares e muitos outros. A Revolução francesa de 1789 – independentemente do fato objetivo que ela atrasou relativamente o capitalismo na França, segundo Hobsbawm, quando a Grã-Bretanha surfava praticamente sozinha na onda da primeira revolução industrial – representou, em seus muitos episódios e desdobramentos – sob o Diretório, Consulado e Império napoleônico –, a maior alteração conhecida até então naquela ponta da Eurásia: guerras napoleônicas, com o fim do Império Romano Germânico, da Liga Hanseática, impacto nas dinastias da península ibérica e, a partir daí, nas suas colônias do Novo Mundo, que caminharam uma a uma para a independência política, depois das treze colônias da América do Norte pouco antes.
A segunda revolução industrial sinalizou o processo que os economistas historiadores chamam de “Grande Divergência”, ou seja, o aprofundamento da distância entre as nações industrialmente avançadas e as dependências coloniais e nações periféricas que preservaram essa status praticamente até a contemporaneidade; apenas recentemente, a partir da terceira onda da globalização (desde os anos 1980), o processo se encaminha para uma Convergência que atinge mais decisivamente os novos países industriais que se inseriram nas grandes cadeias de valor da nova interdependência global. Mas, o evento ainda mais decisivo para uma alteração radical nas relações interimperiais e entre grandes economias foi representado pela Grande Guerra (1914-1918), que modificou profundamente não apenas a geopolítica do mundo contemporânea, mas também as bases de funcionamento da economia global. Ao lado das demais mudanças políticas – fim de impérios: alemão, austríaco, russo, otomano; criação de novos Estados, no quadro dos princípios wilsonianos das negociações de 1919 –, o que repercutiu gravemente pelo resto do século foi a intervenção estatal na vida econômica, com toda a panóplia do regulacionismo intrusivo e da assunção pelo Estado de inúmeros setores de interesse público: não apenas energia, transportes e comunicações, mas também indústrias ditas “estratégicas”.
O multilateralismo nascente, na Liga das Nações, não foi capaz de evitar o crescente apelo ao nacionalismo econômico, ao protecionismo, às políticas de “beggar-thy-neighbour” (empurre a crise para o seu vizinho). Foi o que justamente ocorreu a partir da crise da bolsa de Nova York, em outubro de 1929 (aprovação de novas tarifas americanas, em 1930), mas sobretudo a partir da quebra de bancos em 1931, que precipitou o mundo numa nova e gigantesca crise: fim da conversibilidade, restrições quantitativas, desvalorizações agressivas e, enfim, a Grande Depressão que se arrastou praticamente até a Segunda Guerra Mundial. Esta precipita movimentos que já tinham começado na Grande Guerra: erosão paulatina dos grandes impérios europeus e emergência de duas grandes potências antagônicas, que vão marcar os quarenta anos seguintes de Guerra Fria, sob o signo do terror nuclear e da oposição irredutível entre o mundo socialista e o capitalista, com um Terceiro Mundo espremido entre os dois. A grande divisão geopolítica do mundo, resumida nas obras clássicas de John Lewis Gaddis, nunca representou, na verdade, um congelamento do poder mundial, pois que outras potências, grandes e médias, continuaram emergindo e alterando gradualmente o verdadeiro nervo central dos equilíbrios mundiais, o poder econômico, os novos “Estados comerciais”, na caracterização de Richard Rosencrance (Trading State; mais aplicável a Japão, Alemanha e outros).
A ordem econômica multilateral de Bretton Woods seguiu uma trajetória de sucesso a partir do segundo pós-guerra, com percalços eventuais, sobretudo representado pela quebra do padrão ouro-dólar (1971-73) e suas crises habituais absolutamente “normais”: do petróleo (1973-79), da dívida externa dos países emergentes (1982-90), das crises financeiras dos países asiáticos e da Rússia (1997-98), com seus efeitos no resto do mundo. A crise de 2008-09, precedida da bolha imobiliária e das instituições financeiras (2007-08), esteve mais centrada nos próprios países avançados, num momento em que a China já despontava como a segunda grande potência econômica mundial, ao lado dos velhos parceiros-inimigos do CSNU, que são também as potências nucleares “autorizadas”.
Cabe agora contemplar o cenário atual, absolutamente inovador por causa da irrupção da pandemia do Covid-19, cuja “globalidade” deve provocar imensos efeitos econômicos em todo o mundo e também mudanças geopolíticas no momento imprevisíveis, mas que podem confirmar certas tendências já presentes na fase pós-Guerra Fria. Nos 30 anos seguintes, o mundo parecia se encaminhar para um cenário de “convivência pacífica” entre grandes contendores econômicos, comerciais e tecnológicos, ou seja, a substituição da antiga Guerra Fria geopolítica da era nuclear para uma nova Guerra Fria Econômica, que teria tudo para se desenvolver de modo relativamente harmônico, não fossem as novas tendências surgidas a partir do relativo declínio das antigas potências industriais do século XX. Observadores otimistas – como Niall Ferguson, por exemplo – chegaram a cunhar o termo de “Chimerica”, que seria uma espécie de osmose entre as duas grandes economias planetárias, absolutamente complementares entre si, e que poderiam, se animadas pelos princípios cooperativos do multilateralismo econômico – Gatt-OMC, instituições de Bretton Woods, Ocde, etc. – contribuir para uma nova fase de prosperidade universalmente partilhada por países ricos, emergentes e em desenvolvimento, assim como ocorreu nas “trinta gloriosas”, as três décadas de crescimento contínuo no pós-Segunda Guerra, mas que beneficiaram mais os países avançados do que os socialistas (et pour cause) ou os países “subdesenvolvidos”.
Infelizmente essa perspectiva de um reforço na interdependência global não se materializou, em virtude da introversão dos países ricos, em especial os EUA, no novo protecionismo comercial (mais padrões do que tarifas), no nacionalismo xenofóbico, nas políticas tendentes a preservar suas estruturas industriais já condenadas desde o declínio da segunda revolução industrial. Depois da fase otimista da “globalização”, o mundo caminhou para uma “desglobalização” moderada, até a irrupção catastrófica do Covid-19 a partir do final de 2019, mas que só revelou toda a sua extensão nos primeiros meses de 2020. O que pode ocorrer a partir de agora, em termos de impacto na economia global, no emprego e na renda de centenas de milhões de pessoas, na política de diferentes regimes ao redor do mundo, é propriamente imprevisível, mas algumas tendências poderiam ser sinalizadas.
Não há por que subestimar o impacto amplamente catastrófico da pandemia atual, em termos humanos, sociais e econômicos, mas existem, igualmente, consequências geopolíticas do Covid-19, com incidência progressiva ou continuada em termos de mudanças no cenário global, principalmente quanto aos papeis globais dos EUA e da China. Esta vem sendo acusada de responsável pela disseminação do elemento vetor, que se converteu na maior pandemia conhecida na história da humanidade, com capacidade de superar, talvez, em incidência, a chamada “gripe espanhola”, ainda que não dotada, provavelmente, da mesma letalidade que o influenza de cem anos atrás. No plano estritamente técnico, cabe registrar que o regime autoritário chinês pode, sim, ser acusado de ter postergado as primeiras reações ao novo vírus em sua província central, mas, uma vez aferida a seriedade e gravidade desse desafio, atuou prontamente, em bases científicas e em total cooperação com a OMS, para lutar contra seus efeitos mais nefastos em seu próprio território e em direção dos demais países. A hostilização ideológica da ditadura chinesa não contribui em praticamente nada para o esforço conjunto de combate à pandemia, tanto porque os ensinamentos e lições derivadas do dramático episódio chinês podem servir, e em alguns casos estão sendo, de aprendizado a novos países afetados pelo mesmo mal. A centralização dos esforços e a rápida introdução de medidas coercitivas de isolamento, de controle, prevenção e remissão dos vetores contribuíram, possivelmente, para o virtual corte nas novas fontes de contaminação, sendo que novos casos detectados são todos importados. Ou seja, depois de estar na origem da pandemia, a China passa a oferecer know-how, cooperação técnica, equipamentos e pessoal aos países afetados, com destaque para a Itália e o próprio Brasil.
O que parece relativamente certo é que, sendo a epidemia global, sua reversão não se fará facilmente em bases puramente nacionais ou exclusivamente autocentradas, o que pode dificultar a necessária coordenação e cooperação entre países e organismos internacionais. Aqui se situam as possíveis consequências geopolíticas do Covid-19, e tal perspectiva se situa inteiramente na capacidade de projeção externa das grandes economias do mundo atual, a partir de uma sólida base nacional. Desde os tempos nos quais a Grã-Bretanha se constituiu como o berço e o motor da primeira revolução industrial, não se assistia a uma mudança tão rápida na geopolítica do poder mundial. A Royal Navy exerceu uma preeminência notável sobre quase todos os oceanos no decorrer do século XIX, assim como a libra britânica e a City de Londres se constituíram na base incontornável dos grandes fluxos e circuitos de comércio, de investimentos, de finanças internacionais durante mais de um século, enquanto a Europa ocidental se alçava na liderança do mundo na passagem para a segunda revolução industrial (que também foi a era dos impérios e colonialismo contemporâneo). A Alemanha caminhou rapidamente para estabelecer sua supremacia no continente, e ao fazê-lo, devido à natureza de seu regime político, foi responsável por três guerras – começando pela de 1870, mas se prolongando mais enfaticamente em 1914 e 1939, a “segunda guerra de Trinta Anos” – que justamente destruíram o poderia europeu sobre resto do mundo, abrindo o caminho para a emergência dos dois grandes da era nuclear.
Os Estados Unidos emergiram como a grande potência econômica e tecnológica no bojo da segunda revolução industrial e recuperaram, parcialmente, o papel econômico da Grã-Bretanha no comando da economia mundial no decorrer do século XX. Sua emergência como potência militar se dá apenas no decorrer e após a Segunda Guerra Mundial, mas sua base econômica continuou declinando relativamente, pari passu à emergência de novos competidores: Alemanha, Japão, e desde o início do novo milênio, a China. O fato de a atual liderança política nos EUA estar retrocedendo o país para um tipo semelhante – não similar – de isolacionismo como o conhecido no entre guerras pode acelerar o declínio relativo da potência hegemônica do pós-Guerra Fria, que o historiador Niall Ferguson gostaria que assumisse, como novo Colossus, o papel anteriormente exercido pelo Empire britânico. Este é um fato objetivo, confirmado pelas tendências detectadas no período recente, assim como pelas políticas implementadas no país, ambas coincidentes no retrocesso à introversão.
Mais importante ainda, em termos geopolíticos, são duas outras tendências que podem ser detectadas em dois ambientes paralelos na governança dos grandes impérios, dois típicos símbolos do poder estatal, exemplificados nas figuras que Raymond Aron identificava como os personagens centrais desse poder: o soldado e o diplomata. O primeiro, sabe-se desde as lições de Clausewitz, representa a ultima ratio da defesa e da projeção do poder do Estado; o segundo também emerge na mesma época, ou seja, o Congresso de Viena, como o enviado formal e regular para administrar as relações cooperativas, ou seja, amistosas, e não bélicas, entre os países. O diplomata é uma espécie de acadêmico que está a serviço dos governos, ao passo que o soldado é o braço armado do Estado, para ser usado apenas em última instância.
Paradoxalmente, a arrogância imperial faz com que a paranoia normal dos militares – que é necessária por pura coerência com os seus propósitos, de dissuadir e de ameaçar – seja projetada igualmente entre acadêmicos e diplomatas, com o que se constrói um ambiente pouco propenso à construção da interdependência global que deveria abrir uma nova era de prosperidade para o mundo. Ao eleger a China, não como mera concorrente tecnológica ou militar, mas como “adversária estratégica”, os paranoicos do Pentágono podem estar dando início a uma nova corrida armamentista, como já houve tantas no passado – entre Roma e Cartago, entre os impérios centrais que precipitaram a Grande Guerra, entre a URSS e os EUA, na Guerra Fria – e que pode desviar importantes recursos econômicos numa conjuntura de esgotamento dos Tesouros nacionais para cuidar do declínio demográfico e da pressão competitiva dos mercados emergentes. Por outro lado, a adesão de diplomatas e acadêmicos a essa visão confrontacionista do ambiente internacional impede, paralelamente, ou pelo menos retrasa, a integração econômica e cultural do mundo, tal como construída pela globalização microeconômica, aquela conduzida por empresas e indivíduos (em contraposição ao segundo tipo de globalização, a macroeconômica, isto é, aquela administrada por governos e entidades internacionais, e que pode ser, na verdade, uma antiglobalização).
Tal como eu vejo o atual cenário mundial no plano geopolítico, creio que as atuais tendências e políticas nacionalistas em ação em importantes países do Ocidente – uma manifestação que vem sendo identificada com o paranoico fenômeno do antiglobalismo – farão retroceder a interdependência global, mas elas serão tanto mais prejudiciais às economias nacionais quanto mais seus dirigentes adotarem o recurso ao nacionalismo protecionista. Na outra vertente do mundo, defendendo resolutamente a globalização, o livre comércio, a abertura aos investimentos – ainda que fazendo um uso malicioso das regras multilaterais que eventualmente regulem essas áreas, e recorrendo também a práticas desleais nos mercados globais –, situa-se a China atual, lançada com ardor na nova interdependência, embora agora temporariamente afetada pelo seu terrível surto epidêmico (em remissão). Como interpreto o curso da atual Guerra Fria Econômica em curso no mundo – com suas evidências tópicas simbolizadas pelo Belt and Road, 5G, conflitos em termos de propriedade intelectual de inovações tecnológicas, práticas desleais de comércio, etc. – aplicando, como se deve, justamente os critérios de tendências e políticas, acredito que a China já emergiu dessa “guerra” como a vencedora indiscutível nesse processo, uma vez que ela apresenta tendências e políticas coincidentes e conducentes com os requerimentos da globalização no seu presente estágio de desenvolvimento. A pandemia pode frear moderadamente o ritmo desse processo, mas assim como a Europa emergiu mais forte e mais produtiva da sua terrível experiência com a Peste Negra, acredito que a China emergirá mais capacitada, mais bem dotada de know-how, experiência e conhecimento, ou seja, melhor preparada para enfrentar eventuais choques entre impérios, fricções normais no longo caminhar do processo histórico.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 março 2020.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A nova geopolitica nas Americas - Rubens Barbosa (OESP)

A nova geopolítica nas Américas

Uma das dez maiores economias, o Brasil deve fazer política de sua 

circunstância geográfica


RUBENS BARBOSA*, O Estado de S.Paulo 
11 Dezembro 2018 | 03h00 

O pensamento mais moderno da geopolítica mostra a crescente importância do regionalismo, como evidenciado pelos acordos de integração na Europa, na América do Norte, na Ásia e agora na África. 
O continente americano passa por significativas transformações políticas e econômicas, que terão consequências na geopolítica regional. O governo de esquerda do México e as incertezas nas relações com o vizinho EUA, o governo de direita no Brasil e seus efeitos sobre o entorno geográfico, o novo governo de Cuba, a deterioração das instáveis Venezuela e Nicarágua, as dificuldades econômicas na Argentina, a persistente baixa prioridade da região para a política externa dos EUA são alguns dos principais elementos de uma gradual transformação das relações políticas, econômicas e comerciais entre os países das Américas e com o resto do mundo. Na América do Sul, a partir da década de 1990 oito dos dez países elegeram governos de centro-esquerda e de esquerda. Em 2019 oito dos dez países serão governados por presidentes de direita ou centro-direita. Ao mesmo tempo, em função do vazio criado pela baixa influência política e reduzida presença comercial dos EUA, além da falta de uma visão estratégica e de ações proativas da parte do Brasil, cresceu a presença da China e da Rússia. Agora até a Turquia amplia também sua atuação, a partir da Venezuela. 
No que toca ao Brasil, declarações do presidente eleito de que as relações com os EUA ganharão prioridade e de Eduardo Bolsonaro de que o Brasil está pronto para trabalhar com os EUA em todas as frentes, não por alinhamento automático, mas por convicção de que há grande convergência entre os objetivos e a visão de mundo das duas nações, abrem caminho para uma relação claramente afirmativa. O ministro das Relações Exteriores designado, Ernesto Araújo, diz que o céu é olimite na relação bilateral e que temos de pensar grande para dar um salto qualitativo na aproximação com Washington, o que permitirá fazermos coisas que seriam impensáveis, que se espera sejam mutuamente benéficas. 
Como desdobramento dessa nova realidade, não será surpresa se os EUA responderem positivamente aos acenas de aproximação de Brasília com Washington. Alto funcionário da administração Trump declarou que “há um esforço consciente do governo americano, vindo do topo da hierarquia, para uma aproximação com o Brasil”. A percepção é de que a eleição de Jair Bolsonaro traz alguém disposto a ser parceiro. A região não representa nenhuma ameaça à segurança nacional dos EUA. As questões de imigração, do tráfico de drogas e a trinca da tirania trumpiana (Venezuela, Nicarágua e Cuba) não chegam a tirar o sono dos formuladores da política externa e de defesa em Washington. Segurança, prosperidade e democracia são objetivos norte-americanos na região. Nos últimos dez anos os EUA foram excluídos das novas instituições que têm por atribuição acompanhar as relações entre os países da região, como a Unasul e a Celac, com todas as implicações políticas e diplomáticas que isso está acarretando. Washington pode perguntar como o Brasil e os EUA poderiam trabalhar juntos para tentar resolver algumas questões de interesse geral no relacionamento entre os paíes da região. 

Tendo sido embaixador nos EUA por quase cinco anos, seguindo orientação dos governos FHC e no primeiro mandato de Lula, procurei desenvolver ações que resultassem em maior aproximação entre os dois países. Em termos de comércio, de investimentos e mesmo no cenário internacional, o Brasil só teria a ganhar com uma relação mais próxima da única superpotência global. A condição para tanto será definir muito claramente nossos objetivos e nossa agenda nos entendimentos bilaterais. As assimetrias em todos os setores entre o Brasil e os EUA tornam difícil aceitar que os objetivos globais e a visão de mundo das duas nações sejam comuns, especialmente com as políticas norte-americanas em relação à China, à Síria e ao conflito Israel-palestinos, por exemplo. As prioridades regionais, sim, são coincidentes. 

A nova geopolítica na região oferece uma oportunidade única – que não existiu para os governos anteriores – de o Brasil, a partir da definição de seus interesses, acima de países, grupos, partidos e ideologias, desenvolver uma relação sem alinhamentos automáticos com os EUA. Interessa ao Brasil o encaminhamento de uma solução negociada para o restabelecimento da democracia e da estabilidade econômica que traga de volta o crescimento e a pacificação política na Venezuela. Interessa ao Brasil a ampliação do mercado regional, que em 2019 deve constituir-se num área de livre-comércio. A ação do Brasil para a consolidação da democracia, de defesa e de segurança poderia ser complementada com o melhor aproveitamento dos recursos financeiros do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics para projetos de integração física na América do Sul, o que propiciaria o aumento do intercâmbio comercial de todos os países da região. 

Uma das dez maiores economias do mundo, o Brasil deve fazer política de sua circunstância geográfica. Com uma estratégia externa, anunciada como mais assertiva e com objetivos claramente definidos, a cooperação franca e direta entre Washington e Brasília poderá ampliar as oportunidades bilaterais de comércio e de investimentos e projetar o Brasil como o verdadeiro motor da região. Com isso, a voz do País no cenário internacional ficará reforçada e poderá abrir a possibilidade de maior presença brasileira nos foros multilaterais, inclusive na reforma do ONU, quando o assunto voltar a ser tratado seriamente. 

Se as reformas estruturais, como a da Previdência Social, a tributária e a do Estado, forem aprovadas, a rápida recuperação da economia brasileira poderá respaldar iniciativas mais ousadas na política externa do País que levarão ao fortalecimento do regionalismo. 
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

sábado, 5 de agosto de 2017

Geopolitica nas relacoes internacionais - Shiguenoli Miyamoto

Um texto essencial, para todos os interessados no tema:

Geopolitica Ciencia Politica e Relações Internacionais

ArticleinActa geographica 2014:11-32 · January 2014
Neste link: https://www.researchgate.net/publication/269871417_Geopolitica_Ciencia_Politica_e_Relacoes_Internacionais

All content was uploaded by Shiguenoli Miyamoto on Jul 03, 2017