Não estou de acordo com tudo o que escreve ou defende Dani Rodrik, considerado um excelente economista, e que agora vai ser premiado com o galardão espanhol Princesa de Astúrias, que vai receber em 16 de outubro em Oviedo, na Galícia.
Não estou de acordo, por exemplo, com esse conceito de hiperglobalização, como se os economistas tivessem o direito de criar um conceito e achar que ele representa a realidade. Isso se chama arrogância intelectual, ou seja, achar que a sua visão da realidade é a mais perfeita, a adequada, a correta, ou a única possível.
Quais são os critérios para achar que a globalização, que é um processo praticamente natural das economias de mercado – mas que pode, sim, ser retrasada ou estimulada por medidas de governos e de entidades internacionais –, estava derivando para isso que ele chama de "hiperglobalização", que seria, supostamente, uma globalização desenfreada, sem controles, sem critério, em face da qual os países, os governos, as empresas apenas poderiam se render, se entregar, sem fazer nada.
Isso não é verdade. As rodadas multilaterais de comércio NUNCA representaram exageros da globalização, ou da liberalização do comércio, que sempre foi limitada pela vontade dos governos, que sempre atuaram por pressão dos lobbies industriais, comerciais, financeiros, de agricultores, etc.
Ele diz não se surpreender em que essa coisa que ele inventou - out of the blue, ou seja do seu cérebro –, a hiperglobalização, esteja vindo abaixo, quando o que existe é uma pandemia, um desses cisnes negros que ninguém poderia prever. Se não houvesse isso, a globalização, seja hiper, seja normal, seja mini, continuaria igual, florescendo em alguns países, sendo reprimida em outros (como o Brasil, por exemplo), que não participa de qualquer cadeia de valor significativa (por protecionismo e stalinismo industrial), por decisão de seus dirigentes e por pressão dos lobbies industriais, mesmo os estrangeiros, que já estão aqui instalados há muito tempo (o setor automotivo, por exemplo, é "industria infante" há pelo menos setenta anos).
Vejamos o que ele diz:
"Não voltaremos à era de hiperglobalização dos anos 2000. Haverá mais regionalização no comércio e um uso muito mais ativo de políticas públicas, como a industrialização. E mais tensões em áreas tecnológicas, onde as nações tratarão de construir muros em torno de seus sistemas de inovação. Mas não estamos falando do desmoronamento do comércio global. Não voltaremos para os anos 1930 do século passado."
Ele está descrevendo "REAÇÕES", ou refletindo a realidade, não fazendo obra de economista; essa apregoada "regionalização" do comércio pode ocorrer como pode não ocorrer, e isso não depende nem dele, nem por vezes da vontade dos países, mas das decisões das empresas. São elas que impulsionam a globalização, mas nem sempre podem fazê-lo segundo sua vontade, mas segundo disposições existentes no plano nacional e no dos acordos comerciais bilaterais, plurilaterais ou multilaterais existentes, e sabemos que esses podem ser mais ou menos propensos a maior ou menor abertura e interdependência.
Na verdade, empresas são como indivíduos: querem tudo de bom, e rejeitam o que não é bom. Elas rejeitam a concorrência e adoram monopólios, uma situação em que só elas ganham, por isso querem abertura nos outros países, mas se puderem fechar os seus mercados nacionais o fariam sem qualquer constrangimento.
Achar que "políticas industriais" decididas por burocratas, por políticos, ou induzidas por lobbies setoriais são superiores ao livre jogo do mercado é outra ilusão que não me parece digna de um economista.
Como sempre, eu sou um cético sadio. Acho que os economistas devem fazer o seu trabalho decentemente, traçar os efeitos de determinadas políticas em termos de bem estar, mas não devem achar que suas preferências pessoais, por um mundo mais "solidário", mais socialdemocrático, mais distributivistas sejam melhores do que um mundo puramente anárquico, ao sabor dos mercados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21 de junho de 2020
EL PAÍS
Crise global e globalização
“A pandemia funciona como uma lupa que amplifica as tensões econômicas já existentes”, diz o economista turco Dani Rodrik, professor da Universidade de Harvard. Nesta entrevista ao El País, ele fala sobre o futuro da globalização após a pandemia, uma crise que explicitou a importância da articulação global ao mesmo tempo em que promoveu o fechamento de fronteiras e deixou clara a necessidade de uma indústria nacional saudável. Para Rodrik, os sinais de que a hiperglobalização não era sustentável já existiam há muito tempo. “A grande pergunta agora é se criaremos uma globalização mais saudável e inclusiva ou avançaremos para o unilateralismo de Trump, com políticas insensatas que não beneficiam nem ao país que as promove nem aos seus sócios.” O economista acha que a solução passa por enxergar a globalização como oportunidade de “construir em torno de bens públicos, como evitar a mudança climática ou lidar com as pandemias”, dedicando menos interesse a temas como o comércio internacional e fluxos de capital. “Vamos nos afastando dessa ideia de que cada país devia se adaptar à economia internacional. E devemos entender que é justamente o contrário: que a economia internacional deve servir aos objetivos de cada país.” >>
Pandemia do Coronavirus
Dani Rodrik, economista: “Esta crise nos ensina que nossas prioridades estavam equivocadas”
Professor em Harvard diz que a pandemia amplificou as tensões econômicas já existentes e afirma que autocratas como Bolsonaro e Trump têm respondido pior ao momento.
Luiz Doncel
El País, 17 junho 2020
Dani Rodrik passeava com seu cachorro na manhã de quinta-feira passada quando deu uma olhada na sua conta do Twitter. Foi então que soube que havia ganhado o Prêmio Princesa de Astúrias de Ciências Sociais de 2020, um dos mais importantes da Espanha. A esse economista turco-norte-americano, um dos mais influentes da atualidade, não lhe escapa a ironia de ser premiado por seus estudos sobre a globalização justamente quando este fenômeno recebeu o golpe mais duro de sua história. A pandemia do coronavírus, afirma ele no seu gabinete da Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade Harvard, funciona como uma espécie de lupa que amplifica todas as tensões latentes na economia durante décadas.
“Não me surpreende que a hiperglobalização esteja vindo abaixo. Faz anos que digo que não é sustentável. A grande pergunta agora é se criaremos uma globalização mais saudável e inclusiva ou avançaremos para o unilateralismo de Trump, com políticas insensatas que não beneficiam nem ao país que as promove nem aos seus sócios”, diz ao EL PAÍS, por videoconferência, esse professor que é presença habitual nos bolões de aposta do Nobel. Para ele, tanto Trump quanto Jair Bolsonaro são líderes populistas que se gabam de ter todas as respostas, algo que esta crise contribuiu para desmentir. “Não me surpreende que autocratas como Bolsonaro, Trump ou até certo ponto Boris Johnson estejam respondendo pior à crise do coronavírus” , diz (leia mais no quadro abaixo).
Foi sua primeira entrevista desde que foi anunciado como ganhador do prêmio que —se a pandemia não impedir— receberá em 16 de outubro em Oviedo, no norte da Espanha.
Resposta. Os sinais de que a globalização se desfazia eram evidentes antes de Trump. Mas sua chegada à Casa Branca exacerbou essas tensões. Não voltaremos à era de hiperglobalização dos anos 2000. Haverá mais regionalização no comércio e um uso muito mais ativo de políticas públicas, como a industrialização. E mais tensões em áreas tecnológicas, onde as nações tratarão de construir muros em torno de seus sistemas de inovação. Mas não estamos falando do desmoronamento do comércio global. Não voltaremos para os anos 1930 do século passado.
P. Não estamos então perante o ocaso da globalização.
R. A hiperglobalização era um estado mental. Vamos nos afastando dessa ideia de que cada país devia se adaptar à economia internacional. E devemos entender que é justamente o contrário: que a economia internacional deve servir aos objetivos de cada país.
P. Que parte desta mudança pode ser atribuída a esta crise?
P. Que lições devemos extrair desta crise?
R. Ela nos ensina como nossas prioridades estiveram equivocadas nas últimas quatro décadas. Quanto trabalhamos para ter mais globalização econômica, como investimos pouco em assegurar os bens necessários para a saúde pública. Se tivéssemos dado a mesma importância à Organização Mundial da Saúde que à OCDE ou ao FMI, teríamos nos saído melhor. A crise é um aviso de que a melhor globalização seria a que se construísse em torno de bens públicos, como evitar a mudança climática ou lidar com as pandemias no âmbito da saúde pública. E não ter dedicado tanto interesse a assuntos como liberalizar o comércio ou os fluxos internacionais de capital.
P. É também um chamado de atenção a seus colegas, aos quais você critica pela obsessão com os modelos matemáticos?
R. Não acredito que o problema seja usar a matemática, que é apenas uma forma de garantir que não nos enganamos. Mas ela é um problema se fizer que deixemos de nos fazer as perguntas fundamentais. Um bom efeito da crise é que empurra os economistas a nos fazermos essas perguntas importantes. Vemos isso na quantidade de pesquisa acadêmica que está sendo publicada. Acredito que os economistas estejam respondendo ao desafio.
P. Você falou da boa saúde do Estado-nação. Ele sairá fortalecido desta crise? Está de volta? Ou será que na realidade, apesar do declínio tantas vezes prognosticado, nunca foi embora?
R. Sim, a decadência do Estado-nação ocorreu mais em nossa imaginação que na realidade. Quando havia uma crise, quem estava lá? Os Governos nacionais. Mas agora é muito mais evidente. Chama a atenção o papel da política industrial, que parecia ter desaparecido. Os países na verdade se ocupavam dela, mas era algo do que não se falava. E agora tanto nos EUA como na UE estas políticas voltam com muita força. Porque é preciso competir com a China, mas também porque é preciso assegurar a produção para cobrir, por exemplo, as necessidades sanitárias. É uma mudança muito importante na narrativa.
P. Você foi muito crítico com a gestão europeia da crise anterior. Mas o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e os Governos nacionais agiram agora com mais rapidez e decisão. Vemos finalmente uma resposta comum à crise?
R. É certo que desta vez foi mais rápida e efetiva, em parte graças à experiência da crise anterior. O fundo de recuperação proposto pela Comissão Europeia é um passo importante. E parece que a ideia de mutualizar a dívida se infiltra na UE. Resta ver se será um primeiro passo em um processo que leve a uma união fiscal e política ou uma resposta única a esta crise. Mas que a França e Alemanha tenham chegado a um acordo e que a Alemanha tenha aceitado o fundo é ótimo sinal. Isso não aconteceu há 12 anos.
P. Isto o deixa mais otimista com o futuro do euro?
R. Honestamente, não sei. A Europa deve escolher entre uma união fiscal e política real, ou recuar em sua integração. Essa é a opção em longo prazo. A única forma de superar feridas como o Brexit é criar uma comunidade política transnacional onde as pessoas se sintam representadas. É um caminho longo, mas será preciso decidir se se deseja trilhá-lo. Se não, temo que o Brexit será o primeiro passo em um processo de desintegração econômica. Se não se avançar por esse caminho, a união não poderá se manter em sua forma atual.
P. Ao falar de seu famoso trilema, segundo o qual os países têm que escolher dois destes elementos: democracia, hiperglobalização e soberania nacional, você diz que em nenhum lugar isso é tão verdadeiro como a Europa. A qual destas pernas a Europa poderia renunciar?
R. Sempre fui a favor da integração política na Europa. Mas estou consciente de que esse caminho é mais difícil depois das decisões tomadas na crise do euro. Em lugar de ser abordada como uma oportunidade para construir instituições melhores, uns puseram a culpa nos outros, numa história de esforçados trabalhadores alemães frente a gregos indolentes e endividados. Isso inflamou as tensões nacionais e deu força aos populistas. A reposta a essa crise fez que a integração política agora seja mais difícil. O fundo de 750 bilhões [de euros; 4,37 trilhões de reais] tem como mudar isso? Tenho alguma esperança de que haverá a solidariedade de que a Europa necessita para avançar na integração política. Anima-me que a Alemanha tenha aderido. Estou mais otimista, mas ainda há muitas dúvidas.
P. A desindustrialização afeta a países como a Espanha, que assiste ao fechamento de importantes fábricas. E a crise atual agravará esse processo. Que respostas os Governos podem dar?
R. É muito difícil aumentar o emprego na indústria. Talvez seja impossível. Os empregos de qualidade que queremos não virão da indústria, e sim dos serviços. Para um país como a Espanha, virá do turismo, das finanças, da educação, da saúde… Será preciso pôr em marcha regulações que permitam ao mesmo tempo aumentar a produtividade e o emprego de qualidade.
“OS AUTOCRATAS COMO TRUMP RESPONDEM PIOR À PANDEMIA”
Dani Rodrik concorda quando Estados Unidos e Brasil são mencionados entre os países mais afetados pela pandemia. Tanto Donald Trump como Jair Bolsonaro são líderes populistas que se gabam de ter todas as respostas, algo que esta crise contribuiu para desmentir. “Não me surpreende que autocratas como Bolsonaro, Trump ou até certo ponto Boris Johnson estejam respondendo pior à crise do coronavírus”, responde. “Há anos publiquei uma pesquisa em que comparava países com sistemas mais democráticos e liberais com outros onde a classe política tinha maiores tendências populistas e autoritárias. A ideia de que esses regimes respondiam melhor a choques externos ao permitirem que seus líderes tomem decisões rápidas, por não terem que negociar e chegar a acordos, não se sustentava nas análises que fiz sobre crises ocorridas nos anos setenta e oitenta do século passado. Acredito que isto seja assim porque os sistemas mais democráticos usam melhor a informação, porque contam com mecanismos onde todos os setores da sociedade possam apresentar seus pontos de vista”, afirma o economista de origem turca. Ele não esconde sua avaliação negativa sobre líderes como o norte-americano Trump e o turco Recep Tayyip Erdogan, a quem criticou em diversos artigos por suas tendências autoritárias. “São regimes em que só importa a visão de uma pessoa. Nos EUA se viu como Trump desprezou a opinião dos cientistas. E isto é muito mais fácil de fazer em um regime autocrático”, afirma.