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segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Três livros de pernambucanos ilustres: Oliveira Lima, Gilberto Freyre, André Heráclio do Rego, George Cabral de Souza

Em lançamento em Brasília, com a presença dos dois organizadores,  André Heráclio do Rego, George Cabral de Souza

Um grande historiador, um grande antropólogo, três livros que recuperam explicações essenciais de nossa formação histórica. Lançamento em Brasília, na Livraria Travessa, dia 7/12:














sábado, 29 de outubro de 2022

Retomando nossa triste história “republicana” - Paulo Roberto de Almeida

Retomando nossa triste história “republicana”

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre o domínio oligárquico das eleições no Brasil.

 

 

(Mas que não se pense que eu sou monarquista; apenas indiretamente, por ser parlamentarista racional, ou seja, sem qualquer ilusão.)

Este sábado, véspera do 2o. turno mais decisivo dos últimos 130 anos, promete ser o mais desagradável desta campanha, de todas as campanhas da República, talvez desde 1910, quando Rui Barbosa teve de enfrentar a mula fardada do Marechal Hermes da Fonseca. 

A Comissão de Verificação, que era quem decidia as eleições na República velha, já tinha resolvido a questão: Rui não podia ganhar, não podia ser eleito! 

Aliás, nem em 1919 ele foi “autorizado” a ganhar, enfrentando um “adversário” escolhido a dedo pelas oligarquias, que sequer fez campanha e nem no Brasil se encontrava: Epitácio Pessoa foi escolhido pelas oligarquias na morte (por gripe “espanhola”) do presidente eleito quando já estava a caminho das negociações de paz de Paris, nem programa apresentou, enquanto Rui, repetindo 1910, fazia campanha no estilo tradicional, expondo suas ideias ao grande público. Nada disso adiantou: as “elites” já tinham escolhido o seu candidato.

No Brasil atual, as “elites” econômicas também parecem ter escolhido o seu.

As elites intelectuais também fizeram a sua escolha, muito por exclusão da antidemocracia e da desumanidade.

Vamos ver se o Brasil vai voltar para a República velha, ou olhar para a frente.

Por acaso lembro agora da frase de Gilberto Amado: “Na Velha República, as eleições eram falsas, mas a representação era verdadeira.”

Se vivo fosse, hoje, talvez preferisse dizer: “Na Nova República, as eleições são perfeitamente verdadeiras, mas a representação é infelizmente falsa.”

Se a falsidade vencer, abandono a atualidade e retornarei a cuidar dos meus “clássicos revisitados”, de um passado já distante. Sugestões não faltam: Erasmo, Thomas Morus, Montaigne, Swift, Campanella, o patriota Niccolò, Tocqueville e muitos outros…

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4259: 29 outubro 2022, 2 p.


quarta-feira, 30 de março de 2022

Marchas e manifestações ao longo da história brasileira (2014) - Paulo Roberto de Almeida

 Marchas e manifestações ao longo da história brasileira

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

Hartford, 23 de janeiro de 2014

 

 

Ironias à parte – mas totalmente condizente com a contínua erosão registrada nos valores e princípios que guiam a nacionalidade, desde que ela começou a se afirmar de modo relativamente independente dos padrões e cânones estrangeiros, pouco menos de cem anos atrás –, parece que as grandes manifestações públicas também começaram a degenerar para algo incompatível com a grande ideia que nos fazemos da nação. Estou me referindo, obviamente, ao fato sumamente ridículo (para mim, pelo menos) de se estar atualmente discutindo, aparentemente de modo sério, o mais recente avatar de nossa decadência programada, os tais “rolezinhos” em shoppings de cidades brasileiras. Recuso-me a considerar essas manifestações de pura histeria coletiva como símbolo ou fenômeno representativo de qualquer outra coisa que não a mediocridade consumada, o atraso mental metabolizado pela era digital, com todos os incluídos-excluídos sendo apresentados como representantes sociais ou raciais de uma franja da sociedade que pretende frequentar o “mundo dos ricos”, ou pelo menos da classe média bem-posta na vida. O assunto é ridículo o suficiente para dele não tratar, mas isso me recordou (e confirmou) o quanto regredimos no pouco menos de cem anos que nos separa do primeiro aniversário da independência nacional. 

O ano de 1922 ainda guardava os reflexos das campanhas civilistas de Ruy Barbosa durante toda a década anterior, quando ele ainda tinha disputado, por duas vezes, a presidência da República, no que parece ter sido a primeira mobilização consciente da classe média contra a corrupção na política e o péssimo funcionamento do Estado no Brasil. Cem anos depois parece que não avançamos nada, não é mesmo? Ou talvez tenhamos até piorado nesses dois quesitos. 1922 é o ano da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, quando a chamada intelligentsia resolver criar tipos e padrões brasileiros para expressar nossos problemas e percepções, recusando o molde engessado que nos vinha da Europa (os Estados Unidos ainda não estavam na moda, como logo estariam, através principalmente do cinema de Hollywood). Sobrou algo desse espírito?

1922 também é o ano da revolta dos 18 do Forte, já contra a corrupção na política, e que logo iria desembocar em outras manifestações de jovens tenentes pelo Brasil afora, para desdobrar-se, pouco depois, na primeira aventura militar peripatética da nossa história, a coluna Prestes, a grande marcha pelo interior do Brasil por parte de jovens idealistas que queriam reforma a política e a sociedade. Não, a coluna Prestes não foi uma antecessora da Longa Marcha de Mao Tsé-tung, e não tinha nada de socialista ou comunista, como uma releitura enviesada pretendeu interpretá-la, segundo cânones stalinistas de anos posteriores. Foi uma manifestação de liberalismo político, que iria desembocar na revolução de 1930, justamente, que os marxistas pretendem representar como uma “revolução burguesa”, no que eles continuam a estar errados.

Em todo caso, essas primeiras marchas e manifestações de massa tinham um sentido claro: contra o atraso, contra a corrupção das “elites carcomidas”, contra as eleições a “bico de pena”, contra o voto falso, sob o comando do coronel. Não, a revolta comunista de 1935, mais conhecido como Intentona, não foi uma manifestação de massa e tampouco uma marcha, mas apenas uma tentativa de putsch, mal preparado, mal guiado pelos conselheiros soviéticos, e totalmente mal implementado por Prestes e seu punhado de abnegados militares comunistas (nem todos conscientes sobre o que era, realmente, a União Soviética, por trás da propaganda do “mundo novo”, promovido até por intelectuais inteligentes como Caio Prado Júnior, ainda vários anos depois). 

As grandes marchas e manifestações que tivemos, primeiro tímidas, pela entrada do Brasil na guerra e depois pela vitória das democracias contra o nazifascismo, depois mais entusiásticas, pela defesa dos recursos nacionais, entre eles o petróleo, considerado (certa ou erradamente) como a salvação da pátria. Não era, mas sua simbologia poderosa mobilizou milhares de pessoas nas manifestações que culminaram na criação da Petrobras e na decretação do monopólio estatal no setor (seria um grande erro, mas disso só os mais lúcidos se aperceberam no momento e muitos outros mais com o correr dos anos). Tivemos também manifestações em defesa de um ex-ditador demagogo, que pretendeu sair da vida para entrar na História, manipulando uma série de símbolos que permanecem até hoje como símbolos, justamente, do atraso mental nacional: os grandes lucros dos “trustes internacionais”, a “sangria de capitais”, a “cupidez dos investidores estrangeiros”, o saque das nossas “riquezas nacionais” e, sobretudo, a defesa dos mais “humildes”, contra os poderosos, essas “elites” malvadas que impedem o progresso da nação e o bem-estar do povo simples. 

A vassoura de um outro demagogo arrastou multidões, durante a campanha presidencial de 1960, para a total frustração da maioria da população no ano seguinte, ante os gestos tresloucados e as decisões incompreensíveis de um Jânio que não chegou a vinte e quatro quadros, menos de seis meses depois. Depois? Depois foram os anos conturbados de manifestações, protestos, greves e conspirações, de esquerda e de direita, para finalmente desembocar no golpe militar de 1964, que seus próprios atores pretendem chamar de revolução, para ganhar ares de legitimidade, em face de uma suposta, imaginada, ou real revolução comunista, que se dizia estar sendo preparada na surdina, pelos famosos (mas totalmente inexistentes) esquemas “sindical” e “militar” do vice-presidente trabalhista, convertido em presidente no bojo da própria crise criada pelo renunciante trapalhão de poucos anos antes. Mas, tivemos uma marcha, sim, nessa conjuntura, e uma grande, que os jornais da “direita”, os jornalões do “partido da imprensa golpista” (avant la lettre), chamaram de “marcha do milhão” (de pessoas), mais apropriadamente chamada, por seus organizadores, de “Marcha da Família, com Deus, pela Propriedade”. De fato, se acreditava nessas coisas, mas não se pode denegar a importância da marcha, pois a direita golpista jamais conseguiria colocar centenas de milhares de pessoas nas ruas se não houvesse um estado de comoção nacional contra o estado de deterioração total a que tinha chegado a chamada República de 1946, nas mãos de demagogos consumados e de incompetentes (administrativamente falando). 

A próxima marcha, a dos cem mil, na então Guanabara, era contra a ditadura dos militares, e tinha, portanto, um claro sentido liberal, ainda que os esquerdistas atrás de sua organização também sonhassem com uma virada socialista, no bojo dos ensaios de guerrilha rural e dos experimentos de guerrilha urbana que estavam sendo lançados no mesmo momento. Também fui um dos participantes dessas manifestações de jovens estudantes contra a ditadura (e o capital estrangeiro, o imperialismo, o latifúndio, etc.), já que não tinha tido qualquer participação relevante em 1964, por ser muito jovem e por ainda ser um “alienado” (conforme dizíamos na época, seguindo a terminologia do jovem Marx, uma leitura frankfurteana indispensável nesses anos de Marcuse). 

Parece que não deu muito certo, pois em lugar de reforçarmos a resistência pacífica contra o regime militar e clamar por democracia política, simplesmente, pretendíamos derrubar os militares na ponta do fuzil, como recomendava o mesmo Mao Tse-tung (que já tinha eliminado uns 15 ou 20 milhões pela fome, poucos anos antes, e se preparava para eliminar mais algumas dezenas de milhares de outros na sua “revolução cultural”). Fui um dos quantos que saíram do Brasil, em exílio forçado ou voluntário, já que esses anos de chumbo foram realmente pouco saudáveis para quem enveredasse por essa via da revolução armada. “Patriotas equivocados”, assim nos chamava o Partidão, que permaneceu na velha política de resistência pacífica, de frentes democráticos e de conchavos com forças oposicionistas mais moderadas, o que na verdade desprezávamos: queríamos uma bela revolução à la cubana (ou à la Mao).

Em todo caso, a próxima grande manifestação, foi a da “Marcha das Diretas”, em 1984, que não resultou nas eleições diretas, mas pelo menos colocou os militares na defensiva, ou pelo menos isolou aqueles irredentistas que pretendiam continuar no regime de exceção, contra o projeto de transição tutelada, desenhado pelos militares mais lúcidos, como Geisel e Golbery. A volta à democracia também trouxe grandes manifestações de massa, a favor da “redenção” do povo e da correção de todos os males causados pela ditadura. O “entulho autoritário” deveria ter sido enterrado pela generosa Constituição, que prometia mundos e fundos a todos e a cada um, e que em lugar de prosperidade trouxe a aceleração da inflação, a volta de velhas oligarquias políticas, enfim, um “piorão” vindo do estado mais atrasado do Brasil (parece que ainda continua assim, pois não?). 

Para compensar todas as decepções e frustrações com a democracia, tivemos as próximas manifestações “de massa” contra um presidente que, pelas comprovações de corrupção provadas em CPI, parecia ter sido a maior fraude política da história do país, desembocando gloriosamente no seu afastamento e renúncia da presidência. Mas, muito dessa movimentação já tinha sido orquestrada não tanto pela “opinião pública”, mas por certo partido de oposição radical (e pela “ética na política”) que depois se revelaria tão corrupto, ou mais, que os velhos partidos dos políticos tradicionais. Em matéria de fraudes políticas, estamos sempre regredindo, como se vê. Depois disso não tivemos mais marchas, nem grandes manifestações de massa, mas apenas movimentos guiados, dirigidos e orquestrados (muitos deles pagos) pela mesma organização que pretendeu representar o povo, e que acabou recolhendo o lumpesinato e subalternos urbanos – com aqueles gramsciano atrasados mentalmente que frequentam as academias – no seu grande curral eleitoral, que reconstrói, em grande medida, o cabresto disciplinado dos velhos coronelões da política corrupta e atrasada que tínhamos na velha República.

Não coloco na linhagem das grandes manifestações de massa o leve espocar de vozes inquietas da classe média durante o breve mês de junho dos descontentamentos, pois não havia, de verdade, consciência contra o que lutar, exatamente, embora houvesse, e bem clara, uma insatisfação nítida contra tudo o que ali estava: políticos corruptos (inclusive os do poder), serviços públicos deploráveis e impostos extorsivos. Não coloco, porque o movimento começou igualmente por uma manipulação de grupelhos organizados na mesma linha dos falsos movimentos de massa orquestrados pelo partido totalitário (o mesmo que braveja, pelos seus mercenários de comunicações, contra um inexistente “partido da imprensa golpista”) e que pretendia tão somente ganhos eleitorais circunscritos, e acabou sendo temporariamente desviado dos objetivos iniciais por uma adesão inesperada, e não organizada, da verdadeira classe média descontente. Com a intromissão dos novos lumpen, blocos negros e coisas do gênero, a movimentação degenerou para a violência gratuita, e a classe média refluiu para os seus lares, onde continua a participar do, e a alimentar o atraso mental nacional pelos canais de voyeurismo televisivo altamente vulgares (mas conheço acadêmicos que também assistem a esses espetáculos verdadeiramente patéticos). 

Enfim, não temos mais marchas e manifestações porque a inteligência nacional regrediu totalmente, bastando verificar projetos, discursos e entrevistas de quem nos governa, nos vários escalões e instituições das esferas políticas e administrativas. O que sobrou parece totalmente compatível com o ridículo nacional dos “rolezinhos”, um espetáculo deprimente que políticos e acadêmicos ainda têm a pretensão de interpretar em termos sociológicos. O Brasil, pelo atraso mental extraordinário de nossas elites, e pela fraude generalizada que nos é servida pelo partido totalitário, com todos os recursos do poder, não promete grandes mudanças positivas no futuro previsível. Se ouso prever qualquer coisa, é a continuidade do processo de degradação dos costumes, de degeneração da moral pública – quando um chefe de poder mobiliza um avião oficial para cuidar dos cabelos é o sinal definitivo que não temos mais nenhuma ética na cúpula do poder, nem entre os que prestam o serviço, por sinal – e de total erosão de qualquer sentido de “valores republicanos”, como cinicamente invocado por aqueles mesmos que os conspurcam a cada momento. 

Das marchas dos tenentes nos anos 1920, aos “rolezinhos” ridículos de jovens da periferia na segunda década deste século, acho que o Brasil desceu várias escalas do processo civilizatório. Esse tipo de involução já foi observada em outras formidáveis decadências ao longo da história – penso na Roma dos últimos césares, por exemplo, ou na dinastia Qing da China, ou talvez, bem mais perto de nós, em certos populismos civis e militares que também confirmam esse atraso mental, sem esquecer, ainda, a não menos formidável decadência britânica antes dos anos 1980 – e o Brasil não será uma exceção entre tantas sociedades que regrediram por causa da absoluta incompetência de suas elites dirigentes (ou dominantes) e da total inconsciência da parcela mais esclarecida da população, essa mesma classe média que conduziu manifestações e marchas no passado, contra a corrupção na política e por um Brasil mais digno. 

Acho que qualquer renovação do combalido espirito da nossa classe média vai demorar certo tempo para voltar aos velhos tempos da justa indignação – o que parecia ter começado a ocorrer nos distúrbios de junho de 2013, mas que logo refluiu – e de impulso moral em favor de um novo projeto de país. O fascismo corporativo que se instalou nos corações e mentes da maioria da população – a partir dos mandarins que assessoram os círculos do poder – torna bem mais difíceis novas mobilizações em favor de “outra coisa”, inclusive porque nossa incompetente oposição sequer sabe o que propor, além de mais do mesmo (ou seja, Estado, subsídios, ajudas, bolsas, favores).

Estamos condenados a uma lenta decadência? Talvez, mas historicamente isso não seria surpreendente, nem inédito. Os que conhecem a história sabem que nenhum percurso social é retilíneo, como a marcha irrecorrível do tempo e o envelhecimento inevitável dos seres humanos (e das instituições). Impor um outro ritmo, adotar um novo percurso, retificar os velhos métodos e corrigir os erros mais evidentes não está ao alcance de medíocres, e sim exige o tirocínio de estadistas. Aparentemente, o Brasil atual tem uma abundância dos primeiros e uma escassez dos segundos. Acidentes acontecem, para o bem, ou para o mal. Esperemos que, da próxima vez, não seja como da última...

 

 

Hartford, 23 de janeiro de 2014

 

domingo, 23 de janeiro de 2022

A parábola do Brasil no último meio século - Paulo Roberto de Almeida

 A parábola do Brasil no último meio século

Paulo Roberto de Almeida

O Brasil vinha construindo, desde a ditadura militar, um Estado atuante e funcional, com erros de gestão aqui e ali.
Elevaram o patamar da economia, mas deixaram legados pesados na inflação e na dívida externa.
O plano Real, com ajustes no tripé macroeconômico, venceu o fantasma da hiperinflação e melhorou a qualidade das políticas públicas, macro e setoriais.
Lula, a despeito da corrupção e das alianças com ditaduras execráveis, elevou a imagem externa do país.
Dilma, a arrogante incompetente, destruiu tudo isso, provocando a maior recessão da história do país, e ainda foi conivente com a megacorrupção do PT.
Bozo está ultimando a catástrofe: se aliou aos piores meliantes da política, para exacerbar sua obra destrutiva no plano institucional e genocida no plano da saúde pública; como tantos ainda conseguem apoiar um psicopata perverso é uma infeliz descoberta sobre características pouco apreciáveis da sociedade brasileira, com insanos entre a própria elite social.
Já chegamos no limite de nosso declínio de civilidade, ou ainda temos novas frustrações pela frente?
No ano do Bicentenário, o balanço, para mim, é extremamente constrangedor ao contemplarmos as “realizações” do último meio século.
Estaríamos em condições de esperar mais?
Com nossas “elites” parece difícil…

Brasília, 22/01/2022

domingo, 28 de novembro de 2021

A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências (ensaio e apresentação) - Paulo Roberto de Almeida

Abaixo, início de meu ensaio sobre o tema-título, remetendo ao arquivo disponibilizado em Academia.edu, seguido da referência à apresentação preparada para a aula magna: 

4018. “A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências”, Brasília, 15 novembro 2021, 26 p. Ensaio preparado especialmente para Aula Magna na Universidade Federal Fluminense (dia 29/11, de 9 a 11h), a convite do Prof. Danilo Sorato. Preparada apresentação em Power Point, em 24/11/2021, sob n. 4023. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/62641768/4018_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_heranças_e_permanencias_2021_).

4023. A diplomacia brasileira da independência: Apresentação”, Brasília, 24 novembro 2021, 30 slides. Apresentação em formato de PowerPoint, seguindo de forma flexível o trabalho n. 4018, preparada para Aula Magna na Universidade Federal Fluminense (dia 29/11, de 9 a 11h), a convite do Prof. Danilo Sorato. Divulgada na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/62644789/4023_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_Apresentacao_2021_).


 A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Sumário:

1. Introdução: a diplomacia e a política externa na independência do Brasil

2. O primeiro registro oficial da autonomia: o Arquivo Diplomático da Independência

3. Uma outra independência: uma história alternativa da construção do Estado

4. A Bacia do Prata e a Cisplatina: a primeira guerra do Brasil (herdada de Portugal)

5. A lamentável diplomacia do tráfico escravo: defendendo o indefensável

6. Conclusão: a diplomacia brasileira na construção do Estado

 

 

1. Introdução: a diplomacia e a política externa na independência do Brasil

Este ensaio, de caráter histórico e analítico, trata das questões internacionais afetando o Brasil desde quando suas relações exteriores estavam inseridas no contexto da diplomacia portuguesa do final do século XVIII e início do XIX, período caracterizado pelas guerras napoleônicas e suas consequências para os dois reinos ibéricos e suas colônias americanas. Ele se ocupa apenas dos temas mais importantes, como as relações regionais e o problema do tráfico e da escravidão, à exclusão, no entanto, das questões estritamente comerciais, bastante conhecidas e trabalhadas pela historiografia do período, com ampla bibliografia sobre a questão – desde Hipólito da Costa, passando por Oliveira Lima e chegando a Roberto Simonsen e Celso Furtado –, a partir dos tratados entre Portugal e Grã-Bretanha de 1810, cujos dispositivos foram prolongados na Independência até o início do Segundo Reinado. Essa primeira fase, está marcada pela abertura dos portos em 1808 e pelo tratado de comércio de 1810, que dá 15% de tarifas para Grã-Bretanha, alíquota inferior à do próprio Portugal. Os grandes temas da diplomacia econômica do Brasil no século XIX foram amplamente tratados pelo autor na obra Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (2017).

A questão da historiografia brasileira sobre a independência sofre, desde muito tempo, praticamente desde o início do regime republicano, de alguns dos mesmos vieses interpretativos que Bolívar Lamounier acusou, recentemente, na segunda edição de seu livro sobre dois séculos de política brasileira, a propósito da historiografia política, no sentido de preservar certo “economicismo dogmático” que a tinha caracterizado desde os anos 1950:

A partir da Segunda Guerra Mundial, numerosos autores e praticamente todo o meio universitário puseram em relevo os efeitos da colonização portuguesa e nossas relações de dependência econômica em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos, mas poucos deram a devida atenção à construção institucional da democracia representativa, cujo início remonta à Independência e à Constituição de 1824. (Lamounier, 2021, p. 12)

 

No caso da historiografia da independência – abstraindo-se a visão gloriosa do reino dos Braganças, criada pelo pai da historiografia brasileira, Francisco Adolfo de Varnhagen, de certa forma continuada por alguns dos seus seguidores, entre eles Hélio Vianna –, a interpretação que começa com Manoel Bonfim e que se prolonga em Caio Prado Jr., José Honório Rodrigues e em números outros pesquisadores universitários, tende justamente a enfatizar o peso da herança colonial portuguesa e da estrutura escravocrata-latifundiária e oligárquica que continuou impérvia na nação independente como uma espécie de “pé-de-chumbo” a moldar nossas instituições políticas e estruturas sociais, como se fossem algo equivalente a um “pecado original” do qual o Estado nascente não pudesse se libertar. É verdade que tanto os “efeitos da colonização portuguesa”, quanto “nossas relações de dependência econômica em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos”, marcaram determinadas políticas ao longo do século XIX e do seguinte, mas é também verdade que as elites brasileiras, quaisquer que fossem, sempre detiveram ampla latitude de manobra para moldar o Estado e as instituições, desde o início, e nos ajustes constitucionais, golpes militares e outras crises políticas subsequentes. 

O Brasil monárquico do século XIX, assim como o republicano do século XX é o resultado de arranjos no seio das elites e não um simples derivativo de séculos de estatuto colonial ou qualquer tipo de dominação estrangeira no período subsequente. O que se pretende neste ensaio é reler a historiografia da independência com vistas a colocar o foco nos problemas iniciais com que se defrontou nossa primeira diplomacia, a de uma nação que emergia, ainda na fase regencial do príncipe D. Pedro e, logo em seguida, no primeiro gabinete do Estado independente, nos dois casos dominada pela figura de José Bonifácio de Andrada e Silva, o virtual “primeiro-ministro” por breve tempo. No que se refere à construção da instituição diplomática, ao longo de quase dois séculos de funcionamento efetivo, cabe remeter, para a devida remissão às fontes oficiais, à pesquisa documental de Flávio Mendes de Oliveira Castro sobre a organização do Itamaraty (2009).

(...) 

Ler a íntegra do ensaio na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/62641768/4018_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_heranças_e_permanencias_2021_).


Apresentação em Power Point, focando na bibliografia do período, neste link: 

https://www.academia.edu/62644789/4023_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_Apresentacao_2021_


segunda-feira, 22 de novembro de 2021

André Heráclio do Rego, diplomata e historiador lança dois livros de e sobre o historiador diplomata Manuel de Oliveira Lima: CCBB, Brasília, dia 2/12, 19s

 Meu amigo e colega de carreira André Heráclio do Rêgo tem a satisfação de convidar-nos para o lançamento presencial, no CCBB Brasília, no próximo dia 2 de dezembro, às 19 horas, de dois livros que ele organizou em torno da obra do grande diplomata e historiador Manuel de Oliveira Lima. 

Um dos livros é Oliveira Lima e a longa história da Independência, que ele organizou com a colaboração de Lucia Maria Bastos P. Neves e Lucia Maria Paschoal Guimarães, e que conta com um capítulo meu: “Um “imenso Portugal”? A hipótese de um império luso-brasileiro no contexto internacional do início do século XIX”. 

A segunda obra, O descobrimento do Brasil e outros ensaios, reúne diversos ensaios sobre a visão de Oliveira Lima sobre a História do Brasil e traz à luz textos pouco conhecidos, alguns deles somente agora republicados. O evento insere-se no contexto das comemorações do Bicentenário da Independência. 



domingo, 21 de fevereiro de 2021

Mini-reflexão sobre alguns dos momentos decisivos na vida da nação - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre alguns dos momentos decisivos na vida da nação 

Paulo Roberto de Almeida


A ampliação do número de armas livremente disponíveis no Brasil terá um efeito persistente no aumento dos homicídios e dos crimes violentos de maneira geral. 

O país se tornará inevitavelmente mais “mortal” no longo prazo. 

Este será o legado maldito de Bolsonaro: uma sociedade infelizmente mais violenta e muito mais conflitiva do que poderia ser, na ausência dessas medidas alucinadas e alucinantes (com a leniência das FFAA, que perdem, assim, parte de seu monopólio legítimo do uso da força).

Esta será sua “marca” histórica, tão negativa, na longa duração, quanto a preservação do tráfico na Independência, quanto a extrema relutância em abolir a escravatura, tão danosa para o conjunto da sociedade e para o destino da nação quanto a incapacidade das elites em distribuir terras na Lei Agrária de 1850, ou em criar uma educação pública de massas de qualidade quando se instalou a República. 

Já estamos na sexta República e na sétima Constituição (oitava, se contarmos com as emendas de 1969), e ainda não logramos estabilizar institucionalmente o país.


Certas “decisões”, convenientes no curto prazo para seus proponentes, atendendo a interesses geralmente mesquinhos, possuem um “lasting effect”, que se amplia desmesuradamente por gerações sucessivas, impactando a trajetória futura da nação, se outro fosse o caminho adotado numa determinada bifurcação histórica.

O Brasil foi pródigo, no passado, em ações e omissões especialmente negativas do ponto de vista da construção de uma nação próspera e dotada de instituições sólidas.

Aparentemente, ele continuará a se arrastar penosamente em direção a um futuro incerto, de desigualdades estruturais e de injustiças sociais, porque suas elites dirigentes foram incapazes de diagnosticar e de equacionar os problemas mais elementares de todas as sociedades: infelizmente não soubemos sequer resolver o básico de uma sociedade sadia e ainda estamos longe de criar um Estado de Direito e uma nação de bem-estar social.


Chegaremos aos 200 anos de criação de um Estado nacional soberano com um balanço talvez, ou apenas, razoável no plano material, mas reconhecidamente frustrante no plano social e crescentemente miserável nas dimensões ética e moral, quando olhamos para aqueles que representam a nação no contexto internacional. 

Termino por uma confissão vinculada à minha carreira profissional nas últimas quatro décadas: sinto profunda vergonha pela imagem que esses irresponsáveis do poder atual projetam do Brasil no mundo.


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 21/02/2021


segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Mr. Dulles e o Brazil (Ensaio Bibliográfico): obras de história do Brasil de John W. F. Dulles - Paulo Roberto de Almeida

 Mr. Dulles e o Brazil

(Ensaio Bibliográfico)

 

John W. F. Dulles:

Diversas Obras

(Edições brasileiras e norte-americanas)


 

Hans Staden foi, provavelmente, o primeiro brazilianist de nossa história. Tendo sido capturado pelos índios tupinambás em meados do século XVI, o aventureiro alemão produziu, em seu retorno à Europa, um relato tão minucioso quanto fantástico de sua estada no Brasil: seus algozes chegaram, ao que parece, muito perto de degustar, como verdadeiras delicatessen, as partes mais saborosas de seu corpo. Mas, as práticas canibalescas, rituais ou gastronômicas, dos selvagens americanos estão sendo contestadas pela moderna pesquisa antropológica, o que converte nosso primeiro brazilianist mais em um contador de aventuras do que em um intérprete fiel da realidade brasileira de então. 

Seja como for, nas pegadas de Hans Staden muitos outros visitantes estrangeiros percorreram os caminhos do Brasil em busca do fantástico e do exótico. Nesses quatro séculos de história, a espécie se multiplicou e uma fauna variegada de pesquisadores estrangeiros passou a frequentar nossos arquivos e bibliotecas, a entrevistar autoridades civis e militares, a visitar fábricas e a palmilhar favelas e frentes de ocupação agrícola. Nem todos eles estariam dispostos a ver em Hans Staden o patrono da tribo dos brazilianists, mas certamente a maior parte deles concordaria em que John W. F. Dulles é, hoje, um de seus mais legítimos representantes.

Com efeito, desde os tempos em que Monteiro Lobato discutia os grandes problemas da nacionalidade com o circunspecto Mr. Slang, andávamos em falta de um anglo-saxão afeito como ele às idiossincrasias do povo brasileiro e de tão fina percepção no confronto de certos absurdos de nossa organização social e econômica e dos velhos problemas que angustiavam o jovem Lobato.

O historiador americano John W. F. Dulles – as iniciais do meio referem-se aos nomes Watson Foster, mas o professor de Estudos Latino-americanos da Universidade do Texas em Austin e de História da Universidade do Arizona prefere ver seu nome escrito como nos Estados Unidos – não é propriamente candidato a novo Mr. Slang, tanto porque ele não pretende discutir ou interpretar as querelas do Brasil, nem penetrar nos aspectos pitorescos de seu povo. Não há dúvida, contudo, que através de sua já importante obra de brazilianist experiente, Mr. Dulles tem apresentado a muitos brasileiros detalhes pouco conhecidos da história nacional, bem como novas facetas da velha questão social, como a confirmar que, desde os anos vinte, o país se debate nos mesmos problemas que retinham a atenção do inglês imaginário e do escritor de Taubaté. 

O velho Foster Dulles, que adquiriu indevidamente a fama de “falcão da Guerra Fria”, nunca conseguiu que seus dois filhos homens trilhassem o caminho dos estadistas da família. O mais jovem, Avery, converteu-se ao catolicismo romano e tornou-se um dos mais respeitados teólogos da Igreja católica norte-americana. O mais velho, John, preferiu ser engenheiro metalúrgico a enveredar pelo Direito e a diplomacia. Foi nessa condição que ele passou 16 anos trabalhando ao Sul do Rio Grande, de onde emergiu como mexicanist ao publicar, em 1961, Yesterday in Mexico, uma das melhores crônicas históricas sobre a revolução mexicana. Nessa época, o historiador amador resolveu aceitar um convite para vir trabalhar no Brasil, a serviço da Hanna Mining, onde se consolidou seu gosto pela história narrativa, especialmente aquela ligada aos eventos políticos contemporâneos.

Sua reputação de brasilianista competente foi inaugurada desde a aparição, em 1967, de Vargas of Brazil, uma sólida e equilibrada biografia política do grande líder brasileiro, que mereceria uma segunda edição nacional. Já definitivamente instalado no Texas, mas dividindo seu ano acadêmico entre as cadeiras de Estudos Latino-americanos na Universidade do Texas em Austin e de História na Universidade do Arizona em Tucson, Dulles deu prosseguimento a uma das mais consistentes carreiras acadêmicas ligadas ao estudo da história do Brasil contemporâneo nos Estados Unidos, junto com Thomas Skidmore, Robert Levine e Joseph Love, para citar apenas alguns no campo da história.

A partir dessa primeira biografia, ele publicou uma série de alentados livros de história política brasileira: Unrest in Brazil (1970), um precioso relato das crises político-militares dos anos 1955-1964, infelizmente ainda não editado em nosso país; Anarchists and Communists in Brazil (1973), que, tendo se tornado um clássico no campo dos estudos historiográficos sobre as rivalidades entre anarquistas e comunistas nas primeiras décadas deste século, já pode ser considerado como obra de consulta obrigatória para quem quiser reconstituir a história do movimento operário brasileiro nas primeiras quatro décadas deste século; e os dois volumes da minuciosa biografia do Presidente Castello Branco (1978 e 1980), estes três últimos publicados no Brasil.

Em 1983, a Editora da Universidade do Texas publicava o seu extremamente bem documentado Brazilian Communism, editado em 1985 no Brasil pela Nova Fronteira, tendo sido aqui precedido pelo substancioso relato histórico sobre A Faculdade de Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas (em 1984). O brasilianista americano trabalhou em seguida na monumental biografia do falecido líder político Carlos Lacerda, cujo primeiro volume já foi publicado em ambos os países. A apresentação meticulosa e objetiva, ainda que elogiosa, da atuação política e jornalística do mais famoso tribuno do regime de 1946, abre caminho a uma reavaliação crítica dessa figura controversa de nossa história contemporânea. Lacerda foi odiado ou exaltado, por adversários e admiradores, mas raramente examinado com isenção. A historiografia contemporânea produzida no Brasil, geralmente de orientação progressista quando não esquerdista, tem sido implacável com o “demolidor de Presidentes”, como era conhecida essa figura de proa da UDN. Indiferente a nossas paixões partidárias, o Professor Dulles pode contribuir para recuperar para a história um animal político que parecia irremediavelmente extinto no cenário nacional: o líder de massas e o insuflador de opiniões.

Espera-se também que ele dê continuidade à sua pesquisa sobre as correntes de esquerda na política brasileira. Anarquistas e Comunistas cobria os primeiros 35 anos deste século e O Comunismo no Brasil contava a história do PCB entre 1935 e 1945. A documentação já acumulada por Foster Dulles sobre o período do pós-guerra lhe permitiria, por exemplo, reconstituir a história do comunismo no Brasil em sua fase de ascensão e declínio, isto é, 1945-1964, e depois relatar a experiência dos movimentos de esquerda entre o golpe militar e a anistia de 1979. Cumprido este programa, o filho do ex-Secretário de Estado de Eisenhower terá deixado sua marca indelével na historiografia política brasileira, cobrindo a maior parte do período contemporâneo. Mais do que isso: sua história “narrativa” vai seguramente resistir à marca do tempo e fornecer a mais de uma geração de historiadores brasileiros a matéria-prima de muitas “interpretações” e outras tantas “revisões” da história política brasileira no século XX.

Em seus diversos livros, mas sobretudo em algumas biografias, Dulles revela os inegáveis méritos e as inevitáveis insuficiências da narrativa histórica tradicional: a apresentação de grande coleção de eventos, personagens e datas, a par do reduzido, ou quase nulo, esforço interpretativo. Na maior parte dos casos, a abundância de informações fatuais, rigorosamente precisas e alinhadas cronologicamente, conduz à submersão do processo histórico global, confirmando o velho dito de que uma árvore pode encobrir a floresta.

Essas características estão especialmente presentes no relato biográfico sobre o Presidente Castello Branco, mas são também evidentes nas pesquisas sobre o movimento comunista brasileiro. De abril de 1964, quando ascende ao “poder revolucionário”, a 18 de julho de 1967, data de sua morte em desastre aéreo, a vida oficial e privada do Marechal-presidente Castello Branco é minuciosamente escrutada pelo professor americano, por vezes em detalhes tão insignificantes que um historiador mais preocupado com a ação propriamente política do biografado deixaria irremediavelmente de lado. A coleção de fontes é sobremaneira impressionante (28 páginas) o que confirma o “costume” que tem os brazilianists de ler tudo, consultar todos os documentos disponíveis e entrevistar quase todos os agentes diretos da história em causa. Releve-se particularmente o uso extensivo da imprensa brasileira da época, a consulta aos arquivos da Biblioteca Lyndon Johnson, além, é claro, dos próprios papéis de Castello Branco, sendo apenas de se lamentar que nos depoimentos orais figurem tão poucos inimigos políticos do Marechal-presidente.

O modelo não é novo e o mesmo professor Dulles já nos tinha oferecido em Unrest in Brazil: Political-Military Crises, 1955-1964 um relato extremamente rico e detalhado do imenso caudal de episódios visíveis e invisíveis que desembocou no golpe militar que levou o mesmo Caslello Branco ao Governo. Não se veja, contudo, nesta apreciação, um desmerecimento do importantíssimo trabalho já levado a efeito pelo historiador americano: o factualismo à outrance, além de constituir-se em legítimo approach da obra historiográfica qualquer que seja ela (o acúmulo de monografias e os exercícios de histoire événementielle sendo mesmo apontados por certos mestres da escola histórica francesa como condição prévia e indispensável à visão global do processo), é na certa muito útil aos sociólogos e cientistas políticos brasileiros, que encontram nos livros do cronista e narrador a base indispensável a vários exercícios interpretativos e analíticos. 

O desfile incessante de milhares de informações fatuais nos confirma igualmente outra prática arraigada de muitos brazilianists: o processo histórico como tal, que deveria receber um suporte analítico-interpretativo, necessário numa obra historiográfica acabada, se vê submergido quase sempre pela matéria bruta dos fatos. Assim, é possível conhecer, por exemplo, o teor de um manifesto militar, os hábitos matinais do Marechal-presidente ou ainda as palavras trocadas entre ele e seu amigo Vernon Walters durante um jantar íntimo, mas pouco ou muito pouco ficaremos sabendo das motivações profundas do tipo de política social e econômica proposta ou adotada por aquele conjunto de personagens. Que o Presidente Castello Branco tenha sido um Brazilian reformer não há dúvida, ainda que alguns contestem a importância histórica de suas “reformas”; o que a abundância de informações não nos permite ver de modo claro é precisamente as condições políticas, sociais e econômicas em que foi empreendida a obra restauradora do Marechal e seu impacto na configuração do Brasil contemporâneo.

Na verdade, não há nada de errado na compulsão documentalista do método do Professor Dulles: os ensaios interpretativos nunca poderiam ser feitos sem a matéria-prima da chamada histoire événementielle. Na França, aliás, a pátria de eleição da história estrutural no estilo dos Annales, assiste-se hoje a uma saudável retomada da história tradicional, depois de algumas décadas de ditadura do processo sobre o evento. Em defesa do “narrador” Dulles deve ser dito que jornais antigos, documentos raros, protagonistas diretos e testemunhas privilegiadas não costumam frequentar voluntariamente os gabinetes dos historiadores “interpretativos”. É preciso um árduo esforço de leituras, disposição para realizar centenas de entrevistas pessoais e, muitas vezes, uma resistência comprovada a poeira, traças e diversos tipos de roedores “críticos” para que obras do quilate das de Dulles venham à luz. A já vasta produção historiográfica do brasilianista de Austin tornou-se assim um referencial obrigatório para os historiadores e cientistas sociais brasileiros, fornecendo substrato material a uma visão global de nosso processo de desenvolvimento político e social.

 

[Paris, 29.05.94]

[Relação de Trabalhos nº 431]

Compilação, exclusivamente para fins desta antologia, dos trabalhos n. 039 (Berna, maio 1981) e 066 (Brasília, 11.09.86), publicados respectivamente em LEIA LIVROS (São Paulo, Ano IV, n. 37, 15 julho a 14 agosto 1981, p. 18) e em D. O. LEITURA (São Paulo, vol. 5, n° 54, novembro 1986, p. 14).

Relação de Publicados n. 014 e 028.

 

431. “Mr. Dulles e o Brazil: Ensaio Bibliográfico”, Paris, 29 maio 1994, 5 pp. Recompilação, exclusivamente para fins de antologia de livros resenhados, dos trabalhos nºs 070 (Berna, maio 1981), sobre o livro de John W. F. Dulles, President Castello Branco: Brazilian Reformer (College Station: Texas A&M University Press, 1980, 557 pp), e 130 (Brasília: 11.09.86), sobre diversas obras do brazilianist norte-americano, publicados respectivamente em Leia Livros (São Paulo: Ano IV, nº 37, 15 julho a 14 agosto 1981, p. 18) e em D. O. Leitura (São Paulo: vol. 5, n. 54, novembro 1986, p. 14). Relação de Publicados n. 014 e 028.

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Mudanças de Regime Econômico na História do Brasil, Quadro, 1808-2020

 Mudanças de Regime Econômico na História do Brasil, 1808-2020

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

Atualização do quadro publicado neste trabalho:

2701. “Mudanças de regime econômico na história do Brasil: transformações estruturais, evolução institucional”, Hartford, 25 outubro 2014, 44 p. Publicado na Revista de Economia Política e História Econômica (ano 10, n. 34, agosto de 2015, p. 169-225; ISSN: 1807-2674; link para a revista: https://sites.google.com/site/rephe01/em pdf: https://drive.google.com/file/d/0B2cUT02EXXyLVHRrSDNldTJHTzg/view).

 

 

Mudanças de Regime Econômico na História do Brasil

 

Anos

Eventos e processos políticos, orientações econômicas e sociais; resultados

Arranjos políticos predominantes, grupos de interesse, personalidades

Iniciativas e medidas de política econômica e características principais da fase

I – Economia escravista, agrário-exportadora, 1808-1888

1808-1844

Fim do regime colonial abertura dos portos; relações comerciais; 

D. João; Imperador Pedro I; ministros do Primeiro Reinado

Tratados de comércio; pressões inglesas; tarifas reduzidas

1844-1888

Abolição do Tráfico; redução progressiva da escravidão; abolição;

Alves Branco; Gabinetes do Segundo Reinado; Pedro II, Princesa Isabel

Tarifas elevadas; protecionismo; incentivos à imigração

II –Trabalho Assalariado, início da industrialização, 1888-1930

1888-1914

Forte imigração; surtos industriais; medidas protecionistas; aumento da dívida externa; primeiros investimentos estrangeiros

Proprietários de terras; tribunos; magistrados; presidentes; alguns industriais; bancos estrangeiros

Adoção de políticas econômicas de ajuste; vantagens dadas à indústria nacional; apoio à cultura do café; 

1918-1930

Expansão do café; apelo a capitais estrangeiros; envolvimento da classe média na política;

Presidentes, governadores estaduais; industriais, políticos, magistrados; investidores estrangeiros

Defesa do café; início da mudança da esfera britânica para a hegemonia americana;

III – Emergência do Estado intervencionista, políticas pró-industrialização

1930-1945

Constituição de 1934: aumento do nacionalismo econômico; intervenção estatal na economia;

Presidente e ditador Getúlio Vargas; líderes militares; ideólogos nacionalistas

Forte intervenção do Estado na economia; industrialização introvertida

1946-1964

Criação de empresas do Estado; câmbio múltiplo; inflação; Brasília

Presidentes Vargas; Juscelino Kubitschek; Jânio Qadros, Goulart

Planejamento estatal, reformas econômicas; gastos públicos

IV – Estado produtor, exacerbação da substituição de importações

1964-1979

Golpe militar; impulso da ação econômica  estatal; protestos; guerrilha;

Presidentes militares; equipe de planejamento

Reformas em todos os setores; grande impulso industrial; estatais

1979-1985

Choques do petróleo e crises financeiras; protestos democráticos

Presidentes militares; ministros Fazenda; bancos estrangeiros

Dívida externa, crises cambiais; aceleração da inflação; 

 

Anos

Eventos e processos políticos, orientações econômicas e sociais; resultados

Arranjos políticos predominantes, grupos de interesse, personalidades

Iniciativas e medidas de política econômica e características principais da fase

V – Instabilidade macroeconômica, planos de estabilização, abertura

1985-1994

Democratização; nova Constituição; planos de estabilização, crises;

Presidentes Sarney e Collor; várias equipes econômicas

Descontrole monetário; diversas moedas; perda de credibilidade; abertura

1994-2002

Plano Real: estabilidade e abertura econômica, diversas crises externas

Presidente FHC; ministro Pedro Malan, equipe econômica

Desindexação econômica; privatizações; regulação estatal; ajuste fiscal

VI – Distribuição social; retorno ao Estado interventor e introvertido

2002-2016

Novo reforço do Estado; políticas distributivistas; redução da pobreza; proteção comercial; despesas em excesso; desequilíbrios

Presidentes Lula e Dilma; líderes do PT; políticas equivocadas do lado da demanda; keynesianismo; baixo investimentos;

Intervencionismo estatal; expansão dos subsídios sociais; introversão econômica; desequilíbrios fiscais; recessão econômica;

VII – Retorno a políticas de gradualismo no ajuste fiscal; limites a gastos

2016-2018

Retorno ao gradualismo e políticas de austeridade; correção de desajustes e desequilíbrios fiscais acumulados em 2012-16

Presidente Michel Temer, ministro da Fazenda Henrique Meirelles e presidente do BC Ilan Goldfajn conduzem forte política de ajuste fiscal

Emenda constitucional de limite de gastos; reforma laboral; início de reforma previdenciária; inversão dos gastos crescentes; baixo crescimento;

 

2019

Promessas de abertura econômica e comercial, de privatização sem resultados efetivos; diplomacia ideológica e servil aos EUA (Trump)

Populismo de direita com presidente Bolsonaro; ministro “liberal” Paulo Guedes: muita retórica; ideólogos reacionários na política externa; desastres

Reforma previdenciária conduzida no Congresso; governo confuso e inoperante nas políticas; divisão acentuada do país; autoritarismo;

2020

Pandemia da Covid-19 desorganizou todo o processo de elaboração de políticas econômicas, obrigando a intervenções emergenciais de sustentação de empresas e auxílios sociais; aumento dos déficits orçamentários e da dívida pública.

Elaboração: Paulo Roberto de Almeida (18/02/2014; 20/11/2020)

 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3795: 20/11/2020

Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44538064/3795_Mudan%C3%A7as_de_Regime_Economico_na_Historia_do_Brasil_2020_).