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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Ego Inflado do Brasil (ja se sabe por quem) - Miami Herald

THE OPPENHEIMER REPORT
Brazil needs dose of constructive paranoia
BY ANDRES OPPENHEIMER
The Miami Herald, September 18, 2010

There is a consensus among foreign policy pundits that Brazil is the upcoming world emerging power. Maybe so, but only if it can overcome a potentially fatal domestic obstacle -- hubris.
That was one of the main conclusions I drew from a panel titled ``Brazil: A rising power,'' during the Miami Herald/World Bank Conference of the Americas last week, where several experts debated whether Brazil will inevitably continue its meteoric rise to world prominence.
There is no question that Brazil is on a roll, at least for now. Things are going so well that even President Luis Inázio Lula da Silva recently proclaimed -- only half-jokingly -- that ``God is Brazilian.''
The economy is expected to grow by a healthy 5 percent this year, the country has recently found some of the world's largest offshore oil reserves, and Brazil has won the bids to become the host to the 2014 Soccer World Cup and the 2016 Olympics, which will give Brazilians a unique chance to promote their country abroad.
Time magazine -- in an excess of journalistic hype -- recently named Lula as ``the most influential person in the world.'' The British weekly, The Economist, had earlier carried a cover story titled ``Brazil takes off,'' noting that sometime over the next 14 years, Brazil is likely to rise from its current status as the world's eighth largest economy to the fifth largest, surpassing Britain and France.
PREDICTABLE COUNTRY
Two new books published in the United States this month -- Brazil on the Rise, by New York Times reporter Larry Rohter and The New Brazil, by Johns Hopkins University Professor Riordan Roett -- generally agree with such optimistic projections.
At the Conference of the Americas' panel, all participants stressed that Brazil has finally become a predictable country, where governments from various parties have maintained economic policies over the past 16 years, generating confidence and drawing growing domestic and foreign investments.
That will not change after next month's presidential elections, which will likely be won by Lula's Worker's Party candidate Dilma Rousseff, they said.
Several panelists pointed at potential dangers, including an outdated infrastructure, and poor education levels. Some cautioned that the ruling Worker's Party may become so overconfident if it wins by a landslide that it may revert to nationalist-statist policies of the past, and that Rousseff -- if elected -- may not have Lula's charisma to rein in ultra-leftists within the party.
``One thing that worries me a little bit is that I see in the Worker's Party a little bit of triumphalism,'' said Rohter, who was one of the panelists. ``There is almost a hubris, a sense that they invented the wheel, an unwillingness to acknowledge the role that the commodities boom has played in the success of the last 16 years.''
That is leading some sectors of the ruling party to think that Brazil can keep growing without foreign investments in key areas, such as oil and agriculture, he said.
COOLHEADED POPULATION
Will hubris derail Brazil's recent progress? I asked him. Rohter said he doubts it, because despite the triumphalism in some government sectors, Brazil's population remains coolheaded, if not skeptical.
``One of the healthy things that have happened is that Brazilians are no longer talking about Brazil as ``the [world's] country of the future,'' but of ``the fifth power,'' he said. ``That's a much more realistic goal.''
My opinion: I hope Rohter is right, because one of the things I noticed in my recent trips to China and India is that the two emerging world powers have one thing in common -- a widespread belief that they are behind other world powers in almost everything.
In almost every interview with Chinese and Indian officials, I was struck by their concerns that their respective countries are not expanding their education, science and technology sectors as fast as other countries, and that they are falling behind. I haven't seen the same humbleness in interviews with Brazilian officials.
The Chinese and the Indians have a healthy dose of constructive paranoia, which drives them to constantly improve themselves. Unless Brazil adopts that same attitude and avoids the complacency that may result from so many outside prophecies about its inevitable rise, it will never become a true emerging world power.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Domesticando a arrogancia (nem sempre é possivel)

Hubris: reflexões sobre certas concepções do mundo
Paulo Roberto de Almeida

É muito comum, entre pessoas ou grupos que estão ascendendo em riqueza e poder, o excesso de confiança em sua própria capacidade de mudar o contexto no qual estão inseridos e influenciar outros atores e o mundo à sua volta. A isso se chama, numa adaptação do vocábulo mais frequentemente usado em inglês, assertividade. Em outras situações, pode ser também uma manifestação de arrogância.
Os mesmos sentimentos, ou posturas, podem ser exibidos por países, ou, mais exatamente, por governos, ou ainda mais precisamente, por líderes políticos de economias que estão crescendo rapidamente e que pretendem, em conseqüência, dar demonstrações dessa nova condição exercitando seus músculos na cena internacional. Essa nova postura pode ser exercida em duas direções. De um lado, para o “bem”, ou seja, para estimular a cooperação entre os países e os povos, reforçando os vínculos de solidariedade, ao mesmo tempo que se oferecem garantias de paz e segurança à comunidade internacional. Mas ela também pode se apresentar como uma manifestação do “mal”, isto é, voltando-se para projetos de conquista e de dominação que deterioram o ambiente de paz e segurança no mundo, quando não resultam diretamente em guerras e destruições, ou até em algo pior: genocídios e violações generalizadas dos direitos humanos.
Esse tipo de situação é mais comum do que se pensa nas relações internacionais e, embora o mundo atual seja caracterizado bem mais pela força do direito do que pelo direito da força, ele não está isento de novos exemplos do gênero. A Alemanha e o Japão, pelo menos duas vezes, globalmente (e outras vezes regional ou localmente), a partir do final do século 19 e até a primeira metade do século 20, são os casos típicos que ilustram perfeitamente bem este ponto. Registre-se que ambos seriam, como foram, candidatos a perversidades reincidentes se não tivessem sido contidos pelas superpotências, ou pela única verdadeira potência que emergiu no século 20. Não é preciso relembrar aqui os sofrimentos imensos que essas duas potências arrogantes impuseram a seus próprios povos em guerras de conquista, mas sobretudo aos povos de países vizinhos, em função desse comportamento agressivo, colonialista, militarista, racista, terrivelmente destrutivo, demonstrado por ambas em várias ocasiões e em diferentes direções. Trata-se, obviamente, de casos limites, mas são apenas os exemplos mais recentes de uma tendência que foi registrada na história humana de forma recorrente em muitas ocasiões anteriores.
Um outro sentimento que acompanha também frequentemente essas fases de ascensão pessoal ou nacional é uma espécie de paranóia, derivada de certas teorias conspiratórias. Se trata da sensação de que outros países, mais avançados obviamente, rejeitam o “novo rico” e atuam deliberadamente para impedir a ascensão do emergente. Trata-se de um sentimento mais comum do que se pensa, igualmente, inclusive porque muitas vezes ele não é reconhecido explicitamente, ou então se faz o raciocínio inverso: o sentimento de que é a sua própria ascensão que traz desconforto aos demais, que procuram, assim, barrar o caminho ao emergente. Como isso se dá? As razões são múltiplas, mas algumas são mais comuns.
Quem ostenta, por exemplo, uma noção do comércio internacional como um jogo de soma-zero – algo como uma competição esportiva, em que só um pode ganhar, enquanto o outro perde absolutamente, o que é próximo de uma guerra – tende a atribuir aos outros a iniciativa dos bloqueios e dos constrangimentos: “se eu ganhar, será uma perda para você”, daí o bloqueio, o ato de “chutar a escada”, como diria um conhecido economista paranóico-coreano (não deveria, pois o exemplo de seu país é um claro desmentido a essa tese).
Vejamos o que escreveu um alemão famoso sobre a atitude dos “imperialistas ocidentais” em face da ascensão da Alemanha imperial de antes de 1914 (mas o mesmo poderia ser aplicado à Alemanha do entre-guerras): “O avanço sustentado da Alemanha sobre os mercados mundiais despertou o antagonismo dos velhos países industriais, que sentiram que suas chances nos mercados estavam sendo ameaçadas”. O alemão em questão era Hjalmar Schacht, que depois de conseguir estabilizar o marco alemão na Alemanha de Weimar viria a ser o ministro da economia de Hitler, conduzindo o programa de recuperação econômica pós-crise de 1931 com métodos pouco ortodoxos e pouca consideração pelos direitos humanos.
Não muito longe do Brasil, talvez até no próprio Brasil, já se ouviu o mesmo tipo de “reclamação”: o país começa a crescer e isso “incomoda os outros”, sendo que os outros são, invariavelmente as “velhas potências imperialistas”. Curioso que não se faz o mesmo tipo de crítica em relação à China, por exemplo, que está atuando de forma não muito diferente daquela seguida pelos velhos poderes colonialistas em direção dos “países periféricos” um século atrás, ou mais...
O sentimento de arrogância, a sensação de poder acrescido, a noção de que tudo pode ser feito a partir da vontade individual ou coletiva, desde que o ator emergente se engaje resolutamente na direção de sua maior afirmação no antigo contexto de sua atuação tradicional, pode obscurecer a capacidade de examinar realisticamente uma dada situação, resultando daí aqueles erros de cálculo que em linguagem trivial se menciona como tentativa de “dar um salto maior que a perna”. Também ocorre de a nova situação dar a impressão de ter sido criada pelo mesmo ator no comando ocasional da nova condição, como se tudo aquilo não fosse o resultado, por vezes longo e penoso, de um processo coletivo de acumulação de forcas, de crescimento gradual e paulatino, de aquisição progressiva de novas capacidades.
O sentimento de onipotência, a própria vontade de potência de que falava um filósofo alemão lamentavelmente associado ao nazismo – et pour cause – derivam dos mesmos processos de arrogância, paranóia e entorpecimento da capacidade de medir a “razão das coisas”. O confronto com a realidade não ocorre enquanto houver espaços de crescimento desimpedido, como ocorre em situações de grandes transformações no ambiente externo, local, regional ou internacional. Em algum momento, porém, os limites acabam sendo colocados, seja pelo esgotamento dos próprios recursos internos, seja pela fricção com interesses alheios, por vezes de parceiros mais poderosos ou igualmente agressivos. O despertar para a realidade pode ser brutal.
Nem sempre, “príncipes” conseguem evitar o sentimento de arrogância, o que é compreensível, considerando-se que todos os seus assessores competem para realçar ainda mais suas supostas qualidades e as excelências dos seus governos. Nas antigas tragédias gregas, a hubris era castigada pelos deuses, de forma por vezes exemplar. Na ausência de retenção similar, em nossas modernas sociedades laicizadas, espera-se que os conselheiros do príncipe soem os alertas providenciais, cada vez que o seu mestre e senhor ultrapassar os limites do se pode considerar razoável como manifestação de arrogância. Poucos se arriscam nesse exercício, porém, talvez por considerar que seu senhor e mestre é um verdadeiro Zeus da sabedoria e da onipotência. Sinal que eles também foram contaminados pela hubris que cega...

Paulo Roberto de Almeida
Shanghai, 26 de maio de 2010