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segunda-feira, 18 de abril de 2016

A deseducacao de esquerda e a dominancia ideologica do petismo - Luiz Felipe Ponde

Li, nesta data, o artigo abaixo reproduzido na Gazeta do Povo, neste link, e que combina com o que venho dizendo regularmente, incessantemente.
Até que tenhamos uma versão não anacrônica, ideológica, sectária da história do Brasil, vamos continuar com essa deformação da história, que não atinge apenas estudantes, mas continua na vida adulta e contamina todos os setores da sociedade.
Paulo Roberto de Almeida


A história do Brasil do PT
Sem apoio ao pensamento liberal, não importa quantas Dilmas destruírem o Brasil, pois elas serão produzidas em série. A nova Dilma está sentada ao lado da sua filha na escolinha
Luiz Felipe Pondé
Gazeta do Povo, 18/04/2016

A “batalha do impeachment” é a ponta do iceberg de um problema maior, problema este que transcende em muito o cenário mais imediato da crise política brasileira e que independe do destino do impeachment e de sua personagem tragicômica Dilma.
Mesmo após o teatro do impeachment, a história do Brasil narrada pelo PT continuará a ser escrita e ensinada em sala de aula. Seus filhos e netos continuarão a ser educados por professores que ensinarão essa história. Essa história foi criada pelo PT e pelos grupos que orbitaram ao redor do processo que criou o PT ao longo e após a ditadura. Este processo continuará a existir. A “inteligência” brasileira é escrava da esquerda e nada disso vai mudar em breve. Quem ousar, nesse mundo da “inteligência”, romper com a esquerda perde networking.
O domínio cultural absoluto da esquerda no Brasil deverá durar, no mínimo, mais 50 anos
Ao afirmar que “a história não perdoa as violências contra a democracia”, José Eduardo Cardozo tem razão num sentido muito preciso. O sentido verdadeiro da fala dos petistas sobre a história não perdoar os golpes contra a democracia é que quem escreve os livros de História no Brasil, e quem ensina História em sala de aula, e quem discorre sobre política e sociedade em sala de aula, contará a história que o PT está escrevendo. Se você não acredita no que digo é porque você é mal informado.
O PT e associados são os únicos agentes na construção de uma cultura sobre o Brasil. Só a esquerda tem uma “teoria do Brasil” e uma historiografia. Essa construção passa por uma sólida rede de pesquisadores (as vezes, mesmo financiada por grandes bancos nacionais), professores universitários, professores e coordenadores de escolas, psicanalistas, funcionários públicos qualificados, agentes culturais, artistas, jornalistas, cineastas, produtores de audiovisual, diretores e atores de teatro, sindicatos, padres, afora, claro, os jovens que no futuro exercerão essas profissões. O domínio cultural absoluto da esquerda no Brasil deverá durar, no mínimo, mais 50 anos.
Erra quem pensa que o PT desaparecerá. O Lula, provavelmente, sim, mas o PT como “agenda socialista do Brasil” só cresce. O materialismo dialético marxista, mesmo que aguado e vagabundo, com pitadas de Adorno, Foucault e Bourdieu, continuará formando aqueles que produzem educação, arte e cultura no país. Basta ver a adesão da camada “letrada” do país ao combate ao impeachment ao longo dos últimos meses.
Ao lado dessa articulada rede de agentes produtores de pensamento e ação política organizada que caracteriza a esquerdasileira, inexiste praticamente opção “liberal” (não vou entrar muito no mérito do conceito aqui, nem usar termos malditos como “direita” que deixam a esquerda com água na boca). Nos últimos meses apareceram movimentos como o Vem Pra Rua e o MBL, que parecem mais próximos de uma opção liberal, a favor de um Brasil menos estatal e vitimista. Ser liberal significa crer mais no mercado (sem ter de achá-lo um “deus”) e menos em agentes públicos. Significa investir mais na autonomia econômica do sujeito e menos na dependência dele para com paternalismos estatais. Iniciativas como fóruns da liberdade, todas muito importantes para quem acha o socialismo um atraso, são essencialmente incipientes. E a elite econômica brasileira é mesquinha quando se trata de financiar o trabalho das ideias. Pensa como “merceeiro”, como diria Marx. Quer que a esquerda acabe por um passe de mágica.
O pensamento liberal no Brasil não tem raiz na camada intelectual, artística ou acadêmica. E, sem essa raiz, ele será uma coisa de domingo à tarde. A única saída é se as forças econômicas produtivas que acreditam na opção liberal financiarem jovens dispostos a produzir uma teoria e uma historiografia do Brasil que rompa com a matriz marxista, absolutamente hegemônica entre nós. Institutos liberais devem pagar jovens para que eles dediquem suas vidas a pensar o país. Sem isso, nada feito.
Sem essa ação, não importa quantas Dilmas destruírem o Brasil, pois elas serão produzidas em série. A nova Dilma está sentada ao lado da sua filha na escolinha.

Luiz Felipe Pondé, escritor, filósofo e ensaísta, é doutor em Filosofia pela USP e professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da Faap.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Arena? De volta? Deve ser ingenuidade ou perda de tempo...

Um leitor deste blog, que tem sim posição política, mas é simplesmente democrático reformista, me faz a seguinte pergunta (abaixo transcrita), a propósito de uma "invenção" que também li na imprensa recentemente: o renascimento, o ressurgimento, ou a recriação, seja lá o que for, de um partido criado logo no início do regime militar no Brasil, mais especificamente em 1965, quando, para evitar uma candidatura de JK nas eleições presidenciais desse ano, os generais juristas extinguiram todos os partidos políticos, por meio do Ato Institucional n. 2, criando em seu lugar apenas dois partidos: a Arena (ou Aliança de Renovação Nacional), apoiando o regime, e a oposição oficial, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que anda aí até hoje, mas há muito deixou de ser oposição, para ficar com qualquer governo que apareça. Enfim, vamos às perguntas:


O que você pensa do ressurgimento da Arena no Brasil? Acha que pode ser uma opção partidária interessante para a direita. Acha que vai impactar o PSDB em alguma medida?

Antes de responder, devo dizer que o leitor-perguntador talvez se confunda com minhas posições políticas, e pode achar que eu me alinho, de alguma forma, com partidos de "direita", seja lá o que isso queira dizer, sobretudo no Brasil, onde ninguém é de direita, no máximo de centro, ou social-democrata, ou progressista, ou então, como um debilóide oportunista declarou recentemente, "nem de esquerda, nem de direita, nem de centro" (sic, três vezes).
 Vou ser claro: acho essas divisões, sobretudo esquerda ou direita, muito artificiais, embora elas tenham significado histórico-político que cabe registrar.
Direita seriam aqueles conservadores (embora conservador possa ser de esquerda, também, como o atual PT, que não apenas é conservador, como especialmente reacionário), que pretendem manter tudo como está, e favorecer os ricos e privilegiados, como rezam as imagens distorcidas e maldosas do que seja direita.
Pode ser que considerem liberais (ou neoliberais, como afirmam alguns), pessoas de direita, o que é igualmente enganoso, pois liberais são por essência reformistas, alguns até radicais, uma vez que acreditam que os países, as sociedades avançaram demasiadamente no intervencionismo governamental, e que cabe implementar políticas pró-mercado e de redução do tamanho e do papel do Estado na economia.
Esquerda seriam aqueles pretendidamente socialistas (embora, hoje em dia, nem o PCdoB pretenda "construir o socialismo", ele só quer desfrutar das benesses do capitalismo, via posse do Estado), ou todos aqueles que acham que os mercados devem ser controlados, que o Estado deve ter um papel preeminente na redistribuição social da riqueza, e que acham que os pobres, ou o povo, sempre tem razão, já que burgueses e proprietários de terras são sempre gananciosos e malvados.
Posso caricaturizar um pouco, mas acho que é isso.
Bem, eu não me classifico nem como direita, nem como esquerda, nem como conservador, nem como liberal.
Sou apenas um democrata reformista, como disse acima, e se, no passado, já fui bem mais socialista (quanto a reformas econômicas no sentido intervencionista, não em favor da "ditadura do proletariado"), como toda pessoa dotada de um mínimo de inteligência, cheguei à conclusão óbvia (não para todos, claro) de que o socialismo só conduz à regressão econômica, mais pobreza e muita injustiça, ao contrário do que pretendem seus promotores (todos eles, de todas as tendências).
Dito isto vamos às perguntas e minhas respostas:

Não, não acho que o "ressurgimento" da Arena no Brasil -- o que é apenas ridículo, se não for loucura total -- venha a ter qualquer efeito positivo sobre o sistema político-partidário no Brasil, ou sobre qualquer outro aspecto do espectro ideológico no Brasil, um país no qual as ideologias são como roupas de baixo, ou  talvez fraldas que se devam jogar fora uma vez usadas. Claro, existem ingênuos que acreditam em certas ideias, mas não são estes que estão na direção dos partidos políticos, um aglomerado insosso de oportunistas que apenas disputam nacos dos recursos públicos.
Não existe nenhuma hipótese de que tal partido, se por acaso recriado (não acredito, em primeiro lugar, que tenha 500 mil apoios para seu registro no TSE), venha a exercer qualquer efeito, de qualquer tipo, sobre a política brasileira.
Quanto a ser "opção para a direita", desconheço o que seja isso, pelo menos no Brasil. Em alguns países são assim classificados os que se situam no espectro partidário-ideológico que se opõe aos socialistas, ou seja, que não comungam do estatismo-intervencionismo destes últimos, mas aí podem existir social-cristãos (que são por um pouquinho de controle social do mercado, e de redistribuição em favor dos pobres), liberais pró-mercado, conservadores anti-reformas distributivistas.
No Brasil simplesmente inexistem partidos com essas características, e o máximo que temos são alguns liberais isolados, sem qualquer chance no mercado político, ou na determinação das políticas públicas.
Claro, existem aqueles (por ignorância ou ingenuidade), que são saudosistas do regime militar (pelo lado da ordem, do crescimento, do Brasil potência, e outras bobagens), ou que são anticomunistas de carteirinha, e que acham que os nossos socialistas corruptos querem mesmo construir o socialismo no Brasil, quando a única coisa que esses oportunistas desejam, reafirmo, é extorquir os capitalistas para também viverem as benesses do capitalismo de mercado (na verdade, aqui bem mais cartelizado, monopolista, vivendo da promiscuidade com o Estado).
Desconheço, também, qual o impacto disso -- se por acaso vier a se concretizar, o que não acredito, repito -- no PSDB, um partido patético, que pretende ser social-democrata, mas que não consegue, como os outros, ser coerente, e sequer cumpre seu papel de "oposição" (não por que queira ser oposição, apenas por que o PT, sectário, raivoso, e psicologicamente doentio, não quer fazer uma aliança pró-reformas com o único partido que partilha suas convicções social-democratas, mas que prefere agora se aliar com bandidos políticos que outrora ele criticava). 
Enfim, creio que fui bastante claro no que penso dos partidos e dos políticos.
Não tenho nenhuma ilusão de que o sistema melhore, no futuro previsível, ao contrário: acho que os políticos, e os partidos, vão continuar sua obra nefasta no sentido de agigantar ainda mais o Estado, de extorquir ainda mais os cidadãos, alimentando esse ogro famélico que lhes serve de conduto de extração dos recursos coletivos em seu benefício corporativo e pessoal.
Este é o panorama do Brasil atual: nenhum partido, existente ou a ser criado, vai mudar esse quadro, que necessitaria passar por uma severa crise, e conhecer algum estadista de visão, para que reformas sejam feitas. Isso vai demorar um pouco, talvez uma ou duas gerações mais.
Estou sendo pessimista?
Não creio que incorra em algum erro fundamental...
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 16/11/2012

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Identidades culturais: de volta a um debate importante

O debate que tinha sido aqui iniciado em relação ao Estatuto da (Des)Igualdade Racial -- de fato, um manifesto racialista da pior espécie, que cria um movimento em favor de um novo Apartheid no Brasil, ou seja, uma desgraça política, social e cultural -- continuou em novas vertentes do pertencimento geográfico ou cultural dos povos "africanos" e dos escravos trazidos ao Brasil.
Um de meus interlocutores habituais questiona algumas de minhas expressões, neste post

Sobre as "identidades" culturais brasileiras

e o uso que faço delas, o que me obriga a explicar-me mais uma vez. Eu o faço não apenas por respeito ao meu interlocutor -- e aos leitores deste blog em geral -- mas também em um novo post, depois de ter incorporado esse comentário como nota de rodapé, o que permite destacar devidamente os argumentos substantivos, em benefício, suponho, de um número maior de interessados neste tipo de questão.
Não poderei fazê-lo de modo extenso, ou com a ajuda de aparato referencial, pelas características deste meio, e porque o faço diretamente na janela do blog, sem maior elaboração conceitual. Mas vou citar o que me parece pertinente como leitura adicional.
Destaco os comentários de meu interlocutor em itálico e agrego meus novos comentários em seguida. O que vai citado entre aspas são expressões minhas, objeto dos comentários do meu leitor, a quem agradeço sinceramente pela oportunidade de explicitar meu pensamento.

I) “...não existem povos africanos, apenas povos retirados individualmente e separadamente da Africa.”
“Africano” é um adjetivo que significa “relativo à África”. Literalmente, “povos africanos” são “povos da África”. Em que sentido a expressão "povos africanos" não equivaleria a "povos da África"?
PRA: A África é um continente muito diverso, quase tão diverso quanto a Ásia e a Europa, que constituem verdadiros mosaicos de povos, culturas, religiões e línguas. Provavelmente quase tão diverso quanto o subcontinente indiano, sendo que neste último, pelo menos, algumas poucas religiões unificam povos que falam mais de 250 línguas ou dialetos, assimo como na Europa, toda ela, onde as diferentes vertentes do cristianismo também unificam o continente, muito mais do que na Ásia ou na África.
As expressões geográficas, portanto, não recobrem a diversidade cultural, étnica, religiosa e linguística desses imensos continentes (bem, muito pequeno no caso da Europa ocidental, cabendo todo ele no Brasil).
Falar de africanos, e por extensão de afro-brasileiros, é tão falso quanto dizer que eu sou um euro-brasileiro, quando sou descendente de avós portugueses por um lado, e italianos, por outro. Ou seja, meus antepassados não tinham nada a ver, a não ser vagas referências religiosas, com alemães, poloneses, espanhóis, ucranianos e levantinos, que também vieram em volumes significativos para o Brasil desde meados do século 19 até um século depois, aproximadamente.
Os "povos africanos" que foram trazidos ao Brasil nos três séculos precedentes se caracterizam justamente por não serem povos, e sim indivíduos, e aqui preciso retificar e corrigir a expressão que eu mesmo utilizei. Não existem povos africanos, a não ser como referência geográfica indeterminada e geral, como falamos de povos europeus, mas no caso dos "africanos" essa expressão é ainda mais enganosa.
O "trabalho" de captura de "africanos" dispersos em vastas regiões daquele continente, seu transporte, assemblagem, venda aos traficantes europeus e americanos (do Norte, do Caribe e do Sul) que os compravam "prontos" para embarque -- quase free on board -- para o Novo Mundo, e a subsequente distribuição e venda aos "consumidores" de escravos, todos esses processos eram e foram profundamente destruidores, desestruturadores das "identidades" (uma palavrinha traiçoeira essa) desses povos.
Em suma, eles vinham como "indivíduos" e não como "povos" e no Brasil procuravam juntar-se a outros indivíduos falando a sua língua ou dialetos assemelhados. Isso explica movimentos de revolta na Bahia e em outras regiões, mas essas eram situacoes excepcionais, pois na quase totalidade dos casos esses indivíduos eram obrigados a se adaptar às novas situações, falar a língua local e aprender novos hábitos. Não havia nada de muito pedagógico nisso tudo, pois os escravos eram tratados praticamente como animais, no que se configura toda a grande tragédia da história brasileira, hoje usada de forma demagógica para reivindicar direitos que não são os deles, mas de seus distantes descendentes, que foram, por certo discriminados, mas jamais carregaram o estigma da escravidão.
Resumindo: uma vez postos no Brasil, os escravos não foram, e nunca foram -- a não ser em casos excepcionalíssimos como os haussás da Bahia -- "povos africanos", e sim indivíduos que se recriaram separadamente como "novos brasileiros", ainda que involuntariamente, e de forma trágica, como sabemos.

II) “NENHUM AFRICANO escravo veio ao Brasil.”
PRA: Creio que não preciso elaborar extensivamente, em razão do que já escrevi acima. Meu objetivo ao dizer isso, na verdade, se prende à desmistificação de uma invenção espúria, totalmente ideológica, feita pelos movimentos negros racistas e racialistas, que pretendem existir uma "coisa" chamada de "afro-brasileiros". Não existe; existem apenas negros brasileiros, ou brasileiros negros, na verdade mais mestiços do que negros, que são um minoria no contingente dos brasileiros de extração parcial africana (na sua vertente negra, ou sub-sahárica), sendo a grande maioria misturados a brancos (mais portugueses do que outros povos) e indígenas (poucos).
Trata-se de um contrabando político mistificador, trazido pronto dos EUA, onde tampouco existem African-Americans, mas simplesmente americanos negros, ou negros americanos (bem menos misturados do que no caso brasileiro).
Escrevi bastante sobre neste meu trabalho, ao qual remeto os interessados numa discussão de natureza mais antropológica (sem deixar de ser política):

472. “Rumo a um novo apartheid?: sobre a ideologia afrobrasileira”, revista Espaço Acadêmico (ano 4, n. 40, setembro 2004; link: http://www.espacoacademico.com.br/040/40pra.htm). Relação de Trabalhos nº 1322.

Aliás, todo esse debate é de natureza puramente ideológica, ou política, como provado justamente agora pelas referências em torno da atual Copa do Mundo na República da África do Sul. Vários analistas, jornalistas, simples comentaristas, referem-se à "copa africana", e muitos lamentam a eliminação de "equipes africanas" -- Camarões, a própria África do Sul -- da competição, como sendo uma quase "tragédia" para o continente, cuja "honra", a partir daqui, estaria sendo defendida apenas pela equipe de Gana (e se esquecem da Argélia, que também está na África, ao que parece).
Ora, quando a Copa do Mundo de Futebol ocorre na Alemanha ou na Inglaterra, ninguém se refere a ela como sendo uma "copa europeia" ou qualquer coisa do gênero, e quando por acaso equipes extra-continente (digamos Argentina ou Brasil) acabam disputando os primeiros lugares, à exclusão de qualquer time do continente, ninguém fala de "tragédia europeia". Por que o mesmo não é feito em relação à África? Se supõe que neste caso existe um amálgama de africanos a povos negros, o que pode ser um racismo involuntário, ou pelo menos um pensamento racialista.

III) “Ou seja, não havia "africanos" escravos, havia indivíduos vindos da África, o que é muito diferente.”
O dicionário registra que a palavra “escravo” significa “aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade de um senhor”. Esses indivíduos vindos da África estavam privados da liberdade e submetidos à vontade de um senhor. Nesse sentido, entendo que são escravos. Assim, “indivíduos vindo da África privados da liberdade e submetidos à vontade de outra pessoa” deveriam ser chamados de “escravos africanos”. O senhor escreve, no entanto, que isto é muito diferente. Em que sentido?
PRA: Creio que neste caso também minhas explicações precedentes deveriam bastar. Mas posso acrescentar mais algumas coisas. A escravidão é uma instituição antiga, milenar, podendo ter existido durante mais de nove décimos da história da humanidade. A escravidão africana, ou de povos "africanos", é uma parte muito pequena, diminuta, de toda essa história multissecular. Começou na própria África, entre seus povos negros ou berberes (depois dominados pelos árabes, bem mais tarde), se expandiu moderadamente durante o Império Romano (mas os "africanos" negros, com exceção dos povos mais "brancos" estavam muito longe para serem aproveitados) e explodiu na era moderna, quando se tornou a forma predominante de escravidão econômica (havia e houve outras formas de escravidão).
Durante oito décimos, provavelmente, da história da escravidão no mundo, os escravos eram povos não muito diferentes dos que os escravizavam, perfeitamente brancos, prisioneiros de guerra, "bárbaros" (mas brancos) submetidos à escravidão. Provavelmente 90% dos escravos na história do mundo eram brancos, ou "arianos", e não africanos, um continente self-contained, e praticando escravidão em escala local (como aliás era o caso de outras regiões, também). O tráfico transcontinental e o comércio mundial de escravos foram relativemente recentes na história da humanidade, e em grande medida os grandes responsáveis por essa "exportação" de negros africanos para outros continentes foram os mercadores árabes ou outros traficantes muçulmanos, que possuiam intensos laços de tráfico humano no Oceano Índico, antes que o tráfico se transformasse predominantemente (mas temporariamente apenas) em atlântico e europeu. Os traficantes árabes e muçulmanos continuaram, inclusive, exportando negros para a península arábica durante muito tempo mais, depois que o movimento abolicionista europeu conseguiu extingur o tráfico e a escravidão na primeira metade do século 19, com as exceções que se sabe: brasileira (vergonhosamente até o final do século), espanhola (mas essencialmente para Cuba, durante tempo similar) e americana (mas aqui, sem tráfico, apenas escravos de "criação" durante muitas décadas até a guerra civil).
Ou seja, é preciso DENUNCIAR a tremenda hipocrisia de acadêmicos idiotas que dão ênfase, apenas e seletivamente, ao tráfico e à escravidão europeia, deixando completamente na escuridão todos os outros fenômenos anteriores, simultâneos e posteriores, muito MAIS IMPORTANTES quantitativamente do que os quatro séculos de tráfico europeu. Os números não existem, por se tratar de sociedades ágrafas ou por não dispormos de documentos de arquivo árabes ou muçulmanos sobre esse imenso tráfico, ou mais exatamente por que não é POLITICAMENTE CORRETO falar de escravidão muçulmana, mas aproximações e estimativas fariam, provavelmente, essa vertente superar amplamente a escravidão para o Novo Mundo. Ainda hoje existem escravos "legais" em certos países africanos e na península arábica.
Existem muitas histórias da escravidão e do colonialismo em escala mundial, e no longo prazo histórico, infelizmente muito poucas, ou quase nenhuma, traduzidos e publicados no Brasil. Não tenho tempo, agora, de fazer uma lista, mas tenho um ou dois em minha biblioteca (agora distante) e muitas outras referências em trabalhos antigos. O Brasil, como é hábito, desconhece a história mundial, e nossos acadêmicos fazem pálida figura ao lado de estudiosos de outros países, que possuem uma visão mais equilibrada da história do mundo, inclusive de suas grandes tragédias

IV) “...música “africana”, algo que evidentemente não existe...”
Eis aí outra palavra – música – que o senhor deve estar usando num contexto particular. Música é o nome com o qual se designa a “arte de se exprimir por meio de sons”. Essa arte é encontrada em todos os povos, em todas as épocas. Evidentemente que suas regras variam segundo a civilização e o contexto histórico. Valendo-me dessa definição de música, deduzo que o uso de instrumentos de percussão pelos povos da África é uma forma de expressão musical.
PRA: Pois bem, se essa definição é usada, não existe música africana. Existe, sim, influência de algumas tradições de certos povos africanos que foram incorporados no mainstream da música brasileira, mas tudo isso misturado com outras tradições, inclusive as mais formais, "partiturizadas", de origem europeia. Negros americanos são em grande medida responsáveis pelo soul e pelo jazz, e eu nunca ouvi que se tratasse de música ou tradições "africanas" nos EUA. Apenas black music, depois incorporada ao mainstream da música americana.
Repito, todo esse movimento "africanista" ou "afro-qualquer coisa" é profundamente mistificador e ideológico, talvez uma tentativa de recuperar raízes (que não existem quase, tamanha foi a desestruturação), mas que se presta a exercícios de auto-engano coletivo que encantam os relativistas culturais e os politicamente corretos.
Como eu não sou nem uma coisa nem outra, não preciso ficar pagando impostos para os pretensos "afro-brasileiros" cada vez que me refiro aos negros brasileiros, ou aos brasileiros negros, como seria mais correto.
Registre-se, também, essa outra mistificação, bem mais fraudadora e mentirosa, que consiste em identificar os mestiços -- que formam a MAIORIA da população brasileira -- aos negros, o que é um exercício totalmente enganoso e ilusório.
Seria ótimo para a sociedade brasileira se ela fosse ainda mais mestiça do que ela é, atualmente, pois nesse caso estariam sendo completamente destruídas as bases materiais do racismo -- que só pode existir quando existem diferenças marcadas, ou fenotípicas -- mas ao dizer isso estou incorrendo, como gostariam alguns de dizer, no crime de etnocídio, ou seja, tentativa de eliminação da raça negra.
Confirmo esse meu propósito "criminoso" e vou mais além: também quero EXTINGUIR por completo a "raça branca", que quando "deixar de existir" será um enorme aporte civilizatório, pois é evidente que todo o racismo "científico" dos últimos três ou quatro séculos se baseou na evidente supremacia material dos europeus sobre os demais povos para sustentar uma suposta supremacia racial, e racista, sobre os povos culturamente inferiores, ficando assim justificada e legitimada a escravidão, o colonialismo, as discriminações, as ideologias lombrosianas, eugênicas e outras.
Sou totalmente anti-racista e, coerentemente, favorável à "eliminação" de todas as raças. Quanto o mundo todo estiver maravilhosamente misturado, os poucos racistas que sobrarem vão ser, rigorosamente, casos de hospício...

Pelo que posso deduzir, o senhor está empregando diversas palavras em um contexto diferente do usual.
PRA: Certamente, sou totalmente partidário da mais ampla liberdade linguística -- o que não quer dizer desmantelar regras formais, como aquele stalinista que acaba de morrer -- e do uso inovador de expressões, desde que devidamente acompanhado de bases conceituais explicativas. Se uma palavra não existe, mas você sente necessidade daquele termo específico, deve-se "inventá-la", justificá-la e passar a usá-la. Assim surgem verbos como "deletar", na verdade uma adaptação (pré-existente no latim) do famoso "to delete" popularizado com a linguagem de computador. Downloadar, por exemplo, deveria existir, e eu já estou usando, independentemente se é correto ou não. Os americanos usam tranquilamente "googlelize", que poderia ser o nosso "googolizar".
Mas, isso é o de menos. No tema que nos ocupa, eu uso rigorosamente o termo africano como sinônimo de pertencimento geográfico geral, nunca para designar nossos negros brasileiros, ou brasileiros negros, que são tão africanos quanto eu sou europeu, ou seja, NADA, rigorosamente nada. A despeito de alguns poucos hábitos portugueses ou italianos, que ficaram muito tenuamente em minha formação, eu sou exclusivamente brasileiro, aliás bem menos do que os negros brasileiros, que "deixaram" de ser "africanos" há mais de 160 anos, ou seja, bem mais do que meus antepassados europeus, com a GRANDE diferença que as tradições culturais europeias foram bem mais preservadas e cultivadas do que (infelizmente, se alguém quiser) no caso dos "africanos" (de araque, pois repito, eles não existem).
Creio que fui bastante claro, desta vez...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 21 de junho de 2010)