O desgoverno Bolsonaro nunca teve planos para nada, só para sua própria reeleição e para a defesa dos crimes em família. Este economista apresenta algumas ideias sensatas para a tal Renda Brasil que é uma obsessão eleitoreira do presidente, mas que apresenta alto sentido social.
Paulo Roberto de Almeida
Lambança fiscal
CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ
O Estado de S. Paulo, 05/10/2020
A lambança criada pelo governo em relação ao financiamento do programa apelidado de Renda Cidadã, que provocou grande nervosismo no mercado financeiro, não é um fato isolado. A política econômica, aparentemente submissa aos desejos eleitoreiros do presidente, tem sido marcada por completa falta de rumo e de planejamento. Sobram discursos ideológicos, supostamente liberais, e faltam iniciativas bem estruturadas para promover o crescimento econômico, com estabilidade fiscal.
Desde o início do governo, Paulo Guedes e sua equipe, em parte composta por técnicos de excelente formação, mas com pouca experiência em políticas públicas, tentam reinventar a roda. Anunciam medidas mirabolantes, antes de estarem devidamente estudadas e formuladas. Atropelam projetos já em curso no Legislativo, alguns em fase adiantada de debates. Esses foram os casos da chamada PEC emergencial, agora fundida com a do pacto federativo, e da reforma tributária. Impera a falta de planejamento. As maluquices propostas para financiar o Renda Cidadã (que, como Paulo Guedes, continuarei chamando de Renda Brasil) evidenciam tal improvisação.
Deixando de lado o objetivo eleitoreiro que move quase todas as ações de Bolsonaro, era evidente, desde o primeiro semestre, que o auxílio emergencial não poderia ser retirado, em 2021, sem a ampliação do Bolsa Família, seja lá como o programa fosse batizado. Mas o governo deixou para a última hora a questão do financiamento da nova despesa, o que resultou na descabida proposta de postergar o pagamento dos precatórios e de avançar nos recursos do Fundeb.
Tecnicamente, a solução é simples, embora não o seja politicamente, pois demanda boa formulação e eficiente e tempestiva negociação com o Congresso. O caminho é cortar gastos obrigatórios, com a combinação de medidas emergenciais duras, mas temporárias, com reformas estruturais duradouras.
Entre as medidas emergenciais, destacam-se a redução da jornada de trabalho com respectivo corte de vencimentos de servidores públicos e a desindexação, por dois anos, das despesas obrigatórias. Propostas nessa linha já foram encaminhadas ao Legislativo, mas a articulação política para aprová-las tem sido precária, até porque elas não contam com a simpatia do presidente da República.
A maior focalização das ações assistenciais, com a incorporação, no Bolsa Família, do abono salarial e do seguro-defeso, que apresentam problemas de gestão e mostram pouca eficácia no combate à pobreza, poderia se constituir em fonte adicional para o financiamento do Renda Brasil, mas foi vetada pelo presidente.
No âmbito estrutural, o grande destaque é para a reforma administrativa, que alcance os atuais servidores, preservando, obviamente, os direitos adquiridos. Incluem-se aqui o congelamento dos salários por dois anos (para valer, não como tem sido até agora), a redução ou o fim das promoções automáticas, a queda do salário inicial de carreira, a extinção dos penduricalhos que permitem salários acima do teto, o fim das férias acima de 30 dias e menor taxa de reposição.
Tais medidas possibilitariam cortes de gastos muito superiores aos necessários para bancar o Renda Brasil.
Segundo a Carta de Conjuntura do Ipea do terceiro trimestre de 2020, que trabalhou com um conjunto semelhante de propostas, considerando União, Estados e municípios, a economia poderia superar R$ 800 bilhões em dez anos. O impacto fiscal seria superior ao da reforma da Previdência, aproximando-se do tal trilhão tão sonhado por Paulo Guedes.
Por fim, o maior abalo na confiança dos agentes econômicos foi provocado pela tentativa de adoção de subterfúgios para burlar o teto de gastos, pondo em dúvida a disposição do governo de honrar seus passivos. Tal lambança é perigosa, porque pode elevar ainda mais o custo de rolagem da dívida pública e, com isso, frear a retomada do crescimento econômico.
ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA.