Divergências políticas e econômicas evidenciam a irrelevância do Mercosul
Membros do bloco comercial estão cada vez mais em desacordo, comprometendo a estratégia de ganhar mais espaço no mundo
The Economist, July 14, 2024
Foi um desprezo especialmente incisivo. Faltando ao encontro bianual dos presidentes do Mercosul, Javier Milei, presidente da Argentina desde dezembro, preferiu falar para a extrema-direita em uma Conferência de Ação Política Conservadora no Brasil. “Se o Mercosul é tão importante, todos os presidentes deveriam estar aqui”, reclamou Luis Lacalle Pou, líder centrista do Uruguai, na cúpula em Assunção, capital do Paraguai.
A realidade é que o Mercosul, um bloco comercial que inclui o Paraguai, o Uruguai e agora a Bolívia (formalmente admitida em Assunção), além do Brasil e Argentina, não é mais tão importante. Até mesmo o anfitrião, Santiago Peña, do Paraguai, admitiu que “o Mercosul claramente não está passando por seu melhor momento”.
Milei nunca se encontrou formalmente com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, a quem ele chama de “corrupto” e “comunista” (a Suprema Corte do Brasil anulou a condenação de Lula - e ele é socialista). Mas as incompatibilidades políticas são mais antigas: Jair Bolsonaro, o ex-líder do Brasil, e Alberto Fernández, o antecessor peronista de Milei, também se evitavam mutuamente.
Criado em 1991 como uma área de livre-comércio e união alfandegária, o Mercosul prometia muito. O comércio entre os membros aumentou, em termos reais, de US$ 9 bilhões (R$ 49 bilhões) em 1990 para mais de US$ 31 bilhões (R$ 168 bilhões) em 1996. Duas coisas acabaram com a promessa. O primeiro foi a volatilidade macroeconômica.
O Brasil desvalorizou sua moeda em 1999; a Argentina sofreu um colapso financeiro em 2001-02. Em segundo lugar, a ampliação superou o aprofundamento, já que os líderes políticos, incluindo Lula e os peronistas argentinos, procuraram usar o Mercosul para atrair aliados ideológicos (como os líderes bolivianos) em vez de transformá-lo em uma ferramenta de política econômica. O protecionismo cresceu: desde a crise financeira de 2008, os membros impuseram mais de 400 medidas não tarifárias uns contra os outros.
O comércio intra-Mercosul atingiu o pico de US$ 72 bilhões (R$ 392 bilhões) em 2011. Embora tenham se recuperado recentemente graças à retomada econômica pós-pandemia, a parcela de exportações entre os países do bloco caiu entre as vendas totais dos membros, de um pico de 24% em 1998 para cerca de 11% em 2023.
As exportações agrícolas para a China cresceram muito no Brasil e na Argentina. O comércio administrado em suas indústrias automobilísticas costumava estar no centro do Mercosul, mas em ambos os países a importância relativa da manufatura diminuiu.
Além disso, o Mercosul só conseguiu fechar acordos de livre-comércio com o Egito, Israel e Cingapura, embora esteja conversando com outros países. As negociações para um pacto comercial com a UE foram finalmente concluídas em 2019, 20 anos após seu início. Mas em um mundo cada vez mais protecionista, parece improvável que o acordo seja ratificado pelos países-membros da UE. Os líderes europeus enfrentam a pressão dos lobbies agrícolas, que se opõem ao acordo. Por sua vez, o governo brasileiro tem dúvidas, especialmente sobre a abertura de compras públicas.
“Qual é o propósito do Mercosul se você não pode expandir o acesso ao mercado?”, pergunta Shannon O’Neil, do Council on Foreign Relations, um think-tank (grupo de reflexão) de Nova York. A resposta de Lacalle é buscar acordos bilaterais. O Uruguai está conversando com a China e a Turquia e quer entrar para a CTPP, um grupo do Pacífico com 11 membros.
Milei ameaça deixar o Mercosul, embora o comércio da Argentina tenha recebido o maior impulso do bloco. O Mercosul deveria ser uma ferramenta para o desenvolvimento econômico de seus membros e uma forma de eles terem mais peso no mundo. O declínio do bloco conspira contra a realização desses dois objetivos.