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sábado, 5 de agosto de 2023

Índia e Rússia suspendem negociações sobre pagamentos em rúpias (CNN)

 Alguém aí espera comércio em moedas locais no BRICS nos próximos anos?


"Índia e Rússia suspendem negociações sobre pagamentos em rúpias
CNN, July 5, 2023
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/india-e-russia-suspendem-negociacoes-sobre-pagamentos-em-rupias/?fbclid=IwAR15xS_XxYp8Xh7wjCMX_LzHTfnwlCZlmeYyZQD-cjfOvx7_k6-oXRct_bY 

Os dois lados iniciaram conversas sobre facilitar comércio em moedas locais, mas não houve avanço e nada foi fechado entre os países.

A Índia e a Rússia suspenderam os esforços para resolver o comércio bilateral em rúpias, depois que meses de negociações não conseguiram convencer Moscou a manter as rúpias em seus cofres, disseram dois funcionários do governo indiano e uma fonte com conhecimento direto do assunto.
Isso seria um grande revés para os importadores indianos de petróleo e carvão baratos da Rússia, que aguardavam um mecanismo permanente de pagamento em rúpias para ajudar a reduzir os custos de conversão de moeda.
Com um grande déficit comercial em favor da Rússia, Moscou acredita que terminará com um superávit anual de rúpias de mais de US$ 40 bilhões se tal mecanismo for trabalhado e sente que o acúmulo de rúpias é “indesejável”, disse um funcionário do governo indiano, que não quer ser identificado.
O Ministério das Finanças da Índia, o Banco Central da Reserva da Índia e as autoridades russas não responderam imediatamente aos pedidos de comentários.
A rupia não é totalmente conversível. A participação da Índia nas exportações globais de bens também é de apenas cerca de 2% e esses fatores reduzem a necessidade de outros países manterem rúpias.
A Índia começou a explorar um mecanismo de liquidação em rúpias com a Rússia logo após a invasão da Ucrânia em fevereiro do ano passado, mas não houve nenhum acordo relatado em rúpias.
A maior parte do comércio é em dólares, mas uma quantidade crescente está sendo realizada em outras moedas, como o dirham dos Emirados Árabes Unidos.

Os dois lados falaram sobre facilitar o comércio em moedas locais, mas as diretrizes não foram formalizadas.

A Rússia não se sente confortável em manter rúpias e quer ser paga em yuan chinês ou outras moedas, disse um segundo funcionário do governo indiano envolvido nas discussões.

“Não queremos mais forçar a liquidação de rúpias, esse mecanismo simplesmente não está funcionando. A Índia tentou tudo o que pôde para tentar fazer isso funcionar, mas não ajudou”, disse uma terceira fonte que está diretamente ciente dos desenvolvimentos. disse.

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro do ano passado, as importações da Índia da Rússia subiram para US$ 51,3 bilhões até 5 de abril, de US$ 10,6 bilhões no mesmo período do ano anterior, segundo outro funcionário do governo indiano.

O petróleo constituiu grande parte das importações da Índia, aumentando doze vezes no período. As exportações da Índia no mesmo período caíram ligeiramente para US$ 3,43 bilhões, de US$ 3,61 bilhões no ano anterior, disse o funcionário.

Outro funcionário disse que os dois países começaram a procurar alternativas depois que o mecanismo de liquidação em rúpias não funcionou, mas não deu detalhes.

As fontes disseram que o comércio com a Rússia continua, apesar das sanções e problemas de pagamento.
No momento, estamos fazendo alguns pagamentos em dirham e algumas outras moedas, mas a maioria ainda é em dólares. A liquidação está acontecendo de maneiras diferentes, países terceiros também estão sendo usados”, disse um dos funcionários do governo.

Os comerciantes indianos também estão liquidando alguns dos pagamentos comerciais fora da Rússia, disseram as autoridades.

“Terceiros estão sendo usados para liquidar o comércio com a Rússia. Não há proibição de transações com outros países via Swift. Portanto, os pagamentos estão sendo feitos a um terceiro país que o encaminha ou compensa para seu comércio com a Rússia”, disse outro funcionário.

Sobre se o dinheiro também estava sendo encaminhado via China, o funcionário disse: “Sim, incluindo a China”

domingo, 22 de janeiro de 2023

Sobre o “projeto mágico” da moeda comum do Mercosul - Paulo Roberto de Almeida

Sobre uma das próximas aventuras inconsistentes nas relações plurilaterais do Mercosul: a tal de “moeda comum”.

Paulo Roberto de Almeida 

Segundo leio no programa de agenda, do lado argentino, figura esta “novidade”:

“También será central un mecanismo que podría permitir la creación de una moneda común. "Lo que se firma es un memorándum de entendimiento para empezar a estudiarlo", explicaron desde el ministerio de Economía a este diario y adelantaron que sería moneda común, no única, porque serviría para el comercio entre los países, asociada al valor de Producto bruto y a la situación de los bancos centrales de Brasil y la Argentina. Eso permitiría que el comercio entre ambos deje de estar dolarizado. Cada uno, sin embargo, conservará su moneda local.”


Minhas observações (PRA):

1) “Mecanismo que poderia permitir a criação de uma moeda comum”. 

Não é difícil, mas tampouco é fácil, pois requer uma solidez de políticas econômicas, macro (monetária, cambial e fiscal) e setoriais (sobretudo comercial, industrial e agrícola), que estão muito longe de serem garantidas atualmente no Mercosul e nos países individualmente. Estamos a anos-luz de distância dos requerimentos à la Maastricht que esse projeto impõe, e será muito dificil obter as condições no futuro previsível. De resto, já está previsto no Artigo 1o. do Tratado de Assunção — convergência de políticas econômicas —, mas nunca foi feito, salvo uma efêmera tentativa em 1999-2000 (SGT-14), e também exigiria um mercado comum efetivo, o que está longe de ser o caso.


2) “… serviría para el comercio entre los países, asociada al valor de Producto bruto y a la situación de los bancos centrales de Brasil y la Argentina.”

Tanto o dólar, quanto as moedas nacionais (de preferência uma com maior garantia de estabilidade) podem servir ao comércio bilateral e interregional. Essa coisa de associar a moeda ao “valor do PIB” não faz nenhum sentido: o PIB do Uruguai deve ser menor do que o da cidade de SP. A situação dos bancos centrais tampouco tem algo a ver com o comércio intra-zona e NÃO É FUNÇÃO dos BCs financiar comércio privado, nem garantir riscos cambiais. Talvez seja um disfarce argentino para garantir certo equilíbrio no comércio bilateral com o Brasil, o que não faz NENHUM SENTIDO. O comércio no Mercosul não é LIVRE?


3) “… permitiría que el comercio entre ambos deje de estar dolarizado.”

Por que esse preconceito contra o dólar, moeda largamente utilizada em enorme proporção no comércio internacional (e até em transações internas) em vasta maioria dos países? Apenas por pruridos anti-imperialistas e antiamericanos? Os grandes traders vão trocar o dólar por uma moeda não testada na prática? Nem o Euro, supostamente de maior consistência intrínseca (pois que administrado num empreendimento multinacional, em lugar de depender do arbítrio de um único país), conseguiu desbancar o dólar de sua preeminência mundial (e arrogância quase unilateral).


Conclusão: o dólar continuará sendo, no futuro previsível, a “moeda comum” de Brasil, Argentina e do Mercosul. Mas, esse “projeto” tresloucado deve garantir diárias e passagens para os tecnocratas e diplomatas nos próximos anos, em viagens totalmente inúteis nos quatro ou cinco paises, e até para Frankfurt, sede do ECB. Sempre servirão para algum turismo.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 22/01/2023