[Nota PRA: A despeito das citações pretensamente filosóficas do chanceler, não creio que ele tenha refletido adequadamente, ao preparar o seu desastroso discurso do Dia do Diplomata de 2020, talvez o PIOR, dos muitos piores que já lemos, ouvimos ou assistimos (com muito sofrimento) desde antes de 2 de janeiro de 2019 (quando começa o livro de discursos do chanceler acidental publicado pela Funag), e que está destinado a marcar época entre os episódios mais medíocres da vida política do Brasil e desse desgoverno (que já é campeão de mediocridades).
Ao confessar que sente orgulho de ter transformado o Brasil em pária internacional — with a big help from his masters —, o isolacionista chanceler estava mais sinalizando o seu próprio desequilíbrio pessoal, visível no vídeo, do que estabelecendo algum novo pensamento estratégico para a antidiplomacia que ele e seus chefes conduzem aos pontapés.
Em todo caso, o nosso cronista misterioso se diverte uma vez mais com as toscas palavras do PIOR chanceler em 198 anos, ou seja, desde José Bonifácio. Não existe quem lhe faça concorrência no prêmio IgNobel da diplomacia. Nosso cronista recomenda que, como pária, ele se recolha à sua própria insignificância.]
É bom ser pária (semana 26)
Escreveu o poeta que devemos ter nossos corações palpitantes de amor patriótico para enfrentar o dragão da mal. Não me refiro a nenhum conto infantil, mas a recente discurso de nosso chefe, que, falando para os formandos da turma João Cabral, convocou-os para uma “aventura nacional e mundial de proporções históricas”! “No sentido medieval” mesmo, como esclareceu.
Não estou plenamente seguro de que os jovens formandos tinham a consciência de que ingressavam não em uma tradicional carreira de estado, mas em uma “aventura épica”, em um “combate de gigantes pela essência humana”! Pensando cá com meus botões, lutar contra dragões… Não tenho certeza se estava nos planos desses jovens.
No romance heroico de nosso chanceler, o globalismo e o politicamente correto, a mando “sabe-se lá de quem” - pois há de ter um toque conspiratório nisso tudo - construíram um ser humano artificial, sem sexo. Pois é, sem sexo - não atribua a mim esse recalque, leitor, foi ele quem disse. A propósito, todas essas referências lascivas a “orgias” e “acasalamento” podem até ser uma forma de agradar o chefe, é verdade, ou de “libertar a linguagem”, mas tenho cá pra mim que… Bom, tirem suas próprias conclusões; ainda me apego a esse incômodo “politicamente correto”.
A saudosa Ms. Walker, professora de inglês de todos nós, proferiu, na mesma ocasião, discurso a um só tempo sóbrio e grandioso. Multilateralismo, democracia e redução das desigualdades sociais. Ah, que saudades que tenho de nossa real diplomacia, em que conceitos racionais estavam também na palavra do Ministro, em lugar de críticas fantasiosas a inimigos imaginários.
Mas a ele uma coisa não se lhe pode negar. Sabe que somos párias, objeto de desconfiança, descrédito e piada. Chacota mesmo. Chalaça. Sabe que cada vez mais nosso trabalho é dificultado no exterior e torna-se por vezes até perigoso. Reconhece, e com orgulho. Diz que é bom ser pária. Acredita que somos heróis virtuosos, lutando sozinhos para libertar o mundo “sabe-se lá de quem”. Só mesmo em seu mundo lírico e confuso, cheio de vilões, aventura e magia.
Se ser pária é tão bom, senhor Ministro, Vossa Excelência poderá ser pária dentro de seu próprio Ministério, recolhendo-se a sua aventura imaginária contra moinhos, orgias comunistas e dragões do mal. Poderá dedicar-se a sua poesia épica e deixar que os assuntos atinentes à realidade sejam conduzidos por embaixadores respeitáveis, enquanto ainda há tempo de salvar a dignidade de nossa Casa.
Para acordarmos desse romance épico de baixa qualidade, reflitam.
Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.