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quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Já que a "fronda empresarial" não veio, talvez tenhamos uma "fronda" dos investidores - O Globo

 Alguns anos atrás, eu preparei um artigo e até dei palestras sobre a necessidade de uma fronda empresarial – os curiosos vejam na Wikipedia o que foi a fronda aristocrática –, ou seja, que os empresários, os grandes capitalistas brasileiros se revoltassem contra o Estado espoliador e conduzissem uma "revolução burguesa" economicamente liberal e aberta ao mundo. Vejam ao final essas referências.

Pena e tempo perdidos: nenhum dos covardes, pusilânimes, medíocres e introvertidos (protecionistas) dos grandes capitalistas se moveu um milímetro nessa direção: eles continuaram vindo a Brasília para pedir favores setoriais e parciais, e apoiando indistintamente todos os governos: socialdemocratas, esquerdistas, centristas, direitistas, como sempre fazem.

Agora, parece que são os investidores que vão se recusar a colocar dinheiro no Brasil até se colocar em ordem a balbúrdia que é o governo atual. Acho que vão ter de esperar certo tempo.

Paulo Roberto de Almeida


Brasil vive rebelião no mercado com crise fiscal, após gastos no combate a Covid

Nos círculos financeiros, dúvida é como o país vai arcar com os custos das medidas de estímulo, como o auxílio emergencial
O Globo, 28/10/2020

BRASÍLIA — Os estímulos à economia, especialmente o auxílio emergencial, do presidente Jair Bolsonaro, ganharam elogios em todos os lugares por salvar os brasileiros do pior da crise econômica causada pela pandemia. Mas, agora, enquanto o pior da crise da saúde começa a diminuir, a ansiedade aumenta nos círculos financeiros sobre como ele vai arcar com os custos disso.

Os investidores estão se desfazendo da moeda brasileira e das ações, desencadeando um movimento quase sem paralelo no mundo este ano. Na manhã desta quarta-feira, o dólar chegou a operar próximo dos R$ 5,80 e só perdeu fôlego após a atuação do Banco Central.

O cenário mostra que os investidores estão cada vez mais se recusando a comprar qualquer coisa, exceto os títulos do governo de curto prazo.

Com US$ 107 bilhões, o programa de socorro de Bolsonaro se parece mais com os pacotes de estímulo engendrados pelas nações mais ricas do mundo do que com aqueles apresentados por seus pares, com classificação de risco em mercados emergentes semelhante à brasileira.

O socorro equivale a 8,4% da produção econômica anual do país. É ainda proporcionalmente maior do que os planos anunciados pelo Reino Unido e pela Nova Zelândia.

Tudo isso transforma o Brasil em uma espécie de estudo de caso econômico da Covid-19: um país em desenvolvimento de nível médio pode igualar a resposta fiscal e monetária dos países mais dignos de crédito do mundo e sair impune? Ou afundará em uma crise financeira?

Arminio Fraga, talvez o ex-presidente do Banco Central mais respeitado do Brasil, diz que um desastre completo é uma possibilidade muito real agora.

— Vejo economias maduras fazendo todos os tipos de acrobacias com seus bancos centrais. Tudo bem, eles podem — diz Fraga, que ajudou a evitar o calote da dívida em 1999 e hoje dirige o Gávea Investimentos, no Rio de Janeiro. — Aqui no Brasil é diferente. Temos muitas dívidas.

É claro que a maioria dos países ricos também tem muitas dívidas. O Fundo Monetário Internacional prevê que os Estados Unidos e o Canadá terminarão este ano com uma relação dívida/Produto Interno Bruto acima de 100%. Afirma ainda que a do Japão subirá para 266%, muito acima da relação de 95% que o governo Bolsonaro prevê para o fim de ano.

Mas o Brasil, com sua longa história de inadimplência e inflação galopante, não tem a credibilidade arduamente conquistada nos mercados que esses países têm. Além disso, o ritmo no qual o percentual da dívida está subindo — aumentou 30 pontos percentuais apenas nos últimos cinco anos — alarma os investidores.

As expectativas para a inflação no Brasil, embora em nada pareça com os anos hiperinflacionários de meados da década de 1990, estão subindo rapidamente em meio à preocupação de que o governo não tenha vontade política para controlar os gastos.

Em meio à pandemia de Covid-19, outros países em desenvolvimento, como Peru e Chile, realmente produziram mais estímulos em relação ao tamanho de suas economias. Mas eles desfrutam de classificações de crédito de grau de investimento e começaram com dívidas muito menores.

Auxílio emergencial
No Brasil, a maior parte do estímulo — cerca de US$ 57 bilhões do total — foi dedicada ao auxílio emergencial,  benefícios mensais concedidos a trabalhadores informais, desempregados, pequeno empreendedores, e outros trabalhadores que perderam a renda durante o isolamento social, que se mantiveram alimentados e consumindo enquanto a economia estava encolhendo.

O benefício acabou diminuindo a pobreza e disparando a popularidade de Bolsonaro. O Fundo Monetário Internacional aplaudiu a iniciativa do governo para evitar uma desaceleração econômica mais profunda e estabilizar os mercados financeiros.

O que faz os economistas torcerem as mãos é como o presidente vai reconciliar um déficit primário recorde com um desejo repentino de tornar parte da ajuda permanente depois que o estímulo expirar em 31 de dezembro.

Relatório elogiando a ajuda inicial alertou que os níveis crescentes de dívida pública representam um risco para o Brasil.

Um déficit orçamentário primário estimado em 12,1% do PIB e dúvidas crescentes sobre a capacidade de Bolsonaro encontrar uma maneira de pagar por mais gastos sociais perturbaram os mercados.

A demanda dos traders premium para manter dívida de prazo mais longo disparou em meio ao aumento do risco, com as taxas de swap expirando em cerca de cinco anos a 6,82%, ante 5,39% em julho. O real  caiu quase 30% neste ano, puxando para baixo os retornos das ações baseados em dólares.

A moeda, já sob pressão com as baixas taxas históricas corroendo seu apelo ao carry trade, viu a volatilidade disparar com a reação dos comerciantes às manchetes sobre os gastos do governo.

Taxas de equilíbrio
As expectativas de inflação também dispararam, com os investidores agora avaliando aumentos anuais de preços de 4,4% na próxima década, frente aos 3,8% de um ano atrás.

Talvez o sinal mais nefasto seja a dificuldade de vender dívidas de longo prazo, mesmo que nações como os EUA flertem com a ideia de oferecer títulos com vencimentos de 50 a cem anos.

No Brasil, o prazo médio dos títulos do governo local vendidos em leilão era de 2,36 anos em agosto, ante 4,95 anos um ano antes. Desde então, o movimento em direção às notas de prazo mais curto só cresceu.

Nos leilões de títulos até agora neste mês, por exemplo, as notas de seis meses — o menor prazo disponível com uma taxa fixa —- responderam por 44% da dívida a taxa fixa vendida, em comparação com apenas 11% em outubro de 2019.

— Sem reformas, é possível que o país enfrente outra grave crise macroeconômica — disse Alberto Ramos, economista do Goldman Sachs Group Inc., em Nova York. — Os altos gastos do governo têm sido um problema para o Brasil há décadas. A deterioração fiscal trouxe alta inflação, baixo crescimento e a necessidade da ajuda do FMI no passado. Hoje, a situação não é melhor.

Deficit orçamentário
A mudança para a venda de títulos de curto prazo nos últimos meses resultou na preocupação dos investidores sobre o valor dos gastos públicos, reconheceu José Franco de Morais, subsecretário da dívida pública do Departamento do Tesouro, em uma entrevista.

Ele espera que as coisas se normalizem nos próximos meses, à medida que os investidores ganham confiança de que os gastos serão reduzidos.

Mas o problema que os investidores têm com o Brasil é seu histórico de gastos excessivos e permitir que os aumentos dos preços ao consumidor inflacionem sua dívida.

O Brasil deixou de pagar sua dívida externa nove vezes desde 1800, de acordo com o livro “Desta vez é diferente: Oito séculos de loucura financeira”. O país declarou moratória em 1987 e não foi capaz de retomar os pagamentos até 1994, ano em que a inflação atingiu o pico de 4.923%.

Durante a crise financeira de 2008, o Brasil injetou dinheiro nos bancos públicos e reduziu os impostos para ajudar a sair da recessão. Mas o alívio temporário tornou-se permanente, levando a déficits orçamentários e eventuais rebaixamentos de sua dívida, o que acabou custando bilhões ao governo em custos de empréstimos mais altos.

— Nossa própria dinâmica interna é insustentável — disse Armínio Fraga. — A resposta tem que ser ampla e profunda e tem que cobrir questões fiscais, o que é difícil.

Quase uma década após a crise de 2008, o antecessor de Bolsonaro instituiu um teto de gastos obrigatório constitucionalmente para ajudar a recuperar a confiança dos investidores. Mas o Congresso deu a Bolsonaro um passe único para ultrapassá-lo neste ano, e os investidores estão ansiosos por sinais de que ele colocará o país de volta no caminho da estabilidade fiscal.

Gerações futuras
— O teto de gastos é um símbolo, uma bandeira que alguns de nós nas trincheiras usamos para defender as gerações futuras — disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, em evento este mês. — Não podemos continuar com dívidas em forma de bola de neve, altas taxas de juros e altos impostos.

Mas até agora é difícil dizer o que o presidente Bolsonaro está planejando. Sua última tacada para pagar a ajuda pós-pandemia sacudiu os mercados no mês passado, deixando sua própria equipe econômica incumbida de controlar os danos sobre as crescentes preocupações de que o compromisso com limites de gastos não é sério.

Desde então, Bolsonaro arquivou futuras discussões até depois das eleições municipais do próximo mês, deixando-o com apenas uma pequena janela para chegar a um acordo entre o fechamento das urnas e o início do ano novo.

Morais disse que a regra fiscal será respeitada e que o próximo programa de estímulo será menor do que alguns investidores temiam. Ele acrescentou que há bastante liquidez no mercado de títulos local.

— O tempo estará trabalhando contra o governo — disse Roberto Secemski, economista com foco no Brasil do Barclays Plc.

Em última análise, acrescenta, os investidores querem um plano “que nos diga que o endividamento público vai se estabilizar”.

https://oglobo.globo.com/economia/brasil-vive-rebeliao-no-mercado-com-crise-fiscal-apos-gastos-no-combate-covid-24716488

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Textos PRA:

2433. “Brasil: o futuro do país está no passado (de outros países...): proposta para uma Fronda Empresarial”, Brasília, 13 outubro 2012, 24 p. Texto-base para palestras no ciclo Liberdade na Estrada: “Brasil, país do futuro: até quando?” (Porto Alegre, FCE/UFRGS, dia 17/10/2012, 19:00hs), no “Papo Amigo” da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas (Porto Alegre, 18/10/2012, 12:00hs) e no Instituto de Formação de Líderes de Minas Gerais (Belo Horizonte, 24/10/2012, 19:30hs). Divulgado na plataforma Academia.edu (links: https://www.academia.edu/5962599/2433_Brasil_o_futuro_do_pa%C3%ADs_est%C3%A1_no_passado_de_outros_pa%C3%ADses..._proposta_para_uma_Fronda_Empresarial_2102_). Postado novamente no blog Diplomatizzando em 8/07/2015 (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/07/brasil-o-futuro-do-pais-esta-no-passado.html). Canal pessoal no YouTube: https://youtu.be/RL6ZcpWyAWY.


2543. “Por uma Fronda Empresarial Brasileira”, Hartford, 8 Dezembro 2013, 2 p. Artigo em colaboração com o acadêmico e diplomata Paulo Fernando Pinheiro Machado, animador do blog No Bico da Chaleira (http://nobicodachaleira.wordpress.com). Publicado no jornal O Estado de S. Paulo (ISSN: 1516-2931; 18/12/2013; link: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,por-uma-fronda--empresarial-brasileira-,1109902,0.htm). Divulgado no blog Diplomatizzando (i18/12/2013; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/12/por-uma-fronda-empresarial-paulo-f-p.html).



domingo, 2 de outubro de 2016

Economia brasileira: ainda fazendo agua, ou afundando mais um pouco - Ricardo Bergamini rele ata do BC

Ricardo Bergamini, sempre cáustico, resume a situação atual da economia brasileira

- Em doze meses, os juros nominais atingiram R$418 bilhões (6,86% do PIB).
- Em doze meses, o déficit nominal alcançou R$587 bilhões (9,64% do PIB).
- A Dívida Bruta do Governo Geral (Governo Federal, INSS, governos estaduais e governos municipais) alcançou R$4.272,8 bilhões em agosto (70,1% do PIB).

Política Fiscal – Fonte BCB
Base: Agosto de 2016

I - Resultados fiscais
O setor público consolidado registrou déficit primário de R$22,3 bilhões em agosto. O Governo Central e os governos regionais apresentaram déficits primários de R$22,1 bilhões e R$653 milhões, respectivamente, enquanto as empresas estatais registraram superávit primário de R$529 milhões.
No ano, o déficit primário acumulado foi de R$58,9 bilhões, ante déficit de R$1,1 bilhão no mesmo período de 2015. No acumulado em doze meses, registrou-se déficit primário de R$169 bilhões (2,77% do PIB), elevando-se 0,23 p.p. do PIB em relação ao mês anterior.
Os juros nominais apropriados por competência alcançaram R$40,7 bilhões em agosto, praticamente no mesmo patamar observado em julho. Observou-se, por um lado, ganho de R$4,3 bilhões nas operações de swap cambial no mês (comparativamente a perda de R$1,8 bilhão em julho) e, em sentido contrário, elevação no volume de juros apropriados em decorrência de um maior número de dias úteis em agosto. No acumulado no ano, os juros nominais totalizaram R$254,6 bilhões, ante R$338,3 bilhões no mesmo período do ano anterior. Em doze meses, os juros nominais atingiram R$418 bilhões (6,86% do PIB), reduzindo-se 0,19 p.p. do PIB em relação ao observado em julho.
O resultado nominal, que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados, foi deficitário em R$62,9 bilhões em agosto. No ano, o déficit nominal totalizou R$313,4 bilhões, comparativamente a déficit de R$339,4 bilhões no mesmo período do ano anterior. Já no acumulado em doze meses, o déficit nominal alcançou R$587 bilhões (9,64% do PIB), elevando-se 0,04 p.p. do PIB em relação ao valor registrado em junho.
O déficit nominal do mês foi financiado mediante expansões de R$50,6 bilhões na dívida mobiliária e de R$17,2 bilhões na dívida bancária líquida, compensadas, parcialmente, pela redução de R$4,8 bilhões nas demais fontes de financiamento interno, que incluem a base monetária, e de R$138 milhões no financiamento externo líquido.

II - Dívida mobiliária federal
A dívida mobiliária federal interna, fora do Banco Central, avaliada pela posição de carteira, totalizou R$2.830,2 bilhões (46,5% do PIB) em agosto, registrando queda de R$2 bilhões em relação ao mês anterior. O resultado refletiu resgates líquidos de R$34,1 bilhões e incorporação de juros de R$32,1 bilhões.
Destacaram-se os resgates líquidos de R$83,2 bilhões em NTN-B e as emissões líquidas de R$31,2 bilhões em LTN, de R$13,4 bilhões em LFT e de R$4,8 em NTN-F.
A participação por indexador registrou a seguinte evolução, em relação a julho: a porcentagem dos títulos indexados a câmbio permaneceu em 0,4%; a dos títulos vinculados à taxa Selic passou de 19,7% para 20%; a dos títulos prefixados elevou-se de 26,6% para 27,5%, pelas emissões líquidos de LTN e NTN-F; e a dos títulos indexados aos índices de preços caiu de 26,1% para 24%, pelos resgates líquidos de NTN-B. A participação das operações compromissadas elevou-se de 26,9% para 27,9%, apresentando vendas líquidas de R$39,7 bilhões.
Em agosto, a estrutura de vencimento da dívida mobiliária em mercado era a seguinte: R$124,9 bilhões, 4,4% do total, com vencimento em 2016; R$388,4 bilhões, 13,7% do total, com vencimento em 2017; e R$2.316,9 bilhões, 81,9% do total, vencendo a partir de janeiro de 2018.
No final de agosto a exposição total líquida nas operações de swap cambial alcançou R$128,2 bilhões. O resultado dessas operações no mês (diferença entre a rentabilidade dos Depósitos Interfinanceiros e a variação cambial mais cupom) foi favorável ao Banco Central em R$4,3 bilhões.

III - Dívida líquida do setor público
A dívida líquida do setor público alcançou R$2.638,3 bilhões (43,3% do PIB) em agosto, elevando-se 0,8 p.p. do PIB em relação ao mês anterior.
No ano, houve elevação de 7,1 p.p. na relação DLSP/PIB, decorrente do impacto da incorporação de juros (+4,2 p.p.), da valorização cambial de 17% no período (+3,4 p.p.), do déficit primário (1 p.p.), do efeito do crescimento do PIB nominal (-1,1 p.p.), e do ajuste de paridade da cesta de moedas da dívida externa líquida (-0,3 p.p).
A Dívida Bruta do Governo Geral (Governo Federal, INSS, governos estaduais e governos municipais) alcançou R$4.272,8 bilhões em agosto (70,1% do PIB), elevando-se 0,5 p.p. do PIB em relação ao mês anterior.

Arquivos oficiais do governo estão disponíveis aos leitores.
Ricardo Bergamini