Confesso que li, reli, e não entendi, exatamente, o que quis dizer a presidente.
Sei, claro, que se trata de uma "desenvolvimentista" instintiva -- as aspas pelo fato de que ninguém tem o monopólio do desenvolvimento, como se apenas desenvolvimentistas fossem a favor e liberais contra -- e de uma keynesiana de verniz (pois não imagino alguém se debruçando com prazer naquele livro insosso que se chama "Teoria Geral, etc.", que não é bem teoria e muito menos geral).
Mas, não consigo extrair uma linha de pensamento claro do que vai escrito abaixo -- um discurso do qual selecionei só as partes que me interessam, que são as de política econômica -- e não sei se alguém consegue.
Claro, "a nível de" simplificação, como diria alguém, se podem extrair algumas recomendações interessantes: somos contra a recessão, certo; somos contra a austeridade (aí depende; acho que ninguém deve gastar mais do que ganha, sob risco de se endividar); somos a favor do crescimento, certo; somos contra o desemprego, mais certo ainda; somos a favor de investimentos, todo mundo concorda.
As discordâncias começam por saber quem deve "estimular o consumo", com o dinheiro de quem, e como fazer se a produção, ou seja, a oferta não seguir o consumo. Inverte a equação?
Está certo que Keynes inverteu a lei de Say, que dizia que a oferta cria sua própria demanda. O economista inglês pretendia que a demanda cria sua própria oferta. Mas, e se por falta de condições objetivas, a demanda não conseguir criar a sua oferta?
E como fazer, segundo Keynes, para estimular a demanda, com qual dinheiro? O governo inventa dinheiro, cria dinheiro?
Pode até ser, mas se ele criar dinheiro a partir do nada, não vai haver produção para justificar a emissão desse dinheiro, e vai se criar uma tremenda pressão inflacionária em sua volta.
Seria isso a que a presidente se refere?
E ela acha que os europeus estão praticando austeridade e alimentando a recessão porque gostam de viver nessas condições austeras e recessivas?
Eles podem escolher entre crescer e não crescer, seria isso?
Seria uma boa aula de economia se eu conseguisse entender o que quis dizer a presidente. Quem conseguir entender, me avise...
Não é cachorro perdido, mas remunera-se bem...
Paulo Roberto de Almeida
Discurso
da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante cerimônia de assinatura do
Termo de Compromisso para a elaboração do projeto executivo das obras de
reformulação e modernização do Anel Rodoviário de Belo Horizonte
Belo Horizonte-MG, 12
de junho de 2012
(...)
Então,
eu fico muito feliz de estar aqui mais uma vez. Fico feliz também, porque nós
estamos em um momento especial no Brasil. Nós estamos em um momento que
antecede a semana, que antecede a Rio+20. A Rio+20 é uma conferência que tem
uma extraordinária importância, principalmente, quando nós consideramos que ela
trata de uma questão que para mim está na ordem do dia, que é a questão do
desenvolvimento sustentável. A questão do desenvolvimento sustentável. Por que
é uma questão que está na ordem do dia? Ao contrário do que muitas pessoas acham,
que o fato que a crise econômica pode tirar a atenção das questões suscitadas
pelo desenvolvimento sustentável, eu considero que pelo contrário. O tamanho e
a dimensão dessa crise, ela tem de fazer com que os nossos olhos se dirijam
para um conceito de desenvolvimento, em que os três eixos do desenvolvimento
sejam integrados. Que eixos? O eixo de que é possível crescer economicamente. É
possível ter um país se desenvolvendo economicamente. Para que ele se
desenvolve economicamente que não seja para suas pessoas, ou seja, para a sua
população? Então, que cresça e inclua essas pessoas, que inclua sua população,
que seja um desenvolvimento do ponto vista social, um desenvolvimento com
justiça. E que, ao mesmo tempo, respeite o meio ambiente. É esse o grande
desafio dessa conferência Rio+20. E por que isso é atual? Porque nós vivemos
hoje no mundo e que nós estamos vendo, e recentemente o último dado
internacional, que chama atenção, é o fato de que mais um vez as autoridades da
zona do euro respondem a uma crise que se aprofunda e que se torna uma crise
quase crônica, respondem com 100 bilhões de euros de financiamento dos bancos.
Mas é verdade que responde com isso. A pergunta é: Até quando esses 100 bilhões
de euros? E vamos lembrar bem que, no final do ano passado, foram 1 trilhão de
euros também para os bancos e que não resultou numa reciclagem da dívida.
Nós
vivemos nesse mundo em que a crise do sistema bancário se sobrepõe à crise
soberana dos países e, tudo indica que, se não forem tomadas medidas, e essas
medidas não são dinheiro, essas medidas são mudar o padrão de crescimento e a
visão que se tem dos processos de ajustamentos, o que nós temos grande, mas
grande experiência. Nós ficamos 10 anos, vocês lembram bem, 10 anos com um
rebatimento para mais cinco, uns 15 anos, nós ficamos num processo de crise de
dívida, de inflação, de recessão, de desequilíbrio e de desemprego.
Nós
sabemos que um país não sai da crise, pelo contrário, ele cria para ele mesmo
uma armadilha. Cada vez que ele corta um gasto, que ele para de investir, ele
provoca o que está produzindo a Europa. A Europa está numa profunda crise. Quem
tem segurando os outros países – os Estados Unidos também não estão bem, todo
mundo sabe disso, basta ler jornal, não recuperou como se esperava, quem está
segurando isso são os países emergentes. Os países emergentes sofrendo as
consequências disso. Houve uma retração brutal dos mercados.
Agora, nós temos de
enfrentar mais uma vez essa crise com os nossos próprios recursos. Os nossos
próprios recursos são os recursos que nós construímos ao ampliar o mercado
interno deste país, que era um mercado interno, vamos lembrar bem, extremamente
restrito. A partir do governo do presidente Lula, nós conseguimos ampliar o
mercado interno. E praticamente, para a gente ter uma idéia da dimensão,
transformamos em consumidores, em produtores, em trabalhadores, 40 milhões de
brasileiros que foram elevados à condição de potencializar o nosso mercado
interno. Além disso, os nossos próprios recursos significam que nós fizemos a
nossa parte no dever de casa nosso. Nós temos, hoje, um volume de reservas que
faz com que o Brasil tenha suas defesas no que se refere à volatilidade cambial
e aos problemas de financiamento, que crises desse tipo, que ocorreram e que
estão ocorrendo, que ocorreram com o Lehman Brothers e que
estão ocorrendo nos mercados bancários europeus, que é uma chamada fuga para a
segurança.
Hoje,
há uma dúvida a respeito da situação da segurança dos investidores em certas
economias, que faz com que esses investidores procurem, apesar da crise nos
Estados Unidos, procurem se defender investindo em títulos do Tesouro
americano. Isso leva a essa volatilidade que todo mundo está assistindo no
cenário internacional. O interbancário europeu está praticamente fechado, têm
problemas nos bancos, como nós vimos no caso dos bancos espanhóis e vários
jornais internacionais, a crer neles, outros países se tornarão a bola da vez.
Enquanto
isso, aqui no Brasil, nós somos um país que está caminhando para alterar as
condições de investimento. Alterar as condições de investimento no Brasil
significa o seguinte. Primeiro, tem de reduzir o custo de capital do país.
Reduzir o custo de capital do país é reduzir juros. Não se faz isso por
decreto, se faz isso perguntando: afinal de contas, qual é a nossa diferença
que explica juros, que explica tecnicamente – eu não estou perguntando
explicação política para isso, estou perguntando a explicação técnica – para
diferenciais de juros que não se compadecem com a qualidade da nossa situação
econômica. Por quê? Porque além de termos a inflação sob controle, somos um
país que fez o seu dever de casa e tem as suas finanças públicas sob controle.
Temos uma das menores relações dívida/PIB do país. Então, temos de reduzir o
custo do capital.
Precisamos,
sim, melhorar a produtividade do trabalho. Por isso, tivemos o cuidado de
apostar num programa em parceria com as entidades empresariais, um programa que
é de formação e capacitação profissional, que é o Pronatec. E aí eu agradeço à
Confederação Nacional da Indústria, a CNI, o mineiro, inclusive, Robson
Andrade. Agradeço também à FIESP, agradeço à FIEMG, agradeço à FIERGS, agradeço
às federações, e os respectivos Serviços Nacionais da Indústria que são
parceiros nossos nesse desafio.
Temos
talvez um dos maiores – eu não vou dizer o maior, porque eu não sei o que os
chineses estão fazendo –, mas temos um dos maiores programas de formação, no
exterior, de jovens brasileiros, que é o Ciência sem Fronteiras. Colocamos
nisso mais de R$ 3,5 bilhões para que cem mil brasileiros estudem no exterior,
estudem ou façam pesquisa no exterior, façam estágios em empresas, e trazendo
também professores e estudantes para cá.
Não
estamos fazendo uma política de gasto fácil no Brasil. Nós estamos voltados
para perseguir o investimento e iremos perseguir o investimento. Não é algo
trivial. Aliás, tem várias pessoas que deram para me dar conselho, que não são
responsáveis por nenhum investimento antes de 2003. Não são. Não são, porque
este país não investia. Quando nós começamos a fazer o PAC, a dificuldade para
fazer o PAC era enorme, porque não tinha projeto. E por que não tinha projeto?
Porque não tinha consultoria, não tinha empresa de consultoria neste país.
Quando a Petrobras começava a contratar, as empresas começavam a contratar,
sabem o que acontecia? Congestionava o fornecimento de projeto no Brasil,
porque elas tinham fechado e levaram um tempo para abrir e levaram um outro
tempo para adquirir competência.
Além
disso, este país teve de aprender a gastar outra vez. E não foi só o governo
federal. Foram as prefeituras, foram os estados. Perguntar se ainda hoje já
sabe gastar direitinho, eu diria assim: estamos numa fase de aprendizado
bastante adiantado, mas precisamos ainda nos apurar muito, de reduzir os
prazos, de melhor qualidade dos projetos.
Além
disso, o governo federal tem uma preocupação muito grande com a parceria com os
estados e municípios. E, por isso, estamos – eu, inclusive, convidei o
governador –, estamos marcando uma reunião para sexta-feira, no sentido de
fazer um processo muito similar ao que fizemos em 2009 com os governos, no que
se refere a um programa exclusivamente de investimentos. Eu acredito que nós,
no segundo semestre, a partir de agora, nós teremos um processo cada vez mais
contínuo de crescimento dos investimentos do Brasil. Não acho que essa história
que não é necessário consumir é verdade. Não concordo com isso. Não concordo
com a história que não é preciso estimular o consumo. Acho que o estímulo ao
consumo vai da característica intrínseca do nosso modelo, que é um modelo de
desenvolvimento com inclusão social. Estranho seria se o modelo que tem de
levar 16 milhões de brasileiros e de brasileiras a ter um padrão mínimo de
consumo e renda não fizesse ampliação do consumo no país. Por quê? Porque nós
temos ainda um consumo extremamente reprimido das classes populares desse país.
É uma visão absolutamente equivocada achar que quem não tem uma melhoria de
renda não quer comprar uma televisão, uma geladeira, um forno de microondas,
uma máquina de lavar. Isso não tem nenhum problema. O Brasil comporta isso. Não
temos um nível elevado de endividamento das famílias, não. É só pegar os
padrões internacionais de endividamento e olhá-los. Além disso, eu considero
que o Brasil tem esse grande potencial justamente por isso. Por ser uma
economia emergente em transição, que não é uma transição rápida para uma
economia que pode ser uma economia de classe média. Nós ainda não somos. Temos
milhões de brasileiros sem casas. Temos milhões de brasileiros sem saneamento.
E aí eu acho
interessantíssimo considerar que o gasto em financiamento de moradias é
consumo. O gasto em financiamento de moradias – e aqui eu estou vendo o Paulo
Safady, os R$ 120 bilhões que o governo coloca no Programa Minha
Casa, Minha Vida não podem ser considerados custeio. Porque sem esses 120
bilhões não teria a explosão de criação de oportunidade, de investimento na
construção civil que nós estamos tendo. Não que seja só isso. Não, o sistema
brasileiro de poupança e empréstimo tem o seu papel. Agora, essa ação das
inversões privadas na área da construção civil tem toda justificativa para ser
tratada, do ponto de vista econômico e técnico, como investimento. Porque é
investimento direto da construção civil. E melhor ainda, sem bolha, porque nós
sabemos de onde vem o dinheiro. Ele não tem mercado secundário, não é
especulativo. E entende que o endividamento das famílias do Brasil não suporta,
principalmente nas classes de menor renda, não suporta preços de mercado puro e
simples. Então, aos preços de mercado, se acrescenta subsídio direto do
governo. O governo subsidia sim, se isso, em um certo momento do passado, foi
visto como algo incorreto, eu quero ver hoje quem defenda que isso é incorreto.
Quem defenda num país como o nosso que o acesso à casa própria de milhões de
brasileiros que ganham até R$ 1.600,00, por exemplo, pode ser feita a preço de
mercado. Sem subsidio. Não pode, não será e nunca aconteceu. Por isso, que esse
programa é o sucesso que é. Tem problemas? Há têm. Nós sabemos que têm, mas são
problemas nossos, ou seja, a gente tem muito orgulho dos problemas. Porque a
gente resolve os problemas. Aliás, nós fizemos esse programa em parceria com os
empresários.
Eu
queria dizer para vocês que o Brasil tem forças internas para enfrentar essa
crise. Ele é diferente dos outros países da Europa que não têm forças internas.
O que nós temos? Nós temos, nós estamos muito bem fincados nos nossos próprios
pés. Nós temos política econômica consistente. Nós não temos uma visão que acha
que o ajuste é justificável e pode levar a que 54% da população de jovens de um
país fique sem emprego. Nós nunca achamos isso. Nós temos uma política de
defesa do emprego brasileiro, sim. E aí, eu quero aproveitar a oportunidade e
dar uma informação para os senhores.
É
muito dito que o conteúdo nacional, que nós exigimos que ocorra em vários
segmentos da indústria, onde o Estado é o grande comprador e o grande
demandador - com o dinheiro de quem? Do povo brasileiro - seja fornecido com
produtos aqui do país. Gerados por empregos brasileiros com trabalho
brasileiro. Tem muita gente que fala mal da política de conteúdo nacional. E
diz o seguinte: a Petrobras tem investimentos atrasados, porque está produzindo
sondas no Brasil. Ora, é verdade. Nós queremos produzir sondas no Brasil.
Quando resolvemos que íamos produzir sondas no Brasil, você não faz assim e
começa a produzir sonda. Vai ter de ter empresa que produza sonda, vai ter de
ter estaleiro. Tinham desmantelado os estaleiros deste país. Eu sei porque eu,
pessoalmente, fui mandada pelo presidente Lula para ir olhar o problema da
produção de sondas no país.
Pois
bem. Dizem que hoje a Petrobras está com a produção atrasada porque não deixou
livre a importação de sondas. Tinha de importar do exterior. Há uma má
informação aqui, que eu lamento muito a má informação. Mas eu queria dizer o
seguinte para os senhores. Como nós não tínhamos os estaleiros nem as empresas
prontas para produzir sonda – era uma política de incentivo –, nós dissemos
assim: A partir de 2013 ou [20]15” – eu não lembro bem – as sondas serão
aquelas produzidas no Brasil. Até lá vai ter de importar. Sabe quem é que
atrasou a entrega de sondas? Vocês sabem? Foi alguma empresa nacional, por
causa da política de conteúdo local? Não foi, não foi, não foi. O atraso na
entrega de sondas é das sondas contratadas no exterior, que tem atraso de um
ano, tem atraso de 18 meses e tem atraso de 24 meses dos fornecedores.
Então,
vamos parar de atribuir a uma política correta do país, que é feita – vamos
lembrar bem –, é feita pelos Estados Unidos, é feita pela França, que é uma
política de fornecedores, de tratamento de fornecedores, exigindo participação
nacional, e vamos entender que na área de fornecimento de equipamentos, não só
na eventualidade futura nós podemos atrasar, como os fornecedores
internacionais também atrasam. Pagam multa, é claro. Pagam multa, mas atrasam,
que isso acontece.
(...)
Por
que o governo federal fica preocupado com o investimento federal? É porque nós
somos... nós não respeitamos o investimento privado? Pelo contrário: o que nós
sabemos é que o investimento privado é pró-cíclico, ou seja, é mais factível de
ser influenciado por uma conjuntura de insegurança. O Estado é menos
pró-cíclico.
Então,
eu conto com o prefeito Anastasia, aliás, com o prefeito Márcio e o governador
Anastásia para que nós, juntos, façamos esses projetos e continuemos mantendo a
taxa de investimento sempre em crescimento. O Brasil tem essa dificuldade? Tem.
Uma das partes – isso eu sempre disse – é: câmbio, juros e impostos. Nós temos
sempre de enfrentar esses três. Por quê? Eu diria assim, desamarrar esse nó é
uma forma, também, de viabilizar o investimento público. O Brasil Maior – o
ministro Fernando Pimentel está aqui – o Brasil Maior é um processo desse enfrentamento.
Agradeço
a todos e também as sugestões, porque eu leio essas sugestões e fico muito
feliz. Até porque, até outro dia o governo que fizesse investimento público era
intervencionista. Agradeço a percepção de que é fundamental que o governo
invista, quando temos de enfrentar o crescimento de um país da dimensão do
Brasil.
Muito
obrigada a todos.
Ouça a íntegra do discurso (33min58s)
da Presidenta Dilma