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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O que eu "tramava" para Lula ao início de seu terceiro mandato, em 1 de janeiro de 2023 - Paulo Roberto de Almeida

Quase um ano atrás, em viagem de férias entre o final de 2022 e o começo de 2023, eu fazia meus votos de sucesso ao presidente no início do seu terceiro mandato. Vejamos quais eram meus prognósticos.

Meus melhores votos de sucesso em 2023 vão para…

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(diplomatizzando.blogspot.com)

Nota saudando o terceiro mandato, com diversos alertas e sugestões de políticas.

  

... Lula, como presidente pela terceira vez, algo inédito na história política brasileira, por ser pela via democrática e não como certos “presidentes” ou chefes de governos, eternizados em eleições fraudadas em diversos países latino-americanos, africanos e em outros países, inclusive europeus, como por exemplo na Hungria de Orban e na Rússia de Putin, assim como na China de Xi Jinping (que acaba de romper um modelo de alternância na autocracia do partido leninista, ao “eleger” pela terceira vez o seu novo imperador).

Lula merece ter sucesso no que é o seu marco distintivo na frágil democracia brasileira, a diminuição, ainda que relativa e altamente instável, da iniquidade da distribuição de renda no país, que sempre a concentrou em favor de nossas medíocres elites patrimonialistas. 

Não tenho nenhuma ilusão que essa pequena redução na concentração de renda se faça em favor dos realmente pobres e miseráveis e que ela seja feita pelos bons méritos de políticas macroeconômicas e setoriais adequadas, pois carregam os sinais distintivos do velho populismo eleitoreiro da subvenção ao consumo dos mais pobres, e não pela via correta e necessária de redução das fontes estruturais da pobreza, que são a não educação de maneira geral e a baixa capacitação técnico-profissional da população economicamente ativa, necessária para a elevação dos níveis de produtividade do capital humano e social, em particular.

Sempre fui, a despeito de ser bastante crítico a esse personagem singular do velho populismo brasileiro, um apoiador sincero de suas medidas redistributivas, que corrigem, ainda que minimamente e modestamente, a tremenda injustiça do eterno patrimonialismo oligárquico do Brasil, uma nação que se caracteriza por séculos de injustiças contra os mais pobres, em primeiro lugar contra os africanos e indígenas escravizados e oprimidos, e que ainda se ressentem da persistência de formas disfarçadas de escravismo e de servidão na pobreza generalizada de seus descendentes.

Continuarei ao longo de 2023, e mais além, meu apoio crítico a tais medidas de redução da miséria abjeta e da pobreza absoluta por parte de um governo que dispõe de um legítimo apoio popular, ao lado de uma convivência incômoda com as “elites” extratoras de sempre, as classes econômicas eternamente privilegiadas, que não são apenas os velhos e novos  proprietários fundiários e os grandes capitalistas, empresários industriais e banqueiros, mas também os mandarins do Estado, a começar pela aristocracia do judiciário e outros altos servidores do Estado, que se servem do Estado para si próprios. 

Manterei, ao longo de 2023 e mais adiante, meu ceticismo sadio em relação a políticas públicas e medidas estatais que atuam apenas nos estoques de riqueza, e não na criação de seus novos fluxos, assim como naquelas iniciativas redistributivas que impactam apenas os muitos efeitos da iniquidade distributiva (entre elas um sistema tributário regressivo), e não exatamente suas múltiplas fontes de criação dos canais de reconcentração de renda, com modestos resultados nas estruturas sólidas do nosso vergonhoso coeficiente de Gini.

Serei especialmente crítico em relação a uma política externa feita de muitos equívocos conceituais (como a velha e anacrônica visão “classista” da divisão do mundo) e de sua primeira diplomacia partidária, com vergonhosos apoios a execráveis ditaduras supostamente de esquerda (e algumas de direita também). 

Sou, em particular, um opositor talvez isolado e de primeira hora do BRIC-BRICS, que considero um grande erro estratégico da diplomacia lulopetista, por nos unir, sem qualquer convergência sólida de objetivos compartilhados, a duas grandes autocracias e a duas outras democracias de baixíssima qualidade (como é a nossa aliás), apenas pela ilusão de que se trataria da construção de uma ordem mundial alternativa à velha dominação de antigas potências colonialistas ou do novo hegemonismo americano, o que é um programa meramente oposicionista, sem qualquer conexão com propostas visando a melhoria da qualidade de políticas públicas de desenvolvimento econômico e social, ou com a elevação dos padrões de governança democrática e de defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Também sou um opositor declarado do estatismo desmesurado desse terceiro governo economicamente intervencionista do grande líder populista, e de sua megalomania na política externa, o que nos envolve num certo aventureirismo diplomático, sem grandes efeitos no objetivo que deveria ser essencial num projeto nacional, que é a redução dos níveis exageradamente altos de miséria e de pobreza inaceitáveis.

Com todas essas ressalvas, alertas e sugestões, desejo um bom 2023 a Lula e um bom governo até 2026, esperando que escapemos de uma nova e catastrófica recessão (como a de 2015-16) e que em 2027 estejamos melhor do que agora e livres de qualquer ameaça golpista e de um retorno do destruidor desgoverno desse infeliz último quadriênio, marcado pelo reforço do patrimonialismo oligárquico e do autoritarismo militar, ilegítimo em sua essência. 

Vamos lá Brasil, seja feliz de novo, como nos bons tempos de JK, que viram o nascimento da Bossa Nova e do Rei Pelé!

Com os melhores votos de

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 1/01/2023

 

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 4297: 1 janeiro 2023, 3 p.


domingo, 1 de janeiro de 2023

Discurso de posse do presidente Lula para o seu terceiro mandato, 1/01/2023

 Discurso de posse do presidente Lula para o seu terceiro mandato, 1/01/2023

Boa tarde, povo brasileiro!

Minha gratidão a vocês, que enfrentaram a violência política antes, durante e depois da campanha eleitoral. Que ocuparam as redes sociais, e que tomaram as ruas, debaixo de sol e chuva, nem que fosse para conquistar um único e precioso voto.

Que tiveram a coragem de vestir a nossa camisa e, ao mesmo tempo, agitar a bandeira do Brasil – quando uma minoria violenta e antidemocrática tentava censurar nossas cores e se apropriar do verde- amarelo, que pertence a todo o povo brasileiro.

A vocês, que vieram de todos os cantos deste país – de perto ou de muito longe, de avião, de ônibus, de carro ou na boleia de caminhão. De moto, bicicleta e até mesmo a pé, numa verdadeira caravana da esperança, para esta festa da democracia.

Mas quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim.

Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância.

A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras.

O povo brasileiro rejeita a violência de uma pequena minoria radicalizada que se recusa a viver num regime democrático.

Chega de ódio, fake news, armas e bombas. Nosso povo quer paz para trabalhar, estudar, cuidar da família e ser feliz.

A disputa eleitoral acabou. Repito o que disse no meu pronunciamento após a vitória em 30 de outubro, sobre a necessidade de unir o nosso país.

“Não existem dois brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação.”

Somos todos brasileiros e brasileiras, e compartilhamos uma mesma virtude: nós não desistimos nunca.

Ainda que nos arranquem todas as flores, uma por uma, pétala por pétala, nós sabemos que é sempre tempo de replantio, e que a primavera há de chegar. E a primavera chegou.

Hoje, a alegria toma posse do Brasil, de braços dados com a esperança.

Minhas queridas amigas e meus amigos.

Recentemente, reli o discurso da minha primeira posse na Presidência, em 2003. E o que li tornou ainda mais evidente o quanto o Brasil andou para trás.

Naquele 1º de janeiro de 2003, aqui nesta mesma praça, eu e meu querido vice José Alencar assumimos o compromisso de recuperar a dignidade e a autoestima do povo brasileiro – e recuperamos. De investir para melhorar as condições de vida de quem mais necessita – e investimos. De cuidar com muito carinho da saúde e da educação – e cuidamos.

Mas o principal compromisso que assumimos em 2003 foi o de lutar contra a desigualdade e a extrema pobreza, e garantir a cada pessoa deste país o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar todo santo dia – e nós cumprimos esse compromisso: acabamos com a fome e a miséria, e reduzimos fortemente a desigualdade.

Infelizmente hoje, 20 anos depois, voltamos a um passado que julgávamos enterrado. Muito do que fizemos foi desfeito de forma irresponsável e criminosa.

A desigualdade e a extrema pobreza voltaram a crescer. A fome está de volta – e não por força do destino, não por obra da natureza, nem por vontade divina.

A volta da fome é um crime, o mais grave de todos, cometido contra o povo brasileiro.

A fome é filha da desigualdade, que é mãe dos grandes males que atrasam o desenvolvimento do Brasil. A desigualdade apequena este nosso país de dimensões continentais, ao dividi-lo em partes que não se reconhecem.

De um lado, uma pequena parcela da população que tudo tem. Do outro lado, uma multidão a quem tudo falta, e uma classe média que vem empobrecendo ano após ano.

Juntos, somos fortes. Divididos, seremos sempre o país do futuro que nunca chega, e que vive em dívida permanente com o seu povo.

Se queremos construir hoje o nosso futuro, se queremos viver num país plenamente desenvolvido para todos e todas, não pode haver lugar para tanta desigualdade.

O Brasil é grande, mas a real grandeza de um país reside na felicidade de seu povo. E ninguém é feliz de fato em meio a tanta desigualdade.

Minhas amigas e meus amigos,

Quando digo “governar”, eu quero dizer “cuidar”. Mais do que governar, vou cuidar com muito carinho deste país e do povo brasileiro.

Nestes últimos anos, o Brasil voltou a ser um dos países mais desiguais do mundo. Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas.

Mães garimpando lixo, em busca do alimento para seus filhos.

Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo.

Crianças vendendo bala ou pedindo esmola, quando deveriam estar na escola, vivendo plenamente a infância a que têm direito.

Trabalhadoras e trabalhadores desempregados exibindo, nos semáforos, cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: “Por favor, me ajuda”.

Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de automóveis importados e jatinhos particulares.

Tamanho abismo social é um obstáculo à construção de uma sociedade verdadeiramente justa e democrática, e de uma economia próspera e moderna.

Por isso, eu e meu vice Geraldo Alckmin assumimos hoje, diante de vocês e de todo o povo brasileiro, o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade.

Desigualdade de renda, de gênero e de raça. Desigualdade no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado. Desigualdade no acesso a saúde, educação e demais serviços públicos.

Desigualdade entre a criança que frequenta a melhor escola particular, e a criança que engraxa sapato na rodoviária, sem escola e sem futuro. Entre a criança feliz com o brinquedo que acabou de ganhar de presente, e a criança que chora de fome na noite de Natal.

Desigualdade entre quem joga comida fora, e quem só se alimenta das sobras.

É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%.

Que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres do país.

Que um trabalhador ou trabalhadora que ganha um salário mínimo mensal leve 19 anos para receber o equivalente ao que um super rico recebe em um único mês.

E não adianta subir o vidro do automóvel de luxo, para não ver nossos irmãos que se amontoam debaixo dos viadutos, carentes de tudo – a realidade salta aos olhos em cada esquina.

Minhas amigas e meus amigos.

É inaceitável que continuemos a conviver com o preconceito, a discriminação e o racismo. Somos um povo de muitas cores, e todas devem ter os mesmos direitos e oportunidades.

Ninguém será cidadão ou cidadã de segunda classe, ninguém terá mais ou menos amparo do Estado, ninguém será obrigado a enfrentar mais ou menos obstáculos apenas pela cor de sua pele.

Por isso estamos recriando o Ministério da Igualdade Racial, para enterrar a trágica herança do nosso passado escravista.

Os povos indígenas precisam ter suas terras demarcadas e livres das ameaças das atividades econômicas ilegais e predatórias. Precisam ter sua cultura preservada, sua dignidade respeitada e sua sustentabilidade garantida.

Eles não são obstáculos ao desenvolvimento – são guardiões de nossos rios e florestas, e parte fundamental da nossa grandeza enquanto nação. Por isso estamos criando o Ministério dos Povos Indígenas, para combater 500 anos de desigualdade.

Não podemos continuar a conviver com a odiosa opressão imposta às mulheres, submetidas diariamente à violência nas ruas e dentro de suas próprias casas.

É inadmissível que continuem a receber salários inferiores ao dos homens, quando no exercício de uma mesma função. Elas precisam conquistar cada vez mais espaço nas instâncias decisórias deste país – na política, na economia, em todas as áreas estratégicas.

As mulheres devem ser o que elas quiserem ser, devem estar onde quiserem estar. Por isso, estamos trazendo de volta o Ministério das Mulheres.

Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição. E esta será a grande marca do nosso governo.

Dessa luta fundamental surgirá um país transformado. Um país grande, próspero, forte e justo. Um país de todos, por todos e para todos. Um país generoso e solidário, que não deixará ninguém para trás.

Minhas queridas companheiras e meus queridos companheiros.

Reassumo o compromisso de cuidar de todos os brasileiros e brasileiras, sobretudo daqueles que mais necessitam. De acabar outra vez com a fome neste país. De tirar o pobre da fila do osso para colocá-lo novamente no Orçamento.

Temos um imenso legado, ainda vivo na memória de cada brasileiro e cada brasileira, beneficiário ou não das políticas públicas que fizeram uma revolução neste país.

Mas não nos interessa viver do passado. Por isso, longe de qualquer saudosismo, nosso legado será sempre o espelho do futuro que vamos construir para este país.

Em nossos governos, o Brasil conciliou crescimento econômico recorde com a maior inclusão social da história. E se tornou a sexta maior economia do mundo, ao mesmo tempo em que 36 milhões de brasileiras e brasileiros saíram da extrema pobreza.

Geramos mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada e todos os direitos assegurados. Reajustamos o salário mínimo sempre acima de inflação.

Batemos recorde de investimentos em educação – da creche à universidade –, para fazer do Brasil um exportador também de inteligência e conhecimento, e não apenas de commodities e matéria-prima.

Nós mais que dobramos o número de estudantes no ensino superior, e abrimos as portas das universidades para a juventude pobre deste país. Jovens brancos, negros e indígenas, para quem o diploma universitário era um sonho inalcançável, tornaram-se doutores.

Combatemos um dos grandes focos de desigualdade – o acesso à saúde. Porque o direito à vida não pode ser refém da quantidade de dinheiro que se tem no banco.

Fizermos o Farmácia Popular, que forneceu medicamentos a quem mais precisava, e o Mais Médicos, que levou atendimento a cerca de 60 milhões de brasileiros e brasileiras, nas periferias das grandes cidades e nos pontos mais remotos do Brasil.

Criamos o Brasil Sorridente, para cuidar da saúde bucal de todos os brasileiros e brasileiras.

Fortalecemos o nosso Sistema Único de Saúde. E quero aproveitar para fazer um agradecimento especial aos profissionais do SUS, pela grandiosidade do trabalho durante a pandemia. Enfrentaram bravamente, ao mesmo tempo, um vírus letal e um governo irresponsável e desumano.

Nos nossos governos, investimos na agricultura familiar e nos pequenos e médios agricultores, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. E fizemos isso sem descuidar do agronegócio, que obteve investimentos e safras recordes, ano após ano.

Tomamos medidas concretas para conter as mudanças climáticas, e reduzimos o desmatamento da Amazônia em mais de 80%.

O Brasil consolidou-se como referência mundial no combate à desigualdade e à fome, e passou a ser internacionalmente respeitado, pela sua política externa ativa e altiva

Fomos capazes de realizar tudo isso cuidando com total responsabilidade das finanças do país. Nunca fomos irresponsáveis com o dinheiro público.

Fizemos superávit fiscal todos os anos, eliminamos a dívida externa, acumulamos reservas de cerca de 370 bilhões de dólares e reduzimos a dívida interna a quase metade do que era anteriormente.

Nos nossos governos, nunca houve nem haverá gastança alguma. Sempre investimos, e voltaremos a investir, em nosso bem mais precioso: o povo brasileiro.

Infelizmente, muito do que construímos em 13 anos foi destruído em menos da metade desse tempo. Primeiro, pelo golpe de 2016 contra a presidenta Dilma. E na sequência, pelos quatro anos de um governo de destruição nacional cujo legado a História jamais perdoará:

700 mil brasileiros e brasileiras mortos pela Covid.

125 milhões sofrendo algum grau de insegurança alimentar, de moderada a muito grave.

33 milhões passando fome.

Estes são apenas alguns números. Que na verdade não são apenas números, estatísticas, indicadores – são pessoas. Homens, mulheres e crianças, vítimas de um desgoverno afinal derrotado pelo povo, no histórico 30 de outubro de 2022.

Os Grupos Técnicos do Gabinete de Transição, que por dois meses mergulharam nas entranhas do governo anterior, trouxeram a público a real dimensão da tragédia.

O que o povo brasileiro sofreu nestes últimos anos foi a lenta e progressiva construção de um genocídio.

Quero citar, a título de exemplo, um pequeno trecho das 100 páginas desse verdadeiro relatório do caos produzido pelo Gabinete de Transição. Diz o relatório:

“O Brasil bateu recordes de feminicídios, as políticas de igualdade racial sofreram severos retrocessos, produziu-se um desmonte das políticas de juventude, e os direitos indígenas nunca foram tão ultrajados na história recente do país.

Os livros didáticos que deverão ser usados no ano letivo de 2023 ainda não começaram a ser editados; faltam remédios no Farmácia Popular; não há estoques de vacinas para o enfrentamento das novas variantes da COVID-19.

Faltam recursos para a compra de merenda escolar; as universidades corriam o risco de não concluir o ano letivo; não existem recursos para a Defesa Civil e a prevenção de acidentes e desastres. Quem está pagando a conta deste apagão é o povo brasileiro.”

Meus amigos e minhas amigas.

Nesses últimos anos, vivemos, sem dúvida, um dos piores períodos da nossa história. Uma era de sombras, de incertezas e de muito sofrimento. Mas esse pesadelo chegou ao fim, pelo voto soberano, na eleição mais importante desde a redemocratização do país.

Uma eleição que demonstrou o compromisso do povo brasileiro com a democracia e suas instituições.

Essa extraordinária vitória da democracia nos obriga a olhar para a frente e a esquecer nossas diferenças, que são muito menores que aquilo que nos une para sempre: o amor pelo Brasil e a fé inquebrantável em nosso povo.

Agora, é hora de reacendermos a chama da esperança, da solidariedade e do amor ao próximo.

Agora é hora de voltar a cuidar do Brasil e do povo brasileiro. Gerar empregos, reajustar o salário mínimo acima da inflação, baratear o preço dos alimentos.

Criar ainda mais vagas nas universidades, investir fortemente na saúde, na educação, na ciência e na cultura.

Retomar as obras de infraestrutura e do Minha Casa Minha Vida, abandonadas pelo descaso do governo que se foi.

É hora de trazer investimentos e reindustrializar o Brasil. Combater outra vez as mudanças climáticas e acabar de uma vez por todas com a devastação de nossos biomas, sobretudo a Amazônia.

Romper com o isolamento internacional e voltar a se relacionar com todos os países do mundo.

Não é hora para ressentimentos estéreis. Agora é hora de o Brasil olhar para a frente e voltar a sorrir.

Vamos virar essa página e escrever, em conjunto, um novo e decisivo capítulo da nossa história.

Nosso desafio comum é o da criação de um país justo, inclusivo, sustentável, criativo, democrático e soberano, para todos os brasileiros e brasileiras.

Fiz questão de dizer ao longo de toda a campanha: o Brasil tem jeito. E volto a dizer com toda convicção, mesmo diante do quadro de destruição revelado pelo Gabinete de Transição: o Brasil tem jeito. Depende de nós, de todos nós.

Em meus quatro anos de mandato, vamos trabalhar todos os dias para o Brasil vencer o atraso de mais de 350 anos de escravidão. Para recuperar o tempo e as oportunidades perdidas nesses últimos anos. Para reconquistar seu lugar de destaque no mundo. E para que cada brasileiro e cada brasileira tenha o direito de voltar a sonhar, e as oportunidades para realizar aquilo que sonha.

Precisamos, todos juntos, reconstruir e transformar o Brasil.
Mas só reconstruiremos e transformaremos de fato este país se lutarmos com todas as forças contra tudo aquilo que o torna tão desigual.

Essa tarefa não pode ser de apenas um presidente ou mesmo de um governo. É urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a desigualdade, que envolva a sociedade como um todo:

trabalhadores, empresários, artistas, intelectuais, governadores, prefeitos, deputados, senadores, sindicatos, movimentos sociais, associações de classe, servidores públicos, profissionais liberais, líderes religiosos, cidadãos e cidadãs comuns.

É tempo de união e reconstrução.

Por isso, faço este chamamento a todos os brasileiros e brasileiras que desejam um Brasil mais justo, solidário e democrático: juntem-se a nós num grande mutirão contra a desigualdade.

Quero terminar pedindo a cada um e a cada uma de vocês: que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão. Que a esperança de hoje fermente o pão que há de ser repartido entre todos.

E que estejamos sempre prontos a reagir, em paz e em ordem, a quaisquer ataques de extremistas que queiram sabotar e destruir a nossa democracia.

Na luta pelo bem do Brasil, usaremos as armas que nossos adversários mais temem: a verdade, que se sobrepôs à mentira; a esperança, que venceu o medo; e o amor, que derrotou o ódio.

Viva o Brasil. E viva o povo brasileiro.”

Meus melhores votos de sucesso em 2023 vão para… - Paulo Roberto de Almeida

 Meus melhores votos de sucesso em 2023 vão para…

Lula como presidente pela terceira vez, algo inédito na história política brasileira, por ser pela via democrática e não como certos “presidentes” ou chefes de governos, eternizados em eleições fraudadas em diversos países latino-americanos, africanos e em outros países, inclusive europeus, como por exemplo na Hungria de Orban e na Rússia de Putin, assim como na China de Xi Jinping (que acaba de romper um modelo de alternância na autocracia do partido leninista, ao “eleger” pela terceira vez o seu novo imperador).

Lula merece ter sucesso no que é o seu marco distintivo na frágil democracia brasileira, a diminuição, ainda que relativa e altamente instável, da iniquidade da distribuição de renda no país, que sempre a concentrou em favor de nossas medíocres elites patrimonialistas. 

Não tenho nenhuma ilusão que essa pequena redução na concentração de renda se faça em favor dos realmente pobres e miseráveis e que ela seja feita pelos bons méritos de políticas macroeconômicas e setoriais adequadas, pois carregam os sinais distintivos do velho populismo eleitoreiro da subvenção ao consumo dos mais pobres, e não pela via correta e necessária de redução das fontes estruturais da pobreza, que são a não educação de maneira geral e a baixa capacitação técnico-profissional da população economicamente ativa, necessária para a elevação dos níveis de produtividade do capital humano e social, em particular.

Sempre fui, a despeito de ser bastante crítico a esse personagem singular do velho populismo brasileiro, um apoiador sincero de suas medidas redistributivas, que corrigem, ainda que minimamente e modestamente, a tremenda injustiça do eterno patrimonialismo oligárquico do Brasil, uma nação que se caracteriza por séculos de injustiças contra os mais pobres, em primeiro lugar contra os africanos e indígenas escravizados e oprimidos, e que ainda se ressentem da persistência de formas disfarçadas de escravismo e de servidão na pobreza generalizada de seus descendentes.

Continuarei ao longo de 2023, e mais além, meu apoio crítico a tais medidas de redução da miséria abjeta e da pobreza absoluta por parte de um governo que dispõe de um legítimo apoio popular, ao lado de uma convivência incômoda com as “elites” extratoras de sempre, as classes econômicas eternamente privilegiadas, que não são apenas os velhos e novos  proprietários fundiários e os grandes capitalistas, empresários industriais e banqueiros, mas também os mandarins do Estado, a começar pela aristocracia do judiciário e outros altos servidores do Estado, que se servem do Estado para si próprios. 

Manterei, ao longo de 2023 e mais adiante, meu ceticismo sadio em relação a políticas públicas e medidas estatais que atuam apenas nos estoques de riqueza, e não na criação de seus novos fluxos, assim como naquelas iniciativas redistributivas que impactam apenas os muitos efeitos da iniquidade distributiva (entre elas um sistema tributário regressivo), e não exatamente suas múltiplas fontes de criação dos canais de reconcentração de renda, com modestos resultados nas estruturas sólidas do nosso vergonhoso coeficiente de Gini.

Serei especialmente crítico em relação a uma política externa feita de muitos equívocos conceituais (como a velha e anacrônica visão “classista” da divisão do mundo) e de sua primeira diplomacia partidária, com vergonhosos apoios a execráveis ditaduras supostamente de esquerda (e algumas de direita também). 

Sou, em particular, um opositor talvez isolado e de primeira hora do BRIC-BRICS, que considero um grande erro estratégico da diplomacia lulopetista, por nos unir, sem qualquer convergência sólida de objetivos compartilhados, a duas grandes autocracias e a duas outras democracias de baixíssima qualidade (como é a nossa aliás), apenas pela ilusão de que se trataria da construção de uma ordem mundial alternativa à velha dominação de antigas potências colonialistas ou do novo hegemonismo americano, o que é um programa meramente oposicionista, sem qualquer conexão com propostas visando a melhoria da qualidade de políticas públicas de desenvolvimento econômico e social, ou com a elevação dos padrões de governança democrática e de defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Também sou um opositor declarado do estatismo desmesurado desse terceiro governo economicamente intervencionista do grande líder populista, e de sua megalomania na política externa, o que nos envolve num certo aventureirismo diplomático, sem grandes efeitos no objetivo que deveria ser essencial num projeto nacional, que é a redução dos níveis exageradamente altos de miséria e de pobreza inaceitáveis.

Com todas essas ressalvas, alertas e sugestões, desejo um bom 2023 a Lula e um bom governo até 2026, esperando que escapemos de uma nova e catastrófica recessão (como a de 2015-16) e que em 2027 estejamos melhor do que agora e livres de qualquer ameaça golpista e de um retorno do destruidor desgoverno desse infeliz último quadriênio, marcado pelo reforço do patrimonialismo oligárquico e do autoritarismo militar, ilegítimo em sua essência. 

Vamos lá Brasil, seja feliz de novo, como nos bons tempos de JK, que viram o nascimento da Bossa Nova e do Rei Pelé!

Com os melhores votos de

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 1/01/2023