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domingo, 12 de março de 2023

O que o Brasil deixou de aprender com a Alemanha? (artigos na revista Crusoé) - Paulo Roberto de Almeida

 O que o Brasil deixou de aprender com a Alemanha?

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Colaboração com a revista Crusoé, a propósito da visita ao Brasil do chanceler Olaf Scholz, enfatizando educação de qualidade na Alemanha e trajetórias diferentes do SPD e do PT. Publicado em 3/02/2023 (link: https://oantagonista.uol.com.br/brasil/crusoe-o-que-o-brasil-deixou-de-aprender-com-a-alemanha/).

 

 

Na origem de tudo: o marxismo juvenil e o capitalismo tardio

Quando o jovem Marx e colegas da esquerda hegeliana se cansaram da censura prussiana e decidiram partir para o exílio, na França, na Bélgica, no Reino Unido, eles não estavam tão oprimidos pela repressão da polícia dos Hohenzollern quanto obcecados pela visão de uma Alemanha dividida e muito atrás, economicamente falando, da pujante Grã-Bretanha, na sua marcha triunfal do primeiro capitalismo (manchesteriano). De fato, a Alemanha da primeira metade do século XIX era o próprio símbolo daquilo que os ideólogos da UniCamp chamariam, no seguimento de Trotsky e outros epígonos, de capitalismo tardio, uma “maldição” que também atingia, ao que parece, o Brasil da primeira metade do século XX. Pouco depois, graças a List e outros “desenvolvimentistas” prussianos, entre os quais o próprio Bismarck, a Alemanha unificada deslanchou sua “revolução pelo alto”, o que a fez ultrapassar a Grã-Bretanha ainda antes do final do século XIX. 

O Brasil não conseguiu igualar tal feito, e só enveredou pela segunda revolução industrial quando o capitalismo avançado já estava na quarta, mesmo tendo tido vários generais e intelectuais bismarckianos na condução de seu “desenvolvimentismo” tardio. Mas o que a Alemanha conheceu de original, no plano dos movimentos de massa, foi ter criado um modelo de partido socialista, tendo na sua base o marxismo sindical, que conseguiu sobreviver à crise da República de Weimar, à tirania hitlerista, para construir, no pós-guerra, junto com o ordo-liberalismo da democracia cristã, um modelo de capitalismo liberal e de democracia de mercado, que assegurou à nova Alemanha, novamente reunificada, o galardão de economia mais produtiva do mundo e a de maior sucesso nas exportações de ponta.

Como isso foi possível? Parte do sucesso é histórico, partindo da educação de massa ainda sob o absolutismo prussiano, passando pela educação humboldtiana da nação liberta da dominação napoleônica, tanto na sua vertente popular, das escolas técnicas superiores para a formação da mão-de-obra trabalhadora, quanto na formação graduada, deixando de lado o modelo escolástico dos países pioneiros para enveredar por universidades vinculadas à indústria, até chegar à inovação tecnológica contínua, com pesquisa científica associada. A outra parte é propriamente social, ou política, e está vinculada às vidas paralelas dos partidos conservadores (majoritariamente cristãos) e do grande partido socialista, o mais antigo em funcionamento no mundo, o SPD, fundado quando Marx ainda era vivo. Na terceira década do século XX, impulsionadas pelo fervor bolchevique da Revolução russa, frações radicais do socialismo marxista formam o Partido Comunista, que será selvagemente reprimido quando Hitler chega ao poder, em 1933, como de resto o SPD e todos os demais partidos. 

No pós-guerra, o SPD permanece geralmente na oposição, pois a CDU, de base cristã-democrata, obtém o controle quase constante do Bundestag, o parlamento alemão. O “milagre alemão” dos anos 1950-60 será presidido sobretudo pelo seu líder, Konrad Adenauer, mas os socialistas chegam ao poder em 1969, com Willy Brandt. Tal evolução deve-se especialmente à reviravolta política ocorrida no SPD, a partir de seu congresso de Bad Godesberg, em 1959, que abandona o velho programa marxista de construção do socialismo em favor da adoção de um programa reformista dentro do capitalismo liberal e da democracia de mercado. Tal visão não estava distante daquilo que pretendia o socialista Friedrich Ebert, o primeiro dirigente da República de Weimar, em 1919, em linha com o reformismo moderado adotado por vários partidos socialistas que, desde o final do século XIX, tinham decidido abandonar o projeto revolucionário para reformar o capitalismo a partir do seu interior. 

Data dessa época, a fundação da Segunda Internacional, organização política de caráter nitidamente socialdemocrata, em contraposição à primeira Internacional, dos tempos de Marx, onde se digladiavam marxistas e anarquistas. A Segunda Internacional permanece até hoje, tendo deixado para trás a Terceira, fundada pelo próprio Lênin, e a anêmica Quarta Internacional, criada por Trotsky para se contrapor ao stalinismo da Terceira (que acabou sendo extinta em plena Segunda Guerra Mundial, quando a União Soviética precisava da ajuda das potências capitalistas para vencer a superioridade bélica do Exército nazista). Nessa época, a Alemanha foi seduzida e destruída pelo psicopata perverso que só perdeu para Mao Tse-tung no número de vítimas de seu horrível regime totalitário. A derrota e a ocupação militar estrangeira durante a Guerra Fria parecem tê-la curado de ideologias extremas. Com a auto implosão da União Soviética, o que sobrou de “comunismo” no mundo acabou escanteado nas antípodas (em Cuba e na Coreia do Norte), sobrevivendo pateticamente em alguns poucos partidos leninistas espalhados sobretudo na América Latina.

 

Mas o que o Brasil e o PT deixaram de aprender com a Alemanha? 

Alemanha e Brasil são ambos exemplos de capitalismo tardio, como proclamam acadêmicos da UniCamp, o que, aliás, é válido para qualquer outro país que não a Inglaterra da primeira revolução industrial. O Brasil também seguiu o modelo da modernização pelo alto de estilo bismarckiano, chegando até a praticar certa modalidade de “stalinismo industrial” durante o auge da “marcha forçada para a frente” do período militar. Nos anos 1930, o Brasil varguista e a Alemanha nazista eram os países que mais defendiam seus mercados com tarifas elevadíssimas, e até fizeram acordo bilateral para comerciar sem divisas, o que, aliás, alguns alucinados argentinos e brasileiros querem adotar atualmente para supostamente “estimular o comércio recíproco”, o que significaria um retrocesso de mais de 80 anos na modalidade multilateral de pagamentos estabelecida em Bretton Woods (1944).

O que o Brasil não fez foi a grande revolução educacional, que tinha começado na Prússia numa primeira derrota para os suecos, ainda no regime absolutista, que foi a escolarização compulsória para alfabetização das crianças, seguida, depois da derrota para Napoleão em Iena (1806), da grande transformação do ensino médio para capacitar sua mão-de-obra industrial, a Technische Hoschschule, e, sobretudo, pela novidade da universidade humboldtiana, mais vinculada à indústria do que à escolástica medieval das primeiras universidades europeias, criadas ainda na Idade Média. Comparado aos países pioneiros na alfabetização universal – os Estados Unidos e a própria Alemanha do início do século XIX –, o Brasil só conseguiu atingir esse objetivo – puramente quantitativo, vale recordar – no final do século XX, quando dos esforços do governo FHC em apoio ao ciclo primário local. 

O segundo não aprendizado tem mais a ver com traços da vida política e social vinculados à ideologia progressista que tanto o SPD alemão quanto o PT dizem defender, o primeiro de maneira mais pragmática, o segundo de forma bizarramente canhestra. Depois do grande desafio do renascimento alemão do pós-Segunda Guerra, marcado pela liderança moderada e democrática de Adenauer, e do “ordo-liberalismo” da política econômica que permitiu o “milagre alemão” dos anos 1950 e 60, o SPD resolveu finalmente se modernizar, abandonando a ideologia marxista das décadas precedentes para adotar o reformismo dentro do capitalismo e da democracia, o que foi feito no famoso Congresso de Bad Godesberg, em 1959, revolução partidária que o New Labour de Tony Blair só fez nos anos 1990, depois do furacão neoliberal de Margaret Thatcher. Ora, o PT jamais fez o seu “Bad Godesberg”, pois que continua a exibir as mesmas más ideias do “desenvolvimentismo” inflacionário iniciado nos anos 1950, continuado pelo extremo intervencionismo estatal da ditadura militar. 

Ainda agora, depois da Grande Destruição Econômica da era Dilma, a maior recessão de toda a história do Brasil (superior à crise dos anos 1930-31), lideranças do PT continuam a exibir a mesma incompreensão sobre os mecanismos de uma moderna economia integrada aos mercados mundiais quanto a que caracterizou o partido e seus conselheiros econômicos na maior parte de sua história. No plano da geopolítica mundial, o contraste não poderia ser mais eloquente entre o SPD e o PT: em face do desafio representado pelo comunismo soviético – que, por sinal, inundou as duas Alemanhas de espiões e funcionários subornados pela sua “atração fatal” –, os socialistas alemães adotaram resolutamente a defesa dos valores das liberdades, da democracia e dos direitos humanos, os valores centrais desse “Ocidente” tão desprezado pelos aliados do “socialismo sem exploração do homem pelo homem”. O PT, formado por sindicalistas anticapitalistas e ex-guerrilheiros reciclados – complementados pela massa eleitoral da “teologia da libertação” –, jamais proclamou abertamente sua opção pelo reformismo capitalista, que eles praticaram contra a vontade, canhestramente, durante os mandatos confusos dos anos 2003-16. Pior ainda, prisioneiros do apoio castrista e chavista nos primeiros anos, o PT e seus líderes nunca se distanciaram dos seus “amigos” ditatoriais pretensamente de esquerda (quando são apenas brutais ditadores muito similares ao fascismo de estilo mussoliniano). 

Essa distância se torna ainda mais dramática quando o chanceler Olaf Scholz, o primeiro alto dirigente estrangeiro em visita ao Brasil de Lula 3, vem pleitear do Brasil, não a defesa desse “Ocidente” identificado com a Otan, mas a simples adesão aos princípios mais elementares do Direito Internacional enfeixados na Carta da ONU e integrados à Constituição de 1988. Ao proclamar uma falsa “neutralidade” na guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, com o cometimento de crimes de guerra, contra a humanidade e o supremo crime contra a paz – os mesmos que levaram dirigentes civis e militares nazistas ao Tribunal de Nuremberg em 1946 –, a nova-velha diplomacia lulopetista mostra a pior face de um alheamento completo às realidades da nova “guerra fria” entre o Ocidente e as autocracias remanescentes do século XX. Pior ainda, o grande erro estratégico cometido pela mesma diplomacia obtusa, na criação dessa entidade bizarra chamada Brics – derivada, em 2011, do Bric original de 2006-2009 –, faz com que o Brasil lulista se torne caudatário, hoje, dos interesses nacionais de duas grandes autocracias.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4314: 31 janeiro 2023, 4 p.