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terça-feira, 13 de setembro de 2016

Transsiberiana, transmongoliana, atravessando a Asia de trem - Edson Veiga (Estadao)

Um mês nos trilhos da Transiberiana

Foram oito cidades, três países e sete trens para vencer os 7.865 quilômetros entre Moscou, na Rússia, e Pequim, na China. Com uma criança de menos de 3 anos a bordo
O Estado de S.Paulo, 13/09/2016 | 00h4013
EDSON VEIGA - ESTADÃO

Trem passa na área da cidade de Krasnoyarsk, na Sibéria
Trem passa na área da cidade de Krasnoyarsk, na Sibéria Foto: Ilya Naymushin/Reuters
Intenso. Cheio de ineditismos. Com uma surpresa atrás da outra. O mês começou na Praça Vermelha, em Moscou, e terminou na Grande Muralha, a 2 horas de Pequim. Foram seis fusos horários, sete trens, incontáveis pacotes de macarrão instantâneo e 7.865 quilômetros a bordo de uma das versões da clássica rota Transiberiana – no caso, a Transmongoliana. Oito cidades, três países, 25 dias de trilhos. E muitas nuances culturais.
Paisagens deslumbrantes, amizades improváveis e experiências únicas são comuns a todos os que encaram a rota. Mas, antes de mais nada, é preciso tirar o glamour: muna-se de espírito aventureiro para cortar três dos maiores países do mundo em trens antigos que raramente ultrapassam os 60 km/h. Mas é essa morosidade que dá graça à aventura e a vontade de fazer tudo de novo, por rotas alternativas e cidades não exploradas.
O planejamento começou seis meses antes da jornada. Na Transiberiana, ao contrário da malha ferroviária europeia, não existem passagens que dão direito a embarques múltiplos. É preciso definir exatamente onde serão as paradas, pois os tíquetes têm de ser comprados trecho a trecho. É possível deixar para comprar tudo nas estações, mas, para não correr o risco de encontrar passagens esgotadas – principalmente no verão –, é melhor se programar. Vale lembrar que, nas estações, os funcionários raramente falam inglês. Logo, dicionários, aplicativos tradutores e a boa e velha mímica serão requisitados com frequência.
Os bilhetes podem ser adquiridos ainda no Brasil. A 45 dias da data do embarque, a venda é disponibilizada pelo site (em inglês) da companhia férrea russa, a RZD. Já nos trechos internacionais – da Rússia para a Mongólia e da Mongólia para a China –, o mais seguro é comprar com agências de viagem. Como há uma burocracia nas fronteiras, vale a pena pagar um pouco mais pela garantia de tíquetes corretos.
Há três categorias a bordo. Na primeira classe, o passageiro fica em uma cabine com duas camas – normalmente uma ao lado da outra mas, em alguns trens, pode ser beliche – e uma mesinha para refeições. Na segunda, as cabines também são fechadas, mas o espaço comporta dois pares de beliches. A terceira classe é um amontoado de beliches em um espaço comum para 54 pessoas: ideal para sociabilizar, mas sem privacidade. Independentemente da classe dos vagões, eles sempre contam com dois banheiros. 
CONFIRA AS CIDADES DO TRAJETO NA GALERIA ABAIXO
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Na maior parte da viagem, fui de primeira classe – principalmente por estar com meu filho Chico, então com 2 anos e 7 meses –, exceto nas 18 horas e 30 minutos entre Krasnoyarsk e Irkutsk, quando encarei a terceira para viver a “real experiência” da coisa. Não me arrependi – foi onde fizemos mais amizades.
Tirando Moscou e Pequim, onde o custo de vida é semelhante ao de São Paulo, comer e se divertir nas cidades do trajeto cabem bem no bolso de qualquer viajante. Um bom almoço com cerveja local raramente custa mais do que R$ 30 por pessoa. Dentro dos trens, leve comida: queijos, embutidos, pães, macarrão instantâneo. Em todos há um vagão-restaurante, com cardápio restrito e comida similar às servidas em avião. A cada 3 horas, os trens fazem paradas de 10 a 30 minutos – é a chance de comprar, nas plataformas, framboesas e morangos recém-colhidos, picolés, peixes defumados expostos em cabides. E, para quando a fome bater de verdade, mais macarrão instantâneo.
Chico, aos 2 anos e 7 meses, curte o visual da plantação de lavanda
Chico, aos 2 anos e 7 meses, curte o visual da plantação de lavanda Foto: Mariana Veiga/Estadão
NEM LOUCOS, NEM HERÓIS
"Vocês são loucos” ou “vocês são verdadeiros super-heróis” foi o que mais ouvimos, minha mulher e eu, quando fazíamos alguma amizade ao longo da transiberiana. Não pela aventura em si, mas pelo fato de que, sim, levamos a bordo um animado mascotinho humano: nosso filho Chico, então com 2 anos e 7 meses, muita energia e uma vontade incrível de descobrir o mundo. 
Nem loucos nem heróis. Apenas acreditamos que o fato de ter um filho não implica necessariamente em abrir mão de sonhos – no caso, viajar, viajar e viajar. Também há a realidade: as férias são o único mês do ano em que podemos passar, mãe e pai, 24 horas por dia com ele. E temos a convicção de que ele, mesmo que no futuro não se lembre claramente de tudo o que viveu nessa viagem, incorporou experiências que serão importantes para o cidadão que ele vai se tornar.
Em resumo: é possível fazer a Transiberiana com um moleque de menos de 3 anos. E, em nosso caso, isso foi a garantia de diversos pontos altos da viagem. Havia uma brincadeira diária: eu dizia a ele o nome da cidade e do país onde estávamos e explicava para onde estávamos indo; já no Brasil, ele se recorda de cada uma dessas paradas, quando perguntado sobre uma foto ou um brinquedo. 
Por mais incrível que pareça, ao longo do roteiro há lugares incríveis para serem vividos na companhia de crianças. A começar por Moscou. Na capital russa existe o Detsky Mir – ou Mundo da Criança –, uma espécie de shopping dedicado ao universo infantil. Resquício do regime soviético, foi inaugurado em 1953 e, em 2015, totalmente remodelado e ampliado. Trata-se de uma coleção de lojas de brinquedos, roupas e quaisquer utensílios relacionados a crianças. O bacana é que em todas as lojas há brinquedos – de trenzinhos a minifoguetes, de escorregadores a labirintos – em que as crianças podem se esbaldar à vontade.
Em Yekaterimburg, vale a pena reservar um dia para o Limpopo, um parque aquático em que toboáguas, piscinas – uma delas, com ondas artificiais – e brinquedos de todo o tipo servem como refrescante entretenimento no verão russo. Na Mongólia, em nossa experiência com a família nômade, Chico também aproveitou intensamente. Rapidamente fez amizade com o caçula da família, de 8 anos – para crianças, não existe barreira idiomática. Corria com ele pelo gramado, divertiu-se observando os animais e, na hora de ir embora, queria ficar de todo o jeito. 
Todas as cidades do percurso contavam com boa estrutura verde para a criançada: parques e praças eram comuns e, em todas elas, havia playgrounds que eram um respiro – funcionavam como pequenas pausas para nossas caminhadas turísticas quando o deixávamos correndo para lá e para cá enquanto podíamos buscar um banco e relaxar.
O trem também é uma aventura à parte para o imaginário infantil. Ao contrário do avião, há espaço para a criança correr. E, em cada trecho, Chico fazia amizades, brincava e era paparicado – estávamos sobre trilhos, mas o tempo voava. Já nos trechos aéreos – de São Paulo a Moscou; de Pequim a São Paulo; em ambos, com conexão em Dubai –, contamos com a eficiente estrutura de entretenimento proporcionada pela companhia Emirates. Chico ganhou brinquedos – bichos de pelúcia, lousa magnética e uma mochila com livretinhos de viagem – e, é claro, divertiu-se com os filminhos infantis das TVs de bordo. 

EXTREMOS NOTÁVEIS
Do maior para o maior. Para quem gosta de “curiosidades de almanaque”, o roteiro escolhido tem uma boa: trata-se de uma viagem que parte do maior país em área do mundo para o maior país em população do mundo. A Rússia estende-se por 17 mil quilômetros quadrados, parte na Europa, parte na Ásia; na China vivem 1,4 bilhão de pessoas. 
Lago Baikal. Em Listvyanka, perto de Irkutski, na Rússia, fica o azulzinho Lago Baikal. Com 636 quilômetros de comprimento e 80 quilômetros de largura, é o maior lago de água doce da Ásia, o maior em volume de água do mundo, o mais antigo (formou-se há 25 milhões de anos) e o mais profundo da Terra, com 1.680 metros no seu ponto mais profundo. É destino obrigatório. 
Na Mongólia, monumento a Gengis Khan
Na Mongólia, monumento a Gengis Khan Foto: Edson Veiga/Estadão
Gengis Khan. A maior estátua equestre do mundo foi erguida em 2008, a cerca de 1 hora de Ulan-Bator, a capital da Mongólia. Trata-se de um homenagem ao guerreiro mongol Genghis Khan, o personagem mais famoso do país. Seus 40 metros de altura impressionam. É possível tomar um elevador e subir até o topo, de onde se tem uma bela vista das estepes da região. 
Grande Muralha. Com diversos trechos diferentes, erguidos ao longo de 2 mil anos, a Muralha da China é considerada a maior construção militar da história da Humanidade. Se somados todos os pontos – inclusive os que já não existem mais – a extensão total chegaria a incríveis 21 mil quilômetros – a uma altura média de 7 metros. Foi o ponto (alto) final da viagem.

Rubens Ricupero: livro sobre a diplomacia na construcao do Brasil (Valor)

Neste link do Academia:
http://www.academia.edu/28438753/Livro_de_Ricupero_sobre_diplomacia_brasileira_Valor_9_09_2016_
postei a entrevista do Embaixador Rubens Ricupero, concedida à jornalista Monica Gugliano, para o caderno especial do jornal Valor Econômico de fim de semana, falando da política atual brasileira, e de seu livro que deverá ser publicado até o final do ano, discorrendo sobre o papel da diplomacia brasileira na construção do Brasil.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Cadernos de Politica Exterior - IPRI-Funag, n. 3 (2016)

Revista "Cadernos de Política Exterior"

Foi lançado o terceiro número da revista do IPRI: Cadernos de Política Exterior. A publicação tem por objetivo oferecer artigos de informação e análise sobre temas da política externa do Brasil, buscando contribuir para o aprofundamento do debate público nessa área. Leia aqui a resenha de Denise Chrispim Marin, publicada na Revista Política Externa (Vol 23 nº4, Abr/Mai/Jun de 2015), sobre a primeira edição dos Cadernos de Política Exterior.
Acesse gratuitamente a publicação completa em formato digital, ou compre o exemplar físico, na Biblioteca Digital e Loja Virtual da FUNAG. Além de documentos oficiais do MRE e resenhas dos últimos lançamentos de livros da FUNAG, este volume contém os seguintes artigos:
  • O Itamaraty e os Jogos Rio 2016, por Sergio Luiz Canaes e Vera Cíntia Álvarez (pdf)
  • As relações Brasil-Argentina no aniversário da Declaração do Iguaçu, por Eugenia Barthelmess (pdf)
  • ABACC: os primeiros 25 anos, por João Marcelo Galvão de Queiroz (pdf)
  • As relações entre o Brasil e a Palestina e o reconhecimento do Estado palestino pelo Brasil, por Gustavo Fávero e Lucas Frota Verri Pinheiro (pdf)
  • Desarmamento nuclear, por Sergio Duarte (pdf)
  • A China e sua vizinhança, por Cláudio Garon (pdf)
  • A Parceria Transpacífico e suas consequências para o Brasil: uma aproximação preliminar, por Carlos Márcio Bicalho Cozendey e Ivana Marília Gurgel (pdf)
  • Integração energética: condicionantes e perspectivas para o Brasil e a América do Sul, por Clélio Nivaldo Crippa Filho (pdf)
  • Normalização e regulamentação técnica no TBT: implementação e debates, por Luís Guilherme Parga Cintra (pdf)
  • Grand Days: noventa anos depois de o Brasil ter deixado Genebra, o que diz a historiografia sobre a participação brasileira na Liga das Nações (1920-1926)?, por Norma Breda dos Santos (pdf)

 Clique nas imagens abaixo para acessar o conteúdo completo de cada edição do Cadernos de Política Exterior.

Acesse aqui nº 3 (1º/2016) Acesse aqui nº 2 (2º/2015) Acesse aqui nº 1 (1º/2015)
cadernos3 Cadernos de Política Exterior - Ano 1 - Número 2 - Segundo Semestre 2015Cadernos de Política Exterior - Ano 1 - Número 1 - Primeiro Semestre 2015


Última atualização em Quarta, 07 de Setembro de 2016, 12h02

domingo, 11 de setembro de 2016

Caderno especial do Estado sobre as reformas - José Fucs


160911EstadoReformasCadEspecial

Hora de mudar
A partir de hoje, o Estado publica uma série de reportagens sobre os grandes desafios do País depois do impeachment
José Fucs *especial para O Estado de S.Paulo, 11 de setembro de 2016


ilustração: Farrell

Com o impeachment de Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer na Presidência da República, uma nova perspectiva abriu-se para o País. Apesar dos questionamentos na Justiça e dos protestos dos aliados de Dilma contra a decisão do Senado Federal, o impeachment renovou as esperanças de uma parcela considerável da população - incluindo os milhões de cidadãos que foram às ruas pedir a sua saída - de que o Brasil poderá, enfim, mudar de rumo. "O impeachment é o início de uma nova era", diz o cientista político Luíz Felipe d'Avila, presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), uma organização voltada para a formação de líderes e a melhoria de gestão na área governamental. "Daqui para a frente, a discussão política deverá ser bem mais racional, em torno de dados e fatos objetivos, em vez de teses e ideologias.
Depois de quase 14 anos do PT no poder, marcados pelo voluntarismo ideológico, pelo estatismo na economia, pelo "aparelhamento" da administração pública e por um sistema "industrial" de corrupção, o País ganhou uma súbita oportunidade para lidar seriamente com as causas de suas mazelas. Não apenas para que possa deixar a UTI, mas para repensar o seu destino e lançar as bases de um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, estabilidade política e bem-estar social. "O Brasil está numa encruzilhada. As escolhas que fizermos agora serão decisivas para o nosso futuro", afirma d'Avila. "É um momento histórico muito importante. Dependendo das decisões que a gente tomar, o Brasil poderá virar uma Venezuela ou se tornar um país de Primeiro Mundo", diz o financista Nathan Blanche, sócio da Tendências, uma empresa de consultoria econômica.
Na essência, o que está em jogo é a escolha entre dois Brasis. Um, que ganhou uma força descomunal nos últimos anos e agora está na berlinda, é o Brasil da ilha de fantasia de Brasília, do Estado obeso e perdulário, que drena a produção e o trabalho dos brasileiros para sustentar o seu apetite insaciável. É o Brasil dos pequenos e grandes privilégios obtidos com o dinheiro dos pagadores de impostos; dos burocratas, que criam dificuldades para vender facilidades; e dos funcionários públicos que não precisam se preocupar com a crise, porque têm estabilidade no emprego. O outro Brasil, massacrado pelo peso da carruagem que tem de puxar, é o Brasil real, o Brasil dos mortais, que paga impostos de Primeiro Mundo e recebe serviços públicos de Terceiro Mundo. É o Brasil dos brasileiros que têm de trabalhar duro para pagar suas contas em dia e garantir um mínimo de qualidade de vida para si mesmos e para suas famílias; dos que sofrem com a recessão prolongada e com o desemprego. É o Brasil que valoriza a meritocracia, o esforço individual e o sucesso alcançado sem pixulecos, nem favores oficiais.

O grande conflito é entre quem puxa a carruagem e quem está aboletado num Estado que cresceu demais
Flavio RochaPresidente das Lojas Riachuelo

“O grande conflito não é de patrão contra empregado, rico contra pobre, Nordeste contra Sudeste, negro contra branco. É entre quem puxa a carruagem e quem está aboletado num Estado que cresceu demais”, afirma o empresário Flavio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo. “O Brasil tem uma classe que se aproveita de todo o setor privado. É o estamento estatal, que tomou conta do governo”, diz o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura. “É preciso dizer para a população que o Brasil é, sim, um país muito desigual, mas boa parte dessa desigualdade é criada pelo corporativismo que se apropriou do poder.”

O Brasil tem uma classe que se aproveita do setor privado. É o estamento estatal, que tomou conta do governo
Delfim NettoEx-Ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura

Para dar a sua contribuição ao debate sobre os grandes desafios do Brasil e as soluções para a crise, o Estado publicará, a partir de hoje, uma série de reportagens especiais. Da realização da reforma política à adoção de um novo pacto federativo; do equilíbrio das contas públicas e das reformas tributária e trabalhista à melhoria do ambiente de negócios, a série deverá dar um mergulho profundo nas principais questões que travam o desenvolvimento. Também fazem parte da lista o combate à corrupção, as regalias do funcionalismo e a abertura da economia. Nesta edição, além da apresentação do cenário geral, você poderá conferir a primeira reportagem da série, que trata da Constituição de 1988 e das mudanças necessárias para modernizá-la e adaptá-la às transformações ocorridas no Brasil e no mundo nos últimos trinta anos. Mais do que mostrar como o Brasil chegou ao atual quadro de desalento, a ideia é apontar saídas para a crise e discutir as propostas que podem nos levar a um caminho mais promissor.
Nesta edição, além da apresentação do cenário geral, você poderá conferir a primeira reportagem da série, que trata da Constituição de 1988, promulgada antes da queda do Muro de Berlim, e das mudanças necessárias para modernizá-la e adaptá-la às transformações ocorridas no Brasil e no mundo nos últimos 30 anos. Mais do que mostrar como o Brasil chegou ao atual quadro de desalento, a ideia é apontar saídas efetivas para a crise e discutir as propostas que podem nos levar a um caminho mais promissor no futuro. "É preciso fazer uma cirurgia radical no Estado, para que ele volte ao seu propósito original, que é servir à sociedade", afirma Flavio Rocha.
Embora tenha pela frente apenas um mandato-tampão, de 28 meses, Temer terá de se mostrar à altura dos acontecimentos e tomar as medidas necessárias para superar a crise, se quiser ouvir o povo dizer, ao final de seu governo, como declarou recentemente, que ele "deu um jeito no País". Com a economia em frangalhos, escândalos em série de corrupção, a representatividade política em xeque e a polarização da sociedade, Temer terá pouca margem para errar (veja os gráficos abaixo). Apesar de sua baixa popularidade, de seu nome ter sido citado em denúncias da Lava Jato e de ele ser alvo, ao lado de Dilma, de um processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder econômico e utilização de recursos do petrolão na campanha de 2014, Temer irá impor um ônus excessivo aos brasileiros se não exercer plenamente o papel que a história lhe reservou e deixar para seu sucessor, a ser eleito em 2018, a tarefa de colocar o País de volta nos trilhos. "O maior trunfo do governo Temer é haver um certo reconhecimento de que o custo de ele fracassar é muito grande, tanto do ponto de vista político quanto econômico", diz Christopher Garman, diretor de estratégia para mercados emergentes da Eurasia, uma consultoria americana especializada em riscos políticos globais.
Há dúvidas, porém, de que Temer possa levar adiante mesmo um programa mínimo de reformas - e não apenas por uma possível resistência do Congresso em aprovar as mudanças. Segundo o economista Paulo Guedes, um dos fundadores do banco Pactual (hoje BTG Pactual) e presidente do conselho de administração da Bozano Investimentos, Temer tem duas possibilidades. Uma é se deixar abater pela "síndrome de ilegitimidade" que atingiu o ex-presidente José Sarney. Ex-dirigente da Arena, a base de apoio ao regime militar, Sarney tornou-se vice de Tancredo Neves e acabou assumindo a Presidência da República de forma inesperada, com a doença e morte do presidente eleito, em 1985. "A síndrome da ilegitimidade levou o Sarney a buscar uma ilusória popularidade e produziu uma tragédia histórica, que foi a hiperinflação", afirma Guedes. A outra possibilidade, de acordo com Guedes, é Temer dizer que chegou ao fim uma forma de fazer política com base no toma lá, dá cá e de tocar o governo com a expansão indefinida dos gastos. "Se o Temer continuar no ritmo do presidente interino, de pequenas acomodações aqui e ali, para não gerar conflitos, ele seguirá o caminho do Sarney e o próximo presidente da República poderá ser um forasteiro, que represente uma ruptura com o sistema atual, como aconteceu com o Fernando Collor (ex-presidente da República, que sofreu impeachment em 1992)", diz Guedes. "Agora, se Temer mostrar suas fichas e não se deixar abater pela 'sindrome da ilegitimidade', como fez ao propor um teto para o gasto público, que é uma medida excepcional; se ele disser que não haverá reajuste do funcionalismo, porque o País quebrou por causa do excesso de gastos e porque há 12 milhões de brasileiros vivendo o drama do desemprego, estaremos no caminho certo."

Se colocar o sarrafo muito alto, nem o Thiago Braz, medalha de ouro nas Olimpíadas, conseguirá superá-lo
Rubens RicuperoEx-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente

Temer começa o governo, segundo Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, com uma vantagem em relação a Itamar Franco, que assumiu a Presidência após o impeachment de Fernando Collor, em 1992. Ricupero diz que Temer terminou a interinidade com uma equipe econômica “de primeira qualidade” já montada. Itamar demorou oito meses até escolher para a Fazenda o então senador Fernando Henrique Cardoso, que implementou o Plano Real e acabou com a hiperinflação, em 1994. “No fundo, o desafio de todo vice-presidente galgado à posição principal é como completar o mandato com um mínimo de qualidade e eficiência”, diz. “Se você colocar o sarrafo muito alto, nem o Thiago Braz, que ganhou a medalha de ouro na Olimpíada no salto com vara, conseguirá superá-lo.”

O Ajuste do Bem
A reforma mais urgente para viabilizar a modernização do País é a fiscal. Com um rombo recorde no orçamento e uma dívida galopante, o governo terá de concentrar suas forças no reequilíbrio das contas públicas, como já vem fazendo, ao propor o limite nos gastos e a desvinculação das receitas, para ganhar maior liberdade de gestão. De seu sucesso nessa missão, dependerá quase tudo – a retomada do crescimento, o corte dos juros, a volta da confiança do setor privado e dos investimentos na produção, a redução do desemprego e a recuperação da renda dos trabalhadores. “Chegamos ao limite fiscal”, afirma o economista Paulo Leme, presidente do Goldman Sachs, um dos maiores bancos americanos de investimento, no Brasil. “É o estágio final de um modelo econômico que usou políticas equivocadas, excessivamente dependentes da ação do Estado, em vez de buscar soluções nas forças de mercado.”
Se o governo for bem-sucedido, o ajuste nas finanças públicas deverá alavancar outras reformas modernizantes. A mais relevante, provavelmente, será a reforma da Previdência Social, responsável pela maior parte do déficit público. Entre outras medidas, estuda-se a elevação da idade mínima de aposentadoria para 65 anos, a desvinculação de benefícios do salário mínimo e fim dos regimes especiais dos funcionários públicos, que podem se aposentar com o salário integral da ativa. “Tudo o que está sendo proposto não são maldades, são benignidades, porque isso é insustentável. É uma questão de aritmética”, diz o ex-ministro Delfim Netto.
Além da reforma na Previdência, o governo fará um amplo programa de desestatização para fazer caixa. O programa, que deverá ser anunciado nesta terça-feira, se o cronograma oficial for cumprido, irá reverter a proliferação de estatais registrada nos governos petistas e terá regras mais flexíveis para os investidores, que não “demonizem” o lucro, como ocorreu nos últimos anos. Para decolar, a desestatização terá de contar com o apoio dos investidores externos. “A participação do capital estrangeiro não é nem uma questão de escolha. O País não tem a poupança necessária para fazer o investimento crescer de novo”, afirma Leme, do Goldman. “Em princípio, existe o interesse do investidor estrangeiro, mas tem de ver qual o programa, quais os ativos e quais as regras dos leilões.”
Também são fundamentais à modernização do País a reforma política, para garantir a governabilidade, a reforma trabalhista, para flexibilizar as negociações entre os empregadores e os trabalhadores, e a tributária, que deverá simplificar o sistema. Hoje, o pagamento de impostos e taxas consome 2.600 horas por ano, em média, das empresas, segundo o estudo Doing Business, do Banco Mundial. Mas, com o governo no vermelho, é difícil imaginar que seja possível agora propor a redução de tributos, apesar de a carga tributária brasileira estar perto de 35% do PIB, a mais alta entre os países emergentes, mesmo com a queda de receitas provocada pela recessão.
Segundo o cientista político Fernando Schüler, do Insper, uma escola de negócios, direito e engenharia, o Brasil terá de negociar um novo consenso em torno da modernização do Estado. “Temos de mudar o padrão de Estado no Brasil, de welfare State (Estado de bem-estar social) para agency State (Estado agência)”, afirma. No Estado agência, o governo repassa para a iniciativa privada a gestão dos serviços públicos, inclusive de educação e saúde, e estabelece metas de desempenho quantitativas e qualitativas para avaliar os resultados. “A gestão institucional do Estado precisa caminhar de forma agressiva para a contratualização com o setor privado.” Desde a democratização, de acordo com Schüler, o Brasil produziu três consensos que permitiram ao País avançar. O primeiro foi em torno da democracia. Depois, houve o consenso em relação à estabilidade econômica e à responsabilidade fiscal. O terceiro foi em torno do combate à pobreza. Mas, na sua visão, as pedaladas fiscais mostraram que o consenso em torno da responsabilidade fiscal era mais frágil do que se imaginava. “O que caracteriza uma democracia madura é a produção de consensos e uma democracia instável como a brasileira é a ausência de consensos.” /J.F.
Cenário Sombrio

* Previsão de mercado, segundo o Relatório Focus; ** Exclui os juros da dívida pública; *** Estimativa oficial
FONTES: BANCO CENTRAL, IBGE, MINISTÉRIO DA FAZENDA E IBPT

Constituição
A Reforma das Reformas
O Estado de bem-estar social, prometido pela Constituição Cidadã de 1988, mostrou-se uma miragem. Agora, é hora de definir o que virá em seu lugar.

Às vésperas da votação do texto final da nova Constituição, em julho de 1988, o então presidente da República, José Sarney, fez um pronunciamento em tom apocalíptico em cadeia nacional de rádio e TV. Preocupado com o efeito que a nova Carta teria nas contas públicas, Sarney queria pressionar os Constituintes a alterar o documento antes de votá-lo. “Os brasileiros receiam que a Constituição torne o País ingovernável”, disse. “Primeiro, há o receio de que alguns dos seus artigos desencorajem a produção, afastem capitais, sejam adversos à iniciativa privada e terminem por induzir ao ócio e à improdutividade. Segundo, (receia-se) que outros dispositivos possam transformar o Brasil, um país novo, que precisa de trabalho, em uma máquina emperrada e em retrocesso. E que o povo, em vez de enriquecer, venha a empobrecer e possa regredir, em vez de progredir.”
A fala de Sarney – alçado à Presidência de forma inesperada com a doença e a morte do presidente eleito Tancredo Neves, em 1985, e sem apoio político na nova configuração de forças que se formou na época – teve o efeito contrário ao que ele esperava. Três dias depois, o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, reagiu às acusações de Sarney e defendeu com veemência o Estado-tutor proposto na nova Carta. “A fome, a miséria, a ignorância, a doença desassistida são ingovernáveis. A governabilidade está no social”, afirmou Ulysses, resumindo o espírito que permeou a elaboração da nova Carta, chamada por ele de “Constituição Cidadã”. “O Dr. Ulysses era um sonhador e prometeu a felicidade geral da Nação por decreto”, afirma o financista Nathan Blanche, sócio da Tendências, uma empresa de consultoria econômica. “Ele achava que podia fabricar dinheiro, e fabricava – mas causava inflação.”

O Sarney tinha razão. Na Constituinte, criaram-se enormes distorções sem fazer conta
Nelson JobimEx- Constituinte, ex-ministro da Justiça e da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

Decorridos quase 28 anos desde que a Constituição entrou em vigor, o aviso de Sarney ganhou, quem diria, ares de profecia. Se a Constituição não deixou o País ingovernável, chegou bem perto disso. Com o Tesouro exaurido, um rombo monumental no orçamento e uma dívida pública que cresce em ritmo frenético, o governo foi a nocaute, levando junto a economia do País. “O Sarney tinha razão”, diz o jurista Nelson Jobim, ex-Constituinte, ex-ministro da Justiça e da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). “Na Constituinte, a maioria não tinha experiência no Executivo. Então, criaram-se enormes distorções sem fazer conta.”
É preciso colocar na conta que boa parte da responsabilidade pela dilapidação das finanças públicas se deve à inépcia administrativa da ex-presidente Dilma Rousseff e a Lula, que, em seu segundo mandato, iniciou a gastança sem lastro, com a distribuição de benesses a granel, acentuada depois por sua sucessora. Mas é na Constituição de 1988 que se encontra a raiz da crise fiscal. Desde a sua promulgação, a carga tributária do País quase dobrou, de 20% para cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) – e ainda assim o governo quase foi à bancarrota. A mesma penúria atinge hoje quase todos os Estados e milhares de municípios. “Foram concedidos muitos direitos, dos quais ninguém discorda, mas é difícil financiar tudo”, afirma o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente.

Nem todos os direitos sociais garantidos pela Constituição são factíveis. A gente pode querer que sejam, mas sabe que não são
Célio BorjaEx-presidente da Câmara dos Deputados no governo Geisel e também ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça

Em que pese a Constituição ter incorporado avanços significativos nos direitos e garantias individuais, como a liberdade de expressão e o direito de propriedade; no equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; e na participação dos cidadãos no processo decisório, com o direito de voto aos analfabetos e maiores de 16 anos; no capítulo dos direitos sociais, que englobam saúde, educação, habitação e Previdência, ela se revelou uma miragem. O Estado de bem-estar social forjado na Constituição de 1988, ao final, não cabe no Brasil. A ideia de que o Estado deve oferecer tudo para todos, sem ter os recursos necessários para fazê-lo, pode levantar a arquibancada, mas não sobrevive no mundo real.
“Nem todos os direitos sociais garantidos pela Constituição são factíveis. A gente pode querer que sejam, mas sabe que não são”, diz o jurista Célio Borja, ex-presidente da Câmara dos Deputados no governo Geisel e também ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça. “A Constituição de 1988 foi idealista”, afirma o cientista político Luiz Felipe D’Avila, presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), uma entidade dirigida ao desenvolvimento de novos líderes na área governamental. “Depois de 20 anos de repressão, todo mundo queria colocar suas aspirações na Constituição e ela transformou o Brasil num país fiscalmente insolúvel.”

A Constituição de 1988 foi idealista e transformou o Brasil num país fiscalmente insolúvel
Luiz Felipe d’AvilaPresidente do Centro de Lideranção Pública (CLP)

Embora a reforma política seja considerada pelo PT e outros partidos de esquerda como “a mãe de todas as reformas”, a ampla revisão da Constituição, por seu impacto na vida das empresas e dos cidadãos, deveria ser considerada prioritária. Com o Estado abalado em sua capacidade financeira, não faltam argumentos sólidos para justificar a realização das mudanças e conseguir apoio político no Congresso e no STF. Para o Brasil se tornar governável, porém, não adianta só colocar um band-aid na ferida. É preciso promover uma cirugia radical. Jobim defende uma “lipoaspiração” no texto constitucional, mas são tantos os exageros e os privilégios incluídos na Constituição pelo corporativismo e pelos grupos de pressão que, para derrubá-los, talvez só um bisturi não baste “O País foi partilhado entre as corporações”, diz Jobim. “Na Constituinte, eu entendi que o que o pessoal chamava de sociedade civil eram grupos organizados que queriam defender seus interesses ou congelar seus interesses na apreensão do Estado.”

A Constituição não é o que está escrito. É, sobretudo, o que o Supremo interpreta sobre a Constituição
Joaquim FalcãoDiretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro

Os maiores privilégios, que devem ser alvo de qualquer reforma constiticional, concentram-se no setor público, graças ao poder de mobilização do funcionalismo e à ação corporativista realizada na Constituinte. Segundo o professor Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há mais de trinta dispositivos sobre direitos dos funcionários públicos na Constituição. Ele diz que as Constituições que mais têm dispositivos do gênero, depois do Brasil, são a alemã, com nove, e a portuguesa, com cinco. Com isso, de acordo com Falcão, os funcionários públicos ganharam uma “via expressa” para o Supremo, encarregado de julgar as matérias constitucionais, em caso de pendências judiciais em suas atividades profissionais, enquanto a massa de trabalhadores da iniciativa privada, regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e julgada pela Justiça do Trabalho, tem menos chance de chegar ao STF. “É muito desigual”, diz Falcão.
Na Previdência, os privilégios do funcionalismo são uma afronta aos pagadores de impostos. Enquanto um trabalhador do setor privado se aposenta com um salário mínimo ou uma fração do que ganhava na ativa, os funcionários públicos recebem o salário integral. Uma série de carreiras do serviço público tem aposentadorias especiais com 25 anos de serviço: professores, policiais militares, bombeiros. Com apenas um milhão de aposentados, o setor público gera um déficit para a Previdência maior que o dos 25 milhões de aposentados da iniciativa privada. No Legislativo, é ainda pior: um deputado com dois mandatos e oito anos de contribuição já tem direito a aposentadoria.
No capítulo dos direitos sociais, fora da esfera do funcionalismo, há a questão das vinculações de receitas para a saúde e a educação, que engessam a gestão e geram acomodação no Executivo. “No regime autoritário tinha vinculação. O prefeito derrubara uma escola para construir outra simplesmente para gastar. Ou então construía uma fonte luminosa”, afirma o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura. “Por que a vinculação não funciona? Porque quem tem verba garantida se acomoda. O problema da saúde e educação no Brasil não é de recursos, mas de gestão.” Ele lembra uma conversa sobre o assunto que tinha com Mário Covas (1930-2001) na Constituinte: “Eu dizia, Covas, nós somos tão bons, nós dois, que, em 2016, só vai ter idiota no Congresso, porque nós temos de dizer para eles hoje o que eles têm de fazer. As prioridades mudam”.
A Constituição foi ainda mais generosa com a educação e a saúde, mas nem por isso garantiu a qualidade dos serviços. Na educação, a Constituição garante o ensino gratuito para todos os brasileiros, independentemente de renda, não apenas no ensino básico e fundamental, mas também nos cursos universitários, de pós-graduação e de doutorado. “Se você examinar a discussão toda sobre reforma educacional no Brasil, observa o seguinte: ao fim e ao cabo, depois de passar o véu dos adjetivos e advérbios de modo, você vai cair no aumento de salário de professor”, diz Jobim. Na saúde, além de prever o acesso gratuito à saúde para todos os brasileiros, a Constituição traz o princípio da integralidade, pelo qual se garante cobertura para todos os procedimentos.
Para limpar tudo isso, será preciso não apenas conseguir os dois terços necessários à aprovação das mudanças constitucionais no Congresso Nacional, mas também passar pelo STF. “A Constituição não é o que está escrito. Ela é, sobretudo, o que o Supremo interpreta sobre a Constituição. Então, o Supremo tem uma responsabilidade muito grande no que nos chegou de 1988 até hoje, para o bem e para mal”, afirma Joaquim Falcão.

Antecipando o duro embate que vem por aí, mais dia, menos dia, as corporações e os grupos de pressão já começam a se articular para defender a manutenção de seus privilégios. Para se proteger, vale tudo. Independentemente do que vai acontecer, eles dizem que o governo vai cortar o dinheiro para a saúde e a educação, que vai tungar a aposentadoria. “A Constituição não é eterna. Você não pode pretender que a geração que fez a Constituição em 1988 resolva definir o que deve ser o Brasil pelos próximos 200 anos”, diz Jobim. “Quem gosta de Constituição eterna são os professores de direito, porque eles escrevem um livro e depois não precisam revisar, e as editoras, que não têm o que fazer com os livros antigos quando a Constituição é alterada.” Como dizia Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.

Entre a autonomia administrativa
e o "pires na mão" em brasília
Na arena política, o debate sobre um pacto federativo – um termo enigmático que se refere à repartição do dinheiro público entre a União, os Estados e os municípios – ganhou espaço nos últimos tempos. Como a União detém uma fatia de cerca de 60% do bolo tributário do País, os Estados, que ficam com perto de 23%, e os municípios, com 17%, defendem maior descentralização dos recursos para não ter de “passar o pires” em Brasília para tocar o governo. Os Estados e municípios também reivindicam maior autonomia legislativa. “Temos de definir se o Brasil é mesmo uma Federação ou se os Estados e municípios só exercem políticas públicas decididas no Congresso”, afirma o economista Paulo Guedes, da Bozano Investimentos.
É uma discussão similar à que foi travada na Constituinte. Como a União também detinha no regime militar uma fatia substancial do bolo tributário, havia um forte sentimento em defesa da repartição mais equilibrada dos recursos. O movimento pela descentralização tornou-se tão forte que ela acabou aprovada pela Constituinte. Só que, da forma como foi feita, gerou uma anomalia cujos efeitos ajudam a explicar por que o debate voltou à tona.
Com a decisão da Constituinte, os Estados e municípios abocanharam uma fatia maior dos tributos, mas não herdaram novas responsabilidades na mesma proporção. Ao mesmo tempo, a União perdeu receita, mas manteve muitas das responsabilidades que já tinha. Foi isso, em boa medida, que levou o então presidente José Sarney a fazer um pronunciamento na TV na época, para vociferar contra a Constituinte. Só que, de lá para cá, a União subiu de forma significativa as alíquotas das contribuições, que não são repartidas com Estados e municípios, e congelou as alíquotas dos impostos divididos com os demais entes da Federação. Resultado: a participação da União no total de tributos voltou a aumentar e a dos Estados e municípios, a cair. A questão é saber qual solução será seguida para distribuir o dinheiro público. “Ainda não vi ninguém dizendo qual é o pacto federativo que se quer”, diz o jurista Nelson Jobim.  

José Fucs* foi repórter especial da Época, editor executivo da Exame, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios e repórter do Estado, da Gazeta Mercantil e da Folha de S.Paulo.

Sobre a idiotice em geral, e sobre Paulo Freire em particular (uma coisa nao exclui a outra) - Paulo Roberto de Almeida, Olavo de Carvalho

De vez em quanto, alguém ainda comenta uma postagem minha de eras geológicas passadas, soterradas abaixo de anos e anos de outras milhares de postagens, como as que faço aqui duas ou três vezes por dia.
Em primeiro lugar, um esclarecimento sobre este blog Diplomatizzando.
Enganam-se aqueles que acham que eu levo muito a sério o que estou postando. Errado! Este blog tem duas funções básicas: por um lado é uma espécie de arquivo, ou biblioteca de caráter geral, onde eu coloco coisas que encontrei por aí, nesse vasto mundo da blogsfera e dos demais veículos de comunicação social, e que me permite guardar, para eventual recuperação e uso posterior (o que quase nunca chega, inclusive porque a função de "pesquisa" parece estar desativada atualmente, e não me perguntem por que), materiais diversos, que me chamaram a atenção, que eu li, e comentei, ou que eu mal tive tempo de ler, mas que posto para voltar a ler na jornada ou um ou dois dias depois, quando verifico a lista de postagens e o que entrou como comentários (agora desativados, sem que eu tampouco saiba porque, mas eles sobrevivem no Google+).
Por outro lado, é um mero lazer, ou passa tempo, aquilo que os franceses chamariam de divertissement. Ou seja, eu me divirto lendo certas coisas, que podem até ser inteligentes e servir para ampliar meu conhecimento -- o que é sempre um prazer intelectual -- ou que podem ser simplesmente idiotas, e que por isso merecem um comentário de rejeição (pois tem muita gente ingênua ou mal informada no mundo, e eu me divirto, ou disso tiro prazer, ensinando outros, com base na minha experiência de vida e nos conhecimentos acumulados), ou ainda, é um simples registro factual, ainda entrando na primeira categoria, mas aqui também com essa função de divertimento no aprendizado: saber como tem certas coisas no mundo que merecem um registro pois podem acabar entrando para a história (a maior parte não fica, mas a gente sempre acha que vivemos tempos históricos).
Em geral, eu tento corresponder ao espírito e aos objetivos do blog: postar coisas inteligentes para pessoas inteligentes, mas por vezes ocorre de eu postar coisas sumamente idiotas, e desde já me desculpo pelo termo, que uso com certa liberalidade, a ponto de chocar certas almas sensíveis.
Idiota, do grego, significa, segundo os dicionários, é um adjetivo e substantivo de dois gêneros cujo signficado é duplo: 1. diz-se de ou pessoa que carece de inteligência, de discernimento; tolo, ignorante, estúpido 2. diz-se de ou pessoa pretensiosa, vaidosa, tola.
Ou seja, nada que não exista em enorme quantidade neste nosso planetinha redondo, como diria alguém que não é idiota, mas que é um profundo ignorante, dotado -- como diria Millor Fernandes -- de uma ignorância enciclopédica, ou seja, abrangendo vastas áreas do (des)conhecimento humano. Mas se trata de alguém que possui uma inteligência instintiva, e que por isso mesmo enganou muita gente neste país durante muito tempo, tanto idiotas, como ignorantes no sentido amplo do termo, mas até pessoas aparentemente bem informadas (PhDs, muitos), que escolheram ser idiotas de um esperto mafioso.

Pois bem, ainda hoje recolhi mais um comentário de alguém que não gostou de uma postagem que eu fiz em 2012, a partir de um artigo de Olavo de Carvalho -- não que eu seja um admirador dele, mas se trata de alguém que também pode dizer coisas inteligentes, no meio de muita paranoia e confusão mental -- sobre aquele que eu classifico, e desculpem pela caixa alta,
O MAIOR IDIOTA DO BRASIL, PAULO FREIRE, o homem que foi entronizado como "patrono da educação brasileira", ou seja, vai continuar idiotizando milhares de pessoas, mesmo falecido há muitos anos.
Um desses leitores ficou indignado com a minha classificação desse nefasto personagem da educação brasileira como IDIOTA, e escreveu dizendo que o citado idiota tinha sido homenageado em vários países, inclusive com doutorados honoris causae (mas nisso ele ele perdeu do mafioso espertinho, que ganhou muitos mais HC de idiotas espalhados pelo mundo, especialmente nas universidades, um dos lugares que tem uma concentração especialmente elevada de idiotas por centimetro quadrado; estou brincando, claro...).
Respondi ao indignado, que me perguntava se todos esses que homenageram Paulo Freire estavam errados, nestes termos:

Sim, todos esses prêmios estão profundamente ERRADOS. Na Europa, os partidos socialistas e comunistas, e todas as variantes do esquerdismo vulgar, estão presentes em todos os países, e em diferentes variações, com ênfase acrescida nas academias e nos parlamentos. São esses que, inclusive ajudados pelo remorso dos conservadores de terem sido imperialistas e colonialistas no passado, que pretendem se redimir honrando esses pretensos heróis terceiro-mundistas, como aliás fazem os daqui. Paulo Freire se enquadra perfeitamente na categoria dos grandes idiotas homenageados por outros idiotas e semi-idiotas.

Para esclarecer devidamente todos os que continuam a achar errado que eu chame Paulo Freire (e vários outros mais) de idiota, reproduzo aqui a íntegra da minha postagem de 2012, onde eu aliás me explico porque uso o termo tão frequentemente (é porque não tenho muita paciência para ficar perdendo o meu tempo com coisas idiotas).
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de setembro de 2016

http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/05/o-supremo-idiota-da-educacao-brasileira.html

quinta-feira, 24 de maio de 2012


O supremo idiota da educacao brasileira: Paulo Freire

Muitos leitores deste blog, embora eu não possa precisar quantos exatamente, devem ficar chocados quando eu me refiro a certas pessoas como idiotas. Seria um insulto, um exagero meu, um despeito contra quem supostamente ficou famoso, e contra quem eu teria sérias restrições, representando, portanto, alguma inveja minha ou crítica indevida.
Várias vezes referi-me a Paulo Freire, como o supremo idiota da educação brasileira (pior, acho que falei em calamidade educacional que exportamos para o resto do mundo), e tive comentários discordantes, alguns até raivosos. Enfim, todo mundo tem o direito de discordar dos meus posts e, desde que as críticas sejam fundamentadas, não tenho nenhuma objeção a publicar aqui.
E eu tenho o direito de chamar idiotas de idiotas, mas reconheço que também preciso fundamentar minhas "acusações" de idiotice. O problema, eterno, terrível, é que leio muito, mas nem sempre tenho tempo de resumir, sintetizar, explicar tudo o que leio, justificando, portanto, meus julgamentos, geralmente sérios, mas embasados em leituras não reveladas. Concordo, também, em que chamar alguém de idiota, simplesmente, não é muito eficiente, em termos práticos, pois muita gente acha o idiota em questão um grande intelectual, e o interlocutor pode ficar chocado pela minha expressão de desprezo pelo "intelequitual".
Enfim, existem muitos idiotas, no Brasil e no mundo, que mereceriam ser desmascarados, mas eles são muitos, efetivamente, e como o mundo também tem muitos idiotas, sempre tem público para certas idiotices.
O Brasil, como sempre digo, não é tão atrasado materialmente -- já que o progresso é uma fatalidade, como já disse alguém -- como ele é atrasado mentalmente, e nos últimos tempos, os responsáveis políticos e econômicos -- e sobretudo os "educacionais" e pedagógicos -- têm se esforçado para atrasá-lo ainda mais, retrocedendo o Brasil meio século para trás. Talvez até mais, mas isso veremos mais adiante...
Por isso que a atribuição a Paulo Freire do título de patrono da educação brasileira combina com esse atraso. Só atrasados mentais seriam capazes desse crime contra a educação brasileira. Mas existem várias outras idiotices sendo cometidas em outros setores.
Paulo Freire permanece, no entanto, um caso exemplar, e para mim dramático. Ele já influenciou 5o anos de formação de professores e pedagogos, e vai continuar influenciando pelo menos uma geração mais (estou sendo otimista, claro) nos anos à frente. Por isso mesmo sou, como já disse, absolutamente e relativamente pessimista quanto ao futuro da educação brasileira: acho que vamos continuar recuando, mentalmente, do pré-primário à pós-graduação, sem possibilidade de recuperação.
Agradeço à Juliana por esta matéria que retiro de seu blog sobre Paulo Freire, de um "filósofo" que classificam como conservador, e que eu chamaria apenas de polêmico.
Ele tem razão na maior parte do que afirma, só errando quanto à produção científica brasileira que vem sendo citada: ela tem aumentado, não sei se em qualidade, mas pelo menos em quantidade. E conviria também distinguir entre a boa qualidade dos papers que são publicados nas áreas de biológicas, e hard sciences em geral, do lixo que caracteriza, provavelmente, mais da metade do que sai nas chamadas humanidades.
Com essa ressalva, fica o texto de Olavo de Carvalho, que remete a outros autores que poderiam ser pesquisados pelos interessados.
Paulo Roberto de Almeida 

De Olavo de Carvalho:

Viva Paulo Freire!

Vocês conhecem alguém que tenha sido alfabetizado pelo método Paulo Freire? Alguma dessas raras criaturas, se é que existem, chegou a demonstrar competência em qualquer área de atividade técnica, científica, artística ou humanística? Nem precisam responder. Todo mundo já sabe que, pelo critério de “pelos frutos os conhecereis”, o célebre Paulo Freire é um ilustre desconhecido. As técnicas que ele inventou foram aplicadas no Brasil, no Chile, na Guiné-Bissau, em Porto Rico e outros lugares. Não produziram nenhuma redução das taxas de analfabetismo em parte alguma. Produziram, no entanto, um florescimento espetacular de louvores em todos os partidos e movimentos comunistas do mundo. O homem foi celebrado como gênio, santo e profeta. Isso foi no começo. A passagem das décadas trouxe, a despeito de todos os amortecedores publicitários, corporativos e partidários, o choque de realidade. 

Eis algumas das conclusões a que chegaram, por experiência, os colaboradores e admiradores do sr. Freire: “Não há originalidade no que ele diz, é a mesma conversa de sempre. Sua alternativa à perspectiva global é retórica bolorenta. Ele é um teórico político e ideológico, não um educador.” (John Egerton, “Searching for Freire”, Saturday Review of Education, Abril de 1973.) “Ele deixa questões básicas sem resposta. Não poderia a ‘conscientização’ ser um outro modo de anestesiar e manipular as massas? Que novos controles sociais, fora os simples verbalismos, serão usados para implementar sua política social? Como Freire concilia a sua ideologia humanista e libertadora com a conclusão lógica da sua pedagogia, a violência da mudança revolucionária?” (David M. Fetterman, “Review of The Politics of Education”, American Anthropologist, Março 1986.) 

“[No livro de Freire] não chegamos nem perto dos tais oprimidos. Quem são eles? A definição de Freire parece ser ‘qualquer um que não seja um opressor’. Vagueza, redundâncias, tautologias, repetições sem fim provocam o tédio, não a ação.” (Rozanne Knudson, Resenha da Pedagogy of the Oppressed; Library Journal, Abril, 1971.) “A ‘conscientização’ é um projeto de indivíduos de classe alta dirigido à população de classe baixa. Somada a essa arrogância vem a irritação recorrente com ‘aquelas pessoas’ que teimosamente recusam a salvação tão benevolentemente oferecida: ‘Como podem ser tão cegas?’” (Peter L. Berger, Pyramids of Sacrifice, Basic Books, 1974.) “Alguns vêem a ‘conscientização’ quase como uma nova religião e Paulo Freire como o seu sumo sacerdote. Outros a vêem como puro vazio e Paulo Freire como o principal saco de vento.” (David Millwood, “Conscientization and What It's All About”, New Internationalist, Junho de 1974.) “A Pedagogia do Oprimido não ajuda a entender nem as revoluções nem a educação em geral.” (Wayne J. Urban, “Comments on Paulo Freire”, comunicação apresentada à American Educational Studies Associationem Chicago, 23 de Fevereiro de 1972.) “Sua aparente inabilidade de dar um passo atrás e deixar o estudante vivenciar a intuição crítica nos seus próprios termos reduziu Freire ao papel de um guru ideológico flutuando acima da prática.” (Rolland G. Paulston, “Ways of Seeing Education and Social Change in Latin America”, Latin American Research Review. Vol. 27, No. 3, 1992.) 

“Algumas pessoas que trabalharam com Freire estão começando a compreender que os métodos dele tornam possível ser crítico a respeito de tudo, menos desses métodos mesmos.” (Bruce O. Boston, “Paulo Freire”, em Stanley Grabowski, ed., Paulo Freire, Syracuse University Publications in Continuing Education, 1972.) Outros julgamentos do mesmo teor encontram-se na página de John Ohliger, um dos muitos devotos desiludidos (http://www.bmartin.cc/dissent/documents/Facundo/Ohliger1.html#I). Não há ali uma única crítica assinada por direitista ou por pessoa alheia às práticas de Freire. Só julgamentos de quem concedeu anos de vida a seguir os ensinamentos da criatura, e viu com seus própios olhos que a pedagogia do oprimido não passava, no fim das contas, de uma opressão da pedagogia. Não digo isso para criticar a nomeação póstuma desse personagem como “Patrono da Educação Nacional”. 

Ao contrário: aprovo e aplaudo calorosamente a medida. Ninguém melhor que Paulo Freire pode representar o espírito da educação petista, que deu aos nossos estudantes os últimos lugares nos testes internacionais, tirou nossas universidades da lista das melhores do mundo e reduziu para um tiquinho de nada o número de citações de trabalhos acadêmicos brasileiros em revistas científicas internacionais. Quem poderia ser contra uma decisão tão coerente com as tradições pedagógicas do partido que nos governa? Sugiro até que a cerimônia de homenagem seja presidida pelo ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, aquele que escrevia “cabeçário” em vez de “cabeçalho”, e tenha como mestre de cerimônias o principal teórico do Partido dos Trabalhadores, dr. Emir Sader, que escreve “Getúlio” com LH. A não ser que prefiram chamar logo, para alguma dessas funções, a própria presidenta Dilma Roussef, aquela que não conseguia lembrar o título do livro que tanto a havia impressionado na semana anterior, ou o ex-presidente Lula, que não lia livros porque lhe davam dor de cabeça.

PT, Fundos de Pensão, BNDES: quem ainda não acredita que se trata de uma máfia?

Com todas estas revelações, e muitas outras que certamente ainda virão, quem ainda não acredita que se trata de uma gigantesca organização criminosa?
Como diz meu amigo Mauricio David, que me enviou a matéria:
"...tem gente que ainda pensa que a ex-presidente Dilma era incompetente, mas honesta... Mas no seu governo, deixar roubar era a regra... Até no antes incorruptível BNDES...
...”Outra herança dos governos petistas que será destampada muito em breve é a do BNDES. Sob a coordenação da Procuradoria-Geral da República, há pelo menos dois meses investigadores se debruçam sobre contratos de financiamento que resultaram em prejuízos bilionários para o banco. O trabalho está sendo feito em parceria com o Ministério Público de Contas. Os investigadores já tiveram acesso a toda a documentação relativa às operações do banco. O material reúne, além dos contratos, pareceres técnicos e atas das reuniões de diretoria guardadas a sete chaves até recentemente. São 5 gigabytes de documentos digitalizados que, já nas primeiras análises, dão uma ideia do tamanho do problema. Por exemplo: para liberar um financiamento de 2,5 bilhões de reais durante o governo Lula, o banco aceitou garantias que, nas palavras de um investigador, mais parecem um "arquivo de PowerPoint". Em valores atualizados, só esse negócio teria resultado num prejuízo superior a 1 bilhão para os cofres do BNDES. “...
Paulo Roberto de Almeida 

 
 

 
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11set16

Parece que não acabará nunca

A Polícia Federal e o Ministério Público investigam dois novos esquemas de corrupção que envolvem empresários e políticos, com desvios superiores a 10 bilhões de reais

Rodrigo Rangel e Hugo Marques

HÁ QUATRO ANOS, quando os fundos de pensão funcionavam como bunkers indevassáveis, um grupo de associados da Refer, que reúne os antigos funcionários da Rede Ferroviária Federal, procurou o então deputado petista Ricardo Berzoini. Eles estavam preocupados com irregularidades na escolha dos investimentos feitos pela Refer. Desconfiavam que o fundo estava colocando dinheiro em papéis duvidosos que, num futuro próximo, dariam prejuízo. Berzoini era um dos mais entendidos e influentes políticos na área de previdência estatal. No governo Lula, praticamente todos os dirigentes indicados para ocupar cargos de confiança nos fundos passavam pelo seu crivo. Ao procurá-lo, os associados da Refer acreditavam estar levando a suspeita a quem os ajudaria a resolver o problema. Erraram. Berzoini escreveu uma carta ao presidente do fundo para alertá-lo de que havia gente de olho nas irregularidades. Depois disso, começou uma caça às bruxas para descobrir quem eram os abusados que tinham posto o dedo na ferida - uma gigantesca ferida.

O caso da Refer é uma gota num oceano de ilegalidades que envolve políticos como Berzoini, empresários e dirigentes corruptos, como veio à tona na semana passada. Uma fraude que pode superar facilmente a marca de 10 bilhões de reais. Como na Refer, fundos das maiores empresas estatais são alvo de suspeitas graves de má gestão e corrupção. Uma farra com dinheiro alheio, uma vez que o bilionário caixa dos fundos é formado também por contribuições dos funcionários das estatais preocupados em garantir uma aposentadoria mais confortável. Petros (dos funcionários da Petrobras), Funcef (da Caixa Econômica Federal), Previ (do Banco do Brasil) e Postalis (dos funcionários dos Correios) estão sob investigação. Apesar de biliardários, alguns apresentaram prejuízos enormes, a ponto de não poderem sequer garantir a aposentadoria dos associados. Nos Correios, por exemplo, os funcionários tiveram de passar a pagar contribuição extra para cobrir o rombo no Postalis.

A Polícia Federal e o Ministério Público começaram a seguir pistas que devem levar à repetição de um daqueles enredos bem conhecidos. Na semana passada, investigadores cumpriram 134 mandados de busca, de condução coercitiva e de prisão. Foram esmiuçados dez investimentos feitos por Previ, Funcef, Petros e Postalis cujo prejuízo, segundo os investigadores, ultrapassa a casa dos 8 bilhões de reais (ao todo, só esses quatro fundos acumulam rombo de 50 bilhões de reais). A operação alcançou algumas das maiores empresas do país, beneficiárias dos recursos aplicados. Entre elas, a OAS, já implicada na Operação Lava-Jato, e o grupo J&F, controlador da JBS, uma das maiores companhias de alimentos do mundo. Expoentes do PIBnacional, como Wesley Batista, um dos donos da J&F, foram levados para depor - o grupo virou alvo porque uma de suas empresas, a Eldorado Celulose, recebeu aporte de 544 milhões de reais da Petros e da Funcef.

Os negócios sob investigação obedeciam a uma mesma lógica. Segundo se apurou, a partir de avaliações propositalmente malfeitas os fundos de pensão despejavam dinheiro em projetos ainda em fase inicial e pagavam, em troca de cotas de participação, quantias bem acima do valor real. Alguns desses investimentos viraram pó pelo caminho, e os fundos ficaram com o prejuízo. A pergunta a que os investigadores tentam responder é: para onde foi o dinheiro? A suspeita é que ao menos uma parte dos valores investidos voltava na forma de propina para os responsáveis pelas decisões. Dirigentes dos fundos chegaram a ser presos, entre eles Guilherme Lacerda, ex-presidente da Funcef, ligado a chefes petistas do calibre de José Dirceu e de João Vaccari, ex-tesoureiro do partido. A aposta dos policiais e procuradores é que, a partir desses dirigentes, seja possível chegar ao topo da cadeia. Eles já sabem, por exemplo, que a parte dos fundos que cabia ao PT era chefiada pela ala do partido ligada ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, cujo comando político é de Ricardo Berzoini e João Vaccari.

Chama atenção o fato de que os beneficiários dos investimentos dos fundos são, quase sempre, empresários amigos do poder. A conexão com outros escândalos é estreita. No caso da OAS, o dinheiro da Funcef foi destinado à conclusão de obras atrasadas da Bancoop, a cooperativa dos bancários paulistas. Entre essas obras estava a do célebre Edifício Solaris, no Guarujá (SP), cuja cobertura foi reservada para o ex-presidente Lula. A abertura da caixa-preta dos fundos de pensão não deve render problemas apenas ao PT. O PMDB está igualmente na mira das investigações. Separados pelo impeachment, seus dirigentes correm o risco de se unir na cadeia.

Outra herança dos governos petistas que será destampada muito em breve é a do BNDES. Sob a coordenação da Procuradoria-Geral da República, há pelo menos dois meses investigadores se debruçam sobre contratos de financiamento que resultaram em prejuízos bilionários para o banco. O trabalho está sendo feito em parceria com o Ministério Público de Contas. Os investigadores já tiveram acesso a toda a documentação relativa às operações do banco. O material reúne, além dos contratos, pareceres técnicos e atas das reuniões de diretoria guardadas a sete chaves até recentemente. São 5 gigabytes de documentos digitalizados que, já nas primeiras análises, dão uma ideia do tamanho do problema. Por exemplo: para liberar um financiamento de 2,5 bilhões de reais durante o governo Lula, o banco aceitou garantias que, nas palavras de um investigador, mais parecem um "arquivo de PowerPoint". Em valores atualizados, só esse negócio teria resultado num prejuízo superior a 1 bilhão para os cofres do BNDES. Ao menos um ex-dirigente do banco já sinalizou aos procuradores que tem interesse em colaborar com as investigações. A partir de depoimentos preliminares, os encarregados do caso têm indicações de que no banco funcionou, nos últimos anos, um esquema parecido com o petrolão: em troca da assinatura dos contratos e da liberação dos financiamentos, era preciso pagar propina a políticos e partidos, numa simbiose que, a exemplo do esquema da Petrobras, contava com intermediários encarregados de fazer com que as comissões chegassem ao destino.

O BNDES NÃO SERÁ MAIS UMA CAIXA-PRETA

No governo passado, o BNDES recorreu à Justiça para evitar que os órgãos de investigação tivessem acesso aos contratos firmados nos últimos anos. A VEJA, a nova presidente do banco, Maria Silvia Bastos Marques, diz que houve erros na definição de investimentos, que tudo será apurado e que é necessário resgatar a imagem do BNDES.

O BNDES foi usado politicamente? 

A resposta cabe aos órgãos de controle. O que temos feito é estruturar o acesso desses órgãos ao BNDES. Muitas coisas feitas aqui são diretrizes de governo. A administração anterior ficou um tempo longo. Agora estamos rediscutindo praticamente tudo. Criamos, por exemplo, uma diretoria de controladoria, alinhada com a nossa preocupação de trabalhar de forma transparente.

Hoje, é possível dizer que a política dos "campeões nacionais", idealizada pelo PT com recursos do BNDES, foi um erro? 

Ela foi levada muito longe. Uma política que era anticíclica naquele momento, em 2008, estendeu-se por muito tempo e deu incentivos que não reverteram em maior competitividade, maior produtividade, maior investimento.

Essa política deixou prejuízo?

O prejuízo foi para a economia brasileira. O propósito de agregar investimentos ao país, prever mais atividade econômica e preservar o nível de emprego não aconteceu. Essa política não foi efetiva como se pretendia.

O BNDES vai deixar de ser uma grande "caixa-preta"? 

Todas as informações solicitadas pelos órgãos de controle têm sido encaminhadas. Essa coisa de caixa-preta é um problema de imagem. É extremamente importante reverter isso. O banco tem um corpo técnico sério, e é muito difícil uma pessoa, individualmente, mudar o curso de alguma coisa aqui dentro.

Mas, se isso tivesse funcionado devidamente, não haveria razão para as investigações em curso...

Vamos separar as coisas. O banco tem seu corpo técnico, mas é uma instituição que está inserida em um contexto. Não quer dizer que tudo é decidido tecnicamente. As investigações, os processos, têm suas razões. Vamos apurar e ver o que acontece. Nada é perfeito, e tudo pode ser aperfeiçoado.