O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

UFSC: Semana Academica de RI - Perguntas nao respondidas - Paulo Roberto de Almeida

No último dia 5 de outubro de 2012, estive na Universidade Federal de Santa Catarina, convidado que fui pelos alunos para proferir a palestra de encerramento desta terceira semana de RI (a primeira turma de graduação está recém se formando agora).
Agradeci muito o convite e até fiz um esforço para comparecer, pois passei a semana em Maceió, onde tinha ido para as comemorações dos cem anos de nascimento de meu colega diplomata (que não conheci, pois ele se aposentou no ano em que eu ingressava no Itamaraty) Renato Firmino Maia de Mendonça. Acordei as 5hs da manhã, para viajar direto a Florianópolis e proferir a palestra no final do dia. Fui muito bem recebido, aliás, pelos alunos encarregados da excelente organização do evento, e não tenho nenhuma reclamação a fazer, a não ser duas:
1) Não me lembrei de pedir, antes da palestra, que eles escrevessem os nomes e e-mails nas perguntas escritas que encaminharam à mesa para que eu respondesse, ao final de minha exposição; falha minha, portanto, pois sempre peço, em circunstâncias similares, que os perguntadores formulem suas perguntas, com as devidas coordenadas, para que eu possa, justamente, encaminhar depois respostas mais estruturadas caso falte tempo para abordar todas as questões;
2) Não houve tempo hábil para responder a todas as questões, e isso eu imputo aos organizadores. Não me avisaram antecipadamente que tínhamos de encerrar as 20h30 (sendo que sempre se começa mais tarde do que a hora marcada), e eu me alonguei, seja na palestra, seja nas respostas às primeiras perguntas e depois fui "confrontado"  com a falta de tempo, e não pude satisfazer aos demais. Ainda assim, terminei pedindo que me contatassem ao final da palestra, para passar os e-mails ou continuar a conversa, mas poucos o fizeram (enfim, preferiram comer os canapés e tomar os sucos, o que talvez tenha sido melhor: as causas alimentares sempre passam antes do intelecto).
Vou portanto, transcrever as perguntas feitas e tentar dar algumas indicações sobre elas, não sem antes informar aos navegantes, curiosos e interessados sobre a disponibilidade de alguns dos meus textos mais recentes que possam apresentar algum mérito para pesquisadores ou estudantes:

As relações Sul-Sul: um novo determinismo geográfico?
Renato Mendonça: um intelectual na diplomacia
Intervenção governamental: Von Mises e prática brasileira
A diplomacia da era Lula: balanço e avaliação
Falácias acadêmicas: ensaios sobre alguns mitos correntes

A Economia Política da Integração Latino-Americana 
Uma história do Mercosul: evolução e situação atual

Vejamos agora o que eu poderia ter respondido e não respondi: 

1) O Sr. acredita que o crescimento econômico dos países depende de fatores endógenos, como o fortalecimento das suas instituições, ou que tal situação dependa fundamentalmente dos cenários e interesses internacionais?
PRA: Em primeiro lugar, eu costumo não "acreditar" em fatores econômicos e sim consultar e constatar os dados empíricos, a pura materialidade das coisas. Claro, somos todos influenciados por uma ou outra teoria, inclusive na seleção e interpretação dos dados, mas o economista verdadeiro tenta ser o mais objetivo possível, sabedor, no entanto, que os homens atuam conscientemente (nem todos) e assim modificam sempre os dados do problema, já que reagem, racionalmente ou instintivamente, aos estímulos existentes, mudando, portanto, o comportamento dos agentes e consequentemente dos processos sociais, subjetiva ou objetivamente. 
Dito isto, nas economias modernas, globalizadas, fatores externos sempre influenciam a conjuntura interna, e portanto o crescimento, que pode ser sustentado ou não, dependendo de um número muito grande de variáveis para podermos traçar uma lei da predominância de uns (externos, digamos) sobre outros (domésticos, por exemplo) fatores de crescimento. Normalmente, as economias mais abertas são mais suscetíveis a choques externos, mas também, por se abastecerem e venderem a um número maior de parceiros, podem diluir o caráter errático de conjunturas adversas, tanto internas, quanto externas, e aí depende da diversidade e da complexidade desses impactos. 
Em qualquer hipótese, instituições sólidas, com normas claras, transparentes e estáveis são sempre melhores, MUITO melhores, do que alterações arbitrárias das regras que presidem ao jogo econômico. 
A despeito que se diga que os capitais financeiros externos produzem volatilidade, o que pode ser verdade, acredito que a volatilidade maior está embutida nas políticas econômicas nacionais. 

2) Por que se, durante décadas o Brasil fez alianças/parcerias muitas vezes quase exclusivas com o Norte, não somos mais avançados, tecnologicamente, por exemplo?
PRA: Muito simples, e talvez mais complicado. Não se deve confundir relações de compra e venda, ou de participação nos mercados internacionais, com "parcerias" e muito menos com "alianças".
Uma colônia de exportação atua sob o chamado "pacto exclusivo", ou seja, totalmente dominada pela métropole. Mas mesmo um país independente, que só exporta matérias primas -- que podem ser absolutamente estratégicas para "parceiros"  avançados, como o petróleo, por exemplo, inclusive com a "ajuda tecnológica"  de empresas desses "parceiro" -- pode continuar durante séculos um mero exportador de produtos não processados, não absorvendo em nada essas tecnologias. Um país pode -- e muitos o fazem obviamente -- continuar durante 5 séculos a colher cana no machete, ou café e algodão manualmente, já que dispõe de uma mão de obra abundante e barata, o que não obriga à capitalização. O mesmo ocorre na extração, mineral ou outra. 
Engano seu, portanto, achar que pelo fato de o Brasil ser um exportador de commodities a "parceiros"  mais avançados durante os últimos 5 séculos, ele tenha de se qualificar tecnologicamente. O desempenho nessa área, ou seja, a transformação produtiva depende de que os agentes primários em cada setor se convençam de que é melhor exportar produtos processados do que commodities, cujos preços não são fixados pelo produtor (mas isso, mais uma vez, depende dos mercados, pois os fatores abundantes podem estar nos recursos naturais e na mão de obra, não havendo estímulo para a capitalização). 
De toda forma, qualquer que seja a situação, isso não tem absolutamente nada a ver com Norte ou Sul, pois não é a relação Sul-Sul que vai mudar qualquer coisa no avanço tecnológico, e geralmente não o faz, pois de fato e historicamente o Sul é mais defasado tecnologicamente do que o Norte.
Elementar, não meu caro Watson?

3) Em seu blog, você mantém uma categoria de escritos chamada "falácias acadêmicas", onde se refere às distorções ideológicas que em sua opinião pululam pelas academias brasileiras. Um dos seus estudos lá presentes versa sobre o neoliberalismo, que você argumenta nunca ter existido em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
Tendo em vista que esta casa (UFSC) orienta-se, em sua predominância, à esquerda, o que faz com que a palavra neoliberalismo seja sempre acompanhada dos piores adjetivos, você poderia falar um pouco sobre a sua visão da política "neoliberal" no Brasil, especificamente de temas como a privatização, abertura comercial e o governo FHC (grande vilão neoliberal segundo alguns)? Obrigado [O autor identificou-se depois, mas eu preservo seu nome para evitar dele ser crucificado pelos mais fanáticos anti-liberais, depois.]
PRA: Meu caro: Eu creio NUNCA ter falado que o neoliberalismo NUNCA existiu, no Brasil ou alhures. O "neoliberalismo" não existe, ou existe apenas como renascimento do velho liberalismo clássico. Não conheço economistas (ou outros) liberais que se classifiquem a si mesmos de "neoliberais". Um liberal consequente, e corajoso, diria, simplesmente: "Eu sou liberal!" (ponto, sem adjetivos).
O que eu disse foi que o liberalismo NUNCA existiu no Brasil, e isso é muito fácil de provar. Dou um doce, ou melhor, dou metade da minha biblioteca, para algum desses fanáticos "anti-neoliberais" (eles mesmos se vêem assim, e podem ser professores ou não) se qualquer um deles conseguir me provar que em algum momento da história do Brasil, desde Cabral, algum governante, qualquer um, tenha pautado sua administração, e mais concretamente sua política econômica, pelos seguintes princípios: de agora em diante, o governo não interfere mais na economia, não impede a criação de nenhuma empresa, todos são livres para empreender e começar a trabalhar, sem qualquer permissão prévia do governo (salvo nos setores de defesa, justiça e policiamento), que o comércio é totalmente livre, com zero tarifas e zero proibições, que os capitais e as pessoas podem entrar e sair livremente, que todo mundo pode ser exercer em qualquer profissão (salvo naquelas que "matam" gente) sem qualquer tipo de regulamentação ou reserva de mercado, sem qualquer diploma, título ou certificado, que eu não preciso sequer de um diploma de alfabetização para prestar concurso público, bastando fazer concurso, com base no mérito, que nenhum governo jamais fixará taxa de juros ou taxa de câmbio, que eu posso usar a moeda que quiser nas minhas transações internas e externas, que eu posso ter contas em moedas estrangeiras no banco que eu escolher, que a carga fiscal que eu preciso pagar ao governo é a mais baixa possível, que a oferta de bens e serviços (salvo naqueles monopólios naturais, onde se atua por concessão regulada por agências públicas) é a mais livre e a mais competitiva possível, que eu tenho mil operadoras de telefonia e de televisão à minha disposição, que eu possa ler, assistir, ouvir qualquer livro, qualquer programa sem nenhum tipo de censura governamental, que nenhuma agência fascista de governo vai me dizer o que eu posso ou não consumir, enfim, que eu seja absolutamente livre de burocratas governamentais.
Isso é liberalismo, e se alguém conseguir me provar que alguma vez, algum governo, no Brasil, foi assim, eu entrego metade da minha biblioteca.
O que eu afirmo, com todas as letras, é que o tal de neoliberalismo é uma invenção de pessoas frustradas com a volta de uma economia não liberal, mas um pouco menos regulada, menos intervencionista do que a que existia até os aos 1970, e que essas pessoas têm saudados do socialismo (que na verdade elas nunca conheceram, para ver a miséria que era), que são na sua grande maioria preguiçosos que não gostam de competição, que gostam de empregos públicos bem remunerados (pelos capitalistas, claro), que eles adora redistribuição de renda a seu favor, que eles detestam os mercados e acham o capitalismo perverso.
O chamado "neoliberalismo" é o despeito dos ignorantes sobre as reais alavancas de funcionamento do jogo econômico, além de revelar, no plano daqueles que acham o governo FHC "neoliberal" uma desonestidade ideológica desprezível, pois o que ele fez foi simplesmente colocar em ordem uma economia absolutamente esquizofrênica e caótica por anos de estatismo e de intervencionismo governamental. Essas pessoas não mereciam dar aulas, pois estão simplesmente propagando mentiras.
Acho que está claro, não?
Mas se quiser saber mais, basta ir ao meu site e blogs, e clicar "neoliberalismo", ou suas derivações negativas e positivas, e haverá uma pletora de artigos meus sobre o assunto...


Existiram, também, perguntas que eu pude ler e responder, ainda que parcialmente e rapidamente. Quais eram?

4) Em 2006, você deu uma entrevista ao Estadão, que afirmava que os Brics eram uma mera construção intelectual...
PRA: Já respondi, mas também tenho, em meu site e blogs, muitos trabalhos e textos sobre essa questão, e portanto peço para ver lá.

5) A dinâmica da diplomacia brasileira desde a ascensão de Lula prioriza as relações Sul-Sul [como] resultado dos fracassos econômicos e políticos da década de 90... A política atual é soberana (...) e isso seria pragmatismo...
Bem, já remeti a um texto meu, acima, sobre a diplomacia de Lula, e tenho muitos outros disponíveis. Recomendo ler...

6) [Artigo] do Wall Street Journal sobre educação na China e na Índia, capaz de suplantar a norte-americano, e portanto seriam modelos a ponto de influenciar o Brasil...
PRA: Para mim, China e Índia não são modelos para absolutamente nada para o Brasil ou qualquer outro país, a não ser para o óbvio, quando ele existir: estudo de boa qualidade, abertura econômica, receptividade aos investimentos estrangeiros, estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, boa governança, ou seja, puro bom senso, e apenas isto.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 8 de outubro de 2012

A Historia do Zero - Nils-Bertil Wallin


The History of Zero

  
 
How was zero discovered?
  
  
 
Nils-Bertil Wallin
 YaleGlobal, 19 November 2002
  
  
  
The phenomenon of zero. 

From placeholder to the driver of calculus, zero has crossed the greatest minds and most diverse borders since it was born many centuries ago. Today, zero is perhaps the most pervasive global symbol known. In the story of zero, something can be made out of nothing.
Zero, zip, zilch - how often has a question been answered by one of these words? Countless, no doubt. Yet behind this seemingly simple answer conveying nothing lays the story of an idea that took many centuries to develop, many countries to cross, and many minds to comprehend. Understanding and working with zero is the basis of our world today; without zero we would lack calculus, financial accounting, the ability to make arithmetic computations quickly, and, especially in today's connected world, computers. The story of zero is the story of an idea that has aroused the imagination of great minds across the globe.
When anyone thinks of one hundred, two hundred, or seven thousand the image in his or her mind is of a digit followed by a few zeros. The zero functions as a placeholder; that is, three zeroes denotes that there are seven thousands, rather than only seven hundreds. If we were missing one zero, that would drastically change the amount. Just imagine having one zero erased (or added) to your salary! Yet, the number system we use today - Arabic, though it in fact came originally from India - is relatively new. For centuries people marked quantities with a variety of symbols and figures, although it was awkward to perform the simplest arithmetic calculations with these number systems.
The Sumerians were the first to develop a counting system to keep an account of their stock of goods - cattle, horses, and donkeys, for example. The Sumerian system was positional; that is, the placement of a particular symbol relative to others denoted its value. The Sumerian system was handed down to the Akkadians around 2500 BC and then to the Babylonians in 2000 BC. It was the Babylonians who first conceived of a mark to signify that a number was absent from a column; just as 0 in 1025 signifies that there are no hundreds in that number. Although zero's Babylonian ancestor was a good start, it would still be centuries before the symbol as we know it appeared.
The renowned mathematicians among the Ancient Greeks, who learned the fundamentals of their math from the Egyptians, did not have a name for zero, nor did their system feature a placeholder as did the Babylonian. They may have pondered it, but there is no conclusive evidence to say the symbol even existed in their language. It was the Indians who began to understand zero both as a symbol and as an idea.
Brahmagupta, around 650 AD, was the first to formalize arithmetic operations using zero. He used dots underneath numbers to indicate a zero. These dots were alternately referred to as 'sunya', which means empty, or 'kha', which means place. Brahmagupta wrote standard rules for reaching zero through addition and subtraction as well as the results of operations with zero. The only error in his rules was division by zero, which would have to wait for Isaac Newton and G.W. Leibniz to tackle.
But it would still be a few centuries before zero reached Europe. First, the great Arabian voyagers would bring the texts of Brahmagupta and his colleagues back from India along with spices and other exotic items. Zero reached Baghdad by 773 AD and would be developed in the Middle East by Arabian mathematicians who would base their numbers on the Indian system. In the ninth century, Mohammed ibn-Musa al-Khowarizmi was the first to work on equations that equaled zero, or algebra as it has come to be known. He also developed quick methods for multiplying and dividing numbers known as algorithms (a corruption of his name). Al-Khowarizmi called zero 'sifr', from which our cipher is derived. By 879 AD, zero was written almost as we now know it, an oval - but in this case smaller than the other numbers. And thanks to the conquest of Spain by the Moors, zero finally reached Europe; by the middle of the twelfth century, translations of Al-Khowarizmi's work had weaved their way to England.
The Italian mathematician, Fibonacci, built on Al-Khowarizmi's work with algorithms in his book Liber Abaci, or "Abacus book," in 1202. Until that time, the abacus had been the most prevalent tool to perform arithmetic operations. Fibonacci's developments quickly gained notice by Italian merchants and German bankers, especially the use of zero. Accountants knew their books were balanced when the positive and negative amounts of their assets and liabilities equaled zero. But governments were still suspicious of Arabic numerals because of the ease in which it was possible to change one symbol into another. Though outlawed, merchants continued to use zero in encrypted messages, thus the derivation of the word cipher, meaning code, from the Arabic sifr.
The next great mathematician to use zero was Rene Descartes, the founder of the Cartesian coordinate system. As anyone who has had to graph a triangle or a parabola knows, Descartes' origin is (0,0). Although zero was now becoming more common, the developers of calculus, Newton and Lebiniz, would make the final step in understanding zero.
Adding, subtracting, and multiplying by zero are relatively simple operations. But division by zero has confused even great minds. How many times does zero go into ten? Or, how many non-existent apples go into two apples? The answer is indeterminate, but working with this concept is the key to calculus. For example, when one drives to the store, the speed of the car is never constant - stoplights, traffic jams, and different speed limits all cause the car to speed up or slow down. But how would one find the speed of the car at one particular instant? This is where zero and calculus enter the picture.
If you wanted to know your speed at a particular instant, you would have to measure the change in speed that occurs over a set period of time. By making that set period smaller and smaller, you could reasonably estimate the speed at that instant. In effect, as you make the change in time approach zero, the ratio of the change in speed to the change in time becomes similar to some number over zero - the same problem that stumped Brahmagupta.
In the 1600's, Newton and Leibniz solved this problem independently and opened the world to tremendous possibilities. By working with numbers as they approach zero, calculus was born without which we wouldn't have physics, engineering, and many aspects of economics and finance.
In the twenty-first century zero is so familiar that to talk about it seems like much ado about nothing. But it is precisely understanding and working with this nothing that has allowed civilization to progress. The development of zero across continents, centuries, and minds has made it one of the greatest accomplishments of human society. Because math is a global language, and calculus its crowning achievement, zero exists and is used everywhere. But, like its function as a symbol and a concept meant to denote absence, zero may still seem like nothing at all. Yet, recall the fears over Y2K and zero no longer seems like a tale told by an idiot.
References:
1. Kaplan, Robert (2000). The Nothing that Is: A Natural History of Zero. New York: Oxford University Press.
2. Seife, Charles (2000). Zero: The Biography
Rights:
© Copyright Yale Center for the Study of Globalization 2002

Intervencao dos governos na economia - Marcos Mendes


Por que o governo deve interferir na economia?

O funcionamento da economia, a princípio, não precisa de intervenções do governo. Por exemplo: quando uma seca destrói a safra de feijão, o preço do feijão sobe. Frente ao preço mais alto, as pessoas passam a comprar menos feijão, e o substituem por outro alimento mais barato. Isso significa que a demanda por feijão cai, diminuindo a pressão sobre seus preços. Por outro lado, comerciantes vão importar feijão, para aproveitar a oportunidade de lucrar com os preços mais altos. Ao colocarem no mercado essa importação, a escassez do produto diminuirá, com novo impulso à queda dos preços.
Há, portanto, um mecanismo de ajuste automático da economia: a escassez eleva os preços e o aumento de preços induz o fim da escassez. Em uma situação como essa, não há necessidade de o governo interferir na economia, pois ela se ajusta sozinha.
Há, porém, situações em que o mercado não se ajusta sozinho, são as chamadas “falhas de mercado”. Quando o mercado falha, a intervenção do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um nível mais elevado de bem-estar. Mas existem, também, as “falhas de governo”: os problemas que o governo causa ao intervir na economia.
(...)
  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
Para ler mais sobre o tema:
Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.
Andrade, E. (2004) Externalidades. In: Arvate, P., Biderman, C. (Orgs.) Economia do setor público no Brasil.FGV/Campus. São Paulo., p. 16-33
Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.

Sobre o Autor:

Marcos Mendes
Doutor em economia – USP. Editor do site "Brasil, economia e governo".

Recomendações de artigos:



Produtividade, uma aula - Marcos Mendes (01/10)


O que é produtividade e como conseguir seu incremento?

(O presente texto constitui adaptação de capítulo do livro “Infraestrutura: os caminhos para sair do buraco” de autoria de Raul Velloso, César Mattos, Marcos Mendes e Paulo Springer de Freitas).
A teoria econômica mensura a produtividade de uma economia por meio do conceito de “Produtividade Total dos Fatores” (PTF). Parte-se da ideia de que o produto anual de uma economia (PIB) é criado pela interação entre os estoques de capital físico e de capital humano existentes. O capital físico é constituído por máquinas, equipamentos, edifícios e demais instrumentos utilizados na produção. O capital humano é dado pela capacidade produtiva da força de trabalho e normalmente é representado pela quantidade de pessoas em idade laboral ponderada pelo nível de escolaridade médio dessa força de trabalho (na suposição de que trabalhadores que passaram mais tempo na escola são mais produtivos).
Suponha duas economias hipotéticas que tenham igual dotação de capital físico e de capital humano. Se uma dessas economias tem um PIB maior que o da outra, conclui-se que ela foi mais eficiente no uso de seu estoque de capital. Logo, ela tem maior produtividade. Ser mais produtivo, portanto, significa fazer mais produtos a partir de uma dada disponibilidade de capital humano e físico disponível na economia.aixo]
(...) [ver ab

Download:
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  • Marcos Mendes
    Doutor em economia – USP. Editor do site "Brasil, economia e governo".

Governar o mundo?: uma idea liberal-utopista - book review

The Old, New World Order
Yascha Mounk
The Wall Street Journal, October 7, 2012

Over the course of the 19th century, the idea of a global government so powerful that it would make nations all but obsolete took hold of the European mind. Futurist writers like Felix Bodin in France and George Griffith in England popularized the notion that a single world order was "the only possible solution of the human problem," as H.G. Wells later put it. But unrealistic dreams bred exaggerated fears. Soon pessimists were convinced that powerful international institutions would usher in global despotism.
In "Governing the World: The History of an Idea," Mark Mazower gives a splendid account of these and other utopian dreamers and their adversaries. In his telling, the era of international government started after the Napoleonic wars. Prince Metternich, Austria's foreign minister, realized that the victorious forces of the old order needed to band together to contain revolutionary fervor. So he designed the "Concert of Europe," a kind of mutual-aid society for morose monarchies.

Governing the World

By Mark Mazower

(Penguin, 475 pages, $29.95)
Radicals of all stripes loathed the Concert's aims yet were inspired by its internationalism. A nascent peace movement hoped that a better set of institutions might do away with war. In England, Richard Cobden, a Radical member of parliament, argued that free trade would enrich every corner of the globe. Meanwhile, Giuseppe Mazzini, the Italian unifier, dreamed of a "brotherhood" of democratic, independent nations. These were partially competing visions. Even so, they were all important influences on the two most ambitious international institutions mankind has known: the League of Nations and the United Nations.
Mr. Mazower's intellectual history of world government is highly compelling. But his book's greatest merit is the author's treatment of the practical realities of the U.N. He gives clear-minded attention to a crucial, oft-neglected question: What real impact have international organizations had on the world? His answer implicitly challenges both the realist and liberal camps in international relations.
Many realists consider international organizations mere sound and fury. Powerful nations, they say, care about their ability to enforce their interests on the battlefield, not about the deliberations of a feckless body like the U.N.'s General Assembly. But this skepticism, Mr. Mazower argues, is hardly borne out by history. Even at the height of the Cold War, American leaders were loath to be isolated at the U.N. What's more, multilateral institutions have helped the United States influence its own allies: Over the past two decades, the International Monetary Fund and the World Bank have remade the international economic order much more radically than the White House could have done on its own.
In ascribing real importance to the U.N., Mr. Mazower's account dovetails with that of many liberal scholars. Yet, unlike them, he thinks that the U.N.'s influence is rather more sinister than meets the eye. He notes that many of the U.N.'s key features, like the veto held by the five permanent members of the Security Council, were designed to favor the winners of World War II. Going a big step further, he argues that we should see the partisan interests of the West lurking behind the high-minded, seemingly neutral language of documents like the Universal Declaration of Human Rights. Far from constraining the actions of the world's high and mighty, the U.N. has proved to be "a vital instrument for Washington in its pursuit of global power."
If this focus on the dark side of international norms and institutions is another of the book's strengths, it is also responsible for some of its greatest weaknesses. According to Mr. Mazower, for example, the 19th-century origins of international law were deeply influenced by a self-serving, arbitrary distinction between civilized and uncivilized nations—one that had the not-so-subtle aim of justifying Europe's brutal rule over its colonies. This is no doubt right. But to conclude that the fledging discipline of international law "translated into the massacres, aerial bombings, and systematic detentions that characterized European imperialism" is to put the cart before the horse.
Such exaggerations are particularly troubling because they prepare the ground for some contemporary conclusions. After the U.N.'s failure to stop genocides in Yugoslavia and Rwanda, the General Assembly in 2005 adopted the so-called Responsibility to Protect, a resolution that obliges the international community to stop genocide even when it is taking place inside a sovereign state. Most human-rights activists applauded. But Mr. Mazower writes off the Responsibility to Protect as a ploy to erode the sovereignty of weaker nations. So, while U.N. Secretary-General Ban Ki-moon hailed the West's intervention in Libya as the first real-world application of this new norm, Mr. Mazower was reminded of "Fascist Italy's cynical rationalization of its invasion of Ethiopia." The Responsibility to Protect, he concludes, is nothing other than "the old ghost of the standard of civilizations."
Great powers will always be tempted to twist international law to serve their own ends. Even so, Mr. Mazower's extreme comparisons obfuscate as much as they reveal. To equate a norm designed to protect vulnerable populations with a legal standard that was created to exploit them doesn't just play loose with history; it is also a curiously self-satisfied way to shove aside, in the name of anti-colonialist clairvoyance, our moral duty to prevent genocide.
"Universalism," Mr. Mazower concludes, "is in the eye of the beholder." But this is too extreme—and too easy—a lesson to draw. Though supposedly universalist norms have often been invoked in bad faith, it is not always impossible to distinguish just from unjust laws, or to extract colonialism from humanitarian intervention. Unless we resign ourselves to total moral relativism, there is little alternative to striving for relations between states that are governed by universal rules. Early enthusiasm about the emancipatory promise of world government now seems hopelessly naive. But the imperative to build an order capable of safeguarding peace and protecting individual rights has hardly become less urgent.
Mr. Mounk is a doctoral student in political theory at Harvard University and the founding editor of the Utopian.

8 de Outubro: Dia do Guerrilheiro Heroico - Che Guevara

A data vai ser comemorada oficialmente em Cuba, provavelmente se confundirá com a vitória de Hugo Chávez na Venezuela, e será devidamente lembrada por certo número de guevaristas pela América Latina e esquecida por muitos outros, inclusive aqueles que possuem uma camiseta, um objeto qualquer contendo uma foto, uma frase, uma referência mínima que seja ao mais famoso ícone capitalista do mundo socialista. 
Sim, estou falando do maior sucesso de marketing de todos os tempos. Qualquer microempresário esperto sabe que, se imprimir umas quantas camisetas e espalhar por alguns recintos universitários, venderá como pipoca, ou talvez melhor, como água. Finalmente, é a isso que foi reduzida a imagem e a lembrança do outrora guerrilheiro oficial da esquerda latino-americana e mundial, assassinado pelas forças militares bolivianos no povoado de La Higuera, no dia 8 de outubro de 1967, encerrando uma carreira que tinha começado, no seu lado guerrilheiro, dez anos antes no desembarque dos rebeldes cubanos que lutavam contra a ditadura de Fulgencio Batista, o fdp tolerado pelos americanos na ilha do Caribe que abrigava muitos investimentos americanos e permitia à máfia lavar um pouco de dinheiro nos cassinos de Havana.
O lado romântico começou alguns anos antes, e foi devidamente retratado em livros, no cinema, e não preciso retomar aqui sua carreira.
Confesso que fui um guevarista precoce, já que me politizei com a revolução cubana, e emprendi uma carreira de "guerrilheiro aprendiz" encerrada tão pronto cheguei à conclusão que aquele bang-bang perpetrado pelos grupos de resistência armada ao regime militar inaugurado em 1967 não iria dar em nada, dada a total inadequação das suas propostas à realidade política, social, econômica e militar do Brasil em meados daqueles anos. Mas, senti uma ponta de tristeza quando o comandante Guevara morreu nas selvas da Bolívia, pois esperávamos que o movimento pudesse se sustentar, até se transformar em mais um Vietnã, como havia demandado o comandante em uma de suas mensagens enviadas não se sabe de onde, e como tal derrotar o odiado imperialismo ianque em nosso continente.
Estávamos completamente iludidos, como logo vim a descobrir, tratando então de cuidar dos estudos fora do Brasil, onde continuei guevarista por algum tempo ainda, até descobrir que o "homem novo"  preconizado por Guevara, e o socialismo preconizado por todos os marxistas não iria nos trazer exatamente liberdade e abundância. 
Muitos outros continuaram guevaristas, no sentido prático da palavra, mas eles foram sendo reduzidos pela gradual erosão da ideia marxista e pelas derrotas práticas de todos os socialismos, tanto quanto pela miséria de fato da única ditadura marxista ainda em vigor deste lado do mundo.
Mas, os marxistas de camiseta, aqueles que repetem mecanicamente uma única frase do comandante (aliás, frase muito idiota), esses continuam, firmes e fortes, talvez em número até acrescido, pois a legião dos inconscientes, dos ingênuos e dos desinformados sempre cresce, sobretudo em torno de ideias equivocadas. 
Portanto, aqui fica a minha mensagem: se você quiser ganhar uns trocados, copie da internet aquela foto famoso do Ché, de boina e cabelos sujos, e cole em alguma coisa. Depois pode vender por aí, que é sucesso garantido. Você pode não acreditar nas promessas do socialismo, e nem deve conhecer qualquer coisa que o Ché tenha escrito, mas certamente acredita no dinheiro...
Viva Ché Guevara: o maior sucesso de publicidade capitalista de todos os tempos...
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 8 de outubro de 2012

A lógica política do 'mensalão' - Sergio Fausto


A lógica política do 'mensalão'

SERGIO FAUSTO - DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC; MEMBRO DO GACINT-USP. E-MAIL: SFAUSTO40@HOTMAIL.COM
O Estado de S.Paulo, 6 de outubro de 2012
É cristalina a lógica política detrás dos crimes descritos na Ação Penal 470, que agora entra em fase decisiva de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Só não a vê quem não quer ou não pode, por ingenuidade política ou cegueira ideológica.
A compra de apoio político de pequenos partidos foi a forma encontrada pela cúpula do governo Lula, ao início de seu primeiro mandato, para atingir três objetivos simultâneos: 1) Formar uma maioria parlamentar que a aliança eleitoral vitoriosa não assegurava; 2) formá-la sem uma efetiva partilha do poder político com o PMDB, o maior partido no Congresso; e 3) preservar para o PT o maior espaço possível na ocupação do aparelho do Estado.
Quem acompanha a vida política brasileira há de se lembrar de que José Dirceu havia costurado um acordo preferencial com o PMDB, recusado por Lula, sob o argumento de que ele se tornaria refém do maior partido no Congresso. Há de se lembrar também de que os partidos beneficiados pelo dinheiro do "valerioduto" praticamente dobraram o tamanho de suas bancadas na Câmara. Há de se lembrar ainda que o primeiro Ministério do governo Lula se caracterizava tanto pela sobrerrepresentação do PT quanto pela sub-representação do PMDB, quando comparados os postos ministeriais e cargos de direção em estatais e agências reguladoras ocupados por representantes desses partidos com o tamanho de suas respectivas bancadas no Congresso.
É falso dizer que o "mensalão" faz parte da lógica política do presidencialismo de coalizão no Brasil. O funcionamento "normal" deste supõe que o presidente construa e mantenha a sua maioria parlamentar valendo-se da nomeação de representantes dos partidos aliados para cargos no governo, bem como da liberação preferencial das emendas parlamentares dos membros da base aliada. Coisa bem diferente é a compra de apoio político-parlamentar mediante paga em dinheiro.
A mais importante das diferenças está em que os mecanismos "normais" de formação e manutenção da maioria parlamentar são públicos e, portanto, passíveis de controle e crítica pela sociedade. Basta ler o Diário Oficial e acompanhar as votações no Congresso com atenção. Fazem esse papel as oposições e a imprensa, entre outros. Os atos e contratos que decorrem das nomeações para o Executivo e liberações de emendas parlamentares estão sob o domínio da lei e o crivo dos órgãos de controle interno e externo do Executivo.
Já a compra literal de apoio é, por definição, uma operação subterrânea, que se sabe criminosa e por isso busca evadir-se de qualquer controle público. Ela incha a face oculta do governo e engorda vários negócios ilícitos, uma vez que esquemas de mobilização e distribuição ilegal de recursos acabam por servir, naturalmente, a múltiplos propósitos.
O padrão "normal" de funcionamento do presidencialismo de coalizão no Brasil está longe do "ideal". É possível aperfeiçoar o sistema e necessário insistir em que as coalizões tenham maior consistência programática. As críticas ao padrão "normal" não devem, porém, obscurecer a singular degradação a que a compra de apoio mediante paga representa para o presidencialismo de coalizão, em geral, e para a representação parlamentar, em particular. Com a operação de compra e venda o Executivo sequestra o mandato recebido pelo parlamentar e viola o princípio de que este representa os interesses de seus eleitores. Se no padrão "normal" o apoio vem em troca da construção de uma ponte, por exemplo, na relação de compra e venda os únicos interesses representados são os dos partícipes do intercâmbio político-comercial.
Ao degradar a representação parlamentar, o "mensalão" reflete uma certa concepção sobre o sistema representativo. Segundo essa concepção, a "vontade popular" só encontra expressão verdadeira e genuína no presidente da República. Tal ideia tem larga tradição doutrinária, dentro e fora do Brasil, à esquerda e à direita. Ela encontra eco na célebre afirmação feita por Lula em 1993 de que o Congresso seria composto por uma maioria de "300 picaretas". Dizer que o "mensalão" tem raiz doutrinária seria ridículo. É certo, entretanto, que ele revela o desapreço de seus autores pela instituição da representação parlamentar, como se esta fosse uma parte menor do regime democrático.
Além de crime, o "mensalão" foi um erro. A ideia de que seria possível operar tal esquema sem deixar traços e sem se expor a enorme risco demonstra um misto de amadorismo e arrogância de quem o concebeu e operou. Indica também a resistência a um efetivo compartilhamento do poder por parte de um partido que se havia aberto às alianças eleitorais, mas relutava a ceder espaços na ocupação do aparelho do Estado, uma vez conquistado o governo. Lula aprendeu com o erro, embora continue a reiterar a tese de que não houve crime. E aprendeu rápido.
No calor da hora, ao mesmo tempo que ventilava a tese do "caixa 2" para fazer frente ao escândalo, o então presidente tratou de incorporar o PMDB plenamente ao seu governo e à aliança eleitoral que o levaria à reeleição em 2006. Governou em seu segundo mandato com a mais ampla base de partidos da história do presidencialismo de coalizão no Brasil até aquele momento. Depois do susto, deu-se a exacerbação do "padrão normal".
Não se trata aqui de demonizar o personagem, muito menos de indigitar culpados. Faço apenas um raciocínio político com base nos fatos conhecidos. Nesse passo, chega-se à conclusão de que a compra de apoio derivou de uma escolha política tomada no alto comando do governo para assegurar a "governabilidade" sem impor maior restrição às pretensões hegemônicas do PT.
Ao que tudo indica, com o "mensalão" o chefe da Casa Civil tratou de dar consequência prática às preferências do presidente da República. Resta saber se Lula tinha conhecimento e/ou interveniência de algum tipo no esquema montado para a compra sistemática de apoio político ao seu governo.

Eric Hobsbawm: uma palavra (ou duas) sobre ele... - Paulo Roberto de Almeida


Eric Hobsbawm: um depoimento acadêmico

Paulo Roberto de Almeida


Como qualquer acadêmico bem informado, eu conhecia a obra de Hobsbawm, obviamente, inclusive porque, em um dado momento de minha vida, eu também partilhei das mesmas crenças no "poder liberador" do socialismo, a partir da justeza das teses marxistas sobre a perversidade natural do capitalismo e a inevitável sucessão dos modos de produção, que deveria jogar na lata de lixo da história o modo fundado na extração de mais valia e na exploração dos trabalhadores.
Bem, confesso que fui marxista, mas nunca fui religioso, ou seja: nunca me deixei engabelar pelos "livros sagrados". Assim, fui buscar na realidade, em outros livros, na observação honesta dos modos existentes de produção a comprovação, ou não, dos argumentos originais marxianos e suas derivações leninistas, stalinistas, gramscianas, fidelistas, guevaristas e outras (bem, acho que nunca fui stalinista, mas pratiquei um pouco todos os outros pecados). O que eu vi, visitando todos os socialismos reais, surreais e esquizofrênicos, foi um sistema de penúria, caracterizado por muita miséria material, mas ainda mais miséria moral, um sistema baseado em fraude, mentiras, violência, desonestidade, ou simplesmente na escravidão humana.
Enfim, o que tem isso a ver com Eric Hobsbawm?
Li seus livros de história, um pouco em várias edições: inglês, espanhol, francês, italiano e, também em português. Aqueles que tem como partida épocas pregressas, ou seja séculos 15 a 19, confirmaram bastante a visão marxista do mundo, que é a usual no meio acadêmico: exploração capitalista, miséria dos trabalhadores, crises, colonialismo, imperialismo,  isto é, nosso menu habitual de condenação do capitalismo e da burguesia. Normal, não é? 
A coisa se complica um pouco quando chegamos no século 20, o século por excelência do capitalismo triunfante, logo depois em crise, e o da ascensão do socialismo e seu desafio ao primeiro, quase vitorioso, mas finalmente derrotado, para desgosto de Hobsbawm (e de todos os órfãos e viúvas do socialismo). 

O que eu teria a criticar em Hobsbawm?
Primeiro, deixe-me dizer o que eu achei correto, em sua análise da Revolução francesa. Ele disse que ela atrasou o capitalismo na França, pois impediu o imediato triunfo do capitalismo no campo, como ocorreu na Inglaterra, com a concentração de terras e a expulsão dos camponeses para as cidades, onde foram obrigados a trabalhar para os capitalistas fabris. Acho isso basicamente correto, e não tenho objeções a sua tese.
Do que discordo, em sua análise?
Na monumental coleção "História do Marxismo", que ele dirigiu, editada originalmente em italiano pela Einaudi (que eu tenho), ele convidou basicamente marxistas; enfim, um pouco como pedir a cardeais da Igreja Católica para escrever a história do cristianismo. Alguns italianos, já aderindo ao chamado eurocomunismo, foram bastante independentes, como Massimo Salvadori, por exemplo, mas o tom geral era de "ode ao marxismo", como aliás convinha no período que antecedeu à derrocada completa do sistema que se buscava "elucidar". 
De sua obra histórica cobrindo o período anterior ao século 20, se destaca uma importância exagerada ao marxismo, como sistema filosófico capaz de fundar uma nova era. De fato, o marxismo cresceu muito acima de suas possibilidades teóricas e de sua capacidade prática de resolver os problemas detectados por Marx no capitalismo. Ele foi oversold, de certa forma, e Hobsbawm foi um dos que participaram dessa operação de legitimação de um sistema que sempre apresentou falhas estruturais, ademais de uma monumental inconsistência intrínseca, para não falar de seu profetismo indiferente aos dados da realidade.
Quanto ao século 20, ele também deu uma importância exagerada ao socialismo, e quero me expressar muito bem quanto a isso.
A Rússia era um grande país, que conduziu guerras contra o Império Otomano, contra outros reinos na Ásia central e meridional, contra a China, a Polônia, a Áustria e a Alemanha, confirmando sua vocação ao imperialismo. Não se tratava obviamente de socialismo, mas o socialismo bolchevique continuou essa tradição, e o fez com um sentido internacionalista que ultrapassava barreiras nacionais, as fronteiras jurídicas dos Estados burgueses, para se exercer, depois, como força material e política importante em várias democracias burguesas da Europa ocidental e do resto do mundo. Isso não tem nada a ver com o socialismo, e sim com uma política de poder, com a razão de Estado, no caso, o Estado stalinista. 
Hobsbawm confundiu esse poder do Estado soviético com o triunfo do socialismo, ainda que a ideia socialista tenha conseguido conquistar corações e mentes de intelectuais dos países capitalistas, além de muitas forças sindicais. Mas ele confundiu os processos históricos e equiparou o triunfo intelectual do marxismo com o triunfo estrutural do socialismo, no processo mais vasto dos "modos de produção" em vigor durante o século 20. Bem, a CIA também considerava que o socialismo crescia mais do que o capitalismo, e que a União Soviética seria um formidável oponente, militar, econômico, tecnológico, cultural e político.
Todos erraram, mas Hobsbawm errou muito mais, pois ele mesmo, ainda que reconhecendo que o socialismo representava uma parte pequena do PIB mundial (mesmo com grandes recursos naturais), uma parte ainda menor do comércio internacional, uma parte ínfima dos fluxos de capitais, e uma parte ainda menos expressiva das inovações tecnológicas, ainda assim ele continuou a atribuir ao socialismo um poder transformador que ele de fato não tinha.
Hobsbawm também errou ao preservar o limitado molde marxista em suas análises do sistema econômico dos países, e, portanto, em crer que o capitalismo estava condenado a crises irremediáveis, condutoras a seu fracasso enquanto sistema.
Ele pelo menos tinha alguma sofisticação em suas análises, ao passo que os marxistas vulgares se agitavam alegremente cada vez que ocorria uma crise setorial nos sistemas capitalistas.
Em resumo, Hobsbawm foi um bom historiador "pré-capitalista", mas um péssimo historiador "socialista", e deixou sua fé no marxismo embotar suas análises dos processos econômicos e políticos dos séculos 19 e 20. 
Deixo de lado sua condescendência com os crimes dos socialismos reais do século 20, o stalinista e o maoísta, pois nesse quesito ele teria de ser condenado pelo lado moral, algo relativo nos marxistas. 
Eu estava apenas considerando seu trabalho como historiador. Ele falhou, como falharam muitos outros intelectuais. Que tenha demorado tanto tempo em reconhecer seus erros, conta em seu desfavor, mas de fato ele nunca renunciou a seu anticapitalismo visceral e a seu socialismo ingênuo.
Descanse em paz, é o que lhe desejo.
O problema, para nós acadêmicos, é que suas análises vão continuar contaminando com seus equívocos os trabalhos nas nossas universidades por muito tempo ainda, pois seus livros são cultuados e seguidos nas Humanidades. A cegueira voluntária demora muito para se dissipar, se é que isso ocorre: muitos são infensos aos dados da realidade, e preferem continuar se alimentando de ilusões.
Eric Hobsbawm foi um dos grandes ilusionistas do século 20. 
Não será certamente o último, mas ele era um dos mais importantes.
Talvez voltemos agora a explicações mais razoáveis, como as de um Paul Johnson, de um Niall Ferguson, de um David Landes. Pelo menos, são os que me ocorrem de sugerir a alunos em busca de historiadores mais razoáveis (e honestos).

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 8 de outubro de 2012